MUSEUS E ENSINO DE HISTÓRIA
Jorge Fernando Jairoce
1.1. Evolução do conceito museu
O conceito museu evolui com o tempo. Tradicionalmente, os
museus eram vistos como locais de preservação do património e da memória “os
objectos do passado”, que podiam ser contemplados por uma certa elite já
sensibilizada para a sua fruição, ou seja, as massas não eram consideradas
públicos-alvo das instituições museológicas.
Mas, a partir de 1940, operaram-se transformações
profundas na sociedade, nas concepções da cultura e nas ideologias, nas
exigências da comunidade para com as instituições museológicas, ou melhor, os
museus passam a considerar-se ao serviço da comunidade, deixando
progressivamente a sua tradição elitista e minoritária. Estas mudanças
redefinem o seu papel na acção educativa.
Por isso, hoje, de acordo com o Conselho Internacional
dos Museus- ICOM, “... museu é considerado como uma instituição permanente
sem finalidade lucrativa ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento,
aberta ao público e que realiza investigações que dizem respeito aos
testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, adquire os mesmos,
conserva-os, transmite-os e expõe-nos especialmente com intenções de estudo, de
educação e deleite” (Costa e Olofsson, 1997, p.1).
Considerando este conceito, o museu deixa de ser aquele
espaço estigmatizado como local de coisas velhas, passando a ser espaço de
discussão, difusão de informação e, sobretudo, de reflexão. Seguindo este
raciocínio, o museu poderá ser utilizado como recurso pedagógico destinado ao
ensino de várias áreas e, principalmente, da história devido a natureza
documental dos acervos museológicos. O aluno pode participar através da visita
ao museu na elaboração do conhecimento histórico, consolidar o conhecimento
teórico, despertar o interesse pela história, despertar o espírito patriótico e
sentir a história Pátria.
Mas para que o museu cumpra a sua função pedagógica deve
relacionar as suas actividades à acção educativa. E sobre este último aspecto,
Barreto (1985a) considera que a função educacional dos museus consiste em “dar
ao indivíduo a consciência do património cultural de que é herdeiro e da capacidade
de utilizá-lo e criá-lo. Esta consciência é adquirida basicamente pelo envolvimento
sujeito/objecto cultural, pela aproximação e apropriação da sua função essencial
e simbólica, assim como da sua trajectória”. (p.2)
Para que isso aconteça, o museu precisa de organizar os
seus serviços educativos tendo em conta que a actuação do museu como agência
cultural e educativa só pode ser alcançada por uma cuidadosa educação
patrimonial.
1.2. Educação patrimonial
A educação patrimonial é “o ensino centrado em
objectos culturais, na evidência material da cultura, ou, o processo
educacional que considera o objecto como fonte primária de conhecimento”
(Barreto, 1985b, p.4).
Partindo desta definição, podemos afirmar que a educação
patrimonial possibilita situações não só de aprendizagem, através de objectos
materiais e simbólicos da cultura sobre processos histórico-culturais passados,
como também o de suscitar o gosto, o interesse em produzir e interagir racional
e sensivelmente com experiências históricas tanto passadas quanto presentes,
valorizando a importância da preservação das mesmas.
A educação patrimonial têm inúmeras potencialidades tais
como: afectivas e pedagógicas.
1.2.1. Potencialidades afectivas da educação patrimonial
A educação patrimonial é um poderoso instrumento no
processo de reencontro do indivíduo consigo mesmo, resgatando a sua auto-estima
através da revalorização e reconquista da sua própria identidade cultural, ao
perceber o seu redor e a si mesmo em seu contexto cultural como um todo,
transformando-se em principal agente de preservação.
Para o caso moçambicano, a efectivação de uma educação
patrimonial seria uma oportunidade para a divulgação dos valores culturais,
criar uma identidade nacional e construir uma nação moçambicana com o intuito
de promover o espírito de cidadania conforme as recomendações gerais saídas da
1ª Conferência Nacional sobre a Cultura realizada em 1993.
Através de acções voltadas para a preservação e
compreensão do património cultural, a educação patrimonial torna-se num veículo
de aproximação, de conhecimento, de integração e aprendizagem de crianças,
jovens, adultos e idosos, com o objectivo de os mesmos (re) conhecerem, (re)
valorizarem e se (re) apropriarem de toda a herança cultural a eles
pertencente, proporcionando uma postura mais crítica e actuante na (re)
construção da sua identidade e cidadania.
1.2.2. Potencialidades pedagógicas da educação
patrimonial
O ensino centrado em bens culturais existentes no museu e
na localidade têm múltiplas vantagens que devem ser destacadas para
possibilitar ao indivíduo uma experiência concreta da evocação do passado. E,
se não for assim, não há menor sentido em se acumular objectos em museus ou
preservar os monumentos da sua destruição. O aprendizado através de objecto é
diferente do aprendizado através de ideias e palavras. É um processo diverso e
específico que apela mais para o sensível, o concreto, o visual, o táctil e o
emocional que o intelectual.
