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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

23 maio 2012

Economia moçambicana na visão de João Mosca


GRANDE ENTREVISTA COM O PROFESSOR DOUTOR JOÃO MOSCA



ESTABILIDADE ECONÓMICA DE MOÇAMBIQUE É FALSA



“A nossa economia vive acima das suas capacidades”

“Doadores querem fazer propaganda com o falso sucesso de Moçambique”

“Os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo.”

“O Estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo.”

“A produção em Moçambique era melhor nos anos da guerra.”

“11 ministros da agricultura em 32 anos revela instabilidade.”

“Só se lembram do povo quando há eleições”

“Não há nada que nos possa garantir que não haverá mais revoltas populares.”

“A elite não está interessada em sair da dependência, porque beneficia com isso”

“Recursos naturais beneficiam a minorias”

Governantes viajam na classe executiva, doadores viajam na classe económica.





Entrevista conduzida por Borges Nhamirre



Maputo (Canalmoz) - É dos mais activos académicos moçambicanos, em termos de produção científica. Economista de grande gabarito nacional, docente universitário, Professor Doutor em Ciências Agrárias, João Mosca. Foi com este reputado académico moçambicano que o Canal de Moçambique dialogou sobre diversos assuntos da vida do país, mas com principal enfoque na economia.

Mosca responde a todas as questões que lhes são colocadas. Aliás, não escassas vezes, tivemos que interrompê-lo durante a explanação para colocarmos outras questões.

De mais de duas horas de conversa, transcrevemos aqui o essencial da entrevista.



“Estabilidade económica de Moçambique é fictícia”

Canalmoz/Canal de Moçambique (Canal): Li numa entrevista sua à Lusa, onde diz que “a situação económica em Moçambique é crítica. O Governo está assente sobre uma suposta estabilidade económica”. Pode explicar melhor?

Professor Dr. João Mosca (Mosca) - Eu digo que a situação em que o país vive é uma estabilidade fictícia, não diria nos últimos três anos, mas há bastantes anos, talvez há 10 anos. A fundamentação disto não é muito difícil, na medida em que temos vários indicadores de economia.

O nosso Orçamento do Estado é subsidiado em 50% por recursos externos doados ou da ajuda externa. E se formos a entrar no orçamento, veremos que em alguns casos dentro do orçamento público e sobretudo na área do investimento público, há onde mais de 80% do investimento é de recursos externos. Isso significa que grande parte da intervenção pública do Estado, no investimento, e também no suporte de funcionamento do Estado, vem de recursos que não são criados dentro do país, em Moçambique. Isso significa que o Estado está direccionado à capacidade de gerir os recursos e não de gerar estes recursos.

Outro aspecto importante é que a nossa economia tem um nível de riqueza muito baixo, e, portanto, tem a capacidade de poupança também muito baixa. Isto significa que a capacidade de investimento interno é muito limitada. Quer dizer que grande parte do investimento na economia, possivelmente cerca de 80%, em alguns sectores mais, é Investimento Directo Estrangeiro. E dos 20% que se consideram investimento moçambicano, eventualmente algum dele não está realizado. As pessoas só estão lá como sócios, não realizando capitais correspondentes aos 20% que o país dispõe como investimento nacional.

Isso significa que o país, os agentes económicos, o sector privado, em Moçambique, é extremamente débil e sem capacidade de recursos para fazer investimentos avultados na economia.

Por outro lado, sabemos que uma parte importante do défice na nossa balança de pagamentos é financiada por recursos externos, inclusivamente muito recentemente o mercado interno de capital de divisas foi financiado por recursos externos.



“A nossa economia vive acima das suas capacidades”

Então, o que isso quer dizer? Quer dizer que a nossa economia vive acima das suas capacidades. O nível de consumo que tem a nossa economia, apesar de baixo, o nível das actividades do nosso Estado, apesar de baixo, está muito além da riqueza criada em Moçambique. Logo, tudo aquilo que pensamos que existe, os tais equilíbrios da balança de pagamentos, o equilíbrio do Orçamento do Estado, alguns investimentos existentes, algum controlo de inflação, tudo isso é possível, não pela riqueza, nem pelo funcionamento e equilíbrios internos, do mercado interno, não são resultantes da produção nacional, são resultados de recursos externos.

Então pode-se admitir que os tais equilíbrios que se referem estatisticamente são equilíbrios fictícios, na medida em que não reflectem a verdade económica e social de Moçambique, mas sim reflectem recursos externos que estão a ser injectados.

Por isso, eu disse isso e reafirmo. E não sou só eu que digo, vários economistas o dizem. A nossa economia é uma economia cujos chamados equilíbrios macroeconómicos são financiados por recursos externos. Mas também o nosso crescimento económico é muito financiado por estes recursos estrangeiros dos grandes projectos.

Mais: a produtividade da economia não tem aumentando, o que significa que os aumentos da produção, o aumento da riqueza, o crescimento do PIB não são fundamentalmente uma consequência do aumento da produtividade ou de eficiência económica, mas, sim, é resultado de aumento de novas capacidade produtivas, portanto faz sentido essa afirmação.



Canal: Toda essa conjuntura de fraca produtividade, baixo investimento nacional e consequentemente todo este complexo de dependência externa, tem encontrado explicação na guerra que destruiu todo o tecido económico e social do país… portanto, não faz sentido que Moçambique esteja nessa situação em que se encontra actualmente?



Mosca: A guerra é, com certeza, um grande factor. A guerra desestabilizou, desestruturou a economia, destruiu as infra-estruturas, teve efeitos humanos muito sérios, criou efeitos psicológicos de longo prazo, tudo isso é verdade. No entanto, há também problemas de política económica nacional, concretamente, desajustados.

A nossa política económica é assente no pressuposto de que vai haver ajuda externa. A nossa política económica não é feita com base no aproveitamento das nossas capacidades, no sentido de que vai haver um desenvolvimento económico mais endógeno, contando com recursos disponíveis, e, portanto, mais sustentável a longo prazo, menos dependente do exterior.

Naturalmente que isso teria provocado um crescimento económico mais lento, mas isso não era negativo. Assegurar menor desenvolvimento económico, desde que isso implica uma melhor distribuição de recursos; desde que o desenvolvimento seja mais endógeno, desde que as questões sócias sejam mais atendidas, desde que os desequilíbrios de desenvolvimento do território não sejam tão violentos como são neste momento.

Era preferível que o desenvolvimento mais endógeno significasse menos crescimento económico, mas mais equidade, mais sustentabilidade, mais endogeneização da economia, pois penso que há um custo que deve valer a pena ter.

Mas, por outro lado, as próprias instituições internacionais que mais financiam Moçambique, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e alguns países, têm interesses em demonstrar ao mundo que existem casos de sucesso no âmbito das políticas económicas que eles sugerem, na verdade que eles impõem.



