07 outubro 2012

PODER PERDE A BATALHA DAS IDEIAS?


PODER PERDE A BATALHA DAS IDEIAS?

Por João Mosca

Uma fábula: um senhor sem conhecer as relações sociais entre os habitantes do mar, resolveu colocar no seu aquário em casa um caranguejo e um pequeno peixe. Este, desconfiado e tímido, propôs um pacto de não-agressão ao caranguejo: o peixe, sabendo da ferocidade do companheiro de aquário queria viver em paz. Assinaram o acordo. Um dia, na brincadeira o peixe ousou dominar o caranguejo que não duvidou em utilizar a sua força e ferocidade. O peixe, antes de morrer, pergunta: mas e o nosso pacto? O agressor responde: é a minha natureza.
Aconteceu recentemente na sede da Frelimo uma reunião com alguns comentadores, apresentadores e directores de programas de debate das televisões. A mensagem foi clara. É preciso dizer bem do governo e da Frelimo, estar alinhado e não fazer programas críticos. Na mesma altura tinha havido uma entrevista a um semanário onde surgiu o discurso acerca dos moçambicanos genuínos e não genuínos vindo da segunda figura formal do partido no poder. Uns dias depois da reunião na sede da Frelimo, um director de programa da televisão oficial foi destituído e o programa deixou de ser emitido. Anteriormente, o mesmo director numa entrevista televisiva perguntou porque alguns brancos são tão críticos e adiantava: será porque também querem uma parcela do poder ou acesso a mais negócios? Ainda com maior anterioridade mas também há pouco tempo, o mesmo director agora destituído, em plena reunião do mais alto magistrado do Estado com os órgãos de informação, teria afirmado que há por aí uns brancos muito críticos.
Em alguns debates televisivos dos últimos tempos tem-se verificado um aumento do tom crítico à governação. Os tertuliantes de algum modo relacionados com o poder, têm revelado uma confrangedora incapacidade de defesa dos seus chefes, das políticas, das medidas da governação e de justificação do que não vai bem. Incompetência ou simplesmente impossibilidade de defender o indefensável? Ou ambas as coisas? Repetem-se em slogans, não apresentam evidências e a argumentação é geralmente pouco consistente. Quando o poder é representado por funcionários menos políticos e mais técnicos, é nítida a dificuldade destes contrariarem o fundamentado, como foi o caso aquando da descida de Moçambique no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Geralmente a recorrência à demagogia é demasiado primária para convencer um tele espectador minimamente informado, isto é, são também maus demagogos. Esta governação tem tomado medidas impensáveis e antecipadamente condenadas ao fracasso. Alguns governantes dizem por vezes coisas que assustam qualquer cidadão informado pelo facto do país e ele próprio estarem a ser governados por eles.
Vêm académicos de primeira linha mundial incluindo prémios Nobel proferir conferências de grande actualidade mas não se vê algum membro ligado ao governo a ouvi-los. Será porque tão arrogantemente quanto ignorantemente pensam que nada têm a aprender, ou porque sabem que não gostarão de ouvir algumas coisas diante de um vasto público, ou porque essas figuras foram convidadas por organizações da sociedade civil, ou não sei mais porquê.
O X Congresso reflectiu a ausência do sentido da pluralidade. A reacção de encerrar os microfones e câmaras de filmar logo após o primeiro sinal de uma voz crítica e realista, revela visão curta, autoritarismo, prepotência (felizmente que esta ordem foi alterada). A tentativa de demonstração de um monolitismo de pensamento é demasiado arcaica. Sem querer referir à componente da propaganda e encenação política e sabendo que não é em público que as verdadeiras discussões e decisões acontecem, pelo pouco que tive oportunidade de acompanhar, o conteúdo das intervenções dos delegados é demasiado constrangedor, o que fundamenta título deste texto. Demasiado pobre para um partido que comemora 50 anos. Revelador da incapacidade de formar intelectuais, acolhê-los e deles receber os contributos que os intelectuais deveriam prestar em qualquer regime e sistema político. Mas também se compreende a preferência pela mediocridade que não importa aqui desenvolver.