Está provado que a visão desempenha um papel muito
importante na memorização se for combinada com a explicação oral e a realização
de exercícios pelos alunos. Por exemplo, João (1983, p.75) refere que 83%
daquilo que aprendemos é através da visão. A observação directa de objectos no
museu constitui uma mais valia, uma espécie de palavra oferecida que poderá
servir de antídoto a uma educação, por vezes ainda muito livresca e demasiado
abstracta.
Para reforçar estes aspectos Barreto (1985b, p. 4),
identifica três categorias diferentes do ensino baseado em objectos culturais:
1ª Categoria: Os objectos são ilustrações para uma história desenvolvida de fontes
predominantemente literárias (quando a cultura material deve ser a fonte principal).
Relativamente a esta categoria, é necessário referir que o ensino meramente verbal
sem evidência material cria insegurança nos alunos, é demasiado especulativo e até
pode inibir a análise científica.
2ª Categoria: No ensino académico, a evidência material da cultura é utilizada pelo
professor para testar interpretações já estabelecidas ou novas hipóteses
baseadas em documentos ou dados estatísticos. Esta categoria revela–se como
técnica de pesquisa bastante efectiva.
3ª Categoria: O ensino centrado em bens culturais provoca deliberadamente uma experiência
que possibilita o indivíduo conhecer ou sentir o passado. Há uma grande preocupação
com a criatividade, pois nesta técnica, o interesse usado não é tanto o passado
em si, mas o que pode provocar na mente a contemplação do visitante ou do estudante.
Trata-se aqui de se considerar os objectos como ideias e não apenas como realidades
superficiais.
Estas três categorias tomam os objectos e expressões do
património cultural como ponto de partida para actividade pedagógica,
observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem
ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. Estas três categorias também são
referenciadas no trabalho de Matola (1996, p.8) que considera que o ensino
centrado em bens culturais permite ao aluno entrar em contacto afectivo
sensorial, físico, cognitivo com o passado, e que na sua opinião, quando o
ensino se faz através do concreto, permite ao aluno iniciar-se na produção do seu
conhecimento histórico e simultaneamente chegar ao estágio de maior aceitação e
gosto pela disciplina de História.
Conclusão
Nos estudos por mim efectuados desde 2004 á 2010,
permitiram-me constatar que os conteúdos de História, leccionados nas nossas
escolas, têm privilegiado padrões de cultura importados, aplicados sem a devida
redução social, em conteúdos impostos de cima para baixo, dissociados da
realidade dos alunos, em escolas burocratizadas e distantes das comunidades na
qual estão inseridas. Então, é altura de valorizarmos estudos da nossa
realidade cultural e da nossa memória histórica. O ensino de História baseado na
utilização dos bens culturais serviria como opção metodológica para mudar a
prática do ensino em vigor e torná-lo mais interessante e atractivo para os
alunos visto que possibilita múltiplas vantagens afectivas e pedagógicas. .
BARRETO, Maria de Lourdes Parreiras Horta. Educação
Patrimonial. In: Boletim nº 5 do Programa Nacional Pró-memória. Rio de
Janeiro: Ministério da Cultura. 1985ª.
__________Educação Patrimonial. In: Jornal de Letras – 1º Caderno. Abril de 1985b. p.4.
COSTA, Alda, OLOFSSON, Elizabeth. Política Nacional de Museus (Proposta). In: Seminário regional de capacitação dos directores distritais da Cultura, Juventude e Desportos da Zona Sul. Maputo: Novembro de 1997.
JAIROCE, Jorge Fernando. As potencialidades educativas
e pedagógicas do Museu Nacional da Moeda
no ensino de História em Moçambique. (Trabalho de Diploma para obtenção do
grau académico de Licenciatura em ensino de História e Geografia pela
Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de
História. 2005.60p.)
JAIROCE, Jorge Fernando. As conexões entre a História Local, Nacional e Global no ensino de História no nível básico em Moçambique. (Dissertação para obtenção do grau académico de Mestrado em Educação/Ensino de História pela Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de História. 2010.90p.)
JOÃO, Maria Isabel. Didáctica de História. Maputo:UEM, Faculdade de Educação, Departamento de História. 1989.
MATOLA, Laurindo Joaquim Ferreira. A utilização dos bens culturais no ensino de História em Moçambique. (Trabalho de Diploma para obtenção do grau académico de Licenciatura em ensino de História e Geografia pela Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de História. 1996.68p.)
MOÇAMBIQUE. MINISTÉRIO DA CULTURA. Recomendações gerais da 1ª Conferência Nacional sobre a Cultura. Maputo: 16 de Julho de 1993. (doc.30/CNC/93).
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