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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

31 agosto 2012

ANGOLA: UMA NAÇÃO DOMINADA POR UMA ELITE RICA


ANGOLA: UMA NAÇÃO DOMINADA POR UMA ELITE RICA
(Parte de uma longa reportagem especial publicada no Financial Times na edição de 18 de Julho de 2012).


No hall de entrada com piso de mármore da sede da Sonangol, emissários do leste e oeste vêm em busca de acesso a uma indústria de energia que luta por ser a maior de África. O arranha-céus de vinte e três andares, propriedade do Estado, paira sobre Luanda, um monumento para uma empresa – e para um país – que está à procura do seu lugar no palco mundial.

A história da Sonangol é a história de Angola-ou, pelo menos, de uma Angola. Durante a guerra civil, que começou com a independência em 1975 e só terminou há dez anos, a empresa forneceu o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) com seus cofres de guerra. Em tempos de paz, dirigiu a bonança do petróleo para tornar a economia de Angola a terceira maior de África a do Sahara, depois da África do Sul e Nigéria. Ainda assim, como a Sonangol de Angola domina a vida comercial, com interesses bancários abrangendo imóveis, uma carteira de investimentos internacionais, uma companhia aérea e uma equipa de futebol, a elite tem um controlo apertado que lhe permite acumular uma fortuna fabulosa.
A maioria dos 20 milhões de habitantes do país só testemunha a partir de uma posição de penúria que o dinheiro do petróleo não está a ajudá-los.
“Um dos grandes desafios, e que se refere a mim e à minha geração, é realmente o de diversificar a fonte de renda”, indica Manuel Vicente, que dirigiu a Sonangol durante 12 anos até à sua transferência em Janeiro, para se tornar o ministro de Estado para o desenvolvimento económico de coordenação.
"Até agora, o petróleo é o principal pilar, mas é um recurso não renovável e temos que aproveitar esse recurso para promover outras actividades."
A economia de Angola tem sido uma das que mais cresceu no mundo durante a última década da recuperação pós-guerra. Mas, apesar da agitação entre investidores estrangeiros sobre o seu enorme potencial, contínua a ser a economia menos diversificada do continente, de acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
Os preços do petróleo elevados forneceram uma taxa média de crescimento de 11 por cento entre 2003 e o ano passado, mas a indústria incentiva a corrupção e sufoca os sectores que poderiam criar emprego em massa, tais como a indústria e a agricultura. O petróleo pode fornecer 97 por cento da receita de exportação e três quartos da receita do governo, mas emprega apenas 1 por cento da mão-de-obra. Um país que já foi um produtor próspero, com terras suficientes para cobrir toda a Bélgica, importa pelo menos 70 por cento dos bens que consome.
"O nosso medo é que, em 10 anos, se não fizermos um bom trabalho na diversificação da economia, atingiremos os limites do crescimento económico em Angola", avisa Manuel Alves da Rocha, economista da Universidade Católica de Angola.
O governo investiu cerca de USD 150 biliões na última década, lançando as bases para uma economia mais ampla: ferrovias, pontes e estradas suficientes que dariam meia volta ao equador. Os doadores têm contribuído para remover minas terrestres, mesmo que o progresso tenha abrandado quando entregaram a tarefa ao governo.
Mais dinheiro de petróleo vem a caminho. Descobertas recentes levam o Sr. Vicente a prever que a produção de petróleo vai dobrar de 1,8 milhão de barris por dia no ano passado para 3,5 milhões de barris por dia até ao final da década.
"Angola é para nós uma terra de sucesso", informa Jacques des Grottes Marraud, director de exploração de produção Africana para a Total, o maior produtor do país. "É um dos melhores lugares para nós em termos de crescimento."
A floresta tropical de guindastes amarelos e azuis que se eleva acima de Luanda tem engrossado nos últimos anos; as empresas de construção chinesas, brasileiras e locais erguem torres e hotéis de cinco estrelas e blocos de apartamentos de luxo elevam-se por cima das favelas onde, provavelmente, três quartos dos moradores da capital vivem.
