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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

18 setembro 2012

O “PERÍODO DE TRANSIÇÃO” PARA A INDEPENDÊNCIA E AS SETE FRELIMOS EM 50 ANOS


Reflecte-se, estes dias, por decorrer em 2012 o 50º aniversário da constituição da Frente de Libertação de Moçambique, sobre o que foram esses 50 anos. Comecemos pelo evento seminal de toda essa experiência: a Independência em 1974. Formalmente, decorrente dos Acordos assinados em Lusaka no dia 7 de Setembro de 1974, estabeleceu-se uma trégua militar (Moçambique foi o único teatro da chamada Guerra Colonial portuguesa onde, após o golpe militar em Portugal ocorrido no dia 25 de Abril de 1974, a guerra não só não parou como de facto recrudesceu, por opção da Frelimo (e alguma desistência por parte da força militar portuguesa), cuja forma de abordagem na altura permaneceu essencialmente militar, e implementou-se algo a que se chamou “Periodo de Transição” (ver o folheto em baixo).
Mas na realidade, não houve qualquer transição.
Ou melhor, no dia 20 de Setembro de 1974, após um breve, vigoroso protesto de principalmente portugueses e moçambicanos brancos na zona de Lourenço Marques, ainda hoje conotado como uma tentativa frustrada de UDI (o que considero totalmente descabido) de que resultaram graves distúrbios até hoje não inteiramente esclarecidos, e com o apoio activo das forças militares portuguesas, tomou posse um governo inteiramente controlado pela Frelimo, ainda que se obedecesse à formalidade de o mesmo ser “liderado” por um alto-comissário português, a quase patética figura do Almirante Vítor Crespo, um dos Libertadores de Portugal, e de uns portugueses totalmente colaborantes (como não podia deixar de ser). Na realidade, os chamados Acordos de Lusaka (celebrados desde então com um feriado nacional em Moçambique) não foram acordos. Foram uma rendição militar portuguesa, seguida da entrega imediata do poder de Estado, por Portugal, à liderança da Frelimo. Tal como o governo colonial, o Governo de Transição, cujo primeiro-ministro era Joaquim Chissano, administrou o território em estrita coordenação com a Frelimo em Dar es Salaam, por simples decreto, ou seja, em ditadura. A desconfiança e os receios da comunidade branca quanto à ideologia, às intenções e capacidades de governação dos até então guerrilheiros (aparte o detalhe de se passar numa semana de uma cultura de demonização dos até então “turras comunistas” para os elogios mais rasgados à liderança do movimento nas páginas do Notícias e da revista Tempo), aclamando os “libertadores” e denegrindo tudo o que tivesse sido feito no passado, rapidamente teve efeitos.
Governo de transicao da Frelimo (Joaquim Chissano e Victor Crespos)
Após um segundo incidente, breve, de tiroteio em plena baixa de Lourenço Marques (que tudo indica ter sido uma rixa entre militares que deu para o torto) no dia 21 de Outubro de 1974, o êxodo de portugueses e brancos de Moçambique, cerca de 240 mil em 1974, adquiriu um novo ímpeto. À falta de um único, ténue, sinal de tentativa de reconciliação e inclusão e de olhar para o futuro em vez do passado, por parte da Frente, em menos de dois anos, mais do que 95 por cento desta população, que constituia a quase totalidade dos quadros governamentais e empresariais (e médicos, enfermeiros, engenheiros, técnicos, professores, mecânicos, etc)  abandonou Moçambique, sem qualquer ajuda e perdendo o pouco ou muito que tinham, perspectivando um futuro totalmente incerto e quiçá sombrio. Para estes, espalhados por todo o mundo e rotulados como retornados em Portugal, acabaram-se os “bons” velhos tempos, agora preservados em memórias vívidas, punhados de fotografias a preto e branco e os filmes “do outro lado do tempo”, displicentemente acusados por alguns idiotas desconhecedores, de saudosismo ressabiado e até reaccionário.
Governo de transição de Moçambique, 1974


Pois é.
A reacção do governo de Transição e da Frelimo foi categórica e pode-se resumir ao seguinte: por direito, quem manda em Moçambique é o Comité Central da Frelimo e mais ninguém, e quem não estava com a Frelimo estava contra a Frelimo. É neste clima de exaltação nacional e também tragédia grega, que se comemora a data da Independência formal, no dia 25 de Junho de 1975. Na prática, Moçambique passou de um regime de partido único de índole colonial para outro regime de partido único, de índole nacionalista e comunista. O povo moçambicano, então quase totalmente rural (à excepção dos arredores de Lourenço Marques, Beira e Nampula), pobre e analfabeto, absolutamente encantado com a novidade de ter dos seus a governar e electrizado por um futuro róseo de independência e ainda pelo enorme carisma de Samora Machel, cujo deliberado culto de personalidade se iniciou logo início no chamada “fase” de Transição, não reparou, nem tinha a mínima noção dos planos da Frelimo de, logo em seguida, envolver o país em guerras com a África do Sul e com a Rodésia, os últimos redutos de governação por uma minoria branca na África Austral.
O significado – e o custo absolutamente formidável em termos humanos e materiais – do lema “a luta continua”, depressa se começou a entender após a realização, nove meses mais tarde, da cerimónia formal da proclamação da Independência, por Samora Machel, recentemente chegado à cidade após uma ritual “marcha” de Norte para Sul, envergando a farda militar, num estádio de futebol em Lourenço Marques. Mas não havia quanto a isso discordância, nem era permitido haver. E, afinal, a razão e as circunstâncias da História há algum tempo pareciam que estavam do lado dos novos governantes – os “Libertadores”.
A paz, ou melhor, a ausência de guerra, essa, teria que esperar quase vinte anos, Entretanto, Moçambique suportou directamente o preço de colocar o Senhor Robert Mugabe no poder no Zimbabué e de pressionar, sem grande sucesso, o Partido Nacionalista em Pretória a negociar uma transição para a democracia na África do Sul. Em Pretória, os boers limitaram-se a demolir tudo em seu redor, jogando pelo tempo e pelo desmoronamento dos países da Cortina de Ferro, o que começou a acontecer a partir do início do segundo mandato de Ronald Reagan em 1985, ano em que Samora, sentindo a mudança de paradigma para vir, o visitou em Washington. Após uma estrondosa derrota em Cuito Cuanavale em Angola em 1988, os boers, numa posição de força, trouxeram Frederick de Klerk para a chefia do governo e negociaram detalhadamente o seu futuro. No seu III Congresso, realizado entre os dias 3 e 7 de Fevereiro de 1977 no antigo Clube Militar de Lourenço Marques, corporizou-se a terceira de seis “Frelimos”, quando se instituiu um regime marxista-leninista de índole populista, em que a  Frente passou a ser o único partido autorizado e a sua palavra a única que contava. E a cúpula da Frelimo decidiu, à falta de melhor, “refundar” Moçambique e criar um novo “Homem Moçambicano”.

