MEMÓRIAS DE NAMPULA
Por Alberto Viegas
Vivi, leccionando, durante
o período que decorreu de Outubro de 1950 a Outubro de 1975 (25 anos), no
actual Distrito de Mossuril, na altura “Circunscrição de Mossuril”, que fazia
parte do então distrito de Moçambique (hoje, província de Nampula).
Nesse tempo, Mossuril tinha por Postos administrativos as Subdivisões administrativas de Lumbo, Lunga Matibane, Monapo e Netia.
Cidade de Nampula |
Nesse tempo, Mossuril tinha por Postos administrativos as Subdivisões administrativas de Lumbo, Lunga Matibane, Monapo e Netia.
O que aqui apresento é
produto de relatos que, casual e frequentemente, fui escutando da boca dos que
dos que, em conversas espontâneas, contavam os factos e episódios que se deram
na nossa zona no tempo das lutas de ocupação efectiva de Moçambique pelos
portugueses, que as chamaram de ” Guerra de Pacificação”, tentando com isso
convencer o mundo das potências capitalistas da Europa de que Portugal era de
facto detentor dos territórios africanos que o mesmo reclama serem seus, e
satisfazer assim as exigências emanadas da Conferência de Berlim, ocorrida de
Novembro de 1984 a Fevereiro de 1985, uma das quais era a ocupacao real das
regiões africanas sobre as quais cada potência capitalista arrogava-se o
direito de lhe pertencerem.
Devido ao longo tempo que
se desenrolou de 1950 até hoje (2012), é obvio que alguns dos relatores destes
acontecimentos tenham já morrido, principalmente os que na altura eram de idade
avançada, tal como é o caso de capitão Rufino, alferes Rodrigues, fotógrafo
Carvalho (companheiros de armas de Neutel de Abreu, todos eles então velhos e
reformados), a senhora Mariamo (viúva de Neutel de Abreu, falecida em 1978,
conhecida por “ Nama-Taareeje”, isto é mãe de Taareeje), Francisco Xavier de
Melo (conhecido por “Chichico”), Dona Especiosa Dias e Dona Luisa Dias (esta
última, conhecida por “Muhano-Djindja”), irmãs sanguíneas e proprietárias de
enormes extensões de palmares existentes no Mossuril de então: Mingurine e
Ampoense, respectivamente.
Dos relatos de quem ouvi
estes acontecimentos, uns eram testemunhas oculares, outros eram testemunhas
próximas do que narravam e, ainda, outros repetiam o que apenas haviam ouvido
de alguém anos depois.
Os companheiros de armas de
Neutel de Abreu contavam os Factos, naturalmente a favor do prestígio dos
portugueses, exaltando a sua valentia nos combates em que tinham tomado parte.
Falavam muito, vangloriosamente, das batalhas travadas em Mujenga (19 a
20/10/1896) Naguema (3/3/1897), Ibrahimo (6/3/1897), Mucuto Muno, isto é
Mukúttu-Múnu (7/3/1897) e outras, sem mencionarem entretanto as derrotas por
eles sofridas.
Em contrapartida, os
naturais que me falaram destas ocorrências bélicas evidenciavam a coragem e a
bravura dos africanos, e apelidavam de “cobardes” os portugueses, pelo facto de
estes frequentemente se refugiarem em “largas covas” (trincheiras), apesar de
utilizarem um armamento bélico altamente sofisticado: canhões, espadas,
espingardas de repeticao munida de baionetas, e usando cavalos, contra homens
que só possuíam azagaias, flechas e uma ou outra espingarda de carregar pela boca,
lutando frente a frente para se defenderem do inimigo que os atacava.
De entre os naturais que me
falavam destas ocorrências bélicas, sito o velho carpinteiro Selemane, na
altura ao serviço da Missão católica de Mossuril, o alfaiate Amisse Momade, o mainato
Alberto Walava, o funcionário da adminstracao de Mossuril, de nome Rachado
Momade Elico, filho do Cabo Momade elico, do regulado Xá-Jamal, Lunga, e
Antonio Napíri, servente no Posto Meteorologico em Mossuril, mais tarde em
Lumbo.
As datas das batalhas de
Mujenga, Naguema, Ibraimo e Mucuto Muno (Mukúttu-Múnu) aqui indicadas
encontram-se gravadas no muro do monumento aos Heróis Moçambicanos, em frente
do edifício da administração do Governo do Distrito de Mossuril.
ORIGEM DO NOME NAMPULA
Em tempos já passados,
existiu nesta região nortenha um rei tradicional cujo nome pessoal se perdeu na
obscuridade dos séculos e se apagou da memória dos homens, tendo chegado até
nós apenas a alcunha Mphula, pela qual era conhecido, e
vulgarmente tratado.