"O problema neste país é a diferença entre os que têm e os que não têm", lamenta um funcionário internacional. "E parece estar a aumentar em vez de diminuir".
Para os angolanos mais velhos, a paz é tudo. A maioria está preparada para engolir as suas dúvidas sobre os mil milhões de dólares que passaram dos cofres do Estado para os bolsos privados, temendo que a dissidência fosse cortejar novos conflitos. Mas Angola tem uma das populações mais jovens do mundo, sendo que quarenta e sete por cento tem menos de quinze anos. O desemprego, que é de vinte e seis por cento no geral, atingiu cinquenta por cento entre os jovens. A maioria tem apenas cinco anos de escolaridade.
Ainda assim, habituados já à ausência de guerra, os jovens, como aqueles que jogam dados num domingo de manhã na estrada em N'dalatando, uma cidade no interior a duzentos quilómetros de Luanda, exasperam com a ausência de oportunidades. Xavier Baptista, um aluno de dezassete anos de idade, matriculado no décimo primeiro ano, diz que sonha com uma carreira na indústria de petróleo ou bancária, mas não sabe como lá chegar. Seguir o caminho dos seus pais e trabalhar para o governo, ganhando pouco, não é o suficiente. O cinismo sobre o grupo dos governantes de Angola é palpável. "Eles trabalham em primeiro lugar para si, para que possam ficar muito ricos", diz Xavier. "Então,depois, talvez pensem um pouco sobre o resto da população".
A corrupção está a espalhar-se para fora de um círculo em torno da presidência cuja maioria dos membros já deve ser várias vezes multimilionária.
"Está-se a tornar uma cultura", remata Maria Lúcia da Silveira da Associação de Justiça, Paz e Democracia. "[As pessoas] já nem sequer escondem esse facto." Cita um estudo feito à construção pública encomendada pelo CMI (Chr. Michelsen Institute) da Noruega, fundação de pesquisa, que constatou que a corrupção acrescenta vinte e cinco a trinta por cento ao custo final da construção.
Inquéritos do Banco Mundial encontraram um grande salto de 2006 a 2010 no número de empresas a informar que o principal obstáculo à realização de negócios é a corrupção. Entre eles a elite, o Estado, interesses pessoais e particulares, campos de diamantes controlados por generais e pelos parceiros locais que, secretamente, são propriedade de altos funcionários e atribuídos às empresas de petróleo de grupos estrangeiros.
Edward George, especialista em Angola, informa que o estilo do regime é de "criptocracia", no qual as alavancas do poder estão escondidas. O Fundo Monetário Internacional estima que USD4,2 mil milhões estão ainda a faltar das contas de 2007-10. Os detalhes dos chamados "bónus de assinatura" para direitos sobre o petróleo são descurados, bem como os vastos projectos de infra-estruturas que a China International Fund realiza, propriedade de um grupo pouco conhecido de investidores de Hong Kong.
A frustração aumentada vem pela primeira vez transformando-se em protestos generalizados. Alguns foram recebidos com violência esporádica. No entanto, existe pouca dúvida de que José Eduardo dos Santos, Presidente desde 1979, triunfará nas eleições marcadas para 31 de Agosto.
Independentemente da realização das eleições, é improvável que Angola tenha pretendentes em falta.
Angola tem-se posicionado atractivamente para investimento das nações dos Bric, liderada pela China com o seu pacto de USD10 biliões de petróleo em troca de infra-estrutura.
Potências ocidentais querem Luanda como um aliado, sejam quais forem as preocupações de Direitos Humanos. Agindo como um fundo soberano, a Sonangol projecta a riqueza petrolífera do país no exterior, reforçando a sua influência internacional.
Manuel Vicente diz: "Não há nenhuma intenção de ser uma potência em ascensão, para desempenhar um grande papel em África, para ser forte e tentar fazer tudo isso. É só para tentar gozar de paz, para desfrutar de desenvolvimento, isso é o que nós queremos."
Alguns, especialmente aqueles com conexões ao palácio presidencial, certamente estão a desfrutar da paz. Xavier e a sua geração ainda estão à espera.

