27 setembro 2012

MÁSCARA DOS SOCIALISTAS-CAPITALISTAS CAIU EM PEMBA


MÁSCARA DOS SOCIALISTAS-CAPITALISTAS CAIU EM PEMBA

Por Lázaro Mabunda

É este o problema que faz com que haja alergia às críticas na Frelimo. Ora, esta alergia só vem demonstrar que os dirigentes da Frelimo vestem-se de pele socialista, mas de espírito altamente capitalista. Isto é, corporalmente socialistas e espiritualmente capitalistas. Esta forma de ser revela-se, também, pela ambição desmedida em concentrar as riquezas nas mãos de poucos, sob argumento de que “não podemos ter medo de ser ricos”.
A Frelimo tentou continuar com o sistema de debates abertos à comunicação social, iniciado no IX Congresso, em Quelimane, em 2006. O objectivo era transmitir não só aos moçambicanos, como também ao mundo, a ideia de que a Frelimo é uma organização transparente, cujos debates, no congresso, são públicos, não havendo secretismo.
Os dirigentes do partido, sobretudo a presidência e o secretariado do partido, julgavam que tivessem o controlo do pensamento dos seus membros, da “unanimidade” no discurso. Não tinham imaginado que havia elementos que tinham pensamentos próprios, ainda não algemados, não formatados pela ideologia partidária. Não imaginavam que havia “quebra de unanimidades”. Por isso, a primeira vez que um membro quebrou unanimidade, a máscara da transparência da Frelimo caiu na baía de Pemba.
Iniciou o frenesim. Conforme contam os nossos colegas que cobrem o congresso (ver jornal O País do dia 25 de Setembro em curso) “Quando a intervenção de Jorge Rebelo, ontem (24/09/2012), começou a questionar a liberdade de opinião dos militantes e da sociedade, em geral, subitamente assistimos a um movimento estranho: os dirigentes da Frelimo mandaram parar a transmissão em directo da Televisão de Moçambique e ordenaram as outras televisões, que sem estarem a dar em directo gravavam o evento, a desligar as câmaras. Daí em diante, as ordens multiplicaram-se pelos oficiais de protocolo para os gestores dos media, sobretudo televisivos e radiofónicos, com algumas contradições pelo meio: ora era para os jornalistas abandonarem a sala, ora era para se manterem, mas com compromisso de não gravarem os debates”.
Ainda narram o seguinte: “Ao fim de algum tempo, clarificou-se a decisão: os jornalistas mantinham-se na sala, apenas com autorização de gravar mensagens de “partidos amigos e irmãos da Frelimo” e dos delegados ao congresso. Quando fosse a vez dos debates, as câmaras deveriam manter-se desligadas e os jornalistas... vigiados. De nada valeram os protestos dos jornalistas. A decisão foi mesmo avante. Facto curioso é que, quando Rebelo falou, vários camaradas comentaram, nos corredores, que o veterano ideólogo não tinha razão.”
Não é primeira vez Jorge Rebelo vir a público dizer que não há crítica na Frelimo. E não é o único. Sergio Vieira e outros também já o disseram. “Sem diálogo, não vamos longe. Temos que permitir às pessoas falarem sem qualquer medo de represálias. Isso não acontece no nosso partido e na sociedade em geral”, disse, no congresso, Rebelo, acrescentando que a intimidação manifesta-se de forma mais grave na comunicação social, amordaçada por agentes do Estado.
Para o ideólogo da Frelimo, citado pelo jornal O País, o perigo disso é os chefes não terem a percepção do que os membros pensam e querem, e, consequentemente, não poderem tomar as medidas necessárias para corrigir os seus erros. Rebelo entende que ninguém é perfeito. “Mesmo os chefes erram. Por isso, é preciso que saibam o que a população pensa. (…)  no passado, não era assim. Espero que este congresso encontre um caminho para poder haver abertura. Havendo abertura, este partido seria muito mais forte.”
Na verdade, se os pronunciamentos de Jorge Rebelo podiam ser vistos como especulação dos “mulatos e canecos”, conforme se tem vindo classificar o grupo dos críticos internos do partido, os dirigentes da Frelimo fizeram a questão de apresentar publicamente as provas do que Rebelo havia dito: alergia à crítica, o controlo de opiniões dos membros e da imprensa.
Não restam dúvidas que a decisão, não só deixou cair a máscara da transparência nos debates do partido, como também a Frelimo, tal como disse Lourenço de Rosário, “deu um tiro no pé”.
Rebelo foi, ainda, mais longe, lançando o repto sobre a necessidade de se parar com a onda de racismo interno na Frelimo. “Muitas vezes, a unidade nacional é apenas um slogan utilizado nos discursos. Não se indica qual o conteúdo dessa unidade nacional. Ultimamente, fico preocupado quando oiço certos pronunciamentos de dirigentes altos da Frelimo, que querem dividir-nos, que dizem haver moçambicanos genuínos e não genuínos. Eu próprio já não sei se sou genuíno. Será pela cor? O Manuel Tomé e a Graça (Machel) são bem mais claros que eu. Esta é uma questão séria”.
A opinião de Rebelo foi reforçada por Óscar Monteiro, um dos que críticos internos, os ditos “mulatos e canecos”. Monteiro levantou, ainda, outras questões interessantes: “O partido Frelimo cresceu através do debate e da incorporação permanente de novos conhecimentos. Isso pressupõe irmos buscar as pessoas a cada momento, através da discussão, o que elas têm para dar para enriquecer o pensamento colectivo” e que há uma expressão na história da Frelimo que é “crescer por ondas”. Quer dizer “que todos vamos desenvolver aos poucos, os que estão à frente e os que estão atrás. Isso é o que permitiu à Frelimo, em dez anos, com poucos intelectuais, chegar à independência como um movimento com grande pensamento. Isso permitiu segurar o país independente. Não tínhamos técnicos especializados.”
