25 outubro 2012

DESTACADOS MEMBROS DA FRELIMO CONTRADIZEM-SE EM PÚBLICO


DESTACADOS MEMBROS DA FRELIMO CONTRADIZEM-SE EM PÚBLICO

“Processo de Nachingwea”

Sérgio Vieira confirma existência da «Ordem de Acção n. 5/80»


É sabido que as execuções das vítimas do conhecido Processo de Nachingwea, tiveram lugar nas cercanias da estrada que liga M’telela a Chiputo, no Niassa. Quem conduziu os presos ao local foi o comissário político do Ministério da Segurança-SNASP, Major Abel Assikala. Este integrava uma delegação de alto nível que se deslocou propositadamente a M’telela em viaturas oficiais do governo provincial do Niassa, na altura tutelado por Aurélio Manave. As ordens foram transmitidas pelo então vice-ministro da segurança, Salésio Teodoro Nalyambipano, em cumprimento de uma decisão tomada pelo Bureau Político do Partido Frelimo.
As recentes entrevistas que o jornalista Jeremias Langa da STV efectuou a destacados membros do Partido Frelimo trouxeram de novo à ribalta as execuções sumárias de  vítimas daquilo que já é conhecido no país e no estrangeiro como o “Processo de Nachingwea”. Reproduzidas no diário «O País», edição de 25 de Junho do corrente, as entrevistas com Óscar Monteiro e Sérgio Vieira demonstram que, no fundo, o regime continua a actuar de forma dolosa em relação a uma das páginas mais negras da história contemporânea da nossa jovem nação.
Questionado sobre a «Ordem de Acção n.º 5/80» do Ministério da Segurança-SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular), da qual consta o seu nome no âmbito da execução sumária de destacadas figuras políticas nacionais, Óscar Monteiro começou por afirmar tratar-se de “um documento fictício inventado por Jorge Costa”, o ex-director nacional da segurança que pediu asilo político à África do Sul em 1982. Monteiro foi peremptório ao afirmar perante as câmeras de televisão, e uma vez mais referindo-se à referida “Ordem de Acção”, que “esse documento não existe”.
Contrariando Óscar Monteiro, o coronel na reserva, Sérgio Vieira, afirmou no decurso da entrevista conduzida pelo director do matutino «O País» que a “Ordem de Acção” existia, pois, segundo as suas próprias palavras, “foi publicado na época”, para depois ser ainda mais preciso: “Não foi publicado agora, foi publicado na época. Foi uma decisão da Comissão Política (NR.: então Bureau Político) para a publicação dessa ordem face à gravidade dos acontecimentos”. Interrogado pelo entrevistador se a «Ordem de Acção n.º 5/80» teria aparecido antes ou depois da execução dos prisioneiros, Sérgio Vieira declarou que “possivelmente deve ter sido publicada depois”, repisando a seguir: “Mas existia”.
Tanto Sérgio Vieira como Óscar Monteiro tentaram durante a entrevista apresentar as execuções sumárias de M’telela como uma decisão tomada à revelia da direcção do Partido Frelimo. Segundo Vieira, “é que aquela foi uma decisão de uma camarada, que não interessa o nome agora”, acrescentando: “Ele próprio, sem consultar ninguém, teve a ideia de levar os prisioneiros para uma zona onde haveria um ataque da Rodésia e executar os prisioneiros”.
Recorrendo ao mesmo argumento, Óscar Monteiro declarou na entrevista a que temos vindo a fazer referência, que as execuções sumárias haviam sido uma decisão de “pessoas que tinham [os prisioneiros] à guarda, penso que seja da responsabilidade de quem esteve com eles lá”.
Na realidade, a decisão foi tomada pela direcção do Partido Frelimo. O próprio Marcelino dos Santos, número dois da hierarquia dessa formação política à altura das execuções sumárias, declarou de forma insofismável ao jornalista Emílio Manhique da TVM que tais matanças haviam sido um acto de “justiça altamente popular”. Na entrevista, transmitida por aquele canal televisivo a 19 de Setembro de 1997, Marcelino dos Santos explicou da seguinte forma o raciocínio da direcção do seu partido ao ordenar as execuções extrajudiciais:
“...e depois sobreveio a acção, a tentativa do inimigo de buscar elementos moçambicanos descontentes, em particular aqueles que pudessem ser-lhes bastantes úteis. Então, aquela consciência que nós tínhamos inicialmente de que são traidores e que, portanto, deveriam ser executados. Bom, numa certa medida podemos dizer que surgiram as condições que forçaram a implementação de uma preocupação e de um sentimento muito, muito, muito antigo...”
São, pois, claras as palavras de Marcelino dos Santos, e que lançam por terra as teses de Sérgio Vieira e Óscar Monteiro de que alguém, que convenientemente não identificam, havia agido isoladamente e à revelia da direcção do Partido Frelimo. É sabido que as execuções tiveram lugar nas cercanias da estrada que liga M’telela a Chiputo, na província do Niassa. Quem conduziu os presos ao local foi o comissário político do Ministério da Segurança-Snasp, Major Abel Assikala. Este integrava uma delegação de alto nível que se deslocou propositadamente a M’telela em viaturas oficiais do governo provincial do Niassa, na altura tutelado por Aurélio Manave. As ordens foram transmitidas pelo então vice-ministro da segurança, Salésio Teodoro Nalyambipano, em cumprimento de uma decisão tomada pelo Bureau Político da formação política, que à luz da Constituição em vigor, assumia-se como “força dirigente do Estado e da sociedade” e de cujo elenco constava o nome de Óscar Monteiro.
É destituída de qualquer lógica a afirmação de Sérgio Vieira de que o tal “camarada que não interessa o nome agora” tenha levado “os prisioneiros para uma zona onde haveria um ataque da Rodésia e executar os prisioneiros”. Chiputo, que dista cerca de 50 km do campo de reeducação de M’telela, é, portanto, uma zona muito aquém do teatro onde se desenrolaram as operações da guerra do nosso país com a Rodésia, aquando da luta pela Independência do Zimbabwe. Já antes, mais concretamente em 1988, Sérgio Vieira afirmara perante membros da comunidade moçambicana residente em São Francisco da Califórnia que as personalidades políticas abrangidas pelo «Processo de Nachingwea» haviam sido mortas no Niassa pela guerrilha da Renamo. Este movimento, note-se, apenas iniciou as suas acções armadas na Província do Niassa em 1983, mais de 4 anos após as execuções decretadas pelo regime do Partido Frelimo, à revelia dos tribunais e sem que a lei da pena de morte tivesse sido aprovada pelo parlamento então existente.

CANAL DE MOÇAMBIQUE – 14.07.2010

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