16 agosto 2012

O Caso da Igreja Católica em Moçambique




O Caso da Igreja Católica em Moçambique

Prof. Dr. Luís Benjamim Serapião1



Pretória (Canalmoz) - Acabo de ler a entrevista que o Canal de Moçambique/ Canalmoz teve com o Professor Dr. Eric Morier-Genou. Achei, por isso, oportuno escrever uma breve recapitulação do caso da Igreja Católica em Moçambique.

Um estudo da Igreja Católica em Moçambique demonstra que houve dois tipos de Igrejas católicas no país – Igreja Católica Colonial, e Igreja Católica Nacional/Moçambicana. A Igreja Católica Colonial teve a sua origem nos séculos quinze e dezasseis, na era da expansão portuguesa em África. O papado aplaudiu, concedeu o poder de posse, e remunerou Portugal por meio de bulas tais como a Illius Qui Se, de Eugénio IV (19 de Dezembro de 1442), a Romanus Pontifex (8 de Janeiro de 1454), a Eaquae Pro Bono Pacis de Júlio II (24 de Janeiro 1507), só para mencionarmos alguns exemplos. Nesta altura, o papado usou Portugal para expansão da cristandade em África. É assim que se iniciaram as boas relações com a Igreja Católica.

Em 1940, Portugal, aproveitando da já existente amizade, procurou usar a Igreja Católica na administração das suas colónias. Ambos assinaram os documentos: a Concordata, e o Acordo Missionário. Estes documentos, principalmente o Acordo Missionário deram muitos privilégios a Igreja Católica nas colónias. Os bispos tinham de ser portugueses e eram reconhecidos como oficiais do governo. Os padres que, em princípio, tinham de ser portugueses, eram também oficiais do governo. Todos eles recebiam salários do governo, e foi-lhes incumbida a responsabilidade de educar e portugalizar os nativos africanos. O governo colonial além de pagar salários a bispos e padres, tinha também a responsabilidades de construir igrejas, escolas, e outras instituições sociais que beneficiavam os nativos africanos. A educação dada aos nativos africanos, era limitada aos primeiros quatro anos da fase do “ensino primário “ e era conhecida como escola rudimentar. O ensino primário que aliás abrangia também os primeiros quatro anos de ensino, mas de melhor qualidade, era reservado aos filhos dos colonos, como também para outros não considerados nativos africanos.

Portanto, a Concordata e o Acordo Missionário fundiram bem o interesse missionário com o interesse colonial. Como disse o Professor Adriano Moreira, então ministro das colónias, ”o trabalho Missionário não podia ser separado do interesse colonial”. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Patriarca de Lisboa, acrescentou que o Acordo Missionário era um documento importante da ocupação colonial cristã. O Primeiro-ministro António de Oliveira Salazar explicando perante a Assembleia Nacional o sentido da Concordata e do Acordo Missionário, disse que o fim da Concordata e do Acordo Missionário era a aplicação do Acto Colonial, como remuneração espiritual concedida pela Santa Sé, e que incluía a nacionalização dos objectivos missionários que deveriam ser integrados para sempre no processo da colonização portuguesa.

Neste processo os bispos nas colónias eram privilegiados como oficiais superiores coloniais com a mesma categoria de governadores, e os padres eram considerados também oficiais coloniais, mas na categoria de administradores. Portanto, em princípio, todos eles tinham de ser portugueses. Porém, havia uma excepção para os padres/missionários. Se um bispo tinha carência de padres/missionários para cobrir as necessidades da sua diocese, era autorizado a recrutar um número reduzido de missionários estrangeiros.

Em resumo o que acima descrevemos constituiu o que chamamos Igreja Católica Colonial em Moçambique.

Entretanto, o papado, na década de cinquenta, principalmente com a independência de Gana, sentiu a necessidade de formar um clero africano que haveria de tomar conta da Igreja Católica africana. Por isso, escreveu encíclicas, tais como Evangelii Precones (2 de Janeiro de 1951) e Fidei Donum (2 de Abril de 1957) ambas redigidas pelo Papa Pio XII exortando os bispos nas colónias a formar um clero africano. Esta exortação, não inquietou muito os bispos nas outras partes de África, pois eram estrangeiros nestas colónias, interessavam-se em propagar a religião católica como tal, e não tinham interesses nacionais/coloniais.