A terceira de seis Frelimos?
A meu ver, sim.
Vejamos em resumo:

Frelimo I
A primeira Frelimo durou entre 1962 e 1969 e resultou de uma coligação de nacionalistas de várias origens, eventualmente liderados pelo Dr. Eduardo Mondlane, secundado pelo Reverendo Uria Simango. O ponto de viragem foi o assassinato do Dr. Eduardo Mondlane em 3 de Fevereiro de 1969 e o banimento de Uria.
Eduardo Mondlane e Urias Simango (Presidente e vice presidente da Frelimo)


Frelimo II
A segunda Frelimo existiu entre 1969 e 1974. Era militarista, hierárquica e marxizante e liderada por Samora e Marcelino dos Santos. Era basicamente uma máquina de guerra, financiada pela China, União Soviética e demais países da Cortina Ferro, com algum apoio não militar sueco. O ponto de viragem foi o golpe de Estado em Portugal e as subsequentes negociações, realizadas fora de Moçambique, na cidade zambiana de Lusaka, Lourenço Marques então tido como “terreno hostil”.

Acordos de Lusaka, 7 de Setembro de 1974

Frelimo III
A terceira fase decorreu entre 1974 e 1977, em que o movimento de guerrilheiros toma conta do governo do país e principalmente das cidades, e que termina com o III Congresso da Frelimo, a partir do qual o partido e o próprio Estado se confundem.
Hastear da bandeira de Moçambique no Estadio da Machava em 25 de Junho de 1975


Frelimo IV
A quarta fase ocorreu entre 1977 e 1986, caracterizada por um crescendo da guerra e da ditadura, terminando com a morte por acidente de Samora Machel em 19 de Outubro de 1986, ao regressar de uma reunião na Zâmbia, tudo indicando que, se não houvesse ocorrido, grandes mudanças estariam para vir. No entretanto, viveram-se dias terríveis de medo, morte, privação, e um experimento “socialista”, largamente falhado. Uma terrível guerra civil estendeu-se ao país, mantendo a Frelimo, significativamente, o argumento dialético de que a sua oposição, a Renamo, era apenas um bando de “bandidos armados”. Em 1984, foi a vez da Frelimo se render a Pretória, sob a ameaça da sua destruição.
Acordos de Incomati, 1984


Frelimo V
A quinta fase, que decorreu entre 1986 e 1992, na realidade teve início cerca de dois anos antes do desaparecimento físico de Samora, culminando com os Acordos de Paz assinados em Roma no dia 4 de Outubro de 1992 e as consequentes alterações no texto constitucional, de que se destaca a admissão formal do multipartidarismo. Nesta fase, Moçambique é o país mais pobre do mundo, dilacerado e com mais de um milhão de mortos e centenas de milhares de refugiados. A Frelimo aceita fazer o jogo da “democracia” e praticar uma estranha forma de capitalismo, mas, sob a tutela de Joaquim Chissano, apoiado por uma troika de Libertadores, mantém firmemente o poder. Para o choque de pessoas como o ideólogo Jorge Rebelo e o jornalista Carlos Cardoso, os Libertadores, quase todos generais da nomeclaturatornaram-se “empresários de sucesso”. Desde então até esta data, o país vive principalmente de empréstimos, de doações, de perdões de dívida, de programas estruturados de assistência, de negociatas, com fortes indícios de corrupção e a mão invisível do FMI e do G19.

Frelimo VI
A sexta fase decorre entre 1992 e a actualidade. Com a excepção das municipalidades da Beira e de Quelimane, a hegemonia da máquina partidária da Frelimo mantém-se e é massiva, bem como a liderança, dentro dela, dos agora velhos Libertadores, que reclamam para o partido a totalidade da herança simbólica das Frelimos anteriores, adquirindo para si o património físico desses símbolos, tais como o Museu da Revolução e as instalações da primeira e segunda Frelimo na Tanzania (leia-se a interessante entrevista ao Dr. Egídio Vaz, um historiador moçambicano, na edição de hoje, 8 de Fevereiro de 2012, no semanário Canal de Moçambique, publicada em Maputo, páginas 16-20). Acentuou-se a economia dos Libertadores enquanto políticos-empresários de sucesso
Terminará quando um moçambicano não “libertador” assumir a presidência ou quando houver alguma forma de alternância à sua hegemonia, provavelmente dentro da própria Frelimo.
Nesse dia, começará a sétima Frelimo. Que ainda ninguém sabe o que vai ser, nem quando.



O Angoche esteve ao centro de um dos grandes mistérios do final da era colonial em Moçambique. Um navio mercante, um dia apareceu à deriva no mar, a tripulação desaparecida. Até hoje, apesar de várias tentativas e numerosas teorias, ninguém sabe o que aconteceu. O Angoche eventualmente foi rebocado para a Baía de Lourenço Marques, onde eventualmente se afundou.
O CASO
A 23 de Abril de 1971, o cargueiro português ANGOCHE abandonou NACALA com destino a PORTO AMÉLIA (Norte de Moçambique).
O navio nunca chegou ao porto de destino. A tripulação - 23 homens - e um passageiro desapareceram.
O ANGOCHE foi encontrado abandonado (e a deitar fumo) no Canal de Moçambique três dias depois pelo petroleiro panamiano Esso Port Dickson.
Foi alvo de duas explosões e de um incêndio, mas a carga militar (incluindo 100 bombas inertes de 50 Kgs da Força Aérea) não ficou danificada.
Ninguém reivindicou até hoje a sabotagem.

Um mistério por decifrar
Segundo um relatório preliminar, de um agente da PIDE:

«O navio Angoche levava material para a nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material explosivo, bombas para os aviões, etc, e creio que ia para Porto Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea  e, mais tarde, executados ... havia manchas de sangue em vários pontos do navio...  fala-se que houve oficiais da Marinha Portuguesa, hoje oficiais generais, que estariam envolvidos nisso».