“Doadores querem fazer propaganda com o falso sucesso de Moçambique”



Canal: Está a dizer implicitamente que os doadores querem tomar Moçambique como exemplo de sucesso das suas políticas?



Mosca: Pois. Eles querem tomar como exemplo. Eles têm a necessidade de demonstrar como um caso de sucesso, da legitimação das suas políticas externas. Necessitam de um caso que eles possam fazer a propaganda política, o marketing político das suas políticas como exemplo de sucesso. E para quem não conhece Moçambique real, vive o país de fora, revisando alguns indicadores macroeconómicos, pode ser considerado como um caso de sucesso. É isso que as instituições internacionais fazem. Eles financiam Moçambique com o objectivo de legitimar as suas políticas, para demonstrar que as suas políticas são correctas, e até existe caso de sucesso como Moçambique.



“Os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo”



Um outro factor ainda é que depois da guerra houve muitos aspectos que pioraram. Eu considero que a corrupção é uma forte dificuldade de desenvolvimento ao país, sobretudo aquela corrupção que implica promiscuidade entre política e negócios.

Aquela corrupção que envolve milhões de dólares de recursos, que não são canalizados para Moçambique, não são aproveitados no sector produtivo da economia moçambicana.

Alguém dizia-me que poderíamos tolerar a corrupção, desde que os corruptos investissem esse dinheiro. O problema é que os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo. Não investem na agricultura, não investem na indústria, quando muito, algumas das pessoas que se dizem que têm dinheiro em Moçambique, investem nos transportes, nas telecomunicações, no sector financeiro, mas não investem nos sectores produtivos.

E são essas mesmas pessoas que fazem discursos no sentido de que vamos aumentar a produtividade na agricultura, vamos produzir alimentos, mas não fazem esses investimentos. Fazem investimentos em sectores de serviços, onde sabem que devido à maior integração na SADC, sabem que têm maiores vantagens ao nível da região.

Portanto, não existe investimento no sector produtivo e daí a situação em que se encontra a nossa economia. Sem resolver o problema de corrupção, vamos ter sérios problemas para o desenvolvimento da nossa economia.



“O Estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo”

“A quantidade de ministérios é bastante inacreditável”



Canal: Com uma economia fraca, temos três dezenas de ministros. Como explicar isto?



Mosca: Nosso aparelho do Estado é grande, é muito pesado, é ineficiente, é pouco eficaz e tem poucas relações com a população, está pouco próximo do cidadão, logo significa que é necessário fazer reformas profundas na nossa administração pública. Este é outro dos aspectos que faz com que, apesar de a guerra ter terminado já há 16 anos, os resultados da nossa economia, excepto em alguns aspectos, sejam muito fracos e a situação da economia do país seja muito, muito crítica.



Canal: Quais as reformas que sugeria, Dr., para o nosso aparelho do Estado, se já está a decorrer a Reforma Geral do Sector Público?!



Mosca: Na administração pública, o objectivo é sempre aumentar a eficiência, aumentar a eficácia, pôr o Estado mais junto do cidadão, e fazer com que o Estado crie melhores ambientes de negócios, que o Estado deixe funcionar melhor os mercados e desenvolva algumas actividades fundamentais que o sector privado não tem capacidade de realizar.

É preciso rever-se a actual estrutura do aparelho do Estado, com 28 ministérios! Eu venho de dois, três países da Europa onde há 16 ministérios, e são economias que produzem 100 vezes mais que a economia moçambicana; eu venho de países que tem 16 ministérios e tem duas a três vezes mais população que Moçambique!

Portanto, o volume, a quantidade de ministérios é bastante inacreditável.

Segundo ponto, é pôr o Estado mais junto do Distrito, mais junto dos locais. Neste momento, cerca de 80% do Orçamento do Estado é consumido em Maputo. Ora, isso tem que inverter. Tem que ser afectados mais recursos financeiros, mais recurso humanos, mais capacidade executiva e de definição de aplicação criativa das políticas centrais a nível de cada distrito, na medida em que o país é muito diferente de um lado para o outro.

Por outro lado, é necessário qualificar o aparelho do Estado. O Estado está muito fraco de recursos humanos. Por exemplo, na Agricultura, um caso que conheço bastante bem, os melhores quadros com mais experiência e com mais qualificação profissional e com mais formação académica, neste momento estão fora do Ministério da Agricultura. Ora, essa capacidade intelectual não está a ser aproveitada para os fins que são necessários.

Finalmente, eu penso que é fundamental, despartidarizar o aparelho do Estado. O Estado é um aparelho que é de todo o povo. O estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo. O Estado é o órgão que presta um conjunto de serviços de interesse de uma nação, independentemente das exaltações políticas de cada cidadão. Portanto, a despartidarização é uma forma clara de legitimar o próprio Estado perante o Povo, é uma forma clara de recuperar a moral política.

Finalmente, eu penso que seria necessário dar a credibilidade e moralidade ao Estado, no sentido de que os seus dirigentes devem viver tão modestamente quanto possível, os seus dirigentes devem ser fiéis cumpridores da causa pública, os seus dirigentes devem viver com austeridade, desempenhar as suas funções com austeridade e reduzir os custos públicos das suas instituições.

Como vê, estas são as reformas que neste momento não estão a ser implementadas.



“A produção em Moçambique era melhor nos anos da guerra”

Canal: Dr., dizia numa entrevista que a produção em Moçambique estava melhor há 40 anos que agora. Pode apresentar dados concretos?



Mosca: Eu tenho dados concretos em relação à Agricultura. Na agro-indústria, produzia-se melhor nos anos 80. Por exemplo, chá, copra, algodão, sisal, arroz, carnes, leite, todos esses produtos hoje produz-se menos do que nos anos 80, em tempos da guerra. Então, isso significa que alguma coisa está mal!

Mas também há algumas culturas que temos hoje melhor produção: o milho, a mandioca, gergelim, tabaco, açúcar, tiveram respostas positivas, embora nem todos atingiram os níveis dos meados dos anos 70.



Canal: A que se deve esta realidade, na sua interpretação?



Mosca: A que se deve? Principalmente a políticas agrárias inconsistentes. E aquela frase de que a “agricultura é a base de desenvolvimento”, é uma não verdade que se vai verificando há 30 anos! Como é que eu digo isso? Digo porque, neste momento, a agricultura, cuja dita é a base desenvolvimento, tem apenas um investimento de apenas 4% do Orçamento do Estado.

Do investimento total da economia, apenas cerca de 10% é que é para a Agricultura. E se nós retirarmos dessa percentagem, o algodão, o açúcar, o tabaco, a madeira, o resto que fica nas chamadas culturas alimentares é quase imperceptível.