UM DOS LUGARES COM MAIOR CRESCIMENTO NO MUNDO
Os valores em causa podem fazer com que a Europa se torça de inveja: onze por cento de crescimento médio anual na última década, um excedente orçamental de dez por cento do produto interno bruto no ano passado, exportações três vezes superiores se comparadas às importações e reservas internacionais a duplicaram em três anos.
Mas existem outros indicadores que também fazem torcer de inveja os angolanos. De acordo com o Instituto Oficial de Estatísticas, uma em cada três pessoas com mais de quinze anos é incapaz de ler ou escrever, três quinto da população não têm acesso à electricidade e apenas um em cada três tem um fornecimento adequado de água potável e saneamento.
"Facilmente conseguimos ver o progresso, mas será que ele é suficiente?" É a pergunta de um funcionário internacional em Luanda, que acrescenta: "Não está a ser tão rápido e significativo quanto deveria."
Um dos rostos de Angola é a prova impetuosa da riqueza do petróleo – construção em todos os lugares, as ruas entupidas de veículos 4x4, agências bancárias proliferando e o primeiro Shopping Center de estilo brasileiro, o must-have de economias africanas emergentes.
O outro é um país que ainda sofre os efeitos de pós quarenta anos de insurgência e guerra civil, e provavelmente com um quarto da população agora concentrada em bairros pobres na capital.
As estatísticas são irregulares. O último censo foi em 1970, quando a população era de 5,7 milhões.
Dentro de um ano, no novo censo, espera-se encontrar cerca de 20 milhões. O último inquérito oficial sobre o agregado familiar estima que a taxa de pobreza seja de 36,6 por cento, metade do valor de2000_2001, antes de a guerra civil terminar. Autoridades internacionais concordam com que a pobreza diminuiu, mas acham que a taxa real é maior do que 45 por cento.
Apesar dos seus defeitos, a economia sofreu uma mudança extraordinária desde o fim da guerra,quando a inflação anual superava os cem por cento, o governo não conseguia pagar as suas dívidas e o movimento de pessoas e bens era obstruído por campos minados e estradas cortadas.
Angola tem tido um bom desempenho, acima da média africana, tornando_se um dos lugares com maior crescimento no mundo. Está entre os países africanos com menor dependência de ajudas. Como um sinal de confiança, o governo estimulou a ideia de uma primeira emissão de obrigações internacionais – um projecto que agora, aparentemente, está parado por causa da turbulência no mercado da dívida.
No entanto, a economia é extremamente vulnerável aos preços do petróleo, como ao impacto de uma desaceleração na China, o seu principal cliente. Desde Maio que os preços fragilizados do petróleo bruto e a seca generalizada já reduziram as expectativas para 2012. Depois de uma projecção inicial do governo de crescimento mais do que triplicado a 12,8 por cento, segundo algumas estimativas privadas, a taxa provável é colocada em cerca de 7 por cento.
Continua a ser uma economia desequilibrada, sofrendo de uma escassez de competências, de má qualidade no ensino, serviços deficientes, falta de capacidade empresarial e um acesso difícil do sector privado para aceder aos financiamentos. Com uma certa fama de corrupção e gestão pública opaca, o país mantém-se com um ranking baixo como lugar para fazer negócios.
O ritmo forçado de transição e a dependência quase total do petróleo deram origem a anomalias. Um deles foi o poder exercido pela Sonangol, a companhia estatal de petróleo e a máquina de gestão mais eficaz de Angola, como um promotor para todos os fins e uma tesouraria substituta.
No ano passado, o Fundo Monetário Internacional descobriu "grandes rubricas de financiamento residual" em contas públicas a partir de 2007 a 2010 – uma incompatibilidade entre o saldo fiscal global e fontes de financiamento identificadas.
A discrepância corresponde essencialmente a despesas não declaradas feitas directamente pela Sonangol, com os lucros do petróleo que deveriam normalmente passar à tesouraria, chegou aos USD 31.4 biliões, cerca de um ano inteiro de receita fiscal, o que em parte explica a falta de liquidez do governo durante os anos com crescimento mais lento. A maioria do dinheiro, desde então, já foi contabilizada.
Estes fundos geridos pela Sonangol serão transferidos gradualmente, num processo orçamental ortodoxo. Outra questão é o custo de subsidiar os preços baixos dos combustíveis nacionais, considerandos e que tenham absorvido mais de 7 por cento do PIB no ano passado. Após a experiência da Nigéria, onde o governo tentou retirar o subsídio aos combustíveis no início do ano, a agitação popular forçou a voltar atrás na sua decisão, é improvável que Angola tente a mesma coisa. A dependência do petróleo gera graves distorções, bem como riscos. Já foi no passado o segundo país mais industrializado no Sul de África, mas Angola tem pouca coisa para vender além de diamantes, gás e alguns produtos refinados.
Com um fluxo de receita em dólares empurrando para cima o valor da moeda kwanza, geralmente é mais barato importar do que produzir localmente. "A economia angolana não é competitiva", informa Manuel Alves da Rocha, professor de Economia da Universidade Católica de Angola. Salienta que o governo está num beco sem saída e conta com uma elevada taxa de câmbio para conter a inflação.
O governo indica que partes do PIB do sector industrial caíram de 24 a 26 por cento no final da colonização portuguesa, em 1975, para 4 por cento, em 1990, e manteve-se nesse nível. Ainda assim, se não conseguir resolver os problemas de electricidade e água, prevê atingir os limites de crescimento nos próximos dez anos, mesmo havendo um grande potencial na agricultura e noutros recursos.
Após dez anos de reconstrução, Angola está à procura de uma base mais ampla de crescimento para se proteger do mercado volátil do petróleo. Mas, como salienta um perito internacional, "vai demorar muitos anos para ver uma economia florescente e diversificada".


