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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

11 novembro 2013

OPERAÇÃO PRODUÇÃO FORÇOU MILHARES DE PESSOAS ÀS “MACHAMBAS” EM MOÇAMBIQUE

Após a independência de Moçambique, o governo tentou implementar um sistema económico marxista-leninista. Lançou em 1983 a Operação Produção que obrigou milhares de pessoas a deixar as famílias e a ir para o Niassa.

Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique, tinha a braços uma difícil missão após a independência, em 1975: a reorganização do novo país. A queda do regime colonial português abalou a estrutura do Estado (uma vez que, até à data, os portugueses controlavam o aparelho produtivo, económico e burocrático).

Após a independência, registou-se um forte fluxo de pessoas das zonas rurais para as grandes cidades, à procura de melhores condições de vida mas sobretudo porque não se sentiam seguras nos campos com o início da guerra civil em 1976.

Assim, o desemprego disparou, os já frágeis serviços de educação e saúde entraram em ruptura nos centros urbanos (segundo o historiador e antropólogo brasileiro Omar Ribeiro Thomaz) e diminuiu a capacidade de produção de alimentos nas zonas rurais.
 “Vinte pessoas numa família e quem trabalha é uma pessoa só. E são adultas! A quantidade é grande que come.(…) De todas estas zonas vinha dantes o tomate, a couve, o repolho, a cebola, a batata, o arroz, o milho, o feijão, a mandioca, a alface, a banana, tudo aquilo que esta cidade consumia. É isto que vamos produzir!”, disse Samora Machel num discurso.

O primeiro Presidente de Moçambique temia que as pessoas desempregadas, consideradas improdutivas, enveredassem pela criminalidade e prostituição, agravando a instabilidade social. Assim, o governo da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) lançou, em 1983, em plena guerra civil, a Operação Produção.

Milhares de deportados das cidades para os campos

De acordo com estudos do historiador e antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, o programa consistia numa ação policial repressiva, destinada a enviar as pessoas alegadamente improdutivas, marginais e prostitutas, das grandes cidades, para as zonas rurais com baixa densidade demográfica, em particular para o Niassa. Deviam dedicar-se ao trabalho no campo, tornando-se cidadãos produtivos para a sociedade, e aprender a ideologia marxista-leninista.
Ao longo da Operação Produção, as rusgas podiam acontecer a qualquer momento. Segundo o especialista da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil, as forças de segurança saíam pelas ruas de Maputo ou da Beira, por exemplo, solicitando comprovativos de trabalho ou estudante aos homens, e os mesmos ou de casamento às mulheres.

Quem era apanhado sem documentos ficava automaticamente detido e, normalmente ao final do dia, era transportado em aviões lotados para o norte do país. Os detidos não tinham como recorrer da decisão num tribunal (como seria normal num Estado de direito).

A Operação Produção efetou entre 50 a 100 mil pessoas apenas na cidade de Maputo, segundo estudos de Ribeiro Thomaz.
Operação produção enquadrava-se na construção do Homem Novo


Três, quatro vôos por dia para o Niassa

Maria, nome fictício de uma ativista moçambicana, que pediu anonimato à DW África e que acompanhou de perto a Operação Produção, recorda a chegada das pessoas à província do Niassa, a partir de junho de 1983: “a partir das quatro horas, os aviões chegavam ao Niassa com essas pessoas. E daqui eram encaminhadas imediatamente para vários centros. Esses centros não eram na aldeia, eram mato, completamente mato. Cada um recebia os seus instrumentos, enxada, catana, foice, quando chegasse lá, cortava pau, fazia a sua casa para viver. (…) Não posso precisar o número, só sei que passou um tempo e que eram três, quatro vôos por dia. Era muita gente”.
Apanhadas de surpresa nas ruas, deixando tudo para trás, muitas pessoas chegavam ao Niassa apenas com a roupa que levavam no corpo.

“Foi muito difícil porque faz muito frio aqui. E eles como eram apanhados na rua, de qualquer maneira, sem agasalhos nem cobertores, viviam assim mesmo. Muitos deles perderam a vida, não só por causa do frio, mas lá no mato, nos centros onde eram colocados, pelos animais. Uns foram comidos pelos animais e outros doentes morriam pelo caminho, talvez na tentativa de fugir”, recorda a ativista Maria.

Abandonadas à sua sorte

Em vez de encontrarem centros organizados da Operação Produção, as pessoas eram praticamente abandonadas no mato denso, terra de ninguém.

“Eles eram deixados lá, nos centros para produzir. Mas muitos saíram da cidade, não conseguiam capinar. E depois essa retirada compulsiva retirou um bocado moral de fazer alguma coisa e de viver num sítio sem as mínimas condições para um ser humano. Então, no dia-a-dia, a preocupação era a de procurar comida para poder sobreviver”, relata Maria.

Zélia, a voluntária na Operação Produção

Sem possibilidade de se despedirem ou de contactarem os seus familiares, a maioria das pessoas chegava frustrada ao Niassa – à exceção de Zélia Charles.

Natural da Beira, Zélia chegou ao Niassa, em 1983, como voluntária. O marido, que antes tinha trabalhado nos Caminhos-de-Ferro, fora forçado a integrar a Operação Produção. Por amor, Zélia pegou nos filhos e foi com ele.
Foram para a zona montanhosa de Cavago, distrito de Sanga. Mas a guerra civil (entre 1976 e 1992) obrigou tanto Zélia como muitas outras pessoas a procurarem terreno mais seguro. Fixou-se em Unango, no mesmo distrito, onde vive até hoje.
Centro de reeducação de Unango, Niasssa


As precárias condições de vida numa província imensa e inóspita, aliadas à guerra civil, que se estendia a todo o país, tornavam difícil a sobrevivência.

Zélia Charles, que tinha chegado como voluntária na Operação Produção, “não viu muito sofrimento, mas aquele que foi capturado sofreu”, conta, recordando que muitas pessoas “dormiam em sacos, nem tinham pratos, levavam papel para receber a comida e comiam”.