Outro aspecto importante é a questão dos preços. Os preços são permanentemente desfavoráveis aos produtores agrícolas. Os salários no meio rural são, em média, 30% inferior ao salário praticado nos outros sectores da economia.

Portanto, há um conjunto grande de gestão dos instrumentos macroeconómicos que revela que a agricultura parou. Para as diferentes governações que houve aqui, nunca foi a base do nosso desenvolvimento económico, por isso a agricultura vem decaindo ao longo do tempo.

Por exemplo, existe cerca de 140 mil hectares de regadio, mas, neste momento, só cerca de 40 mil hectares estão em funcionamento, e estes não significa que estão em pleno funcionamento. Temos cerca de 70% da nossa capacidade em infra-estrutura de regadio não aproveitada. Paralelamente, ao invés de estarmos a conservar os regadios existentes, estamos a construir outros pequenos regadios por aí, pelo país, sem qualquer estratégia de implantação de regadios.

Outro aspecto é que, por exemplo, as implantações: neste momento, há menos plantações de citrinos, menos plantações de caju, menos plantações de copra, menos plantas de chá, do que havia há 40 anos atrás! Porquê? Porque houve incêndios, porque as pessoas simplesmente arrancaram citrinos e puseram outras culturas.

Portanto, a nossa capacidade produtiva, em termos de capital produtivo reduziu drasticamente.

Para não falar agora das nossas florestas que estão a ser dizimadas, para não falar dos serviços de mecanização, de comercialização, que reduziram bastante.



“11 ministros da agricultura em 32 anos revela instabilidade”



Por outro lado, devo recordar que desde 1975 até agora houve 11 ministros da Agricultura. Isso significa que, em média, cada um está três anos no poder. O que é que isso revela? Revela uma grande instabilidade institucional.

Não só os ministros, os directores nacionais, a estrutura do próprio ministério. Temos, como por exemplo, a hidráulica que já foi secretaria do Estado directamente dependente do presidente; já foi secretaria do Estado dependente do próprio ministério, depois passou para direcção nacional e assim sucessivamente. E depois acontece que quando vem uma nova pessoa pensa que tudo o que tinha antes estava errado.

As políticas agrárias são inconsistentes, são descontínuas e também são desajustadas, por isso tudo isso faz com que a agricultura esteja na situação em que está.



“Só se lembram do povo quando há eleições”



Canal: Com esta situação, a médio e longo prazo para onde é que caminhamos como Estado, que é um ente permanente? Diz-se que passam os regimes, mas o Estado permanece.



Mosca: Uma vez em conversava com um amigo, dizia-me: “Mosca é preciso ter uma paciência histórica”. Eu lhe disse que “teria paciência histórica se soubesse que estamos no bom caminho”.

Portanto, eu penso que é preciso reflectir profundamente na política económica do país, é preciso reflectir profundamente nas políticas sectoriais do país. Já está absolutamente claro que, ao fim de 20, 30 anos, as coisas não funcionaram.

É preciso ter coragem para aceitar ruptura de pensamento, de estratégia, é preciso ter coragem para dizer que vamos pensar profundamente e aquilo que for necessário alterar, vamos alterar.

Enquanto não houver esta percepção à esta consciência e à vontade de alterar profundamente as coisas, nós vamos caminhar num “caminho” que é impossível ter a paciência histórica.



Canal: Olhando para as pessoas que estão a dirigir o país, pensa que é possível essa ruptura?



Mosca: Não sei se é possível essa ruptura, porque quem deve fazer esta ruptura está metido no negócio, está a ganhar dinheiro. Não são produtores, são ganhadores. E para eles, este tipo de situações, individualmente para a sua estratégia pessoal e do grupo, são favoráveis.

E o povo? Só se lembram do povo ou quando existe eleições ou quando há manifestações com pneus a arder. Aí já nos recordámos do povo.



Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres



Canal: Uma situação que parece paradoxal é que o país é “pobre”. As diversas avaliações internacionais, como o IDH das Nações Unidas, mostram que Moçambique está entre os dez países mais subdesenvolvidos do mundo, mas estando em Maputo é possível ver carros de elevados custos a circular: limusinas, Hummers, e temos palácios de luxo aqui… a que se deve essa disparidade? Que pressupostos da Economia Política podem explicar esta realidade?



Mosca: Isso deve-se ao facto de termos um padrão de acumulação e de distribuição super concentrado. Isto é, quem se beneficia dos recursos externos, quem se beneficia do pouco crescimento económico que existe, quem se beneficia das poucas iniciativas empresariais, é cada vez mais um grupo restrito de pessoas. Não existe um processo de crescimento económico inclusivo. Isto porquê? Porque os sectores que estão a promover o tal crescimento económico são poucos. E sob estes sectores, o grupo das pessoas que se beneficia é pouco, não só do lado do capitalista, do investidor, mas também da geração do emprego.

Vai ver a Mozal, vai ver a Sasol, vai ver os projectos de exploração de carvão, são sectores pouco geradores de emprego comparativamente com o volume de investimento realizado. Isto indica que este modelo de crescimento económico produz uma grande acumulação de recursos, seja na sua produção, assim como na distribuição, logo uma grande parte da população não é abrangida por este processo de crescimento económico. O quê isso significa? Que há cada vez mais uma grande desigualdade de rendimento entre a população: os mais ricos são cada vez mais ricos e os mais pobres são cada vez mais pobres.

Devo adiantar que já existem evidências claras e documentos mais sérios e conhecidos, em como a pobreza em Moçambique nos últimos anos não diminuiu e até tende a aumentar. Principalmente nas zonas rurais e não só, assim como nas zonas urbanas. Já existem estudos que confirmam absolutamente isso.

Isso significa que a política de combate à pobreza ao fim de 4 a 5 anos não resultou! Mas porquê? Crescimento e riqueza concentrados, não existe distribuição de recursos, não existe processo de crescimento económico de recursos, logo as desigualdades sociais estão a aumentar, está a aumentar a pobreza.



“Não há nada que nos possa garantir que não haverá mais revoltas populares”



Canal: O economista David Lands escreve na sua obra “A Riqueza e a Pobreza das Nações” que, para garantir a segurança dos ricos, é preciso garantir o mínimo de bem-estar aos pobres”. Com esta situação que Dr. descreve aqui, aonde iremos chegar no tocante à estabilidade social do país?