Homem da Sonangol na estrutura de liderança
Há apenas um adorno nas paredes da sala de reunião na vila do período colonial que abriga o ministério de Manuel Vicente. Sobre a mesa de reuniões, está um retrato de Manuel Vicente, que poderá vir a ser o sucessor de José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola desde 1979.
Em Janeiro, Manuel Vicente foi recompensado por doze anos de casa na Sonangol com uma promoção que o fez passar de um arranha-céus do grupo estatal de petróleo, no centro da cidade, para um enclave presidencial. A sua nomeação como ministro de Estado para coordenação económica colocou-o em pé de igualdade com os dois membros mais antigos da estrutura do poder a seguir ao Presidente: o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido como Kopelipa, chefe do departamento militar na presidência, e Carlos Feijó, o seu homólogo civil.
A promoção tem reforçado a crença nos círculos políticos e diplomáticos de que Manuel Vicente é o herdeiro escolhido do Presidente. Numa entrevista com o Financial Times, no início de Junho, Manuel Vicente não quis descartar os rumores, dizendo: "Não é uma tarefa fácil, mas se for escolhido pelo meu partido, como membro do Partido, terei de executar o trabalho".
Observadores alertam os que assumem que o caminho de Manuel Vicente para a Presidência é uma garantia. Mas José Eduardo dos Santos já no passado posicionou potenciais sucessores e depois pô-los de lado. Duas semanas depois de Manuel Vicente falar com o Financial Times, o MPLA publicou a sua lista de candidatos para as eleições de Agosto, com o genial tecnocrata como Número Dois.
Dado o domínio do MPLA e as novas regras eleitorais, como as coisas estão, Manuel Vicente está a caminho da vice-Presidência. Muitos prevêem que uma transferência de poder se seguirá um ou dois anos depois.
Algumas pessoas que esperam por reformas estão animadas pela ascensão de um tecnocrata que ajudou a transformar a Sonangol numa operação internacional eficiente. Outros vêem-no como a cara de um regime que não mostra sinais de abandonar o seu domínio autoritário sobre a Nação, além da sua disponibilidade de manipular instituições para fins pessoais.
A sua carreira não poderia contrastar mais nitidamente com a de José Eduardo dos Santos. Durante seis anos de formação como engenheiro de petróleo no Azerbaijão, o Presidente alimentou as alianças soviéticas para sustentá-lo no poder durante a guerra civil. Ele voltou a servir em primeiro lugar na campanha do MPLA, guerrilha pela independência, antes de tomar o poder em 1979. Manuel Vicente optou pelo Londons Imperial College. Educado, inicialmente, como um engenheiro electrotécnico, entrou no Ministério do Petróleo antes de mudar para a Sonangol, onde assumiu a liderança em 1999.
Enquanto José Eduardo dos Santos tem uma reputação de austeridade, Manuel Vicente é afável, o seu inglês quase perfeito é pontuado com gargalhadas. Compartilham uma paixão pelo futebol. No entanto, Manuel Vicente não gosta da ribalta. "Não me vai ver em festas", diz ele. "Não é o meu estilo."
Embora nunca tenha pegado em armas durante a guerra do MPLA, Manuel Vicente manteve a Sonangol a funcionar.
Quando a paz chegou, foi o génio por detrás da transformação da empresa, que é indiscutivelmente o grupo de energia de “topo” na África Subsaariana.
"Temos de dar crédito a Manuel Vicente por manter a Sonangol como uma ilha de excelência", afirma um alto funcionário internacional. "A minha esperança é que vá incutir o mesmo modo de gestão no governo".
No entanto, Manuel Vicente é também sinónimo de fusão entre a elite do Estado e os seus interesses privados e pessoais. O seu império de negócios abrange a indústria bancária e imobiliária. Era até recentemente o chefe da China Sonangol, uma empresa opaca, constituída pela empresa estatal de petróleo e investidores de Hong-Kong, conhecidos por serem avessos a publicidade e como o Grupo Queensway 88. Em Abril, o Financial Times revelou que o General Helder Viera Dias, “Kopelipa”, e outro general de topo tinham tido anteriormente participações escondidas na Nazaki Oil and Gaz, o parceiro local da Cobalt International Energy, um explorador que foi dos primeiros a receber os direitos para procurar petróleo na promissora região de águas profundas "do pré-sal", em 2010.
As participações foram dissolvidas no ano passado e tanto Manuel Vicente como a Cobalt negam irregularidades.
Mas o caso Nazaki e Manuel Vicente chamaram a atenção das autoridades norte-americanas, que têm vindo a investigar as operações angolanas com a Cobalt.
Manuel Vicente afirma que está a tentar melhorar a sorte da maioria dos angolanos que ainda têm de beneficiar da bonança do petróleo. "Eu sou cristão. Não funciona se você estiver OK e as pessoas à sua volta não tiverem nada para comer. Não me sinto confortável".
O futuro de Manuel Vicente e de Angola parecem estar interligados. Por enquanto, porém, ele está reservado. "Ele é muito inteligente e muito reservado", informa um ex-colega. "Se ele fizer alguma coisa sobre isso, ninguém irá saber".