Para adensar o mistério, o relatório oficial, detalhado e secreto, conservado na DGS-PIDE em Lisboa, desapareceu após o golpe militar Lisboeta de 25 de Abril de 1974. O livro abaixo fornece elementos importantes para compreender este caso.

Livro de Leone (autor ja falecido)

Mais informações podem ser encontradas no  blog do jornalista investigativo Rui Araújo http://cargo-angoche.blogspot.pt/.
Quem tiver algumas informações a respeito deste misterioso caso pode enviar um email para Jorge Jairoce (jairoce2007@yahoo.com.br)  ou Rui Araujo (rmda14@gmail.com).

17 setembro 2012

MBUZINI: ESPAÇO DE MEMÓRIA


MBUZINI: ESPAÇO DE MEMÓRIA

 Chorada ontem. Celebrada hoje. É assim como se pode descrever Mbuzini, uma então pacata região da província de Mpumalanga, na vizinha África do Sul. O quotidiano daquele local mudou drasticamente a partir de 19 de Outubro de 1986, altura em que o avião Tupolev que transportava o primeiro Presidente moçambicano, Samora Mahel, e 33 outras personalidades despenhou-se nas montanhas daquela região. 
No local, foi construído um majestoso monumento que, entre várias infra-estruturas, contempla um museu que retrata a história da tragédia. Podem ainda ser vistos os destroços do Tupolev despenhado em 1986.
O memorial de Samora Machel é a maior infra-estrutura existente na região de Mbuzini, embelezando por completo a característica urbana daquela zona montanhosa da África do Sul.
O local deverá, a partir de 2012, ser co-gerido pelos governos da África do Sul e de Moçambique. Actualmente, Mbuzini é tido como o local mais visitado, pelo menos no mês de Outubro de todos anos, da África do Sul.
Veraneantes que se deslocam para o local com o propósito de prestar homenagem ao antigo Presidente e membros da sua comitiva perecidos no acidente aéreo.
Destacam-se ainda naquela região algumas infra-estruturas económicas, como Ndindindi Supermarket, Bismilah Supermarket, Mbuzini Supermarket e Pak Supermarket. Entretanto, um dos maiores “trunfos” de Mbuzini, como destino turístico privilegiado, é a sua localização.
O local faz fronteira com Moçambique e Suazilândia, sendo por isso visíveis marcas culturais dos povos dos três países da África Austral e exemplo de integração regional. Os principais turistas que visitam Mbuzini são da África do Sul, Moçambique e Suazilândia.
A título de exemplo, nas comemorações dos 25 anos da morte de Samora Machel, em Outubro de 2011, o local foi visitado por cerca de cinco mil pessoas, entre as quais os presidentes de Moçambique, Armando Guebuza, e Jacob Zuma, da África do Sul.
Mbuzini situa-se nos montes Libombo, a cerca de 100 quilómetros, de carro, da cidade do Maputo.
Leia o documento da transcrições das gravações  do voo: http://www.samoramachel.com/transcricaoo_CVR_ATC.pdf


ALGUMAS IMAGENS DE MBUZINI


O CASACO QUE SE DESPE PELAS COSTAS: A FORMAÇÃO DA JUSTIÇA COLONIAL E A (RE) AÇÃO DOS AFRICANOS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE, 1894-C-1940


O CASACO QUE SE DESPE PELAS COSTAS: A FORMAÇÃO DA JUSTIÇA COLONIAL E A (RE) AÇÃO DOS AFRICANOS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE, 1894-C-1940

É  mais recente tese de doutorado em História Social defendida pela Fernanda  do Nascimento Thomaz na Universidade Federal Fluminense. Para acessar a tese clica no link http://www.historia.uff.br/stricto/td/1419.pdf.

MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO', John Paul (1977)


MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO', John Paul (1977)


Moçambique - Da guerra colonial à implantação do regime colectivista e marxista




PAUL, John. MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO. Lisboa:  Iniciativas Editoriais.
1977.243p.  
Interessante livro sobre um período em que rareiam as obras de ensaio e análise. 
Livro raro.

PARTICIPEI, POR ISSO TESTEMUNHO - LIVRO DO CORONEL SERGIO VIEIRA


PARTICIPEI, POR ISSO TESTEMUNHO - LIVRO DO  CORONEL  SÉRGIO VIEIRA


Neste livro Sérgio Vieira fala-nos das suas origens e da sua infância e adolescência em Tete. Fala-nos da crise de consciência que o levou a abandonar o catolicismo e da sua subsequente militância no movimento estudantil e na Casa dos Estudantes do Império. Aborda também o êxodo dos estudantes ‘ultramarinos’ de 61/63, e a participação em Paris e no Norte de África na luta anti-colonial. Acompanhamos ainda a sua ‘descida’ para Dar-Es-Salaam, com a obrigatória escala em Argel, e a entrada no movimento de libertação, bem como a sua colaboração estreita com Eduardo Mondlane e Samora Machel.
São informativos os capítulos dedicados às relações entre os movimentos filiados na antiga CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e, a fase das negociações que conduziram à assinatura dos Acordos de Lusaka. Chegada a Independência, é o exercício dos Países da Linha da Frente, o dossier Zimbabwe e a Guerra de Desestabilização.  A opção socialista da República Popular de Moçambique e as relações com os países do antigo Bloco de Leste são, também, áreas onde Sérgio Vieira se demora.

Notável e refrescante é a capacidade que estas páginas possuem de fazer reviver o drama, o sofrimento, a entrega, a solidariedade à volta do ideal da libertação da pátria e a exaltação dos momentos altos da luta. Reviver ou, mais importantemente, descobrir e compreender.
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Luís Bernardo Honwana



 
Fazia falta este livro. Que ele sirva de estímulo, a que outros actores dessa independência ganhem nele inspiração para repetir a proeza, e cumprir esse dever. O conhecimento pelas novas gerações do heroísmo dessa gesta é um capital precioso para o orgulho de ter nascido em Moçambique, e a consciência do significado da correspondente cidadania.
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António de Almeida Santos