Mosca: Há pessoas que já foram do Governo e que trabalham actualmente muito perto do poder que dizem que se entre o 5 de Fevereiro (de 2008) e 1 de Setembro (de 2010) foram dois anos e alguns meses, agora se calhar a previsibilidade de convulsões pode ir reduzindo. O que quer dizer com isso? Quer dizer que enquanto as desigualdades sociais, a situação da pobreza vão aumentando, as pessoas vão tendo cada vez mais conhecimento, vão tendo cada vez mais acesso à informação, vão tendo a certeza de que a riqueza está concentrada nas mãos de algumas pessoas. Então, juntando todos estes factores as pessoas ficam indignadas e quando há indignidade a revolta é normal. Portanto, não há nada que nos possa garantir que não haverá mais “1 de Setembro” e se calhar, como alguém já disse, num curto período de tempo do que aquilo que nos separou de 5 de Fevereiro.

Mas há uma coisa importante. As pessoas têm cada vez menos capacidade de aguentar a pobreza. As pessoas sabem que são pobres e resignam-se por isso, mas cada vez menos aceitam essa resignação. E muito menos nas cidades, porque as pessoas vêem a riqueza, vêem os recursos, vêem as pessoas a exibir o luxo. Vêem a possibilidade de melhorarem as suas condições de vida, mas não lhes é dada essas oportunidades. Pelo contrário, são reprimidas, não há uma comunicação para lhes informar da situação, não existe uma relação Estado, governantes e governados.

Portanto, as pessoas sentem-se indignadas. Têm a noção de que podem não ser pobres, querem não ser pobres, mas não podem. Então, as pessoas aderem (às revoltas). É diferente do homem aqui de Polana-Caniço que está em contacto permanente com a riqueza, tem uma capacidade de sustentar a sua pobreza muito diferente da pessoa que está em Gorongosa, que não sabe o que se passa em Maputo, não tem a noção do que se passa em Maputo. A sua capacidade de sustentar a riqueza é muito maior, para ele a pobreza é como se fosse uma “maldição de Deus”.



“A elite não está interessada em sair da dependência, porque beneficia com isso”



Canal: As instituições internacionais continuam a drenar recursos em nome do povo, mas estes parece que só beneficiam a alguns… será importante manter a ajuda externa nos moldes em que vem?



Mosca: Primeiro, é importante dizer que nós não podemos, num espaço médio de tempo, e se calhar de bastantes anos, prescindirmos da ajuda externa. Seria uma catástrofe. Portanto, nós devemos aceitar que a ajuda externa é absolutamente necessária ao país.

O que nós criticamos é como são canalizados os recursos externos. É correcto que os recursos externos sejam canalizados via Estado ou é correcto que a comunidade internacional financie directamente os projectos sem passar pelo Estado? Porque, mesmo que exista corrupção nesses projectos será uma corrupção mais distribuída. E a corrupção é mais concentrada se for realizada pelo Estado.

Portanto, o financiamento directo aos beneficiários, comunidades e aos empresários, é uma das melhores formas. Outra forma é haver pressões no sentido de se assegurar que a governação deve ser transparente e tem que haver medidas violentíssimas para acções de corrupção. E deve ser aprofundada a lei sobre o conflito de interesses. Existe esta lei, a que obriga os titulares dos altos órgãos do Estado a declarar o seu património, mas estas leis não são cumpridas, e quem cumpre individualmente, num caso foi criticado.

Portanto, estas são partes muito importantes para que os recursos externos, que são importantes, sejam utilizados para o desenvolvimento da nação.

Por outro lado, é importante que os recursos externos sejam canalizados para sectores que gerem emprego e que produzam riqueza de uma forma socialmente mais ampliada possível.

Eu estou de acordo com que se deve fazer uma diplomacia inteligente, no sentido de assegurar a continuação dos recursos, mas também estaria de acordo que os recursos fossem destinados cada vez mais aos beneficiários, mas também estaria de acordo que houvesse uma lei de conflitos de interesse, lei de obrigação de declaração do património.

De qualquer maneira é muito importante ter uma estratégia de saída da ajuda externa. E esta estratégia permitiria que daqui a 15 anos a nossa dependência seja reduzida ao mínimo sustentável, e não ter um mecanismo, uma forma de governação assente na ajuda externa, que é aquilo que acontece neste momento.

Estamos numa lógica de crescimento com base em recursos que são doados, aumento da dependência externa, porque há pessoas que ganham com isso.

A elite africana, e também moçambicana, não está interessada com a endogeneização da economia interna, não está interessada em sair da dependência, precisamente porque há uma elite política que se beneficia com isso.





“Recursos naturais beneficiam a minorias”



Canal: Temos recursos naturais: carvão, gás. Agora foi anunciada a descoberta de petróleo, ouro, prata. Com este modelo de governação que temos, será que o Povo pode comemorar a descoberta destes recursos? Estes recursos são mais-valia para o desenvolvimento do país?



Mosca: As experiências que nós temos são de que em África, também nos países árabes, embora nestes cada vez menos, países com grandes quantidades de recursos naturais, são países com sérios problemas políticos, sociais e de instabilidade.

Isso porque os recursos são retirados à nação, beneficiam grupos minoritários no país, as populações não se beneficiam disso, e portanto os países têm cada vez menos esses recursos porque são recursos não renováveis e gera-se problemas. Temos problema de Cabinda, temos problema de Biafra, temos problema de Sudão, assim temos situações em muitos outros países.

Os recursos não são maus, mau é a forma como nós vamos utilizá-los. Por exemplo, a nossa energia é mais cara do que a energia da África do Sul, mas a energia é feita em Cahora Bassa. O que isso significa? Significa que as nossas próprias empresas que produzem esses recursos, também são pouco eficientes. A água não vem de fora, é local. Então há problema de eficiência em toda a cadeia de produção de energia para poder fazer a energia chegar barata para todos os consumidores.

Então, é tudo uma questão de gestão macroeconómica. Por exemplo, porquê é que as grandes empresas não pagam imposto em nosso país? E se pagassem imposto? Existem estudos que indicam que se estas grandes empresas pagassem imposto, não precisaríamos da ajuda externa para o Orçamento do Estado. Precisaríamos de ajuda para outros objectivos, mas não para o Orçamento do Estado. Mas elas não pagam imposto.



Canal: A tese do Governo é que “se fosse para pagar impostos, estas empresas não estariam cá”. Estão cá precisamente devido a esse incentivo de isenções fiscais, neste momento, mas depois de algum tempo terão que pagar impostos...



Mosca: Não. A Mozal pode ser uma caso particular porque importa a matéria-prima. Mas o caso de carvão, eles vêm buscar o carvão cá; o caso de gás, eles vêm buscar o gás cá, o caso das areias pesadas, idem, algodão, idem. Portanto, eles vem buscar recursos, porque é necessidade deles. Se eles não vêm cá buscar os recursos, podem ir buscar noutros sítios, mas nalgum momento eles terão que vir buscar porque Moçambique tem algumas reservas interessantes de gás, de carvão e tem um potencial produtivo de energia para a África do Sul que tem um défice violento de energia que nós devemos aproveitar.