E finalizou: “Eu diria que é esse o esforço a fazer permanentemente. A intenção de Jorge Rebelo sintetiza bem a forma de como nós crescemos, sem amarguras, sem convencimento de que só uns é que sabem. Eu acho que esta abertura e esta humildade de ouvir dos outros é que são as marcas que fizeram esta nossa organização”.
É estranho que a Frelimo venha com a decisão de encerrar as portas à imprensa só porque um dos seus membros quebrou o “pacto de unanimidade”, uma vez que os seus estatutos (artigo 8) já prevêem, como deveres do membros, “cultivar o espírito de crítica e de auto-crítica”.
Pareceu-me que os dirigentes da Frelimo se tivessem esquecido que os direitos e os deveres não são para enfeitar os estatutos, mas para serem exercidos plenamente pelos membros.
A paralisia cerebral da maior dos membros da Frelimo só irá perpetuar o medo, intrigas e discriminação. Através da crítica interna, a Frelimo deve dar o exemplo de como se combate a concentração de riqueza num grupinho. Deve perceber que “Luta contra imperialismo”, “contra a burguesia” e “contra a exploração” tem de ser desencadeada de dentro da Frelimo para fora, porque, hoje, os imperialistas, os burgueses e os exploradores estão mais dentro do partido do que fora dele.
O que me impressiona na Frelimo é a qualidade e a dimensão da hipocrisia dos seus dirigentes. Insistentemente, ainda que estejam conscientes de que o seu hino desajustou-se com o tempo, continuam – fizeram-no neste congresso – a incitar os “operários e camponeses” a unirem-se “contra a exploração”, além de ainda acreditarem no triunfo de um sistema que, não só deixou de existir, como também eles mesmos já o diabolizam.
Entoaram, em voz alta, no início do congresso, o seguinte refrão do seu hino: “Somos soldados do povo marchando em frente pela paz, pelo progresso, sempre avante unidos venceremos, socialismo triunfará”.
Quando a Frelimo entoava o seu hino nacional, estava pregado nas imagens das televisões. A minha intenção era ver se alguns dos burgueses, exploradores, da Frelimo abririam as bocas para dizer: “Avante operário, camponeses, unidos contra a exploração”. Para a minha surpresa, é que os capitalistas nem esconderam os seus rostos, muito pelo contrário, levantaram-nos, entoando em voz alta: “avante operários camponeses, unidos contra exploração”.
E a questão que me ocorreu foi: quem de todos que estão naquela sala é operário, quem é camponês? Quando lançasse o meu olhar, só via mais capitalistas, exploradores, proprietários de bancos, dos centros comerciais, de empresas de construção civil, de reservas e de empresas de exploração mineira, de transportes e comunicações, entre outras. Não consegui ver sequer um camponês, nem um operário.
A ideia de que na história da Frelimo havia uma expressão de que se devia “crescer por ondas”,  “que todos vamos desenvolver aos poucos, os que estão à frente e os que estão atrás”, foi esquecida. Agora é o contrário. A ordem é “crescer por atrofiamento”. Quer dizer, poucos vão desenvolver rapidamente, os que estão à frente, cada vez mais à frente, e os de trás, cada vez mais atrás.
É este o problema que faz com que haja alergia às críticas na Frelimo. Ora, esta alergia só vem demonstrar que os dirigentes da Frelimo vestem-se de pele socialista, mas de espírito altamente capitalista. Isto é, corporalmente socialistas e espiritualmente capitalistas. Esta forma de ser revela-se, também, pela ambição desmedida em concentrar as riquezas nas mãos de poucos, sob argumento de que “não podemos ter medo de ser ricos”.
A outra prova da alergia à crítica é o facto de a Frelimo ter recolhido todos os exemplares do jornal “O País” do dia 25, que continham as declarações de Jorge Rebelo, eventualmente para os incinerar. Uma estratégia própria dos líderes híbridos marxistas-putinistas/capitalistas.
O racismo e a xenofobia de que se queixou Rebelo (moçambicanos genuínos e não genuínos) podem ser vistos como uma estratégia das lideranças do partido de minimizar o poder de crítica dos tais “moçambicanos não genuínos”. Não é primeira vez a ouvir falar-se de questões raciais na Frelimo. No ano passado, estas questões foram levantadas, até, por alguns jornalistas com mentalidade formatada pela ideologia do partido, nos habituais encontros anuais com o Presidente da República, igualmente presidente do partido. Dizia-se que o debate sobre a necessidade de renegociação dos mega-projectos era uma polémica levantada por “brancos”, os tais “moçambicanos não genuínos”, uma clara indirecta aos intelectuais do Instituto dos Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Quer dizer, para alguns membros da Frelimo, o que determina a genuinidade de moçambicanidade é a cor da pele. Interessante critério, mas bastante preocupante, na medida em que este problema vem do interior da Frelimo, partido no poder. Esse é indício de que a unidade nacional ainda não é uma garantia.
É legítima a preocupação de Jorge Rebelo, por sinal ideólogo do mesmo partido que hoje o considera “moçambicano não genuíno”. Jorge Rebelo, tal como outros “mulatos, canecos e brancos” moçambicanos, não só lutou pela libertação deste país, pela unidade nacional, como também continua a prestar um contributo indispensável para o desenvolvimento do país. Na verdade, estes “moçambicanos não genuínos” são mais “moçambicanos genuínos” do que os que se auto-intitulam como tal, curiosamente, os mesmos que já negociaram o país nas bolsas europeias, americanas e chinesas.

O PAÍS – 27.09.2012

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