Momento decisivo para o Presidente
É com um certo mistério que o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, governa Angola. Nos últimos meses, observadores internacionais têm analisado o terceiro governante mais antigo de África. Declaram-no estar vulnerável como nunca antes, mas também tão forte quanto sempre.
De qualquer maneira, o Presidente enfrenta nesta sexta-feira um momento decisivo dos seus 32 anos de regime autoritário, quando procurar afirmar, pela primeira vez, um mandato completo nas urnas.
A única vez que o Presidente angolano enfrentou o eleitorado foi em 1992, treze anos depois de sua nomeação pelo MPLA para presidente e comandante em chefe das Forças Armadas Angolanas.
Venceu Jonas Savimbi, líder da UNITA, que tinha lutado contra o MPLA desde a Independência, em 1975. Foi uma vitória que por pouco não foi absoluta.
Desiludido e sentindo a derrota da segunda volta das eleições, Jonas Savimbi retirou-se. A guerra civil foi retomada e só terminou com a morte do líder da UNITA, uma década depois.
Com a oposição fragmentada e intimidada, José Eduardo dos Santos não tem nenhum adversário que lhe faça frente. Em qualquer caso, as recentes alterações da Constituição significam que esta não será uma eleição presidencial directa. Em vez disso, os eleitores vão escolher um partido e o primeiro nome na lista de vitoriosos – se for o MPLA, José Eduardo dos Santos será o presidente. A julgar pelas eleições legislativas de 2008, o partido já então implantado, assim como as instituições do Estado, garantiu uma vitória esmagadora de 82 por cento. A partir daí o MPLA deixou pouco ao acaso.
No entanto, José Eduardo dos Santos enfrenta uma nova ameaça: o povo. Pela primeira vez, os angolanos fizeram protestos generalizados contra o governo. A UNITA, hoje um partido de oposição, tem coordenado vários milhares de manifestantes em todo o país. Outros têm apenas um punhado de intelectuais e rappers, uma vanguarda de dissidência com sede em Luanda.
Os líderes destes grupos pagaram caro. Em Maio, quinze homens armados invadiram a casa em que estavam reunidos e espancaram-nos severamente com barras de ferro. Rafael Marques de Morais, um activista de Direitos Humanos e jornalista que documentou o ataque, diz que os agressores eram "milícias pró-governo".
Philippe de Pontet, director em África do Eurasia Group, uma consultoria de risco, escreveu em Maio. "A administração de José Eduardo dos Santos provavelmente irá responder aos protestos em várias frentes para beneficiar de uma vitória decisiva do MPLA."
"Isso vai incluir clientelismos políticos direccionados para associar figuras da oposição, uma dose de repressão em pontos-chave potenciais, incluindo Cabinda, rica em petróleo, e gastos pesados para a eleição."
Cabinda, o enclave do Norte, que sofreu décadas de conflito separatista, deverá suportar o peso. O governo recusou qualquer oferta de paz de Henrique Nzita Tiago, líder exilado, envelhecido, e da Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda, FLEC, o principal grupo dissidente. A capacidade dos rebeldes foi diminuindo nos últimos anos, mas relatos de aumentos substanciais no número de tropas angolanas no enclave antes das eleições sugere que Luanda ainda prefere a força ao diálogo.
Com o triunfo de José Eduardo dos Santos, considerado quase certo, resta saber quem vai suceder a um Presidente
que completa 70 anos três dias antes das eleições.
Manuel Vicente, nomeado como número dois na lista do MPLA nas eleições, será a escolha acertada. A sua movimentação em Janeiro, para uma posição superior ministerial, após doze anos de funcionamento estatal de petróleo no grupo Sonangol, permitiu a sua entrada no santuário.
Os partidos que lutavam no mato enquanto Manuel Vicente estabelecia acordos de petróleo e projectos de construção, criando um império de negócios, têm resistido à sua ascensão. Ao promover Manuel Vicente, o presidente também arriscou irritar altos escalões militares, que, segundo analistas de segurança e diplomatas, não gostam de "generais de negócios", alguns dos quais estão perto de Manuel Vicente.
O outro cenário é dinástico. José Filomeno dos Santos estudou na Grã-Bretanha, antes de trabalhar em finanças e transportes. Mas seria pôr à prova as competências de José Eduardo dos Santo sem legar a presidência ao seu filho.
Para todos o seu autoritarismo, o que o Presidente parece mais querer são credenciais democráticas que possam distingui-lo dos únicos líderes que ainda estão no poder e que governaram por um maior período de tempo os seus países: o sultão de Brunei, Muda Hassanal Bolkiake o autocrata da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang. Contra todas as especulações, uma pessoa próxima do regime informa que pensar em sucessão é prematuro: "Ele não faz intenção nenhuma de deixar o cargo".