Governo autoriza regresso mas não dá meios

Após a morte de Samora Machel, em 1986, Joaquim Chissano sucede na Presidência da República. Em 1988, Chissano autorizou o regresso para as zonas de origem das pessoas que tinham sido forçadas a ir para o Niassa.

Praticamente deixadas à sua sorte, no Niassa, as pessoas puderam contar apenas com o apoio da Caritas, organização humanitária ligada à Igreja Católica: “quando o governo autorizou, a Caritas foi assistir com mantas, comida. E foi nessa altura que víamos esqueletos humanos, pedaços dos corpos humanos, quando íamos para o terreno distribuir”, diz a ativista moçambicana Maria.
Etelvino Carlos, atual coordenador da Caritas Diocesana de Lichinga, conta que na época foi fundamental o apoio da Caritas alemã que “ofereceu um camião, para além de fundos para combustível e para conseguir comprar alimentação para as pessoas, nas viagens de regresso a Maputo". "Essas pessoas estavam aqui perdidas e não sabiam como localizar os seus familiares”, explica Etelvino Carlos.

Com o apoio da Caritas alemã, Maria, que trabalhava para a Caritas Moçambique, no Niassa, ajudou a preparar as viagens de regresso de muitos moçambicanos, entre 1988 e o ano 2000.

“Então, no princípio, quando a nossa guerra civil dos 16 anos foi muito intensa, foi um pouco difícil por via terrestre. Mas [as pessoas] foram por via aérea. Depois com o término da guerra ou quando abrandou começaram a ir por via terrestre, porque a Caritas alemã doou um camião para transporte dessa gente. O carro fez muitas viagens. Viagens difíceis, as vias de acesso eram pouco seguras. Mas nunca tivemos problemas de ataques pelo caminho”, relata Maria.

Rompimento com o passado

Até ao momento, não se sabe quantas pessoas regressaram do Niassa às terras de origem. Mas sabe-se que muitas romperam ligação ao passado. Perderam irremediavelmente o rasto da família e, por vontade própria, voltaram ao Niassa para recomeçar uma nova vida.

Já sem o marido, Zélia Charles preferiu ficar com os filhos em Unango. Nunca recebeu qualquer apoio que, com o término da Operação Produção, foi prometido pelo governo. Até hoje a maioria das pessoas que integrou a Operação Produção vive da agricultura de subsistência.
Humanismo ou violação dos direitos humanos?

No entanto, o antigo presidente Joaquim Chissano mantém-se como defensor da Operação Produção, programa que ele próprio terminou. “Era um bom programa que visava recuperar delinquentes e marginais. Hoje ridicularizam-nos, dizem que era um programa criminoso, enquanto estava cheio de humanismo”, afirmou Chissano a um jornal moçambicano em 2004.

Fora dos círculos da FRELIMO, o programa é visto como tendo violado os Direitos Humanos e falhado os seus objetivos de reduzir os problemas urbanos e de aumentar a produção de alimentos nas zonas rurais.

Tanto o processo de reeducação como a Operação Produção marcaram a história de Moçambique, em particular da província do Niassa, nos primeiros anos pós-independência. Hoje ainda é um tema sensível entre a maioria da população. Contudo, Maria, a ativista moçambicana, diz que é "uma página ultrapassada".
AS FERIDAS ABERTAS PELO PROCESSO DE REEDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

Entre 1974 e o início da década de 1980, milhares de pessoas – entre elas prostitutas, dissidentes políticos e Testemunhas de Jeová – foram forçadas a ir para campos de reeducação. A maior parte não voltou.

Os primeiros anos da história de Moçambique independente foram um período conturbado. Ainda antes da independência de Moçambique (1975), o governo marxista da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) sentia a necessidade de eliminar os comportamentos e costumes associados ao colonialismo português e ao sistema capitalista, criar uma nova mentalidade e uma sociedade socialista.

Pelo que ainda em 1974, Armando Guebuza, atual chefe de Estado e na época ministro da Administração Interna do governo de transição, anunciou a criação de campos ou centros de reeducação. Este tipo de programa foi característica de outros regimes totalitários socialistas, como o da antiga União Soviética ou da China, por exemplo.
O plano inicial era reeducar, nas zonas rurais, as prostitutas das grandes cidades. Na época, o ministro Guebuza estimou que existiam 75 mil prostitutas só na capital (embora o número contemple, presumivelmente, mulheres que viviam sozinhas e mães solteiras), como reporta um artigo do jornal português "A Capital" de 1974.
O alvo das rusgas alargou-se depressa. Além de prostitutas, milhares de outras pessoas como dissidentes políticos, suspeitos de ligação ao poder colonial português, alcoólicos, autoridades tradicionais (como régulos e curandeiros) e Testemunhas de Jeová (um grupo cristão que recusa, entre outros, o serviço militar obrigatório) foram apanhados nas ruas das principais cidades de Moçambique, em particular em Maputo, Beira e Inhambane, segundo relatos em jornais internacionais.

Cerca de 10 mil reeducandos em 1980

Os detidos eram, normalmente, encaminhados para os postos da polícia e, sem qualquer comunicação à família e sem decisão de um tribunal, eram transportados para centros de reeducação, sobretudo no norte do país. Era como um castigo.
Através do trabalho forçado na agricultura, ou machamba, como habitualmente se diz em Moçambique, as pessoas deveriam ser reeducadas e, nesse processo, aprender os princípios do marxismo-leninismo.

Apesar de não haver dados oficiais, estima-se que, em 1980, cerca de 10 mil pessoas estariam concentrados em 12 centros de reeducação. O número viria a crescer nos anos seguintes - segundo estudos do historiador e antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil.

Em novembro de 1975 foi anunciada a detenção de três mil pessoas em rusgas efetuadas nas cinco principais cidades do país, segundo o jornal tanzaniano Daily News. E em 1982 foi anunciada a suspensão de mais de 500 funcionários públicos e a necessidade de enviá-los para a reeducação.

O mais terrível

Alguns dos centros de reeducação ocuparam as instalações de antigas bases militares. Estavam em locais remotos, distantes das comunidades, de difícil acesso. Conta-se que os fugitivos, quando não eram apanhados pelos guardas, acabavam por ser denunciados pelos camponeses da região ou devorados por feras.

