13 novembro 2012

UMA FOTOGRAFIA COM HISTÓRIA


UMA FOTOGRAFIA COM HISTÓRIA

Presidente Joaquim Chissano e Vladimir Novoselov (mecânico de bordo do Tupolev 134-A que despenhou em Mbuzini)


A imagem que aqui se reproduz foi publicada na primeira página do diário «Notícias» de Maputo. A edição é de 6 de Novembro de 1986. Como se lê na legenda, o Presidente Joaquim Chissano está sentado ao lado de Vladimir Novoselov, Mecânico de Bordo do Tupolev 134-A, que se despenhara em Mbuzini cerca de duas semanas antes, com o Presidente Samora Machel a bordo. Segundo a reportagem do «Notícias», Chissano havia-se deslocado à Missão Comercial soviética em Moçambique para apresentar cumprimentos de despedida a Novoselov no mesmo dia em que este partiu para Moscovo.
Para a maioria dos leitores, a partida de Novoselov, a 5 de Novembro, não tinha significado especial. À primeira vista, tratava-se do regresso de um cooperante ao país de origem, se bem que em circunstâncias diferentes dos demais.
Cerca de 10 anos mais tarde, porém, a saída de Novoselov adquiria outros contornos.
Em 2007, Jacinto Veloso, ex-ministro da segurança e ex-membro do Bureau Político do Partido Frelimo, publicou em Maputo «Memórias em Voo Rasante». No livro, Veloso revela que quando elementos da comissão moçambicana de inquérito quiseram interrogar Novoselov, o pessoal da segurança da embaixada da URSS impediu-os.
Foram alegadas razões médicas óbvias e até houve a promessa de que, quando o tripulante estivesse recuperado e fora do estado de choque, a parte moçambicana poderia entrevistá-lo.”
Veloso, que era membro da Comissão de Inquérito nomeada pelo governo moçambicano para investigar as causas do acidente de Mbuzini, acrescenta que “dois ou três dias depois, um dos membros da comissão de inquérito foi ao hospital para saber como estava o tripulante.
Com enorme espanto, constatou que o pessoal da embaixada já o havia evacuado para Moscovo.
A Comissão de Inquérito de Moçambique protestou e pediu para ir a Moscovo falar com o tripulante, mas a embaixada informou que isso não era aconselhável e que as autoridades soviéticas iriam fazer o inquérito e transmitir as respostas às questões colocadas pela parte moçambicana.”
A concluir, Jacinto Veloso afirma que “até hoje, pelo que sei, a parte ex-soviética não transmitiu qualquer informação sobre o assunto. Haveria algo a esconder ou tratou-se de simples negligência?”
Nos finais de Novembro e princípios de Dezembro de 1986, encontravam-se em Moscovo, como parte das investigações do acidente de Mbuzini, peritos moçambicanos e sul-africanos. Apresentaram à parte soviética um pedido formal em nome das delegações do Estado de Registo da aeronave sinistrada (Moçambique) e do Estado de Ocorrência do acidente (África do Sul) para que fosse organizada uma entrevista com Vladimir Novoselov.
Os soviéticos impediram uma vez mais que Novoselov prestasse declarações, alegando não haver meios para levar os investigadores a Leninegrado, a cerca de 400 km de Moscovo.
Não era a primeira vez que Moscovo escondia provas no âmbito de investigações de acidentes aéreos. Três anos antes do acidente de Mbuzini, um Boeing 747 das Linhas Aéreas Coreanas (KAL), que seguia de Nova Iorque para Seul, era abatido por um Su-15 soviético por ter penetrado uma zona proibida do espaço aéreo da União Soviética.
De início, as autoridades de Moscovo negaram ter conhecimento do caso, mas mais tarde admitiram ter abatido o avião por alegadamente encontrar-se em missão de espionagem.
Não foi possível aos investigadores da ICAO determinar com exactidão as circunstâncias do desastre pois não haviam conseguido encontrar as caixas negras do Boeing 747 sul-coreano. Estas já haviam sido recolhidas pela marinha de guerra soviética no fundo do Mar da Japão, mas disso as autoridades da URSS não informaram a ICAO, nem o país de registo do avião abatido.