Fonte: Savana, 31/08/2012

Guebuza deixa a Presidência da República, mas continua a mandar

- Alguns camaradas de peso preparam-se para bloquear as pretensões do actual PR no Congresso

Por Raul Senda

Pela primeira vez em 37 anos da independência nacional, o país poderá ser controlado por dois centros de poder, um mais forte vindo da presidência do partido Frelimo, dirigido por Armando Guebuza, e, outro cosmético, vindo da Presidência da República, cujo candidato às eleições presidenciais de 2014 será indicado em meados do próximo ano.

O Comité Central da Frelimo (CC) acaba de legitimar as declarações do Secretário-Geral da Frelimo, Filipe Paúnde e do Secretário para a Mobilização e Propaganda, Edson Macuácua que classificou Guebuza de “candidato natural” à sua própria sucessão da presidência do partido.
Reunido em VII Sessão Ordinária, o CC proclamou por “unanimidade” e “aclamação” a figura de Armando Guebuza como candidato único à presidência do partido Frelimo nos próximos cinco anos. A candidatura de Guebuza na presidência da Frelimo será selada no próximo mês de Setembro em Pemba, durante os trabalhos do X Congresso, cuja agenda foi aprovada na Matola.
Lembre-se que em Junho passado, Filipe Paúnde dissera ao SAVANA que, pelo desempenho positivo queGuebuza teve à frente do partido, não havia outra alternativa que não fosse a sua recandidatura.
Os últimos desenvolvimentos confirmam as especulações que vinham sendo feitas de que Guebuza teria orquestrado o movimento que se galvanizou dentro da Frelimo em torno de uma revisão constitucional que lhe daria um terceiro mandato como Presidente da República. Contudo, fracassado esse plano, devido a fortes contestações por parte da sociedade em geral, o plano alternativo foi reconduzir Guebuza à presidência da Frelimo, abrindo uma situação em que o futuro Chefe de Estado obedecerá aos comandos do líder do partido.
Isso conseguiu-se através de uma revisão dos estatutos, onde se torna explícito que todos os dirigentes executivos do Estado a todos os níveis, sendo membros da Frelimo, subordinam-se aos seus equivalentes na hierarquia do partido.