A maior parte dos centros de reeducação localizava-se na província noroeste do Niassa, a maior e menos habitada do país.
O centro de M’telela, no Niassa, para onde foram enviados vários inimigos políticos da FRELIMO, é considerado o mais terrível. Segundo o livro “Uria Simango - Um homem, uma causa” de Barnabé Lucas Ncomo, dos 1.800 prisioneiros que lá entraram, desde 1975, menos de 100 saíram com vida, até 1983. Em M’telela ou nas imediações terão morrido, por exemplo, Uria Simango e Joana Simeão, personalidades ligados à fundação da FRELIMO, que viriam a ser acusadas de traição.
 “Lavar a cabeça” de ideias colonialistas

Natural da Beira, Félix Bingala, hoje com 57 anos, veio para a província por força da reeducação. Conta que foi integrado no programa, em 1975, depois da visita à cidade da Beira do então ministro da Administração Interna, Armando Guebuza. O ministro acusou muitos jovens de serem defensores do colonialismo português.
Na altura com 19 anos, Félix Bingala trabalhava numa loja da Beira quando foi apanhado numa rusga: “carregaram-me. Entrei no machimbombo, fui à 5ª esquadra. Dali mandara-me para o Grande Hotel. Logo de manhã, apareceram muitos machimbombos, carros, e carregaram-me para Sakuze, na Gorongosa. Atravessei o rio Sakuze. Fomos para o mato. Disseram-nos: aqui têm de construir cidade, trazer as vossas mulheres para aqui, para tirar as ideias do tempo colonial, para nos ‘lavar a cabeça’. E ficámos. Era muita gente, toda a raça estava acumulada ali: moçambicana, mista, portuguesa, havia uma mistura de pessoas em Sakuze”, recorda.

Desde esse momento, há 38 anos atrás, Félix Bingala rompeu irremediavelmente ligação com o passado: “desde que estou aqui não tenho possibilidade de contactar com a família. A minha família até pode dizer: ele já morreu; e eu ainda estou vivo”, admite.
RENAMO recrutou homens da reeducação

O centro de reeducação de Sakuze, para onde Félix foi enviado, em 1975, localizava-se na Serra da Gorongosa, na província central de Sofala. Durante a guerra civil (entre 1976 e 1992), a região foi um bastião da RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana.
Foi lá onde a o principal partido da oposição começou a recrutar homens para as suas fileiras, retirando-os do domínio da FRELIMO. “A RENAMO estava a aproveitar estes homens, que já estavam preparados” militarmente, diz Félix Bingala que nunca foi apanhado nas investidas.

Para escapar às rusgas da RENAMO, a FRELIMO transferiu os reeducandos. Depois de Sakuze, Félix Bingala foi para outro centro, em Panda, na província sul de Inhambane, onde, todavia, a RENAMO conseguiu recrutar mais homens. Pelo que em 1978, Félix foi novamente transferido para Majancaze, província de Gaza, onde, conta, também andaram homens da RENAMO.

Um ano mais tarde, em 1979, Félix Bingala foi encaminhado finalmente para o centro de reeducação de Msawize, no mato denso do distrito de Sanga, na província do Niassa.
Antigo Campo de reeducação de Gorongosa


Obedecer para sobreviver na reeducação

Olhando para trás, Félix recorda com amargura os centros de reeducação: “muitos moçambicanos perderam a vida, ao serem comidos por leões, ao fugirem”.
Quanto ao quotidiano, o ex-reeducando lembra: “de dia é trabalho, pegar a enxada para a machamba, ir à pesca, fazer cestas (quem soubesse), comida para a gente comer. Mas a comida não chegava para tudo e vinha da província para lá. Houve dificuldades mesmo. Se alguém saísse um pouco, a população iria amarrar. Nós éramos chamados presos, éramos amarrados, bem esticados. Tinha que se cortar cabelo “assim”, usar saco, para se saber quem é fugitivo. Até havia uma cova grande. Se você praticou alguma coisa, você desce com a escada até lá, tira a escada, fica ali, “caga ali, mija”, de manhã tira, comida vem, recebe e come. Essa era a punição”.

André Ernesto Embalato, natural de Gaza, passou também por centros de reeducação. Trabalhava numa pastelaria, em Maputo, quando em 1975 foi apanhado pela polícia sem documentos de identificação. Esteve igualmente em Sakuze antes de ser transferido até ao Niassa.

“A vida é de ser mandado, de ser batido de qualquer maneira. Quem não obedecia à ordem era batido. Quando tocava o apito, devia-se correr, se fosse quando se estivesse a comer devia-se deixar a comida e receber ordem. Se não receber ordem tem porrada, acontecia assim”, diz André Ernesto Embalato.
Ouvir o Contraste "As feridas abertas pelo processo de reeducação em Moçambique"
Na reeducação as pessoas regeneravam-se ou perdiam a vida?

O centro de Msawize durou pouco tempo mais desde que Feliz Bingala lá chegou, em 1979. Por ordem do governo, começou a trabalhar na empresa agrícola de Unango, no mesmo distrito de Sanga. A empresa estatal recebeu forte apoio da Alemanha Oriental comunista. Depois entrou em falência e Félix Bingala começou a trabalhar na horta, vendeu os seus produtos até conseguir dinheiro para pagar a viagem para Lichinga, a capital provincial do Niassa. Em 1984 encontrou apoio na organização Caritas, ligada à Igreja Católica, onde trabalha até hoje como guarda.
Entretanto, o programa de reeducação tinha terminado. Face à pressão da opinião pública internacional, o Presidente Samora Machel ordenou inquéritos confidenciais sobre as condições de vida nos campos, em finais de 1981, que acabariam por conduzir à suspensão do “processo reeducativo”.

Na época, Joaquim Chissano ocupava a pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros e viria a suceder na Presidência da República, após a morte de Samora Machel, num acidente de avião em 1986.

Chissano elogia ainda o processo reeducativo, como disse numa entrevista, em 2012 , à DW África: “foi pena que nós não [continuássemos] a ter campos de reeducação. Porque não eram campos de tortura, eram realmente de reeducação. A pessoa regenerava-se. Nós criámos campos para pessoas criminosas, pessoas que tinham roubado ou até tinham assassinado. E eram reabilitadas. Era um lugar onde as pessoas faziam a sua agricultura, tinham o seu rendimento, refaziam a sua vida, tinham alfabetização, aprendiam ofícios”.