Portanto, nós temos recursos. Se eles querem recursos estão cá. O caso da Mozal é um pouco diferente, porque a Mozal importa a matéria-prima, não aproveita recursos locais, portanto o caso da isenção dos impostos pode fazer algum sentido para a empresa permanecer cá. Mas também há estudos que provam o contrário.

Por exemplo, Castel-Branco diz que isso não é verdade. Portanto, é preciso ver até que ponto a taxação provocaria a saída das empresas do país.

Os recursos naturais de um país devem beneficiar a sua população. Por exemplo, a Sasol exporta gás, mas ao longo do viaduto, de Inhambane até a fronteira, quantas comunidades se beneficiam com o gás? Com bocas de saída de gás para iluminar as comunidades de uma forma sustentável, de uma forma não poluente, e se calhar mais barata, quantas populações se beneficiam? Zero!



“É preciso formar técnicos para gerir nossos recursos”



Canal: Ainda sobre a forma como são explorados os nossos recursos naturais, nós importamos a matéria-prima. Exportamos o gás em viadutos, exportamos a madeira em troncos, não seria mais viável importar produtos acabados? Será que temos uma engenharia qualificada para controlar quanto gás sai do país por pipelines?



Mosca: Tudo isso são coisas que é preciso equacionar. Primeiro, é preciso ter pessoal formado e qualificado que trabalhe no sector. E não sei se nós estamos a formar pessoal com alta qualificação para isso. Os angolanos têm alta qualificação nos petróleos, eles não estão a brincar com o petróleo.

Nós não temos domínio tecnológico de petróleo, do gás, do carvão, nós não temos pessoal moçambicano qualificado para isso.

Também estou de acordo que poderíamos aproveitar os nossos recursos de uma forma sustentável, que poderíamos ter níveis de extracção dos nossos recursos a longo prazo para que as futuras gerações também se possam beneficiar.

É o caso das florestas. Têm o seu ciclo de reprodução, mas tiramos lá os produtos indiscriminadamente. As pescas idem.

O que se está a passar com os garimpeiros das pedras preciosas e de ouro em Manica são coisas absolutamente violentas para a natureza, para as pessoas e não sustentáveis. Mas as licenças das minas estão localizadas em certo grupo de pessoas.

O que acontece nas pescas, nas florestas, é que você tem a licença, mas você não é pescador. Então vem um empresário, deve comprar licença a si. Você vende a licença e fica em casa a ver televisão porque você conhece alguém no aparelho do Estado que lhe deu a licença de pesca e portanto, assim vivemos! Desta forma não é possível desenvolver o país!



“Antes exportávamos madeira, agora exportamos troncos”



Nós estamos a exportar agora depois de uma lei que saiu há dois, três anos, madeira com pequena transformação, mas nossas fábricas de serração estão fechadas. Nós tínhamos indústrias de contraplacados que exportavam em Moçambique, a partir da Beira, que hoje estão completamente em ruínas. Se viaja na estrada que sai da Beira para Manica, vê do lado esquerdo a fábrica em perfeita ruína! Nós estamos a exportar a matéria-prima!

Portanto, nós não estamos a beneficiar o país, mas com certeza que há quem está a beneficiar.

O chinês não vem cá e entra na floresta, sozinho! Ele começa na pessoa que vai lhe passar a licença, passa pela empresa que vai fazer corte e até nas pessoas que vão na floresta buscar a madeira, portanto isso é uma cadeia de interesses que beneficia um grupo muito restrito de pessoas.



Governantes viajam na classe executiva, doadores viajam na classe económica

“O povo vive naquela coisa de que o chefe é chefe, o patrão é patrão.”



Canal: As manifestações de Setembro de 2010 obrigaram o Governo a adoptar uma séria de medidas de austeridade, dentre a redução de viagens aéreas de dirigentes em classe executiva. Pensa que era preciso que a população queimasse pneus para o Governo tomar este tipo de medidas?



Mosca: Era absolutamente desnecessário! É aquela coisa de que “dinheiro dado não custa gastar”. Dinheiro que você não produziu, consome e gasta rapidamente. Nos temos o sentido de consumo. As pessoas que têm dinheiro, o que fazem? Compram carro, casa, quinta na Matola. Quando vão de férias na quinta na Matola passam de supermercado e compram tomate. Mas tem lá a quinta com capim e não produzem tomate. Compram tomate para fazer festa na quinta. Galinha, ovo, cebola e etc. Portanto, nós temos espírito de consumo.

A viagem na classe executiva é um espectáculo de poder, é um espectáculo de influência, é um espectáculo de pessoa importante. Nós gostamos muito de demonstrar aquilo que nós não somos, ou o que nós não temos. Acontece muitas vezes que o homem da organização internacional ou da embaixada vai no mesmo avião na classe económica e o nosso director vai na classe executiva, quando é o homem da classe económica que está a dar dinheiro ao director para ir na classe executiva!

Portanto, significa que há um sentido de consumo muito forte, não o sentido da vida austera, da vida discreta. Há um consumismo, e muito mais quando é financiado por recursos não gerados pelas mesmas pessoas, quando é financiado por um dinheiro falso. Portanto, tudo isso deslegitima completamente a política e os políticos. Os políticos estão deslegitimados, não há credibilidade. Ninguém confia neles, por este tipo de atitudes.

O problema é que o povo também, de certa maneira, é muito permissivo com isso. O povo vive naquela coisa de que o chefe é chefe, o patrão é patrão, ele está lá porque conseguiu, deixa o homem “desarascar”, a vida é dele. Então, fica numa situação passiva e não existe a consciência e a capacidade reivindicativa e de exercício da cidadania de uma forma consciente, informada e correcta.

Portanto, enquanto nós não conseguirmos que os nossos cidadãos tenham esta consciência de cidadania, reivindicativa, de manifestação, de uma forma correcta, é mais fácil que tudo isto aconteça.











Massacre de Wiriyamu - 40 anos depois


40 anos após o massacre que chocou o mundo Atrocidades em Wiriyamu continuam por esclarecer



Escrito por Isadora Ataíde
As consequências políticas do massacre do Wiriyamu resultou numa decisiva vitória política para os insurgentes, o que aumentou a pressão diplomática sobre Portugal e os desacordos entre a Igreja, os militares, os serviços de inteligência e as elites políticas. Isto, por sua vez, contribuiu decisivamente para uma crescente atmosfera de descontentamento entre os militares portugueses com as campanhas em África.

O quê, por seu turno, levou a vitória do golpe militar em Abril de 1974, ao rápido cessar-fogo e a um acordo final em Setembro de 1974 que garantiu a independência para Moçambique sobre o controlo da Frelimo com a repatriação da maioria dos colonos portugueses em Junho de 1975”. Esta é uma das conclusões de Bruno C. Reis e Pedro A. Oliveira no artigo Cutting Heads or Winning Hearts: Late Colonial Portuguese Counterinsurgency and the Wiriyamu Massacre of 1972*, publicado na revista Civil Wars em Março.
 

