O Caso da Igreja Católica em Moçambique
Prof. Dr.
Luís Benjamim Serapião1
Pretória (Canalmoz) - Acabo de ler a entrevista que o
Canal de Moçambique/ Canalmoz teve com o Professor Dr. Eric Morier-Genou.
Achei, por isso, oportuno escrever uma breve recapitulação do caso da Igreja
Católica em Moçambique.
Um
estudo da Igreja Católica em Moçambique demonstra que houve dois tipos de
Igrejas católicas no país – Igreja Católica Colonial, e Igreja Católica
Nacional/Moçambicana. A Igreja Católica Colonial teve a sua origem nos séculos
quinze e dezasseis, na era da expansão portuguesa em África. O papado aplaudiu,
concedeu o poder de posse, e remunerou Portugal por meio de bulas tais como a
Illius Qui Se, de Eugénio IV (19 de Dezembro de 1442), a Romanus Pontifex (8 de
Janeiro de 1454), a Eaquae Pro Bono Pacis de Júlio II (24 de Janeiro 1507), só
para mencionarmos alguns exemplos. Nesta altura, o papado usou Portugal para
expansão da cristandade em África. É assim que se iniciaram as boas relações
com a Igreja Católica.
Em
1940, Portugal, aproveitando da já existente amizade, procurou usar a Igreja
Católica na administração das suas colónias. Ambos assinaram os documentos: a
Concordata, e o Acordo Missionário. Estes documentos, principalmente o Acordo
Missionário deram muitos privilégios a Igreja Católica nas colónias. Os bispos
tinham de ser portugueses e eram reconhecidos como oficiais do governo. Os
padres que, em princípio, tinham de ser portugueses, eram também oficiais do
governo. Todos eles recebiam salários do governo, e foi-lhes incumbida a
responsabilidade de educar e portugalizar os nativos africanos. O governo
colonial além de pagar salários a bispos e padres, tinha também a
responsabilidades de construir igrejas, escolas, e outras instituições sociais
que beneficiavam os nativos africanos. A educação dada aos nativos africanos,
era limitada aos primeiros quatro anos da fase do “ensino primário “ e era
conhecida como escola rudimentar. O ensino primário que aliás abrangia também
os primeiros quatro anos de ensino, mas de melhor qualidade, era reservado aos
filhos dos colonos, como também para outros não considerados nativos africanos.
Portanto,
a Concordata e o Acordo Missionário fundiram bem o interesse missionário com o
interesse colonial. Como disse o Professor Adriano Moreira, então ministro das
colónias, ”o trabalho Missionário não podia ser separado do interesse
colonial”. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Patriarca de Lisboa, acrescentou que
o Acordo Missionário era um documento importante da ocupação colonial cristã. O
Primeiro-ministro António de Oliveira Salazar explicando perante a Assembleia
Nacional o sentido da Concordata e do Acordo Missionário, disse que o fim da
Concordata e do Acordo Missionário era a aplicação do Acto Colonial, como
remuneração espiritual concedida pela Santa Sé, e que incluía a nacionalização
dos objectivos missionários que deveriam ser integrados para sempre no processo
da colonização portuguesa.
Neste
processo os bispos nas colónias eram privilegiados como oficiais superiores
coloniais com a mesma categoria de governadores, e os padres eram considerados
também oficiais coloniais, mas na categoria de administradores. Portanto, em
princípio, todos eles tinham de ser portugueses. Porém, havia uma excepção para
os padres/missionários. Se um bispo tinha carência de padres/missionários para
cobrir as necessidades da sua diocese, era autorizado a recrutar um número
reduzido de missionários estrangeiros.
Em
resumo o que acima descrevemos constituiu o que chamamos Igreja Católica
Colonial em Moçambique.
Entretanto,
o papado, na década de cinquenta, principalmente com a independência de Gana,
sentiu a necessidade de formar um clero africano que haveria de tomar conta da
Igreja Católica africana. Por isso, escreveu encíclicas, tais como Evangelii
Precones (2 de Janeiro de 1951) e Fidei Donum (2 de Abril de 1957) ambas
redigidas pelo Papa Pio XII exortando os bispos nas colónias a formar um clero
africano. Esta exortação, não inquietou muito os bispos nas outras partes de
África, pois eram estrangeiros nestas colónias, interessavam-se em propagar a
religião católica como tal, e não tinham interesses nacionais/coloniais.