"Ainda bem que terminou"
Contudo, opinião diferente tem tanto quem passou pelos centros de reeducação como quem acompanhou o fim do programa do governo.

Uma ativista moçambicana, que pediu o anonimato, viveu de perto, no Niassa, o fim do processo reeducativo assim como do programa que se seguiu, a Operação Produção (de trabalhos forçados).

Segundo a ativista“ falar abertamente nesse assunto é um pouco difícil, porque é considerada uma questão política e também foi um projeto menos sucedido que trouxe a perda de muitos cidadãos. (…) Houve feridas abertas, famílias separadas, pais e filhos, muitos perderam a vida. Não foi bem sucedido esse plano. Ainda bem que terminou, porque hoje em dia não vem ninguém para o Niassa para ser reeducado”.



LIVRO DE UNGULANI BA KA KHOSA – “ENTRE AS MEMÓRIAS SILENCIADAS”



Um dos mais emblemáticos e conceituados escritores moçambicanos Ungulani Ba Ka Khosa acaba de lançar, em Maputo, o seu sétimo livro intitulado “Entre as Memórias Silenciadas”, onde reedita algumas memórias silenciadas dos campos de reeducação.
O lançamento da obra de Ungulani Ba Ka Khosa, tido como um dos melhores escritores africanos do século XX, esteve sob a chancela da Alcance Editores e contou com o alto patrocínio da maior operadora de telefonia móvel, a mcel.
Trata-se de um livro que retrata um místico de memórias, desde os tempos idos até aos actuais com principal enfoque aos campos de reeducação.

Tal como o próprio autor afirma, “mais do que retratar as pequenas e grandes misérias da primeira República, o livro, no meu entender, revela os desencontros de uma geração que já não se exalta com os feitos de uma revolução que não consegue renovar o seu discurso. Uma pátria é feita de identidades, de discursos múltiplos. Os meus personagens procuram um chão sólido".
Para Ungulani, a sua obra pode ser interpretada por alguns leitores como um “avivar de páginas recentes e triste da nossa história”, acrescentado que as memórias do seu livro são bastante sensíveis.
“Falo de homens que não estão contentes com seus destinos. Quase todos, ricos ou pobres, geniais ou medíocres, célebres ou obscuros, gostariam de ter uma vida diferente da que vivem”, salientou.

VIRGEM MARGARIDA, FILME DE LICÍNIO DE AZEVEDO
Virgem Margarida" tem como enredo a história real de uma camponesa virgem moçambicana, internada à força num campo de reeducação para prostitutas, como os muitos que surgiram no país no período logo após a independência, cujo objectivo era construir o "homem/mulher novos".

ENTREVISTA COM LICÍNIO AZEVEDO SOBRE O FILME VIRGEM MARGARIDA

Em finais 1975, prostitutas de norte a sul de Moçambique foram levadas para centros de reeducação na convicção de que, através de muita disciplina e trabalhos forçados impostos por militares da pureza revolucionária, corrigissem a “má vida” e se transformassem na “mulher nova” socialista. Mas um equívoco destabiliza as mulheres rusgadas na boémia da rua Araújo em Maputo: Margarida, que nunca esteve com homem, seria igualmente levada. Todas se unem contra a opressão machista e põem a nu as injustiças da “Operação Produção”. Estreou dia 9 no Festival de Cinema de Toronto, e passará por Londres, Rio, Amiens, Córdoba e Dubai antes de brindar as salas portuguesas. Licínio Azevedo, realizador brasileiro radicado há quase 40 anos em Moçambique, conta-nos da sua admiração por estas mulheres e das peripécias de um filme que traz a lume um episódio negro do período pós-independência, quando o governo da Frelimo quis reeducar milhares de “anti-sociais”, dissidentes intelectuais, Jeovás, homossexuais, criminosos, mães solteiras e prostitutas, fazendo-os desaparecer misteriosamente para lugares recônditos de antigas bases da guerrilha, em pleno mato, onde muitos sucumbiram aos castigos e maus tratos. Em 1981 Samora Machel inicia a suspensão do processo reeducativo. Que aconteceu aos reeducados?

Como surgiu a ideia de contar a história dos centros de reeducação de prostitutas?
As prostitutas foram as primeiras a dar vivas à revolução. Tenho acompanhado os 37 anos de Independência em Moçambique enquanto documentarista e sempre me interessou o tema da mulher. É o caso do meu filme A Última Prostituta, um documentário clássico de entrevistas, a partir de uma fotografia de Ricardo Rangel, com dois militares a escoltarem uma prostituta. Na altura chamou-me a atenção o depoimento sobre uma camponesa que tinha ido à cidade comprar o enxoval e, indocumentada, foi levada por engano para os campos. Construí o filme Virgem Margarida a partir dessa história contada por reeducandas: uma virgem num centro de reeducação entre 700 prostitutas.
 
Mulheres aguardando envio aos campos de reeducação (cenas do filme Virgem Margarida) 

Olhando para aquela época, como subjaz a ideia de homem e mulher novos? O que poderia ter de apelativo a limpeza de costumes, contra a indigência e degeneração?
Eu cheguei a acreditar que, através da revolução, era possível purificar o ser humano, criar uma nova sociedade. Agora quero compreender o lado humano destes processos, a contradição dos grandes ideais que, por vezes, se transformam em tragédias pois as pessoas que os dirigem são mais fracas do que os mesmos. No filme, um dos conflitos é o percurso entre as prostitutas e as guardas dos centros de educação, encarregues de reeducar as outras mulheres, que eram militares e camponesas da luta pela independência, com uma visão tão deturpada do país que nem sabiam o que era a prostituição. Os próprios soldados que faziam as capturas, acabados de chegar da guerrilha, não estavam habituados à cidade e equivocavam-se com uma saia curta ou um vestido mais ousado. Levavam mulheres para os campos só porque se vestiam de maneira diferente, usavam batom, ou não tinham documentos. No filme temos por exemplo a amante, a namoradinha com a mãe em casa, a dançarina mãe de família que deixou os filhos pequenos sozinhos e a virgem.
Mulheres no campo de reeducação (cenas do filme Virgem Margarida)