Em 16 de Dezembro completam-se 40 anos do assassínio de cerca de 400 pessoas na província de Tete. O massacre atingiu as povoações de Chawola, Juwau e Wiriyamu, que ficam a cerca de 25 quilómetros da cidade de Tete. Mulheres, crianças e idosos foram as principais vítimas dos militares portugueses. A região foi bombardeada antes de ser assaltada por comandos pára-quedistas que pilharam, violaram, incendiaram, torturaram e mataram a população.
Esclarecer o que se passou e as suas implicações foi o objectivo de Reis e Oliveira a partir dos relatórios dos missionários que denunciaram o massacre nos media, de documentos portugueses, de relatórios da Frelimo e da literatura histórica. A relevância e actualidade do artigo académico justificam-se na medida em que localização exacta e a extensão das atrocidades continuam em dúvida, inclusive porque as autoridades portuguesas não autorizam uma investigação independente.
 

A ESCALADA DA VIOLÊNCIA

Até 1966 o principal cenário da guerra de libertação foi a província de Cabo Delgado, na qual a Frelimo controlava aproximadamente 120 mil macondes. Na liderança portuguesa estava o General Carrasco, que acreditava serem os conflitos incidentes “tribais” que seriam resolvidos com “caixas de fósforos”. Ou seja: incendiando vilas, forçando a população ao reassentamento e a escolher o seu lado na guerra. O General Augusto dos Santos, entre 1966 e 1969 modificou a abordagem militar portuguesa e definiu uma estratégia de baixa intensidade, centrada na população e na guerra psicológica. O chefe do exército, General Costa Gomes, prefiriu a táctica de atrair os chefes macuas, inimigos dos macondes, para atingir a “espinha dorsal” da Frelimo. Assim, a guerra parecia estar contida e restrita ao Norte do país.

No comando a partir de 1969, Kaúlza de Arriaga optou pela escalada da guerra com o uso intensivo das operações aéreas e de ataques por tropas especiais. Foi neste contexto que aconteceu a Operação Nó Górdio em 1970, a maior acção militar nas guerras coloniais com o envolvimento de oito mil homens. Fragilizados no Norte, “a decisão estratégica dos guerrilheiros da Frelimo tinha sido retirar-se e focar suas actividades no Centro de Moçambique”, analisam os historiadores. A facilidade de infiltração em Tete a partir das fronteiras internacionais e a concentração das tropas portuguesas no Norte foram vantagens aproveitadas pela Frelimo para organizar pela primeira vez ataques contra os colonos portugueses na região.

A população de Tete resistia aos reassentamentos promovidos pelos militares e às acções de resistência da Frelimo cresciam na região entre 1971-72. O General Arriaga e o Ministro da Defesa, Cunha e Silva, visitaram a zona no princípio de Dezembro de 1972 e na ocasião “pressionaram oficiais locais a agir, a tomar a ofensiva, a atacar os insurgentes e a ter resultados rápidos”, observam Reis e Oliveira. No dia 14 de Dezembro aviões civis tinham sobrevoado e disparado sobre a zona de Wiriyamu. A Direcção-Geral de Segurança (DGS) enviou no mesmo dia uma equipa ao campo para obter informações, o que se revelou inútil e levantou a suspeita entre os portugueses de que a população apoiava a Frelimo. No dia seguinte, na véspera do massacre, seis homens portugueses foram mortos numa emboscada dos guerrilheiros enquanto batiam a zona.


RETALIAÇÃO PORTUGUESA

A “Operação Marosca parece ter sido ordenada como retaliação das operações conduzidas pela Frelimo na área”, assinalam os investigadores. Os sobreviventes do massacre recorreram ao Hospital de São Pedro, onde relataram as atrocidades aos missionários espanhóis José Sangalo e Vicente Berenguer. A Cruz Vermelha e o Bispo de Tete visitaram o local 20 dias depois do ataque e encontraram corpos sem sepultura, o que confirmava o relatório dos missionários. Embora a Conferência Episcopal tenha requerido uma investigação ao governador Pimentel dos Santos, esta nunca se concretizou. Em Junho de 1973 a denúncia dos missionários foi enviada à Aministia Internacional em Londres. Contudo, o massacre apenas tornou-se público quando apareceu na capa do jornal britânico The Times, em 10 de Julho de 1973, sete meses depois dos assassínios.

Marcelo Caetano, o sucessor de Salazar, era esperado em Londres uma semana depois da manchete no âmbito das comemorações dos 600 anos de aliança entre Portugal e o Reino Unido. Os portugueses negaram o ataque, inclusive com o argumento que Wiriyamu não existia por não aparecer nos mapas. Entretanto, o governo britânico passou a monitorar a situação e a pressão internacional sobre Portugal cresceu, “poucos tinham dúvida de algo muito sério tinha se passado em Tete”, observam os historiadores. As dúvidas dissiparam-se quando o Ministro da Defesa reconheceu em comunicado oficial que “alguns elementos das forças armadas tinham se separado, ignorado as ordens e cometido actos repreensíveis”.

Um inquérito, a pedido de Marcelo Caetano, foi conduzido pelo colono Jorge Jardim em Agosto e concluía que as tropas portuguesas tinham cometido “excessos”. Portugal reconheceu publicamente o “erro” militar, justificado pela necessidade de “aliviar a pressão insurgente sobre a cidade de Tete” e porque a “população estava inteiramente subvertida e ao lado da guerrilha”, o que tornou “impossível” distinguir entre guerrilheiros e populares. O chefe militar do distrito foi demitido, contudo, não foram requeridas punições individuais aos militares envolvidos.
O sucesso da provocação da Frelimo é a primeira conclusão de Reis e Oliveira sobre o massacre de Wiriyamu, dadas as suas consequências para as guerras de libertação na África de língua portuguesa e as suas independências. Ponderam ainda, na óptica dos conflitos contemporâneos, que “isto é, portanto, uma ilustração paradigmática do impacto desproporcional que a guerrilha pode alcançar na internacionalização dos conflitos inter-estados na era pós-colonial”.


ATROCIDADES EM WIRIYAMU

Definir alvos e dividir e reinar entre a população foi uma estratégia adoptada pelos portugueses e pela Frelimo na análise dos autores. Se os macondes lutavam pela libertação e os macuas apoiavam os portugueses, quando as forças da Frelimo mudaram o teatro de operações para o Centro do país a população já não pode manter-se afastada do conflito e foi obrigada a posicionar-se. “Uma das faces das dinâmicas das guerras civis – relevante para Wiriyamu – foi a estratégia insurgente de ter como alvos os chefes locais que eram vistos como pró-portugueses. A necessidade de reagir a esta tendência em Tete foi outra das justificações para o ataque que levou ao massacre de Wiriyamu”, apontam Reis e Oliveira.