BIOGRAFIA
Sérgio Vieira nasceu em 1941 na província moçambicana de Tete. A sua formação superior foi diversas vezes interrompida. Estudou Direito em Portugal até ao 2.o ano, em 1961. Em 1962 frequentou o Collége   d` Europe em Bruges.
Entre 1962 e 1963 frequentou o Instituto de Estudos Políticos em Paris, onde interrompeu os estudos no ano seguinte. Licenciou-se com distinção no Instituto de Estudos Políticos de Argel em 1967.
Em Portugal foi dirigente associativo, incluindo da RIA, Reunião Inter-Associações. É Professor Auxiliar da Universidade Eduardo Mondlane. Foi investigador do Centro de Estudos Africanos da mesma instituição, a qual dirigiu entre 1987 e 1992. É membro fundador da FRELIMO.
Entre 1964 e 1967 fez parte da representação da FRELIMO em Argel e esteve também no Cairo em 1969 e 1970. Ainda antes da Independência de Moçambique foi secretário da Presidência nas direcções de Eduardo Mondlane, entre 1967 e 1969 e de Samora Machel entre 1970 até 1975. Após a Independência ocupou diversas pastas, de entre as quais destacamos: director do Gabinete do Presidente da República, 1975-1977; governador do Banco de Moçambique, 1978-1981; ministro da Agricultura, 1981- 1983; Governador da Provínvia de Niassa e vice-ministro da Defesa, 1983-1984; ministro da Segurança, 1984- 1987; deputado da  Assembleia da República onde passou por diversos cargos desde a I até a V legislaturas; Desde 2001 é director-geral do Gabinete do Plano de Desenvolvimento do Vale do Zambeze.

In http://editora-ndjira.blogspot.com/



REACÇÃO  DE BARNABÉ LUCAS NCOMO  AO LIVRO DE SÉRGIO VIEIRA : 


SOBRE UMA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E UM FALSO TESTEMUNHO