Em
Moçambique, como em todas as colónias portuguesas, como vimos acima, o caso era
o outro. Formar um clero moçambicano implicava dar o ensino para além do ensino
rudimentar. Isto constituía o perigo de formar moçambicanos nacionalistas que
poderiam questionar a Concordata e o Acordo Missionário. Foi exactamente o que
aconteceu com os seminaristas do Seminário Maior da Namaacha quando começaram a
questionar a prédica dos padres coloniais nas igrejas. O bispo Custódio Alvim
Pereira, de Lourenço Marques, reagiu vigorosamente contra os seminaristas.
Deu-lhes princípios escritos que explicavam a posição da Igreja Colonial em
Moçambique. Os princípios explicavam claramente que a Igreja colonial rejeitava
a teoria de independência para Moçambique e que os bispos não haviam de ordenar
padres que constituíssem um problema para o governo colonial, e assim forçou os
cabecilhas seminaristas a abandonar o seminário. Porém, enganou-se, pois nem
aqueles em quem ele confiava e que se deixaram ordenar, tardaram mostrar o seu
descontento para com a Igreja Colonial depois de ordenados sacerdotes. É de
notar que o sentimento nacional contra a Igreja Colonial era comum entre todos
os sacerdotes moçambicanos. Por isso, organizavam reuniões onde discutiam a
situação da Igreja colonial. Naturalmente, os bispos resistiam a estas reuniões
e juntamente com a PIDE tentavam frustrá-las. Porém, não conseguiram, dado que
o papado ficou ciente disso.
Em
1976, O Cardeal Mazzoni com a bênção do Papa Paulo VI veio participar na
reunião do clero moçambicano que teve lugar em Guiua, Inhambane (26 de Agosto
de 1974). Esta conferência foi muito importante na história da Igreja Católica
de Moçambique por ter rompido oficialmente com a Igreja colonial, e dado início
à Igreja Nacional/Moçambicana. Nesta reunião, os sacerdotes insistiram na
identidade do clero e do povo moçambicano. Rejeitaram o conceito do “homem
novo” imposto do exterior como, por exemplo, o sistema colonial que insistia em
portugalizar os moçambicanos. Os sacerdotes queriam manter a moçambicanidade
genuína. Esta atitude custou-lhes muito caro, por que os que rejeitavam
abertamente o conceito colonial do “homem novo” eram presos e postos nas
cadeias. Este foi caso do Padre Domingos Ferrão de Tete e outros. Os Padres
estrangeiros que também comungavam com as ideia dos sacerdotes moçambicanos
foram também parar à cadeia. Este foi o caso do Padre André de Bels, professor
do seminário menor de Zóbuè, e do Padre Celio Rigoli um missionário italiano na
arquidiocese de Lourenço Marques. Com a intensificação da Guerra colonial, a
PIDE, como também os bispos, tornaram-se muito vigilantes em relação às
actividades dos padres. Foi assim que a PIDE e os bispos foçaram certas
comunidades religiosas estrangeiras a abandonar Moçambique. Entre as
organizações que tiveram de abandonar Moçambique conta-se a sociedade dos
Padres Brancos, a sociedade dos Padres de Burgos, a sociedade dos Padres
Cambonianos e a sociedade do Padres do Sagrado Coração.
Os
sacerdotes moçambicanos que já sofriam a perseguição dos bispos e da PIDE, e
rejeitavam todo o sistema da Igreja Colonial exigiram a transferência da
hierarquia religiosa colonial para a hierarquia dos sacerdotes moçambicanos. As
demandas foram submetidas ao Cardeal Mazzoni que tinha vindo participar na
conferência dos sacerdotes moçambicanos em Guiua. Foi assim que nasceu
oficialmente a Igreja Nacional Católica/Moçambicana no País. Mais uma vez,
afirma-se que a Igreja Nacional/ Moçambicana rejeitou todos os privilégios
contidos na Concordata e no Acordo Missionário, e todas a características que
faziam parte da Igreja Colonial. Portanto quando a Frelimo assumiu o poder no
Moçambique pós-colonial, encontrou a Igreja Nacional/Moçambicana.