Um memorandum para o General Arriaga esclarecia que a Operação Marosca era baseada nos serviços de inteligência, que apontavam uma base na região entre ‘Fumu Williamo’ e a ‘Cantina Raul’ com 300 guerrilheiros chefiados pelo líder Raimundo. Assinalava ainda que estes viviam entre os moradores e contavam com a sua protecção, suporte, informação e silêncio. O oficial português António Melo, que retornou a Moçambique anos depois, reconheceu à repórter Felícia Cabrita a sua culpa nas atrocidades, “eu não sei quando irei encontrar repouso”.
Os historiadores concluem que houve um assassínio em massa que envolveu tortura e extrema crueldade em três localidades: Wiriyamu, Juwau e Chawola. Entre os relatos dos sobreviventes, o caso de uma mulher grávida que foi estripada pelos militares para estes verificarem o sexo da criança que nunca iria conhecer a vida. Os académicos avaliam também que o massacre não se caracterizou como um genocídio por não se tratar de um crime massivo e sistemático e por estarem entre as vítimas pessoas de diversas etnias. “O preço de se evitar assassínios em massa em larga-escala foi frequentemente forçando os reassentamentos, assim como o uso abusivo de milícias locais, de um aparato de inteligência e principalemente de restrições à liberdade da população local. Pode ter acontecido uma patologia específica na centralização da população na qual a atrocidade de Wiriyamu poderia ser paradigmático exemplo: a definição como alvo das populações locais que se recusaram a tomar o lado dos contra-insurgentes”.
Este artigo revela efectivamente que o colonialismo português foi bastante cruel em África. Mas todas as estratégias militares implementadas pelo exército colonial português num fracasso porque a determinação do Povo no alcance da liberdade estava acima de quaisquer vontade política. É urgente que se crie um monumento digno do ponto de vista estrutural para para recordar-se a memória deste massacre.


*Bruno C. Reis é investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Pedro A. Oliveira é pesquisador no Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O artigo Cutting Heads or Winning Hearts: Late Colonial Portuguese Counterinsurgency and the Wiriyamu Massacre of 1972*, foi publicado na revista Civil Wars em Março de 2012.

Extraído do Jornal Savana e adaptado por Jorge Fernando Jairoce


22 maio 2012

SOBRE A CORRUPÇÃO EM MOÇAMBIQUE


SOBRE A CORRUPÇÃO EM MOÇAMBIQUE
 Por Jorge Fernando Jairoce



O debate sobre a corrupção tem suscitado inúmeras interpretações por parte dos políticos, jornalistas, organizações da Sociedade Civil, etc. Neste aspecto é preciso realçar o esforço da UTREL (Unidade Técnica de Reforma Legal) dirigido por Abdul Carimo e outros orgãos ligados a justiça na elaboração de instrumentos legais visando o combate da corrupção em Moçambique. Mas antes de avançarmos para argumentos em tornos da temática é preciso perceber que  um acto é corrupto se um membro de uma certa organização ou instituição utiliza-se da sua posição, seus direitos de tomar decisões e seu acesso a informações  ou algum outro recurso restrito para obter uma vantagem para si ou para terceira pessoa recebendo em troca uma vantagem económica ou pessoal. Quando o acto corrupto envolve cargos de alto nível, maior será o seu impacto e por, consequência, maiores os incentivos para a ocorrência de “transbordamento” espalhando a corrupção para níveis inferiores, ou possibilitando o surgimento de outras lideranças como frequentemente se observa no jogo político.

A corrupção baseia –se em lógicas específicas calcadas em incentivos negativos (ameaças, penalidades) ou positivos (materiais como o suborno ou imateriais baseados em laços pessoais). A corrupção em Moçambique não ocorre somente no sector público, ela faz-se sentir também no sector privado na medida que os agentes privados fazem o uso dos recursos públicos e se benefeciam das suas relações privilegiadas (é só ver que são empresários de sucesso em Moçambique) com os membros dos três poderes (legislativo, judicial e executivo) para alcançar seus objectivos e escapar da punição. A democarcia não se compadece com este tipo de relações assimétricas. Existem em Moçambique condições propícias para ocorrência da corrupção nomeadamente: elevada burocracia, o sistema judiciário lento, pouco eficiente e acorrentado ao poder executivo, o elevado poder discricionário na formulação de implementações políticas e os baixos salários no sector público. Mas na verdade o que me preocupa não é a abordagem epistemológica da corrupção, mas sim a forma como o discurso de corrupção é enaltecido pelos dirigentes políticos. O presidente da República, Armando Guebuza desde que subiu ao poder sempre falou do combate a corrupção, aliás, se estão recordados no primeiro mandato o discurso era: combate a corrupção, burocratismo, espírito de deixa andar e pobreza absoluta. No segundo mandato o discurso é simplesmente combate a pobreza. Porque esta mudança? Será estratégia política ou o presidente observou que não é tarefa fácil combater a corrupção em Moçambique devido a conflitos de interesses dos dirigentes políticos? É um dado relevante que a corrupção não baixou pelo contrário aumentou segundo dados da Transparência Internacional. Neste momento a corrupção do alto nível é que está em voga, onde os dirigentes públicos criam empresas privadas que vencem licitações, ou seja, um ministro cria uma empresa de prestação de serviços no ministério onde dirige. Que vergonha! Existe ainda  o aproveitamento económico dos recursos naturais recentemente descobertos em Moçambique através de parcerias entre os megaprojectos e as empresas dos dirigentes políticos ou então a recepção das comissões para facilitar a entrada de empresas estrangeiras que exploram os recursos naturais, razão pela qual os contratos com os megaprojectos não são tornados públicos. E depois rotualm-se de empresários de sucesso vivendo a custa do sofrimento do Povo. O espantoso de toda esta panacéia é o facto da bancada parlamentar da FRELIMO abster-se na votação da Lei Anti-Corrupção com argumentos ilógicos como se o Povo fosse idiota. O Código de Ética do Servidor Público apesar de ter sido aprovado ele permanece hibernado até a vontade política assim o desejar. Que Parlamento temos em Moçambique? Aliás é preciso recordar o discurso do Teodoro Waty reivindicado subsídios de exclusividade para os deputados como forma de evitar conflitos de interesses. Estamos em Moçambique meus senhores. Os funcionários públicos auferem salários baixos e os deputados são beneficiários de salários astronómicos e regalias infinitas e ainda exigem mais. ...Santa Maria.....não basta o sofrimento deste Povo heróico que tem que sobreviver com baixos salários?  Mal conseguem pagar transporte, alimentação, educação e saúde para os seus filhos.