Vemos um país internamente desconhecido, com mulheres do sul, norte, urbanas, rurais, que se vão transformando nesse convívio em “mulheres de uma só nação”. O filme reflecte sobre a libertação da mulher?
É sobre os antagonismos da sua libertação. Remete para a emancipação das mulheres africanas em situações distintas: alfabetizadas ou não, a mulher colonizada e a mulher revolucionária, que percebe a disciplina imposta pelo homem. A reeducação funciona em vários sentidos, todas se “purificam” num certo dualismo: as prostitutas purificam-se porque aprendem coisas como a importância da liberdade e do trabalho, as militares libertam-se das hierarquias superiores. A adolescente virgem torna-se uma espécie de santa: todas a querem proteger ou ser protegidas por ela, profunda conhecedora do mato, ao contrário das mulheres urbanas sem relação com o mundo rural. A reeducação de prostitutas, militares e camponesas foi afinal um processo de mútuo conhecimento, que as leva a unirem-se para se libertarem.

Na união final, parece haver um grito feminista que contrapõe o moralismo que quer reeducá-las para serem boas esposas e mães, aprendizes dos ofícios femininos. Ou seja, os argumentos para a reeducação não contradizem em parte o objectivo de acabar com a exploração da mulher pelo homem?
O filme joga com essa dualidade. As camponesas acusam as prostitutas na sua incapacidade de serem boas esposas, “mulheres da má vida, vocês não sabem varrer o chão, não sabem cozinhar”, já elas vão buscar água para os seus maridos e reflectem a sociedade tradicional moçambicana.

A desconstrução torna-se mais clara quando as militares percebem a fragilidade daqueles a quem devem obediência cega, pois se até o dirigente da Frelimo não cumpria o que mandava fazer.
Sim, o verdadeiro grito revolucionário provem das militares quando dizem “filho da puta, passou para o lado do inimigo”. Revoltada, usa a linguagem das prostitutas, coloca-se contra os homens, pois o militar afinal é um símbolo masculino reaccionário. Já elas dão continuidade à revolução, depois de perceberem que estão a ser julgadas, de maneira indecente, pelo lado machista da revolução. A militar torna-se a verdadeira juíza da revolução.

De onde vem a sua reflexão  sobre a prostituição?
Da minha infância. Vivia numa fazenda no Brasil e houve um episódio curioso. Os meus pais viajaram e fiquei com um tio. Eu tinha quatro anos e ele, bonitão tipo actor americano da época, tinha 18. Levou-me a uma zona de prostituição ao longo da estrada, meteu-se numa confusão, veio a polícia e fugiu, deixando-me ali. E de repente vi-me sozinho com aquelas senhoras que me cuidavam. Só me lembro de um sofá vermelho e moças de fatos bonitos e cabelos compridos a darem-me boa comida e bebida. Anos depois soube que aquelas mulheres eram prostitutas. Vi muitos filmes do Fellini, e sempre tive um grande respeito por estas mulheres. Imagino quando se vêem numa situação de filhos para criar, com pouca escolaridade, classe social baixa, seria incapaz de julgá-las.Description: http://www.berlinda.org/Filmes/Filmes/Eintrage/2012/10/4_REEDUCACAO_DE_MULHERES_-_entrevista_a_Licinio_de_Azevedo_sobre_o_filme_Virgem_Margarida_files/stroke_11.png

 A personagem Rosa é uma trabalhadora do sexo emancipada, não tem nenhum dependente, é forte, com princípios, faz valer a sua palavra, como aparece?
Em cada personagem misturo várias que conheci, a Rosa surgiu-me a partir de uma entrevistada. Era rebelde e muito forte, bem mais marginal e menos lúcida. A Rosa do filme é anarquista, põe em causa a autoridade, mostra o ridículo da disciplina militar. Ao longo do processo é ela que adquire mais consciência de classe, transforma-se numa revolucionária esperta. Não sei o que poderia acontecer-lhe depois do filme, mas com certeza não voltaria à prostituição.

O que aconteceu  a estas mulheres depois dos campos de reeducação?
Duraram praticamente dois anos. Algumas voltaram para Maputo, outras ficaram por lá, casaram com homens da região, fizeram família. Hoje têm cerca de 60 anos. A ida foi bem organizada, já a volta uma grande confusão.

É quase inexistente o confronto com a história recente do país, como se houvesse uma sacralização do período pós-independência que não permite mexer nas suas ambiguidades. Este filme vai ser problemático em Moçambique?
As pessoas não estão habituadas a ter uma visão crítica do passado, o que é essencial para evoluir. Não me interessam as consequências ou o feedback do filme, quero apenas mostrar e quando vejo uma história bonita, escrevo-a. Em Virgem Margarida, o contexto político existe mas não é o mais importante. O próximo filme vai ser a partir de um livro meu, O comboio de sal e açúcar, também mostra atrocidades de um lado e de outro da guerra civil.

Qual era o seu envolvimento político em 1975?
Trabalhava na Guiné-Bissau, só cheguei a Moçambique em 1978 e nem sequer conhecia o processo dos campos de reeducação, só passados dois anos é que se começou a falar disso. Mas à priori até acharia benéfico, na minha visão idealista da época, porque também dizia um não redondo à exploração sexual do colono às mulheres moçambicanas. Só depois, confrontado com as condições reais dos campos, percebi que é preciso mais do que boas ideias.

Em outros filmes seus mostra esta atenção para acontecimentos paralelos a grandes processos históricos, enfoque maior para a realidade rural de Moçambique?
Gosto do campo por estar mais relacionado com as tradições e porque percebo melhor os problemas das mulheres. A realidade urbana em geral é muito violenta, gostaria de contar histórias relacionadas com crime mas é difícil conseguir dinheiro para tal, precisamos de buscar coisas que toquem o coração dos financiadores.