A dificuldade de tornar perene a história oficial moçambicana, nos moldes desejados por homens como Sérgio Vieira, será sempre maior enquanto persistir a tendência para privilegiar a mentira e o escamoteamento dos factos. Em nada ganha o país com falsidades, e muito menos a manifesta arrogância dos que hoje podem mentir oficialmente é uma garantia da sua dignificação no futuro. O castelo tende a ruir!
Ajuizar em torno das cerca de 750 páginas do testemunho de Vieira é um empreendimento difícil e muito aborrecido. É como se estivéssemos a ler Sérgio Vieira pela milésima vez. Na verdade, com a excepção de um e outro dado novo, o livro é, na prática, uma compilação de vários textos que foram sendo publicados por Vieira ao longo de muitos anos. Trata-se de textos “cartas a muitos amigos” e “Testemunhos de Memória” que podem ser encontrados em jornais, revistas e boletins informativos do Partido Frelimo. Dado que cada um desses textos versa sobre um tema díspar do outro, nota-se uma enorme dificuldade do autor de encadeá-los no livro de acordo com o que pretendia narrar em cada capítulo. Assim, o leitor tem que se munir não só de uma “paciência de chinês”, como também de um prévio conhecimento de alguma história universal, pois, para colmatar a incapacidade de encadeamento dos factos por narrar, o autor vai misturando de capítulo em capítulo os assuntos com os seus “doutos” conhecimentos da história do mundo, e outras histórias ocultas da sua lavra, tornando, para os leigos, a leitura muito aborrecida.
A forma como no livro Sérgio Vieira lida com a vida e a memória de muitos seres humanos e a leviandade com que brinca com a inteligência dos moçambicanos fazem da mentira a sua marca principal. Aliás, o prefaciador do “além-mar”, sr. António de Almeida Santos (que tudo fez para escrever outro livro por cima do livro de Vieira), também dúvida da honestidade do autor do “Participei, por isso testemunho”, pois, só se uma memória de elefante fosse Vieira seria capaz de prescindir de documentos escritos para se recordar com precisão de nomes, momentos e circunstancias vividas há longos anos!... (p.24). E não deixa de espantar que depois de passar por um crivo de muitas mãos “antes de ser produto final” (como o escreve Lourenço Jossias) o livro saía a rua com dados susceptíveis de ridicularizar todo um acervo de personalidades que se julgava atentos e idóneos, que tiveram o privilégio de ler os manuscritos com antecedência. E de chacotas não pode escapar o partido-mãe que deu origem a tudo isto.
O que caracteriza o livro, na essência, resume-se a um derradeiro esforço do autor de justificar e preservar os pilares duma história oficialque tende a ser fortemente sacudida pela aparição, no país (e fora), de outros estudos, quiçá, mais convincentes. Sérgio Vieira não trás novidades. Continua, de forma cada vez mais pobre, a tentar vender à homens do séc. XXI uma imagem mitológica de si mesmo (como homem de fé politico) que nem sequer tem a haver com o homem histórico que ele e seus companheiros foram de facto. A base de sustentação do livro é, fundamentalmente, a mesma de sempre: mentiras e acusações gratuitas, todas fundadas numa atitude condenável e num prazer malévolo (que a alma de Vieira detém) de espezinhar, insultar e denegrir quem não se pode mais defender, sobretudo Uria Simango, Joana Simeão, Lázaro Nkavandame e outros. Sempre que Vieira se vê confrontado com factos prefere “assobiar” de lado do que enfrentar, com coragem, o adversário. Exemplifica-o a história que Vieira conta sobre Artur Janeiro da Fonseca (pp.137,138) que, a seguir, transcrevemos na íntegra:
“(…).
O ano de 1961 iniciou-se com o sequestro do paquete Santa Maria, por um comando de antifascistas portugueses e espanhóis opositores de Salazar e de Franco, sob a direcção do capitão Henrique Galvão. O paquete, durante a ocupação pelo comando mudou o nome para Santa Liberdade. No Brasil de Jânio Quadros populares e forças políticas acolheram calorosamente Galvão e os seus companheiros no porto de Recife.
Curiosamente, a PIDE escolheu um seu informador, grumete ou moço de limpeza a bordo, oriundo da Beira, Artur Janeiro da Fonseca, para içar o pavilhão português no barco, quando o governo retomou o seu controlo. À chegada a Lisboa, Salazar abraçou-o. Este Artur Janeiro da Fonseca fingiu fugir de Portugal para Marrocos em 1963. Foi recebido na CONCP e contou várias histórias bem mal contadas a camarada Maya da Fonseca do PAIGC, casada com o Africano Neto de Angola. A Maya fazia parte do secretariado da CONCP, instalado no nº 6 da Rua Paul Tirard em Rabat. Como ele mencionara os nomes de Amílcar Cabral e o meu, informado da situação, o camarada Amílcar Cabral, que nesses dias se encontrava em Rabat, decidiu ouvi-lo na minha presença, sem revelar as nossas identidades. Contou de novo, as diversas historietas e mencionou os nomes de várias pessoas para corroborar o que narrava. Voltou a citar os nossos nomes, ignorando com quem estava a falar. No final da conversa o camarada Amílcar apresentou-se e apresentou-me, imagine-se a cara com que ficou o senhor! Dois anos depois seguiu, com uma bolsa da UGEAN, para a RDA onde fornecia informação sobre os estudantes aos serviços e, posteriormente, instalou-se na RFA onde veio a representar a RENAMO, parece que até hoje está ligado a essa organização”.
Ora, no mínimo, é preciso ser aquilo que os brasileiros chamam de “cara de pau” para escrever o que acima se cita, pois, uma vez descoberto a tempo que Fonseca havia fingido fugir de Portugal para Marrocos (ao serviço da PIDE), não deixa de ser estranho que Sérgio Vieira e o seu camarada Amílcar Cabral não tenham alertado outros “camaradas” sobre as verdadeiras intenções de Fonseca a ponto de dois anos depois Fonseca vir a beneficiar duma bolsa de estudos da UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra sob Domínio Colonial Português) para a Alemanha do Leste onde, segundo escreve Vieira, Fonseca passou a fornecer a PIDE informações sobre os estudantes. A menos que a UGEAN tenha sido uma instituição patrocinada pela própria PIDE, embora se saiba, na verdade, que surgiu na esteira da CONCP e, um nacionalista angolano, Desidério da Graça presidia-a como bem o escreve Vieira!...(p.166).
A acusação que Vieira faz a Fonseca não é nova. Já havia sido, na verdade, publicada no Boletim Informativo do Partido FRELIMO em Setembro de 2005 sob o título “Testemunhos de Memória”. Embora do exílio forçado tenha demorado a tomar conhecimento da acusação, assim que teve acesso ao artigo, através do blog Moçambique para Todos, xiconhoca, Fonseca tratou de desmenti-lo trazendo-nos a luz um outro Sérgio Vieira (o da história politica vivida, e não o da mitologia e fé politica imposta) nos seguintes termos:
“(...) Depois de muito matutar, assim espero que seja e, por isso, me senti com a responsabilidade moral de vir ajudar o General Catedrático, esta verdadeira “biblioteca viva” ambulante, “corrigindo, acrescentando”, afastando alguma “inverdade” indeliberada ou sem intuito, assim o espero também, porque não quero, aqui, arquitectar processos de intenções, só desejo lembrar factos.
Queria só cingir-me à minha “parte limitada do todo”, até, porque uma velha camaradagem me liga ao General Catedrático. Camaradagem que nasceu, no verão de 1963, quando, aos 18 anos de idade, desembarquei do cargueiro “África Ocidental” da CUF, em Casablanca, para pedir asilo político às autoridades marroquinas e que me ajudassem a contactar a CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas).
Foi no foyer de Rabat, como então designávamos a pensão, que a CONCP mantinha naquela cidade, que encontrei o grumete Sérgio Vieira, que nunca tinha cruzado nos meios nacionalistas de Lisboa, que eu frequentava, nomeadamente o Clube Marítimo Africano, talvez, porque ele frequentava outros, na Juventude Universitária Católica Portuguesa. Ali convivemos com moçambicanos, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, durante um ano, até ao dia, em que eu recebi ordens do mais velho Marcelino dos Santos para ir para Argel, onde já estava o irmão João Munguambe, como delegado da FRELIMO, naquele país, deixando, para trás, o grumete Sérgio Vieira muito triste, em Rabat, ainda não era general catedrático e estava bastante longe disso.
