CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DE
MOÇAMBIQUE POR URIA SIMANGO (NOVEMBRO, 1974)
Um alerta que o mundo desconheceu
Situação actual em
Moçambique
De modo a informar todos
aqueles que se interessam pelos acontecimentos em Moçambique, decidi escrever
estas breves linhas na esperança de que elas possam vir dar uma visão geral da
situação.
O golpe de estado de 25 de
Abril em Portugal, foi seguido de promessas dadas pela junta militar dirigida
pelo General Spínola de que às colónias iria ser conferida a liberdade de
escolherem o seu futuro. Deste modo, a independência seria concedida após
eleições gerais, nos princípios de 1975, em que todos os partidos políticos
poderiam participar. Com efeito, foi concedida uma amnistia a todos os
políticos e aos movimentos de libertação, autorizando-se o seu regresso aos
seus respectivos países de forma a terem a oportunidade de expressar os seus
ideais antes das eleições.
Porém, a preocupação imediata
de Portugal foi a de criar uma atmosfera de paz como condição necessária para uma
pacífica actividade política e elaborar os instrumentos necessários para as
eleições e transferência de poderes para os povos colonizados. Por conseguinte,
viu-se que as conversações para um cessar fogo eram prioritárias. Por esse
motivo, as conversações começaram para Guiné Bissau.
Cessar fogo
Em telegrama endereçado ao
governo zambiano, o governo provisório português indicou que uma delegação
liderada pelo Dr. Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, deveria
estabelecer conversações em Lusaka com ambas forças – Frelimo e Coremo. Essas
conversações não incluiriam questões relacionadas com a independência dado que
as mesmas careciam da participação de outras forças políticas no interior do
país.
Por razões por nós
desconhecidas, na véspera das primeiras conversações as tropas zambianas
atacaram as bases militares do Coremo em Moçambique, tendo procedido à detenção
dos nossos combatentes. Os dirigentes do partido que na altura se encontravam
em Lusaka foram detidos e posteriormente encarcerados.
As informações que obtivemos
junto das autoridades prisionais são de que esses dirigentes foram transferidos
para a Tanzânia, não sendo possível obter directamente quaisquer notícias dos
mesmos.
Não nos causará surpresa
ouvir dizer que todos eles acabaram por ser entregues a Frelimo, às mãos de
quem a morte é o destino certo.
No decurso do mês transacto,
tropas da Zâmbia e guerrilheiros da Frelimo, numa acção combinada penetraram no
distrito de Tete no encalço das nossas forças que não haviam sido destruídas
durante a primeira operação.
Não restam dúvidas de que a
eliminação física do COREMO foi planeada de modo a manter a FRELIMO como o
único interlocutor nas negociações com o governo português. Não cremos que as
autoridades zambianas tenham agido de forma prudente, independentemente das
suas melhores intenções.
A exclusão
Talvez os arquitectos do
plano de exclusão não estivessem cientes do seu acto. Todavia, ao procederem
dessa forma, acabaram por dividir o povo que pretendiam unir, pois um sector da
população representado por outros partidos não foi ouvido e consequentemente,
alienado ao acordo de Lusaka. Não seria lógico e correcto afirmar-se que o
acordo foi imposto ao Povo? Que obrigações terão eles num acordo de que não
fizeram parte?
(...) Milhares de pessoas já
deixaram o país com destino à África do Sul e Rodésia. Algumas dessas pessoas
encontram-se armadas. O número de desempregados cresceu em flecha como
resultado do encerramento de diversos estabelecimentos. A economia atingiu o
seu nível mais baixo – não há dinheiro no país.
Confrontos entre a Frelimo e
o povo são frequentes e já provocaram a morte de mais de 1000 pessoas,
maioritariamente em Lourenço Marques. Outras 2000 pessoas foram detidas, muitas
delas por não apoiarem a Frelimo. Três campos de trabalhos forçados foram
abertos para essas pessoas. Este número inclui 4 membros do Partido de
Coligação Nacional – PCN, nomeadamente o SG, Basílio Banda, a secretária para
Educação, Dra. Joana Simião, Pedro Mondlane e José Vilankulos. Já há unidades
de guerrilha a operar contra a Frelimo em vários pontos do país, tendo já
causado morte a 500 guerrilheiros da Frelimo. No dia 5 de Novembro,
guerrilheiros da Frelimo e tropas portuguesas atacaram a residência de
dirigentes do PCN tendo causado um morto.
(...) O PCN considera que
Portugal deve honrar a sua promessa de que todos os partidos políticos, e
particularmente o PCN, devem tomar parte nas tarefas de reconstrução nacional.
Por aquilo que nos é dado a observar, a tensão aumenta diariamente. (...) Tudo
resulta da forma errada como o governo português conduziu o processo da
independência, e da ideologia defendida por Lisboa em nome da qual deseja
sacrificar tudo e todos.
Por um lado, o governo
português julga ser necessário restaurar a democracia em Portugal. Mas por
outro, as autoridades portuguesas não acham que o mesmo seja necessário para
Moçambique. Resta-nos rezar para que a situação não piore, pois ainda é
possível evitar o desastre. (...). (In Uria Simango - um homem uma
causa).
N.R.: Este texto resulta de
fragmentos de um documento de Uria Simango que em Novembro de 1974 ele dirigiu
às diversas embaixadas e comunicação social. Na altura a comunicação social
nacional já estava em mãos de elementos próximos da Frelimo e o documento não
chegou a ser publicado como o seu autor esperava.
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