Nove anos mais tarde, já depois do colapso da União Soviética, o presidente russo, Boris Yeltsin, entregou ao governo da Coreia do Sul as caixas negras do avião. Na altura, Yeltsin divulgou cinco memorandos, com a classificação de «Muito Secretos», contendo comunicações do chefe da KGB, Viktor Chebrikov, e do Ministro da Defesa, Dmitriy Ustinov, para o secretário-geral do PCUS, Yury Andropov. Os memorandos recomendavam que a descoberta das caixas negras fosse mantida secreta uma vez que os dados delas extraídos não corroboravam a alegação soviética de que o Boeing 747 da KAL encontrava-se em missão de espionagem no momento em que havia sido abatido.
A decisão do governo soviético de não permitir que Vladimir Novoselov prestasse declarações a membros das comissões de inquérito moçambicana e sul-africana, tem uma explicação: Novoselov era a testemunha inconveniente, a testemunha idónea dos erros flagrantes cometidos por ele e pelos colegas que tripulavam o avião e que viriam a causar o desastre de Mbuzini; uma testemunha que não podia corroborar a existência do VOR falso, desde o início inventada pela União Soviética como forma de lavar as mãos de um acidente da exclusiva responsabilidade de uma tripulação que Moscovo havia fornecido ao Estado moçambicano.
Uma tese que nem sequer conjugava com as constatações dos investigadores da comissão de inquérito moçambicana, mas que seria avalizada pelo poder político em Moçambique: esse mesmo poder que foi cúmplice na ocultação de provas, permitindo que uma testemunha chave do acidente – o Mecânico de Bordo – partisse de Maputo para Moscovo quando sabia de antemão que ela era solicitada a prestar declarações à Comissão de Inquérito que ele próprio havia nomeado.
Está-se, pois, perante uma cabala envolvendo, ao mais alto nível, o poder político em Maputo, incluindo o actual Presidente da República, Armando
Guebuza, indigitado em Outubro de 1986 para encabeçar a Comissão de Inquérito moçambicana.
Uma cabala que o regime tem vindo a promover desde a primeira hora através da AIM, que segundo uma tese académica de Yvonne Clayburn (Soviet disinformation strategy as applied to Samora Machel death crash), agindo em consonância com o aparelho de propaganda soviético. Para melhor entender os contornos da cabala, é imprescindível a leitura de um outro livro de memórias, este da autoria de Sérgio Vieira, igualmente membro dessa Comissão de Inquérito e que à altura do acidente de Mbuzini era ministro da Segurança (SNASP).
A páginas 49 do livro, «Participei, por isso testemunho», fazendo tábua rasa da prova documental da saída de Novoselov de Maputo para Moscovo, tal como vem estampada na primeira página do «Notícias», diz o autor ao referir-se ao Mecânico de Bordo que havia sobrevivido ao acidente:
“Na saída do tripulante soviético para a URSS directamente da África do Sul, onde esteve hospitalizado, em nada houve envolvimento moçambicano, acordou-se entre as autoridades médicas soviéticas e sul-africanas.” E a rematar o exercício de desinformação, pergunta Sérgio Vieira: “Estariam os dirigentes de Pretória em conivência com Moscovo?”
Segundo o jornal «The Star» de Joanesburgo, edição da tarde de 29 de Outubro de 1986, Vladimir Novoselov, acompanhado da esposa, Nadejna Novoselov, e de um médico, seguiu para Maputo num voo regular da LAM que partiu do Aeroporto Internacional de Jan Smuts pelas 10h15 da manhã do mesmo dia.
A chegada de Novoselov a Maputo foi confirmada pelo «Notícias» na edição do dia seguinte.
A esposa de Novoselov havia chegado a Pretória no dia 22 de Outubro, tendo aparecido em público acompanhada de Nikolai Karpenko, segundo secretário da Embaixada da União Soviética em Maputo.
Funcionários desta embaixada, enviados a Pretória, impediram que membros da Comissão de Inquérito sul-africana entrevistassem, livremente, o tripulante soviético. 

Canal de Moçambique – 07.11.2012

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