Quantas vezes, em Rabat, eu intervim em defesa de Sérgio Vieira, quando o encontrava a chorar, no foyer, porque os Angolanos lhe tinham batido, ao ouvir os seus comentários e teorias políticas originais, que eles consideravam insultuosos para Angola. Quantas vezes expliquei aos camaradas angolanos, que bater no rapaz não era solução, nem maneira de o reeducar. Quantas vezes aconselhei Sérgio Vieira, deprimido e abafado, na sua triste condição de grumete da CONCP a não tirar conclusões apressadas sobre a incapacidade política do Presidente Eduardo Mondlane e outros dirigentes da FRELIMO, para conduzir a revolução moçambicana.
Quando desembarquei, as autoridades marroquinas recusaram entregar-me ao comandante do navio “África Ocidental”, porque eu era Africano e tinha o direito de ficar em África e transmitiram o meu pedido à CONCP. Fui depois mandado, sozinho de comboio, de Casablanca para Rabat, à Sede desta organização, onde o engenheiro Amílcar Cabral, João Munguambe e Miguel Trovoada me entrevistaram, antes de confirmarem às autoridades marroquinas, que eu ficava com a CONCP. O mais velho Marcelino dos Santos, Secretário-geral da CONCP estava ausente e só vim a conhecê-lo semanas depois. Antes do regresso de Marcelino dos Santos, também, voltei a abraçar José Frete, que conhecia do Clube Marítimo Africano e era então secretário-geral da UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra sobre Dominação Colonial Portuguesa), cuja sede também estava em Rabat. Naquela capital marroquina, também voltei a encontrar-me com o doutor Agostinho Neto, que eu conhecia dos tempos, em que ele era Presidente do Clube Marítimo Africano de Lisboa. Durante as minhas conversas com o mais velho Amílcar Cabral, João Munguambe e Miguel Trovoada, na sede da CONCP, nunca lá apareceu o grumete Sérgio Vieira, nem mesmo para servir café. Obviamente que nunca, durante essas conversas, se falou dele, um ilustre desconhecido ou talento por revelar, no firmamento estrelado de Moçambique.
Fica assim esclarecido o primeiro lapso positivo ou criação original, quero crer que “involuntária”, da memória do General Catedrático.
Quanto à segunda inverdade, que lhe escapou, a de eu ter sido “curiosamente” escolhido como informador pela PIDE, não é aqui lugar para os devidos esclarecimentos. Os arquivos da PIDE-DGS estão abertos ao público, na Torre do Tombo, em Lisboa, onde o General Catedrático, poderá ir colher as informações de que venha a precisar.
Quando o paquete Santa Maria foi tomado pelo Capitão Henrique Galvão, eu era tripulante desse navio, mas não tenciono aqui encetar os meus “Testemunhos da Memória” a esse respeito, só vim ajudar o General Catedrático a não meter mais água.
Se, no Santa Maria, depois de ter sido controlado pelas autoridades portuguesas, eu tivesse recebido essa ordem imaginada pelo General Catedrático de içar a bandeira portuguesa, não sei como havia de esquivar-me, nem livrar-me de perder o emprego e de outras consequências, que talvez me tivessem levado ao Tarrafal, Cabo Verde em vez de desembarcar em Casablanca, Marrocos, mais tarde, e travar conhecimento com o grumete da CONCP, Sérgio Vieira. Logicamente não recebi ordem nenhuma, fora das minhas competências e atribuições. Içar e arrear bandeiras só compete aos oficiais da ponte. Eu trabalhava na câmara sob as ordens do comissariado do navio. Fica por esclarecer como é que tais imaginados acontecimentos, como eu a içar bandeiras no Santa Maria, fora da “parte limitada do todo”, que possui o General Catedrático, não estando presente naquele navio, tenham ido parar ao primeiro bosquejo dos seus “Testemunhos da Memória”.
Estive em Argel, apoiando o irmão João Munguambe, até Setembro de 1964, data em que fui estudar para Leipzig, na antiga República Democrática Alemã, com uma bolsa de estudos da UGEAN, cuja sede tinha sido transferida para Argel. Não voltei a ver o futuro General Catedrático na África do Norte. Ele seguiu para Argel, quando eu já estava na Alemanha.
Tornei a cruzá-lo, mais tarde e pela última vez, em Lourenço Marques, como ainda se chamava a cidade de Maputo, alguns dias depois das festas da independência. Fui cumprimentar o camarada Chissano e estava à espera de ser recebido. Apareceu Sérgio Vieira e disse-me para esperar, que o camarada Chissano me recebesse, enquanto ia a toda a pressa chamar uma patrulha de cerca de quinze militares armados, que vieram a pé, para me prender: “O camarada está dêtádo.”, disse-me o comandante da patrulha, com o seu sotaque característico. Eu regressava da República Democrática Alemã, com uma delegação chefiada pelo Vice-Primeiro Ministro daquele país e outros estudantes moçambicanos. Trazia os meus diplomas e conhecimentos, para trabalhar para o desenvolvimento de Moçambique e fui, desta maneira, recebido, por Sérgio Vieira.
Deus escreve certo por linhas tortas, Sérgio Vieira chegou a General. Se ele tivesse chegado a Almirante, depois de meter tanta água, com estes três grandes rombos no casco do seu navio, já tinha ido ao fundo.
Artur Janeiro da Fonseca
23 de Janeiro de 2005”
Eis então a resposta de Fonseca. Por engano, Fonseca escreveu “23 de Janeiro de 2005”. Na verdade queria dizer 2006. A despeito desta falha de datas, não deixa de ser espantoso ficar a saber que Sérgio Vieira nem sempre morreu de amores por Eduardo Mondlane; e que por essa e outras coisas até choramingava no canto depois dumas sovas.
Certamente que Vieira dirá que é tudo mentira; mas fica sempre a palavra dele contra a de Fonseca, e um sorriso sarcástico do leitor ao tentar descobrir quem dos dois mente mais!...
Uma outra “mentira” que Sérgio Vieira não poderá negar foi a sua decisão, após ter mandado deter Artur da Fonseca, de enviá-lo para Ruarua, o tal centro de reeducação que o próprio Samora Machel afirmou, durante a famigerada “ofensiva na frente da legalidade” fazer-lhe sentir “palha no estômago” em face da tragédia lá ocorrida em termos de violações dos mais elementares direitos humanos. Tal como vários outros “centros de reeducação”, Ruarua funcionava sob a jurisdição do Departamento de Segurança da Frelimo, operando posteriormente sob a alçada do Ministério da Segurança-Snasp. Vieira esteve à testa destas duas sinistras instituições. Ruarua estava integrado num complexo de antigas bases militares da Frelimo em Cabo Delgado. Se Machel admitiu não conseguir “digerir” a realidade ruaruense, imagine-se o que não seriam os outros redutos das ditas zonas libertadas que Uria Simango já havia denunciado em Situação Triste na Frelimo. Desta face da moeda “zona libertada” nada nos diz o autor de “Participei, por isso testemunho”.
Fonseca conseguiu fugir desse antro da morte que chegou a ter como homens fortes Zacarias Zacarias, mais conhecido por “Zacarias²” e o próprio Salésio Teodoro Nalyambipano, mais tarde vice-ministro da segurança-Snasp e co-autor moral e material dos fuzilamentos sumários de M’telela. Na fuga, Fonseca foi acompanhado de Fanuel Malhuza, Atanásio Kantelu e pelo Diácono Sithole. O grupo que fugia de Ruarua conseguiu depois transpor a “barreira Tanzânia”, em que Mahluza por diversas vezes ludibriou a vigilância do regime de Nyerere, afirmando-se, ele e os restantes, como refugiados malawianos, fugidos do terror de Banda, expressando-se para tal em ciNyanja. O grupo conseguiu dinheiro para custear a viagem de machimbombo em direcção ao Quénia através da venda de um rádio portátil oferecido a Fonseca por um cidadão alemão em Dar-es-Salam. Fonseca travara conversa com o alemão, que estava sentado a seu lado quando ambos assistiam a uma partida de futebol num estádio da capital tanzaniana. Posto ao corrente do dilema de Fonseca e dos seus compatriotas, o cidadão alemão ofereceu o rádio pois era tudo o que tinha de valor em sua posse.