Orindo da região dos montes
Namúli, residiu durante alguns anos em Ribáué (Oripawe), pois era da família do
rei Murula, vindo depois estabelecer morada na zona onde se localiza hoje a
cidade de Nampula, primeiramente em Marrere, e mais tarde, no lugar onde
actualmente está situado o Quartel militar.
O nome Mphula é
abreviatura de Mphula-ohíyu e vem do verbo “ophula”, que
significa “arrebentar”, “abrir à abrir por si”, “ser arrebentavel”, e
“ophúliwa” ou “ophúliya” é voz passiva do mesmo verbo, Significando “ser
arrebentado por alguém”.
Por analogia, emprega-se o
verbo “ophula” para indicar o acto de atravessar uma floresta densa nao usando
um caminho normal, o acto de passar através de uma machamba ou passar por uma
povoacao, fazer “corta-mato”, viajar durante a noite, etc., etc.
No tempo das guerras entre
as tribos, o tal rei, para nao entrar em contradicao com os reis seus vizinhos,
atravessava com os seus guerreiros, na calada da noite, as povoacoes da
jurisdicao daqueles e ia atacar as terras dos reinos mais longinquos, para
capturar os homens e saquear as suas riquezas. Regressava aos seus dominios da
mesma forma que tinha feito à ida: atravessando os reinos seus vizinhos
pacificamente, durante a noite.
Ao espalhar-se a noticia de
que as povoacoes de tal e tal tinham sido atacadas e desvastadas por aquele
rei, os habitantes dos reinos atravessados despercebidamente por ele
perguntavam uns aos outros: - quando foi que ele passou por aqui?
E entao, os que haviam tido
conhecimento respondiam: - “Ophunlé muúmu” – o que, traduzido par portugues,
significa: “atravessou aqui mesmo, à noite”, quer dizer “ Atravessou esta
povoacao durante a noite”.
Repetindo varias vezes o
mesmo procedimento, as pessoas acabaram por alcunhá-lo com a designacao de “
Mphula – ohíyu”, isto é “ Arrebentador das Noites”, “ aquele que atravessa
terras durante a noite” ou “ atravessador nocturno”, alcunha que ele assumiu e
por ela passou a chamar-se dali em diante.
Na nossa tradicao cultural,
é normal o sucessor de um chefe tribal passar a ser chamado pelo nome do
falecido seu antecessor. Por esta razao, a partir daquele rei, todos os que o
sucederam no tronop passaram a chamar-se por “Mphúlohíyu”, mesmo que nao
praticassem as facanhas do antigo e defundo rei, deixando-se de lado o nome pessoal
de cada um deles.
E isto nao é fenomeno ou
assunto do outro mundo. Por acaso nao sucedeu o mesmo em relacao aos
imperadores da Antiga Roma e aos reis do Egipto Antigo? Os imperadores de Roma
eram “cesar”, independentimente do seu nome pessoal Tiberio, Julio ou Augusto;
e os reis do Egipto eram denominados por ”Faraó”, fossem eles Menés, Ramsés ou
Amanófis...
EVOLUÇÃO DO NOME
”MPHÚLOHÍYU”
Por o nome “Mphúlohíyu” ser
longo, e com andar dos tempos, reduziu-se “Mphla”, isto é
“Atravessador”, deixando-se de fora o termo “ohíyu” (noite).
Na limgua emákhuwa, para
indicar respeito adiciona-se ao nome de um rei (ou chefe tradicional…) a
designação de “Múnu”, ou Ana, correspondendo ao título honorífico de “DOM” ou
“Senhor”, na língua portuguesa.
Vejamos, rapidamente, os
quatros exemplos de nomes que se seguem:
- Khvala→
Khavala-Mnúnu, Á-Khavala, Yá-Khavala, Ana-Khavala;
- Kharowa→Kharowa-Mnúnu,
Á-Kharowa, Yá-Kharowa, Ana- Kharowa;
- Mkhuna→
Mukhuna-Múnu, Á-Mukhuna, Yá- Mukhuna, Ana-Mukhuna;
- Mphula→Mphula-Múnu,
Á-Mphula, Yá-Mphula, Ana-Mphula.
Falecido primeiro Mphula,
governaram no seu trono, uns após outros, vários sucessores, e, o reinado de
Mphula que veio a seguir,de nome próprio Therréla, chegaram aqui os
portugueses, exatamente na altura em que estava mais em uso a designacao ’’Ána-Mphula’’.
Ouvindo mal a pronuncia e
desconhecendo que “Ána’’ era um título honorífico e ainda optando
pela ‘’regra do mais fácil’’, os portugueses escreveram
simplesmente “Nampula’’ e assim ficou, até aos nossos dias…
O mesmo aconteceu, por
exemplo, com o nome de Khavala, que de Ána-Khavala resultou em Nacavala;
Kharowa, de Ána-Kharowa saiu Nacarowa; Mukhuna, de Ána-Mukhuna proveio o actual
nome Namecuna; etc.,etc.,e etc.