Esta longa-metragem é a continuação do trabalho documental?
A minha formação é jornalismo, trabalhei na revista Versus, influenciado pelo novo jornalismo da escola americana. Na Guiné Bissau escrevia histórias da guerra numa perspectiva ficcionada. Quando vim trabalhar para o Instituto de Cinema de Moçambique foi fácil a passagem para o documentário. Há continuidade enquanto cineasta e escritor, pois os meus filmes estão ligados àquilo que escrevo, e a minha ficção vem do documentário. Tento criar uma linguagem particular para documentário com estrutura dramatúrgica de ficção. O Grande Bazar é uma ficção misturada com documentário, filmado no meio das pessoas. O Desobediência é um filme para televisão com dinheiro para realização de documentário. Inscrevi-o em festivais de documentário e negaram dizendo que era ficção. Depois ganhou o FIPA de ficção. Acabou por ser uma ficção por responsabilidade dos festivais.

Como foi dirigir uma grande produção com equipa técnica de múltiplos países e duzentas mulheres em cena?
Deve ter relação com a história da minha família com muitos militares, habituei-me a comandar as tropas. Gosto muito de dirigir, desde que haja um objectivo bem determinado, e uma ideia bem construída. Comparando com outros realizadores acho que não sou autoritário, ouço opiniões, deixo os actores improvisarem bastante, criando falas e cenas. É uma contribuição que espelha uma boa relação entre o realizador e os actores, ambos sabemos a ideia do filme e eles entendem como o estou a filmar. Não tenho receio de falar com 200 pessoas, quer dizer, sou tímido mas não posso mostrar. Havia dez nacionalidades diferentes envolvidas do começo ao fim do filme. Moçambique, África do Sul, Zimbabué, Angola, Brasil, Portugal, França, Itália, Alemanha, ex-Jugoslávia. Esta mistura de gente e estética podem criar o cinema de periferia, em oposição ao cinema americano em que é todo muito formatado.

Onde filmaram?
As filmagens foram feitas em vários locais diferentes do país, numa zona inóspita. Escolhi Sussundenga, na Província de Manica, no centro do país. O mesmo lugar do documentário A Ponte, reserva Chimanimani, onde fica o Monte Benga, o mais alto ponto de Moçambique. Descobri um rio maravilhoso, o Mussapa Pequeno, que escolhi pois precisava de um rio sem crocodilos onde duzentas mulheres nuas pudessem tomar banho. Fiquei maravilhado, nunca vi tantas mulheres bonitas tomando banho juntas. Filmámos fora da vila onde os homens não tinham acesso. Sempre gostei de trabalhar com mulheres, avisei logo que não queria fazer um filme sobre mulheres só com homens na equipa.

E as actrizes? Imagino que não tenha sido fácil para os maridos deixarem as suas mulheres irem para o mato gravar um filme sobre prostitutas…
Quase não havia actrizes profissionais. Explicámos-lhe tudo muito bem, pediu-se autorização. A Margarida Cardoso gravou a reunião com os maridos para o filme Licínio Azevedo – Crónicas de Moçambique.

O que pode trazer este filme para a produção audiovisual em Moçambique? Como foi o processo do filme?
Foi difícil e moroso. É uma produção bem conseguida mas um esforço enorme e grande luta da produção. É preciso ter nervos de aço para aguentar uma produção com dinheiro saindo aos pinguinhos durante anos, tudo a complicar-se e conseguir agilizar os compromissos. Isto acontece devido ao facto de Moçambique não ter fundos próprios para fazer cinema, de toda esta dependência do exterior. Quando pedimos sujeitamo-nos, não se pode fazer nada. Pondo na balança, o pobre paga mais caro. O nosso filme poderia ter sido feito com 500 mil dólares e gastámos um milhão apenas porque o dinheiro demorou, e por estar tudo atrasado paga-se mais caro. É uma falta de visão um país como Moçambique, que há uns anos tinha dinheiro para o cinema, negligenciá-lo hoje em dia.  


Publicado no Jornal Público 10/9/2012


04 novembro 2013

PRESIDÊNCIA IMPERIAL
Um avião executivo de luxo Hawker 850 XP. A "força aérea" de Moçambique acabou de adquirir um, segundo o sítio Defence Web, publicado no dia 1 de Novembro de 2013. Fabricado nos Estados Unidos da América. Tem um custo estimado de 14 milhões de dólares.
Avião executivo de luxo Hawker 850 XP

 O Sítio DefenceWeb, que se especializa em assuntos militares africanos, publicou no dia 1 de Novembro o seguinte texto, algo hilariante:
The Mozambican Air Force has taken delivery of a Hawker 850XP business jet, the latest acquisition for the country’s small air arm and a major boost to its capacity.
The aircraft entered service in September, according to Air Forces Daily, after being bought second hand from the United States. It left Fort Lauderdale Executive Airport in Florida on its delivery flight on September 9 and had its US registration cancelled on September 18 following its transfer to the Force Aerea de Mocambique (Mozambique Air Force).
The aircraft will most likely be used for VIP duties and is a major boost to the Air Force, which is almost entirely inoperable, although efforts of late have been made to restore some flying capacity. The Air Force has suffered poor serviceability since independence from Portugal in 1975 and the collapse of the Soviet Union and its financial support in the early 1990s.
Portugal, due to its historic relationship with the country, has over the last several years provided much assistance to Mozambique’s military. In July 2012 Portugal delivered a second FTB-337G Milirole utility aircraft to the country, as part of the CTM (Cooperação Técnico-Militar) technical military cooperation agreement between Mozambique and Portugal. This agreement also includes training and the FAP is working with the Mozambique Air Force on pilot and ground crew training in both countries.
Indeed, Portuguese advisors are training aircrew and mechanics at the recently formed Escola Prática de Aviação (EPA – School of Practical Aviation) at the Air Force’s base at Maputo-Mavalene International Airport.
The two FTB-337Gs are used for medical evacuations, maritime surveillance and pilot training, alongside a Cessna 152 and a Piper PA-32 Seneca, acquired around 2011. A Cessna 172 is also used for training at the EPA, according to Air Forces Daily. These aircraft fly approximately 650 hours per year.
According to the IISS’s The Military Balance 2012, none of the Air Force’s combat aircraft are operational, with only a few transports (two An-26s, two CASA 212s and a Cessna 182) and several Z-326 trainers still flying.
(FIM)
O interior da nova aquisição da Força Aérea de Moçambique. Dada a natureza e configuração, presume-se que será para uso presidencial e afim, evitando assim a necessidade das personalidades que o irão utilizar, de se deslocarem pelas estradas nacionais ou de voar na frota das Linhas Aéreas de Moçambique, em desconforto.
Interior do Jacto executivo

Uma empresa especializada no assunto refere que o custo estimado desta aeronave é de 13.7 milhões de dólares, excluindo os custos de manutenção e operacionais. O texto da Defence Web refere que o avião comprado é em segunda mão e não indica o preço pago.