Mas há aspectos não menos graves que representam pressão e chantagem social e intromissões na vida privada. Por exemplo, um alto dirigente perguntar ao seu subordinado em tom pressionante se é amigo de uma determinada pessoa considerada como “crítico”. Ou ainda estar programado um seminário, alguém ser formalmente convidado para apresentar uma comunicação e à última hora, o “chefe” bani-lo da lista. Ou mesmo pressionar-se e chantagearem-se familiares directos pelo facto de um membro da família exercer livremente a sua cidadania. Ou mesmo referir a alguém que o emprego pode perigar.
Este conjunto de aspectos representa a coarctação de direitos humanos pilares da democracia. Significa uma profunda intromissão no governo pelo partido. Ou organizou-se a reunião na sede do partido para dar mais força persuasiva já que o partido nunca dirigiu e controlou o Estado com tanta evidência? Estes (e outros) factos revelam ausência de democracia.
O actual poder não tem génese democrática e não se desenvolveu com os princípios da democracia. A maioria dos seus dirigentes pouco sabe das práticas democráticas e não tem vivências em democracia. A “democracia” em Moçambique foi violentamente imposta (para se evitar a derrota militar), aceite por sobrevivência do actual poder e suportada por condicionalidades externas e em troca da cooperação. Em resumo a ”democracia moçambicana” é essencialmente uma concessão em troca da manutenção do poder e de dinheiro para a sustentação da economia e do poder de Estado.
Por estas razões, é necessário estar-se atento se a ausência de partidos da oposição que constituam alternância do poder e a entrada de capitais de investimentos estrangeiros com redução da cooperação para financiar a economia e o Estado, não perigará a “democracia moçambicana” ou pelo menos fará muscular os actuais sistemas de controlo social, reduzir as liberdades e aumentar os sistemas repressivos.
Pode-se passar de dependente e subserviente relativamente aos parceiros externos para a fanfarronice e o boçalismo tal como acontece em algum país africano rico em recursos.
E voltamos à fábula. O que se refere neste texto revela: Que a governação não tem capacidade de debate por esgotamento do discurso, não há renovação ideológica, há défice da crítica e autocrítica, e persiste um vazio de ideias em troca de um pragmatismo (ineficiente) e do neoliberalismo pouco ou nada consistente e portanto incompetente. O poder perdeu a batalha das ideias e a capacidade ou interesse pela negociação?
Que não há cultura da tolerância e da convivência em pluralidade cultural, de ideias e de diversidades de várias naturezas. O poder tem fortes sinais fascistas?
Que quando o poder se sente ameaçado, ele assume a sua verdadeira natureza: ausência de democracia, autoritarismo e se necessário repressão.
Será que este poder só age quando ameaçado? Vários factos indicam essa possibilidade. A fábula indica que a natureza não muda. O actual poder vai mudar? O peixe não deveria estar no aquário. A alternância sairá da convivência dentro do sistema? O que é necessário para se evitarem retornos a regimes ditatoriais? Mais cidadania e sociedade civil independente, formada, informada, consciente e patriótica, o que exige coragem capacidade de sobrevivência e suporte político de dentro (que não será do caranguejo, isto é, do poder) e de fora.
Crescimento ou emergência de alternâncias de poder no quadro do Estado de direito e da democracia. Emergência de uma elite com poder económico independente. Ou será por acaso que não há políticas que permitam o crescimento das pequenas e médias empresas em Moçambique?
O poder sabe que as multinacionais têm a mesma natureza. Também por isso a pressa para atrair o investimento directo estrangeiro. Mas cuidado que o capital não tem pátria.

In Savana, 05 de Outubro de 2012

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