Como viram, até aqui falei
apenas da origem e evulucao do nome ‘’Mphúlohíyu’’, que através dos tempos
chegou a actual Nampua. É uma memória que me ocorreu.
Estamos aqui para falar de
‘’Menórias de Nampula’’ não é verdade?.. Entao, falemos agora um pouco da
cidade em que nos encontramos, a cidade de Nampula.
Esta cidade foi capital do
distrito de Mocambique, a actual Província de Nampula, em 1 de Janeiro de 1935.
Nessa altura, Mocambique era colónia, administrativamente dividida em três
províncias: Província do Niassa, com a capital em Nampula; Província de Manica
e sofala, capital beira; e Provincia do Sul do Save, capital Lourenco Marques,
que tambem era capital de todo Mocambique.
Cada provincia estava
dividida em distritos, e estes, em circunscricoes, conselhos, postos
administrativos, regulados ou regedorias e povoacoes. Mais tarde, isto é em
1951, a colonia de Mocambique passou a ser Provincia Ultramarina Portuguesa,
com a mesma divisao administrativa.
A povoacao de Nampula foi
criada pela portaria n° 1516, de 22 de Maio de 1922, e elevada à categoria de
Cidade pela portaria n° 11600, de 22 de Agosto de 1956.
O major Neutel de
Abreu cuja estátua está junto ao Museu Militar, fundou o posto militar de
Nampula em 7 de Fevereiro de 1907.
MAHÕHO E SUAS ARTIMANHAS
Mas, quem foi Neutel de
Abreu?... Foi um comandante militar, encarregue para conquistar e ocupar as
terras desta região do Norte de Moçambique. Tinha fixado residência em
Mossuril, onde estava estabelecido o Quartel Militar de São José, partindo dali
com contingentes militares contra a população do interior, tais como as dos
Namarrais (Anámarralo), as de Muecate e as das zonas de Mogincual, Quinga,
Liúpo, Mogovolas e Corrane, vindo a estabelecer-se, como vimos, no local onde é
hoje a Cidade de Nampula, antiga sede de Macuana – Omakhuani.
As populações destas terras
conhecem Neutel de Abreu por “Mahõho”, alcunha que lhe deram pelo seu modo de
falar fanhoso, expelindo os sons e as palavras mais pelas narinas do que pela
boca.
Para vencer com facilidade
as populações nativas, além das espingardas de repetição que os seus homens de
guerra usavam, Neutel de Abreu, o Mahõho, recorreu também a várias artimanhas
ou estratagemas, aproveitando-se da ignorância e ingenuidade das pessoas, intimidando-as.
O rei Mphula não foi
vencido num campo de batalha, mas sim e uma forma cobarde e traiçoeira, com
auxílio de Mukwepere – Múno, senhor das terras de Corrane, pois a sede do seu
reino foi atacada e ocupada quando ele estava ausente, nas terras de Kharámaja.
Á medida que a Cidade de
Nampula ia crescendo, foram surgindo as ruas, avenidas, escolas e outras
instituições de carácter sócio – económico e cultural. (Ver lista anexa).
A UniLúrio
A nossa Universidade tem o
nome de Lúrio, nome do rio que estabelece limite natural
entre as províncias de Niassa, Zambézia, Cabo Delgado e Nampula.
O rio Lúrio nasce próximo
do lago Chirua, Posto Administrativo de Mulumbo, Distrito de Micanhelas,
Niassa, na vertente norte do monte Maleme (que os portugueses escreveram
Monte Malema).
O seu nome, entre as
populacoes por ele banhadas, é Luúli, desde a nascente até
onde desagua, no Oceno Índico. Tem por afluentes os rios Muanda, Lileio,
Malema, Naálume e lalaua.
“Lúrio é
o nome de um barco que, em tempos, num troço daquele rio, transportou escravos
para o mar, sendo dali levados para outras terras do mundo”, segundo ouvi
dizer, já não me lembro de quem, pois que nem todas as memorias nos aparecem no
momento em que precisamos delas.
Parabéns, gostei muito de ler sobre a origem da palavra Nampula, eu conhecia uma outra versão, mas esta deve ser a mais certa. Por acaso sabe-me dizer qual a origem das palavras Nacala, Pemba, Ibo, Matemo, e Qurimba
ResponderExcluirObrigado pelo post. Foi muito interessante pois deu mais uma visão sobre o trabalho que estou a pesquisar sobre a historia da Cidade de Nampula. Pena não posso falar directamente com o ANTROPÓLOGO, Prof. Viegas, mas as suas ideias vão inspirar.
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