03 novembro 2013

MIA COUTO DISTINGUIDO COM PRÉMIO INTERNACIONAL DE LITERATURA NEUSTADT

Mia Couto

Este é considerado o prémio Nobel norte-americano. Entre os nomeados estavam, o japonês Haruki Murakami e o argentino César Aira.
O escritor moçambicano Mia Couto foi distinguido com o prémio internacional de literatura Neustadt, atribuído de dois em dois anos pela Universidade de Oklahoma desde 1970, no valor de 50 mil dólares (37 mil euros).
A lista de nomeados para o prémio da Bienal Internacional de Literatura Neustadt deste ano integrava o escritor argentino César Aira, a vietnamita Duong Thu Huong, o ucraniano Ilya Kaminsky, o japonês Haruki Murakami, o norte-americano Edward P. Jones, o sul-coreano Chang-rae Lee, o palestiniano Ghassan Zaqtan e Edouard Maunick, das Ilhas Maurícias.
Mia Couto ficou alegre por ser distinguido com o prémio internacional de literatura Neustadt, alegando tratar-se de uma espécie de “contra-corrente” face à situação no país e às “ameaças à sua família”. A distinção com aquele que é considerado o prémio Nobel norte-americano “coincide com um momento conturbado e de preocupação em Moçambique e, em particular, da minha família, que também foi objecto de ameaças”, informou o escritor à agência Lusa, lembrando a “situação crispada [no país] devido à possibilidade de reacendimento da guerra”. Nas cidades “há uma situação de tensão grande causada pelas ameaças de raptos, sequestros e violência”, referiu Mia Couto, que, por ser uma “espécie de contracorrente”, admitiu a alegria de receber uma distinção. 
Em declarações à agência Lusa, Mia Couto quis dedicar, em primeiro lugar, o prémio à sua família, que apelidou de “primeira nação”. “E depois a Moçambique, por todas as razões, mas agora ainda mais, porque temos de ficar mais juntos nessa busca por opções de paz, por alternativas de desenvolvimento”, disse. O escritor assinalou a importância deste prémio ser entregue a um escritor de língua portuguesa para “despertar interesse e atenção” para outros idiomas que não o inglês. O  galardão já distinguiu, entre outros, o brasileiro João Cabral de Melo Neto, Álvaro Mutis, Octávio Paz e Giuseppe Ungaretti.
Além do cheque, Mia Couto vai receber uma reprodução em prata de uma pena de águia.
Mia Couto é o pseudónimo de António Emílio Leite Couto, de 58 anos, autor que já recebeu os prémios Camões, Eduardo Lourenço e o da União Latina de Literaturas Românicas. O autor de Terra Sonâmbula e de Estórias Abensonhadas já recebeu o Prémio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos, o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora, o Prémio União Latina 2007, de Literaturas Românicas, o Prémio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, do Brasil, e o Prémio Eduardo Lourenço, entre outros. A Confissão da Leoa, editado o ano passado é o seu mais recente livro.
LUSA -02/11/2013 - 12:55



31 outubro 2013

O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO
 VIOLÊNCIAS LUSÓFONAS: ANGOLA, MOÇAMBIQUE

Presente desde o século XV nas costas africanas, Portugal só tardiamente empreendeu a colonização do imenso império (vinte e cinco vezes a sua super­fície...) que as rivalidades europeias lhe permitiram talhar no continente negro. Esta tardia e superficial ocupação do espaço não facilitou certamente a difusão de um sentimento de dependência homogénea no interior dos terri­tórios. As organizações que se lançaram na luta armada no início dos anos sessenta tiveram de apoiar-se, no seio das populações não brancas, num senti­mento anticolonial certamente mais virulento do que as suas eventuais aspira­ções nacionais47. Conscientes dos obstáculos com os que se deparava o seu jacobinismo, as direcções nacionalistas concederam rapidamente uma forte atenção aoinimigo interno48 — chefes tradicionais, colaboradores do coloni­zador, dissidentes políticos — acusado de prejudicar a pátria em perigo. Estes traços característicos de uma cultura política que o duplo código genético salazarista e estalinista não predispunha ao culto da democracia representa­tiva iam acentuar-se a despeito da partida precipitada da potência tutelar.
Leia aqui este capítulo dedicado a Angola e a Moçambique:  Download Violencias lusofonas

* Edição portuguesa da Quetzal Editores(1999)

LUTA PELO PODER?


Guebuza e Dhlakama: luta pelo poder?