Em Moçambique, como em todas as colónias portuguesas, como vimos acima, o caso era o outro. Formar um clero moçambicano implicava dar o ensino para além do ensino rudimentar. Isto constituía o perigo de formar moçambicanos nacionalistas que poderiam questionar a Concordata e o Acordo Missionário. Foi exactamente o que aconteceu com os seminaristas do Seminário Maior da Namaacha quando começaram a questionar a prédica dos padres coloniais nas igrejas. O bispo Custódio Alvim Pereira, de Lourenço Marques, reagiu vigorosamente contra os seminaristas. Deu-lhes princípios escritos que explicavam a posição da Igreja Colonial em Moçambique. Os princípios explicavam claramente que a Igreja colonial rejeitava a teoria de independência para Moçambique e que os bispos não haviam de ordenar padres que constituíssem um problema para o governo colonial, e assim forçou os cabecilhas seminaristas a abandonar o seminário. Porém, enganou-se, pois nem aqueles em quem ele confiava e que se deixaram ordenar, tardaram mostrar o seu descontento para com a Igreja Colonial depois de ordenados sacerdotes. É de notar que o sentimento nacional contra a Igreja Colonial era comum entre todos os sacerdotes moçambicanos. Por isso, organizavam reuniões onde discutiam a situação da Igreja colonial. Naturalmente, os bispos resistiam a estas reuniões e juntamente com a PIDE tentavam frustrá-las. Porém, não conseguiram, dado que o papado ficou ciente disso.

Em 1976, O Cardeal Mazzoni com a bênção do Papa Paulo VI veio participar na reunião do clero moçambicano que teve lugar em Guiua, Inhambane (26 de Agosto de 1974). Esta conferência foi muito importante na história da Igreja Católica de Moçambique por ter rompido oficialmente com a Igreja colonial, e dado início à Igreja Nacional/Moçambicana. Nesta reunião, os sacerdotes insistiram na identidade do clero e do povo moçambicano. Rejeitaram o conceito do “homem novo” imposto do exterior como, por exemplo, o sistema colonial que insistia em portugalizar os moçambicanos. Os sacerdotes queriam manter a moçambicanidade genuína. Esta atitude custou-lhes muito caro, por que os que rejeitavam abertamente o conceito colonial do “homem novo” eram presos e postos nas cadeias. Este foi caso do Padre Domingos Ferrão de Tete e outros. Os Padres estrangeiros que também comungavam com as ideia dos sacerdotes moçambicanos foram também parar à cadeia. Este foi o caso do Padre André de Bels, professor do seminário menor de Zóbuè, e do Padre Celio Rigoli um missionário italiano na arquidiocese de Lourenço Marques. Com a intensificação da Guerra colonial, a PIDE, como também os bispos, tornaram-se muito vigilantes em relação às actividades dos padres. Foi assim que a PIDE e os bispos foçaram certas comunidades religiosas estrangeiras a abandonar Moçambique. Entre as organizações que tiveram de abandonar Moçambique conta-se a sociedade dos Padres Brancos, a sociedade dos Padres de Burgos, a sociedade dos Padres Cambonianos e a sociedade do Padres do Sagrado Coração.

Os sacerdotes moçambicanos que já sofriam a perseguição dos bispos e da PIDE, e rejeitavam todo o sistema da Igreja Colonial exigiram a transferência da hierarquia religiosa colonial para a hierarquia dos sacerdotes moçambicanos. As demandas foram submetidas ao Cardeal Mazzoni que tinha vindo participar na conferência dos sacerdotes moçambicanos em Guiua. Foi assim que nasceu oficialmente a Igreja Nacional Católica/Moçambicana no País. Mais uma vez, afirma-se que a Igreja Nacional/ Moçambicana rejeitou todos os privilégios contidos na Concordata e no Acordo Missionário, e todas a características que faziam parte da Igreja Colonial. Portanto quando a Frelimo assumiu o poder no Moçambique pós-colonial, encontrou a Igreja Nacional/Moçambicana.