Em liberdade, Artur Janeiro da Fonseca viria a denunciar na imprensa alemã a experiência por que tinha passado, e a vivida pelos restantes e por vários outros antigos estudantes moçambicanos sumariamente presos à chegada aos aeroportos moçambicanos, vindos do exílio logo a seguir à independência e que o regime da Frelimo havia encorajado a regressar com a promessa de que as disputas do passado eram para esquecer. O autor de “Participei, por isso testemunho” escamoteia esta realidade amarga no capítulo dedicado à “União Nacional dos Estudantes Moçambicanos (UNEMO) e a luta patriótica” (pp 165-176).
In: Canal de Moçambique n° 868, pp.18, 19 – 31.03.2010


MEMÓRIAS  EM VOO RASANTE
CONTRIBUTOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DA ÁFRICA AUSTRAL





Por Jacinto Veloso

Um livro com revelações inéditas para quem quer conhecer os últimos quarenta anos da História da África Austral, escrito por um dos seus principais protagonistas e tendo como pano de fundo o conflito Leste-Oeste.  
O autor participou na luta de libertação de Moçambique e desempenhou um papel importante em todo o processo de negociações que conduziu ao Acordo de Não Agressão e Boa Vizinhança com a África do Sul, mais conhecido por Acordo de Nkomati.  
Também participou na série de negociações que contribuíram para a independência da Namíbia, a retirada das tropas sul-africanas e cubanas de Angola e para o desmantelamento do apartheid na África do Sul. 
Depois de tantos anos de guerra, todo esse esforço possibilitou o alcançar da paz em Moçambique.  
Este livro manifesta a opinião do autor sobre diversos acontecimentos e factos históricos, contendo algumas revelações de interesse. 
No dia 12 de Março de 1963, o autor  abandonou  Moçambique pilotando um avião militar, rumo a Dar es-Salaam, manifestando dessa forma a sua oposição à guerra colonial que se preparava e a sua adesão à luta de libertação de Moçambique.  
Estas memórias lêem-se com facilidade e despertam, capítulo a capítulo, uma incontida curiosidade que se mantém até à última linha.  
O conceito de interesse nacional é uma constante ao longo do livro, ilustrado e documentado, que inclui o texto integral do Acordo de Cessar-Fogo entre a FRELIMO e o Estado Português, assinado em Lusaka, a 7 de Setembro de 1974.

Excertos do livro VOO RASANTE de Jacinto Veloso sobre o acidente que vitimou Samora Machel:


"Nos finais de 1986, aconteceu a tragédia que ninguém esperava. No dia 19 de Outubro, um domingo, o avião que transportava o Presidente Samora e a sua comitiva, que tinham participado numa reunião com outros Chefes de Estado, em Mbala, no norte da Zâmbia, despenhou-se em Mbuzini, em território sul-africano, nas proximidades da fronteira com Moçambique, uma zona montanhosa.
Quem matou Samora Machel? Esta era a pergunta que nos atormentava. Não que hoje eu tenha uma resposta. Obviamente que não. Mas como qualquer pessoa, tenho formulado as minhas conjecturas na tentativa de contribuir para explicar o sucedido.
O meu raciocínio levou-me a traçar aquilo a que eu chamo de "pistas para a investigação", que se traduzem no seguinte: todas as evidências apontam para um erro de pilotagem, um grosseiro erro de pilotagem. Tão grosseiro que levantou logo dúvidas quanto à probabilidade de ter sido cometido, Um comandante de aeronave experiente não poderia jamais ter iniciado uma descida sem ter a certeza que estava na boa direcção para Maputo. Então, por que apontou ele o avião em direcção a um VOR que ele pensava ser de Maputo e começou a descer tomando o rumo da montanha de Mbuzini? Como foi ele induzido a cometer esse erro fatal?
Parece não haver dúvidas (eu não as tenho) que um VOR com a mesma frequência de Maputo foi colocado na rota de Mbuzini por um perito em guerra electrónica especialmente contratado para o efeito. Contudo, a existência de uma rádio-ajuda (VOR) na direcção de Mbuzini não justifica por si só os erros de pilotagem cometidos. Mais uma vez afirmo que um comandante experiente não poderia ter decidido descer sem estar seguro que se encontrava na direcção correcta do aeroporto de Maputo. Algo dentro da cabine de pilotagem o induziu, assim como a toda a tripulação, a acreditar que se encontrava na direcção certa e que aquela era a decisão mais correcta
a tomar para aterrar em Maputo.
E aqui colocam-se algumas questões: por que é que o radar do avião não estava a funcionar? Estava desligado? Avariado? Estava muito provavelmente fora de serviço, pois caso contrário a tripulação tê-lo-ia ligado. Se o radar estivesse ligado, como era de normal procedimento, o "erro de pilotagem" jamais teria tido lugar porque esse instrumento de navegação teria indicado visualmente o exacto recorte da baía de Maputo e da Ilha da Inhaca, não deixando qualquer dúvida quanto à localização do aeroporto internacional de Maputo. Consequentemente, o piloto não teria sido induzido
a acreditar no falso sinal do rádio-farol que lhe assinalou erradamente a direcção de Mbuzini, em vez de Maputo.
Existe uma grande probabilidade que, no assassinato de Samora Machel, os serviços secretos sul-africanos não tenham actuado sozinhos. Mas estariam com quem? Muito provavelmente contariam com algum elemento da ala dura do Leste, especialmente recrutado pelo serviço secreto sul-africano para a "operação Mbuzini".
Por que motivo coloco esta hipótese? Porque Samora estava condenado. Era um homem a abater porque tinha "traído o campo soviético" na confrontação bipolar, decidindo optar pela liberalização da economia e da sociedade, aderindo ao sistema capitalista internacional, ao Banco Mundial e ao FMI. [...]
Na prática, Moçambique deixava de privilegiar exclusivamente o "bloco de Leste" para passar a cooperar também com o "bloco Ocidental". A Frelimo, agora mais independente, iniciava a transição do "socialismo científico" para o "socialismo democrático", ajustado às condições concretas do país e à realidade que se vivia à escala africana e mundial.
Mas Samora era também um alvo a abater pela military intelligence sul-africana porque cedo se tornou evidente que o Acordo de Nkomati foi na realidade o golpe fatal que marcou o começo da destruição o apartheid, regime que a partir desse acordo iniciou a sua derrocada, tanto pela intensificação da contestação interna, como pela crescente pressão internacional do Ocidente para que houvesse uma rápida reforma desse sistema, dentro do princípio "um homem, um voto".  O pretexto da luta contra a penetração da URSS na região já não era muito consistente.
Também estava claro que o apoio do governo de Samora Machel ao ANC não tinha terminado. Os serviços secretos militares sul-africanos concluíram então que o Acordo de Nkomati estava a ser um mau "negócio" para eles. Na sua opinião o culpado de tudo era Samora Machel.
Esta concentração de interesses dos sectores mais ultra radicais, tanto do apartheid como do Leste, terá sido, em minha opinião, uma possível causa que levou à programação de uma minuciosa operação destinada a eliminar Samora Machel. E nada mais insuspeito do que provocar um "erro de navegação", utilizando a própria tripulação russa do TU 134ª-3.
Dois factos aconteceram que aumentam as minhas suspeitas quanto à implicação de um agente recrutado para agir dentro da cabine do avião: o primeiro diz respeito a um indivíduo, que dizem ser do Leste (não identificado), que visitou o avião presidencial, na placa de Mbala, tendo permanecido bastante tempo no seu interior. Sabe-se que alguns membros da tripulação, presentes no aparelho, conversaram amigavelmente com o visitante. Este indivíduo poderá perfeitamente ter inutilizado o radar de bordo e até instalado algum dispositivo electrónico que, conjugado com a falsa rádio-ajuda colocada na direcção de Mbuzini, terá dado ao piloto, no momento crucial, a "certeza
absoluta" de que estava a iniciar a descida em direcção a Maputo.
O outro facto foi o caso de um tripulante, o engenheiro de bordo, Vladimir Novosselov, que um pouco antes da queda da aeronave se deslocou para a cauda do avião e teve a sorte de sair praticamente ileso do trágico acidente. Esse tripulante foi imediatamente internado num hospital de Nelspruit. Quando elementos da comissão moçambicana de inquérito quiseram interrogá-lo, o pessoal da segurança da embaixada da URSS impediu-os. Foram alegadas razões médicas óbvias e até houve a promessa de que, quando o tripulante estivesse recuperado e fora do estado de choque, a parte moçambicana poderia entrevistá-lo.
Dois ou três dias depois, um dos membros da comissão de inquérito foi ao hospital para saber como estava o tripulante. Com enorme espanto, constatou que o pessoal da embaixada já o havia evacuado para Moscovo. A Comissão de Inquérito de Moçambique protestou e pediu para ir a Moscovo falar com o tripulante, mas a embaixada informou que isso não era aconselhável e que as autoridades soviéticas iriam fazer o inquérito e transmitir as respostas às questões colocadas pela parte moçambicana.
Até hoje, pelo que sei, a parte ex-soviética não transmitiu qualquer informação sobre o assunto. Haveria algo a esconder ou tratou-se de simples negligência? [...].
Voltando ao fatal acidente, não se compreende, por exemplo, porque é que o comandante do avião, ao ouvir o sinal de alarme da proximidade ao solo, não meteu a potência máxima nos motores e iniciou uma subida imediata, como exige o manual de operações do construtor da aeronave. A razão é que ele estava mesmo convencido que descia para Maputo. É a única explicação.
Por estas dúvidas todas que persistem, o nosso governo, daquilo que me consta, ainda não declarou encerrado o inquérito, ao contrário do que sucedeu na época com os governos da África do Sul e da URSS, que logo consideraram o processo terminado. No início de 2006, foi finalmente revelado que o actual governo da África do Sul ira reabrir o inquérito.
Com ou sem agente recrutado, é minha convicção que algo se passou na cabine de pilotagem que induziu o comandante do avião a cometer aquele monumental e fatídico 'erro'.
Terá sido mais um caso de crime perfeito?"