Será
que a Frelimo não acompanhava todos estes desenvolvimentos da Igreja Católica
em Moçambique? Não há dúvidas que já seguia todos os acontecimentos. Portanto,
temos que encontrar uma razão por que a Frelimo tomou uma atitude especial
contra a Igreja Católica. Vejo três razões principais: a natureza do sistema
social político de Frelimo, que incluía a criação de um “ homem Novo”; a
natureza da guerra civil; e a solução da guerra.
Comecemos
com a ideia de criação do “homem novo” que significava um homem marxista ateu.
Vimos que na conferência dos sacerdotes moçambicanos já insistiam na
moçambicanidade; rejeitavam o conceito de um “homem novo” imposto do exterior
aos moçambicanos. Não queriam nem um “homem novo” dos colonialistas, nem um
outro “homem novo” de ateus marxistas. Este conceito de “homem novo” era
forçado à população e tinha consequências desastrosas. No caso do sistema
colonial, quem abertamente resistisse ao conceito do “homem novo” colonialista
era preso e posto na cadeia colonial. No sistema da Frelimo quem abertamente
resistisse à ideia do “homem novo” era preso e posto em campos de reeducação.
A
nova Igreja Católica Nacional/Moçambicana não podia aceitar o “homem novo “ da
Frelimo, pois o conceito não admitia a crença da existência de Deus. A Igreja
Católica/Nacional decidiu resistir abertamente ao sistema sociopolítico da
Frelimo. Submeteu os seguintes documentos ao Presidente Samora Machel: “Igreja
Católica na Revolução Moçambicana”; A igreja Católica na Revolução”; “Um
documento Sobre os Campos de Reeducação” (11 de Maio de 1976). Naturalmente,
estes documentos não foram do agrado da Frelimo e contribuíram para que esta
formação política hostilizasse a Igreja Católica.
A
segunda razão para a Frelimo colidir com a Igreja Católica foi a natureza,
origem e desenvolvimento da guerra civil. Figurativamente falando, podemos aqui
citar o caso do pescador das águas turvas. A questão que se põe é esta: quem
turvou as águas? E quem está a pescar Estas duas perguntas suscitam duas
teorias: Uma, que defende que as águas já estavam turvas, e o pescador veio
pescar; e a outra avança a teoria de que o mesmo pescador é que turvou as águas
e está a pescar. A Igreja católica, liderada nesta opinião por D. Jaime Pedro
Gonçalves diz que o pescador encontrou as águas turvas. São estas as razões
principais da guerra civil; foram razões internas.
Quanto
ao desenvolvimento da guerra civil, a Igreja Católica, nas suas pastorais,
avançou a teoria de que ambos lados envolveram-se em atrocidades. Finalmente, a
solução da guerra, foi um outro ponto que mais uma vez irritou a Frelimo. A
Igreja Católica Nacional/Moçambicana escreveu pastorais que tentavam persuadir
os líderes dos dois lados da luta para entrar em negociações de paz. Entre 1979
e 1992, a Igreja escreveu pelo menos vinte e quarto pastorais incluindo a
famosa pastoral A Paz Que o Povo quer (1987).
Em
conclusão, esta recapitulação da Igreja Católica em Moçambique salienta três
pontos principais:
Primeiro,
existiu uma Igreja Colonial em Moçambique que, logicamente, foi mais
privilegiada do que qualquer outra organização religiosa em Moçambique.
Segundo,
o clero moçambicano resistiu e destronou a Igreja colonial e criou a Igreja
Nacional/Moçambicana, (26 de Agosto de 1974) da mesma maneira que a Igreja
Católica tanzaniana, a Igreja Católica queniana, Igreja Católica ugandesa;
enfim, como todas as outras Igrejas Católicas surgiram em outros países
africanos.
Terceiro,
a Igreja Católica Nacional/Moçambicana, nunca gozou de privilégios de qualquer
sistema político no país. (1
Prof. Dr. Luís Benjamim Serapião é Professor de Relações Internacionais no
Departamento de Estudos Africanos da Universidade de Howard, Estados Unidos.
Uma das suas recentes publicações inclui, A Tainted Legacy; The Policies of
Samora Machel in Independent Mozambique (Lambert Academic Publishing, 2011).
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