Será que a Frelimo não acompanhava todos estes desenvolvimentos da Igreja Católica em Moçambique? Não há dúvidas que já seguia todos os acontecimentos. Portanto, temos que encontrar uma razão por que a Frelimo tomou uma atitude especial contra a Igreja Católica. Vejo três razões principais: a natureza do sistema social político de Frelimo, que incluía a criação de um “ homem Novo”; a natureza da guerra civil; e a solução da guerra.

Comecemos com a ideia de criação do “homem novo” que significava um homem marxista ateu. Vimos que na conferência dos sacerdotes moçambicanos já insistiam na moçambicanidade; rejeitavam o conceito de um “homem novo” imposto do exterior aos moçambicanos. Não queriam nem um “homem novo” dos colonialistas, nem um outro “homem novo” de ateus marxistas. Este conceito de “homem novo” era forçado à população e tinha consequências desastrosas. No caso do sistema colonial, quem abertamente resistisse ao conceito do “homem novo” colonialista era preso e posto na cadeia colonial. No sistema da Frelimo quem abertamente resistisse à ideia do “homem novo” era preso e posto em campos de reeducação.

A nova Igreja Católica Nacional/Moçambicana não podia aceitar o “homem novo “ da Frelimo, pois o conceito não admitia a crença da existência de Deus. A Igreja Católica/Nacional decidiu resistir abertamente ao sistema sociopolítico da Frelimo. Submeteu os seguintes documentos ao Presidente Samora Machel: “Igreja Católica na Revolução Moçambicana”; A igreja Católica na Revolução”; “Um documento Sobre os Campos de Reeducação” (11 de Maio de 1976). Naturalmente, estes documentos não foram do agrado da Frelimo e contribuíram para que esta formação política hostilizasse a Igreja Católica.

A segunda razão para a Frelimo colidir com a Igreja Católica foi a natureza, origem e desenvolvimento da guerra civil. Figurativamente falando, podemos aqui citar o caso do pescador das águas turvas. A questão que se põe é esta: quem turvou as águas? E quem está a pescar Estas duas perguntas suscitam duas teorias: Uma, que defende que as águas já estavam turvas, e o pescador veio pescar; e a outra avança a teoria de que o mesmo pescador é que turvou as águas e está a pescar. A Igreja católica, liderada nesta opinião por D. Jaime Pedro Gonçalves diz que o pescador encontrou as águas turvas. São estas as razões principais da guerra civil; foram razões internas.

Quanto ao desenvolvimento da guerra civil, a Igreja Católica, nas suas pastorais, avançou a teoria de que ambos lados envolveram-se em atrocidades. Finalmente, a solução da guerra, foi um outro ponto que mais uma vez irritou a Frelimo. A Igreja Católica Nacional/Moçambicana escreveu pastorais que tentavam persuadir os líderes dos dois lados da luta para entrar em negociações de paz. Entre 1979 e 1992, a Igreja escreveu pelo menos vinte e quarto pastorais incluindo a famosa pastoral A Paz Que o Povo quer (1987).

Em conclusão, esta recapitulação da Igreja Católica em Moçambique salienta três pontos principais:

Primeiro, existiu uma Igreja Colonial em Moçambique que, logicamente, foi mais privilegiada do que qualquer outra organização religiosa em Moçambique.

Segundo, o clero moçambicano resistiu e destronou a Igreja colonial e criou a Igreja Nacional/Moçambicana, (26 de Agosto de 1974) da mesma maneira que a Igreja Católica tanzaniana, a Igreja Católica queniana, Igreja Católica ugandesa; enfim, como todas as outras Igrejas Católicas surgiram em outros países africanos.

Terceiro, a Igreja Católica Nacional/Moçambicana, nunca gozou de privilégios de qualquer sistema político no país. (1 Prof. Dr. Luís Benjamim Serapião é Professor de Relações Internacionais no Departamento de Estudos Africanos da Universidade de Howard, Estados Unidos. Uma das suas recentes publicações inclui, A Tainted Legacy; The Policies of Samora Machel in Independent Mozambique (Lambert Academic Publishing, 2011).


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