MONUMENTO AOS HERÓIS DA REVOLUÇÃO MOÇAMBICANA, CONCEBIDO POR JOSÉ FORJAZ



MONUMENTO AOS HERÓIS DA REVOLUÇÃO
 MOÇAMBICANA, CONCEBIDO POR JOSÉ FORJAZ 

Foto: Cripta da Praça dos Heróis moçambicanos


Moçambique é um país com mais Heróis do que os próprios feitos heróicos. Desculpem-me e com todo respeito, mas como Historiador de formação e praticante da ciência histórica (pode até ser falacioso o recurso a autoridade aqui; mas já pedi desculpas), não acho normal que um país com pouco MENOS de 40 anos de independência e aproximadamente 150 anos de dominação colonial efectiva, tenha já no seu panteão 200+ heróis nacionais!
 Se a arbitrariedade com que se atribui esse título honorífico não é preocupante, então urge um debate esclarecedor sobre as intenções últimas de quem decide. É para  sepultarmos toda “geração 25 de Setembro” na Cripta da Praça dos Heróis? Se for o caso, então é melhor pensar-se num Cemitério de Heróis Nacionais de Moçambique!
O ponto para mim é o seguinte: se partirmos do princípio de que herói é uma figura arquetípica (modelo) que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica (p.ex. independência ou luta anti-colonial, etc), podemos concluir que a esmagadora maioria dos “NOSSOS” heróis não o são de facto; ou no mínimo são CO-HERÓIS, uma figura que proponho como alternativa.
Consequentemente, teriamos Samora Machel e Eduardo Mondlane como HERÓIS e o resto, incluindo Gruveta e Guebuza como Co-Heróis. No fundo, a figura de co-herói seria atribuível à pessoas que em vida sonharam em ser declarados Heróis Nacionais ou teriam recebido promessas nesse sentido.

Muitos não vêm o perigo de termos heróis à rodos, em tão curto espaço de tempo. A primeira consequência nefasta é mesmo a vulgaridade com que iriamos encarar a figura de herói nacional.
A segunda é porque na verdade, não há muita coisa a reclamar como tendo sido feito heróico individual de cada um dos muitos que se acham ou que eles acham que o povo pensa sobre eles.
Em aproximadamente 40 anos da nossa existência como nação, apenas podemos nos orgulhar da nossa independência como grande feito heróico. E esse feito deve-se a Eduardo Mondlane – primeiro presidente da Frente, FRELIMO e Samora Machel, o proclamador da Independência e Primeiro Presidente do país Independente. Para além desses feitos há mais outra coisa, meus senhores?
A alternativa a esse cortejo seria exigirmos ao Presidente da República que active, no uso das suas competências, a alínea J do artigo 159 da Constituição da República, atribuindo, nos termos da lei, títulos honoríficos, condecorações e distinções (menos a de herói nacional) a todos aqueles que em vida ou já perecidos merecem o devido reconhecimento dos moçambicanos pelos seus feitos e por terem contribuido para o progresso dos Moçambicanos. Desculpe-me pela "violência psicológica", mas Eu não vejo mais nenhum herói. Nem vivo, nem morto. Se calhar, ainda está por nascer mas esse pertence a futuras gerações.
O Presidente da República de Moçambique precisa urgentemente resolver esse assunto com algumas figuras que ainda nos restam, esclarecendo-os que se quiserem, podem se declarar heróis provinciais, tribais ou distritais; que já não há espaço para Herói Nacional pelo facto de não ser possível identificar neles, feitos heróicos individuais bastantes.


Publicada por Egídio Guilherme Vaz Raposo,   Terça-feira, 4 de Outubro de  2011


A CAPA DE UM CARTÃO DE MEMBRO DA FRELIMO QUE FOI USADO EM TANGANHICA


A CAPA  DE UM CARTÃO DE MEMBRO DA FRELIMO QUE FOI USADO EM  TANGANHICA

NOTE-SE QUE A FRELIMO É IDENTIFICADO EM PORTUGUÊS E INGLÊS.