A não aprovação da Lei Anti-Corrupção na sua totalidade enfraquece a democracia moçambicana e mina o desenvolvimento social e económico do País. É caso para dizer que os corruptos tem receio de aprovar a Lei com o medo do feitiço virar contra feitiçeiros. É momento de reflectirmos sobre o tipo de sociedade que pretendemos construir para os nossos filhos. Há mais....



 

A RAZÃO DO MEU BLOGSPOT  NA ÁREA DE HISTÖRIA



Meus caros amigos tive um intervalo de dois anos sem escrever e isto criou-me uma grande angústia pelo facto de não estar a contribuir para a cidadania moçambicana. Então decide retomar a escrita na esperança de contribuir para o debate de ideias em torno do pulsar da sociedade moçambicana. Assim denominei o meu blog de Historiando: debates e ideias na esperança de  provocar alguma reflexão em torno da História de Moçambique no que concerne a pesquisa, publicação e o seu ensino. A nossa História de Moçambique ela é quase virgem em termos da sua pesquisa. Ha vários temas para serem explorados. Dos temas já publicados precisam de ser reescritos vistos que carecem de alguma legitimidade científica. Vejam que em  nenhum momento desconsiderei a pesquisa já efectuada. Mas é preciso crer que  ela foi produzida  com algum cunho ideológico enaltecendo muitas das vezes a heroicidade de certos dirigentes políticos da FRELIMO e desqualificando outros. É assim, por exemplo que fomos incutidos ideias como...Chipande disparou o primeiro tiro...Urias Simango foi reaccionário....Mondlane foi assassinado no seu escritório na Tanzânia...etc. São alguns capítulos mal escritos da nossa História que precisam de reinterpretação. É como muito agrado que acompanhei a partir de Porto Alegre que vai ser criada a Associação dos Historiadores em Moçambique. Há muito que se precisava de se criar um movimento como este, sabido da importância que os Historiadores podem dar na edificação da nação moçambicana que cada dia que passa vai perdendo  a sua inspiração por culpa dos dirigentes políticos libertadores da Pátria que hoje viraram delapidadores da Patria. A esta associação da qual farei parte se for admitido como membro tem a grande missão de pesquisar os temas candentes da História de Moçambique à luz da teoria africanista e pós colonial, visto que até agora predomina uma História de Moçambique acorrentada a concepção eurocêntrica, ou seja uma história dos portugueses  e de Portugal em Moçambique. Novos temas deverão ser abordados como a história social da mulher, dos movimentos operários, dos informais, dos operários..... enfim a classe até então ignorada nos escritos da História em Moçambique. A pesquisa, divulgação e preservação do património cultural constituirá também um grande desafio para associação visto que é lá onde reside a memória do Povo. É preciso também que se reveja os curricula de História bem como a produção dos manuais escolares. Gostaria de realçar que este último aspecto é de extrema importância pelo facto dela estar vinculada a questão da ideologia e da cidadania moçambicana.

Precisa-se modernizar o Arquivo Histórico de Moçambique para tornar possível a consulta de certos documentos via internet e não só. Deve-se produzir documentários históricos e promover prémios de pesquisa e  debates históricos no País. Quem sabe assim torna-se possível levantar a autoestima dos moçambicanos. Não disse que os moçambicanos não tem autoestima. Obviamente que a História da Luta de Libertação Nacional constitui o património histórico nacional e ela deve continuar a ser valorizada mas sem que a mesma seja propriedade alheia  de um determinado partido, mas sim de todos os moçambicanos. O meu blog estará também sempre atento aos acontecimentos quotidianos de Moçambique e do mundo porque a História é elaborada com base nesta vivência quotidiana. Assim, vou puder publicar alguns comentários não acabados sobre a nossa forma de fazer política, economia, cultura, enfim a nossa maneira de viver. Por isso o próximo comentário será em torno da lei da corrupção  e do código de ética do servidor público no País. Os vossos comentários, críticas serão acolhidas com muito agrado e sujeitos a ressignificação neste blog. Os estudantes  moçambicanos em Porto Alegre vão  comemorar a Independência Nacional promovendo actividades como palestras, cinema e exposição do artesanato moçambicano na semana de 25 a 29 de Junho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Achamos que constitui uma forma humilde de enaltecer a nossa moçambicanidade além fronteira. Pode conferir o programa no clicando ao lado direito Celebrando Mocambique. Abraços.



Jorge Fernando Jairoce

Professor de História na Universidade Pedagógica

Licenciado em ensino de História en Geografia

Mestre em Educação/Ensino de Histöria

Doutorando em História
A PROPOSITO DA CIMEIRA DO RIO  2012- AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL

Meu caro amigo Khosa escrevo –lhe para exprimir a minha opinião sobre a Teoria de Desenvolvimento Sustentável (DS). Considero que os objectivos e princípios da Teoria que  consistem em explorar racionalmente os recursos e preservar o ambiente para amanha  ser realmente bestial. Acontece porém, que os paises desenvolvidos que advogam esta Teoria são  os que mais destroem o ambiente. Ora vejamos,  quem explora os recursos de forma desenfreada  e desregrada ao nível  dos paises em via de desenvolvimento da qual Moçambique faz parte? São os paises desenvolvidos. Parece que o DS é para os pobres deixarem seus recursos para o rico consumir. É só ver a madeira que é exportada ilegalmente para China. O carvão, o gás natural, as areias pesadas não são consumidas directamente em Moçambique e os ganhos para o país até agora não parecem  transparente aos olhos do pacato cidadão contribuinte através dos mais variados impostos. É por isso que o Rei da Espanha vem caçar os animais em África como diversão. E depois dizem que é caça desportiva. A população ao redor dos Parques Nacionais não podem caçar os animais, alterando substancialmente a sua dieta milenar, mas paradoxalmente permite se a caça desportiva que não benefecia a mesma comunidade. E para piorar os animais invadem a sua cultura  e eles não podem abater. É so ver a questão dos reassentamentos populacionais. Parecem animais na reserva. Estes é que benefeciam do DS? Os ricos exploraram tudo nos seus paises e agora vem com a Teoria de DS para nos enganar. Há que repensar esta Teoria. Atenção em nenhum momento rejeito a Teoria, só questiono a forma como nós consumismo (nós africanos) e a forma como o Ocidente desfruta dela. Veja o que a China, EUA fazem em prol do DS. Nada ou quase nada. Nós é que pagamos a factura. Até quando meus senhores? Que a Cimeira do Rio responsabilize os maiores destruidores do ambiente mundial. Caso contrário será sempre uma cimeira de exclusão. Abraços meu amigo.