A mudança de Afonso Dhlakama para Sathunjira, há um ano, representou sempre um barril de pólvora para a estabilidade política no país. A sua estadia foi, por essa altura, diabolizada e apontada como contraproducente por uma extensa lista de riscos para a democracia. Desde então, o país registou uma inusitada entrada de material bélico, uma demonstração inequívoca de que poderia ser resolvido pelas armas o entrave que o diálogo se mostrou incapaz de ultrapassar...
“O que pensas da ocupação de Sathunjira pelas forças governamentais?” Na esfera pública, a pergunta é como apresentar o Bilhete de Identidade. A resposta diz quem és, dá ou tira inimigos, coloca uma etiqueta num país “dividido” em dois por razões políticas. Não pronunciar uma opinião rotunda sobre os últimos episódios na antiga base da Renamo resulta quase suspeitoso. Somos pró Guebuza ou anti-Guebuza, lambe-botas ou revolucionários a favor ou contra Dhlakama.
O meio-termo não está na moda em Moçambique. Guebuza, por mais que se negue, é um animal político superdotado, avivou este desgarro na opinião pública e desde sempre gerou uma idolatria desmedida ou uma repulsa visceral. Dhlakama, ao contrário, é compreendido como um político instável ou até uma corda entre líder militar e político.No entanto, é uma figura incontornável no actual cenário político moçambicano. A fuga dos cérebros da Renamo, por exemplo, é apontada como um dos grandes males de Afonso Dhlakama pelo facto de, por um lado, ter centrado o poder nas suas mãos e, por outro, ter contribuído para afastar do partido a possibilidade de se apresentar como uma alternativa aos moçambicanos.
Portanto, reconhecer hoje, com lucidez, a responsabilidade de um e de outro na situação de conflito armado na qual o país parece ter mergulhado resulta uma tarefa impossível para boa parte da opinião pública esclarecida. Como é Moçambique em 2013? É um país mais livre e mais justo e um dos pilares da integração regional ou uma sociedade dependente de doadores e megaprojectos, acossada de males crónicos como a terrível insegurança alimentar e com uma economia estancada?
“A mim Guebuza fez pessoa”, faz o seu balanço Eleutério Castro. A frase impressiona, sobretudo quando brota sem fanatismo, com uma certeza sem fissuras e um agradecimento profundo. Analfabeto e pobre, este ancião de Angónia considerou-se sempre uma cidadão de segunda até que, passados os 60 anos de idade, criou um negócio com o famigerado Fundo dos Sete Milhões, graças ao Governo. Guebuza pôs, com acerto, no centro do seu discurso, estes moçambicanos esquecidos por governos anteriores e tornou-lhes conscientes da possibilidade de prosperar fora dos grandes centros urbanos. As maiores vitórias do guebusismo são as dezenas de milhares de moçambicanos com nome e apelido aos quais a Presidência Aberta deu voz.
“Neste sentido, creio que olhar para os distritos era uma necessidade histórica”, dizia numa entrevista Joaquim Chissano, antigo estadista moçambicano. Um país não via o outro país, o meio urbano e o rural não dançavam a mesma música e nem falavam da mesma maneira e os líderes políticos e económicos ignoravam a existência e as necessidades da parte mais frágil da sociedade até que o guebusismo deu um sonoro murro na porta e disse: “Estamos aqui”. Esta mudança é irreversível, até a oposição mais recalcitrante o sabe, e qualquer Governo futuro não pode passar por alto esta realidade.
Contudo, Guebuza, com os anos, foi deixando também de fora do seu projecto de país uma parte importante dos cidadãos. Comigo ou contra mim. E assim a exclusão política substitui a exclusão social. Segundo a Instituto Nacional de Estatística, o número de moçambicanos pobres tem vindo a aumentar, enquanto a economia cresce cerca de 7 porcento ao ano. Para os adversários de Guebuza, ao impulsionar estes programas de renda ou alimentação, o Presidente não procurava o bem-estar nem a justiça social, mas sim os votos para perpetuar o seu partido no poder.
A pergunta, agora, é se as promessas de projectos sociais que concederam tanta popularidade ao Presidente da República nos distritos tem estrutura necessária para sobreviver. Desde 2010, o distanciamento de Guebuza em relação aos projectos como Revolução Verde acentuou-se e até o combate ao deixa-andar, que se tinha convertido no seu cavalo de batalha, foi literalmente relegado para segundo plano. A reversão da Hidroélectrica de CahoraBassa e os mega-projectos marcaram uma nova era no discurso de Guebuza.
Na verdade, a economia moçambicana bateu recordes de crescimento, mas milhões de moçambicanos sentem-se hoje desgastados por um projecto político que não se parece em quase nada com o que votaram em 2004 e 2009. Houve em Moçambique uma verdadeira revolução verde e um acirrado combate ao clientelismo e deixa-andar?
Em muitos casos, a desilusão e a impotência são tão fanáticas porque o Presidente contava com apoio e recursos necessários para ter transformado o país e resolvido os seus problemas mais prementes. Começando pelo crescente aumento de custo de vida que culminou com os tumultos de 5 de Fevereiro de 2008 e 1 Setembro de 2010. É difícil saber até que ponto Guebuza é consciente dos seus fracassos, de que o combate ao deixa-andar e a luta contra a pobreza que impregnou nos seus discursos não calaram no fundo de um povo que precisava de novos rumos.
Com o tempo, o Presidente da República cedeu à tentação de um narcisismo extremo que parecia cegá-lo e que o impeliu, inclusive, a institucionalizar o guebusismo para lhe dar continuidade para além da sua pessoa. O líder moçambicano criou condições para que nada lhe fizesse sombra nas suas fileiras enquanto a oposição, totalmente desorientada e dividida, necessitou de anos para encontrar um projecto construtivo e um candidato capaz de se medir com a Frelimo nos pleitos eleitorais. A verdade é que Guebuza foi durante muito tempo líder do Governo e da oposição.
É, portanto, nesta óptica de líder incontestável que o país degenerou na situação de conflito armado. Convencido da importância de eliminar Dhlakama fisicamente para governar sem fissuras, Guebuza deu ordens para que Sathunjira fosse ocupada e o líder da Renamo morto, de acordo com a percepção da opinião pública. Exactamente na semana em que os membros daquela formação política celebravam o desaparecimento físico de André Matsangaíssa. Finalmente, o único adversário de peso de Guebuza acabou por ser um elemento inesperado com que ninguém, e muito menos ele, pareceria haver contado: Dhlakama foi informado do plano, saiu antes do ataque do local e está vivo.
Dhlakama afirmou que não vai retaliar e que não pretende a guerra. Porém, através do porta- -voz do seu partido, Fernando Mazanga, anunciou que tinha perdido o controlo dos seus homens. O que se pode depreender desta volte-face discursiva, passados dois dias, é que existe um espaço para o diálogo ou que o líder da Renamo pretende ganhar tempo para se refazer da humilhação de Sathunijira e, ao mesmo tempo, distancia-se de qualquer ataque que possa ocorrer.

In: Jornal A Verdade, 24/10/2013