O quinhão de toda a questão gira em torno do artigo 75 dos estatutos.
Nos estatutos actualmente em vigor, este artigo reza, no seu ponto número 1, o seguinte: “Os eleitos e os executivos coordenam a sua acção com os órgãos do Partido do respectivo escalão e são perante estes pessoal e colectivamente responsáveis”. O número 2 estabelece: “quando se trata de cargos de âmbito nacional, os eleitos e os executivos serão responsáveis perante a Comissão Política”.
A nova letra deste artigo vem propor: “Os eleitos e os executivos coordenam a sua acção com os órgãos do partido do respectivo escalão e são perante este pessoal e colectivamente responsáveis pelo exercício de funções que desempenham nos órgãos do Estado ou autárquicos”.
Assim, todos membros do governo ou dos órgãos municipais deverão coordenar as suas actividades com os órgãos locais do partido Frelimo que por sua vez, em fórum próprio, deverão prestar contas ao presidente do Partido.

Tradição pontapeada
Sendo a Frelimo o partido que sempre esteve à frente do Estado desde a independência, em 1975, foi tradição deste partido que o seu presidente (a quem não há limitação de mandatos) é automaticamente candidato à Presidência da República.
Reza a história do partido Frelimo, desde a sua fundação em 1962, que o presidente do partido é também o Presidente da República. Foi em obediência a esta tradição que em 2005, o antigo Presidente, Joaquim Chissano, foi obrigado a ceder o seu lugar a Guebuza, que assumira a Presidência da República depois da vitória nas eleições gerais de 2004.
Todos os sinais dão a entender que Guebuza não tenciona seguir esse exemplo, e a campanha liderada pelo seu fiel seguidor, Filipe Paúnde, ao promover a sua imagem como líder carismático e insubstituível, visava justamente criar esse efeito nos militantes do partido, que votaram sem questionamento na moção apresentada no final da sessão.
Assim, Guebuza sairá da chefia do Estado (por imperativos da Constituição) mas continuará a controlar o poder do Estado através da nova engenharia estatuária que lhe confere directamente esse poder. O futuro Presidente da República, sendo da Frelimo, será subordinado do Presidente da Frelimo, neste caso Armando Guebuza.
Será uma experiência nova, mas que poderá provocar tensões perigosas entre dois centros de poder; um legitimado pelo voto popular, e o outro pelos quatro mil delegados que consagrarão esta maquiavélica engenharia estatutária no congresso de Pemba.

Poder cosmético
A Constituição da República, na qualidade de lei fundamental, confere, através do artigo 159, um conjunto de
competências ao chefe do Estado moçambicano.
Porém, pela forma como a actual estrutura está a ser desenhada, deixa transparecer que o poder presidencial, a partir de 2014, se for ganho pelo candidato da Frelimo, será simplesmente cosmético.
É que nos estatutos do partido Frelimo, em nenhum momento dá-se poder ao Presidente da República de dirigir sequer uma reunião do partido, sendo este o principal centro da definição de estratégias de governação.
Nesse contexto, não obstante ter deixado a Presidência da República, Guebuza, como presidente do partido,
passará a ter poderes supremos em relação ao próximo Presidente da República, caso seja proveniente da Frelimo. Quer dizer, continuará a ditar as regras de jogo, uma vez que irá presidir aos órgãos do poder do partido, particularmente a Comissão Política e o Comité Central. Na razão inversa, o Presidente da República está desprovido de poder, ainda que provenha do partido Frelimo.
Assim, o próximo presidente da República terá ministros a si subordinados no Governo e seus superiores no partido, caso estes façam parte da Comissão Política.

Guebuza reclama ganhos
Ao contrário de outros encontros, onde Armando Guebuza dedicou parte dos seus discursos a atacar seus detractores apelidando-os de “apóstolos da desgraça, tagarelas, marginais e distraídos”, desta vez optou por evocar ganhos na presidência do partido e do país. Falando no fim do encontro da Matola, Armando Guebuza disse que sob a direcção da Frelimo e do Governo, o povo moçambicano empenhou-se na criação de uma maior prosperidade para o país. Disse que com a sua direcção muitos compatriotas construíram cada vez melhores e mais amplas e espaçosas habitações e adquiriram bens duradoiros como geleiras, bicicletas, motorizadas e viaturas.
Sublinhou que a prosperidade da sua governação expressou-se através do acesso à energia eléctrica, tanto
para a iluminação como para a dinamização de iniciativas empresariais locais e implantação das tecnologias de informação e comunicação.
Armando Guebuza afirmou que muitas são as carências e desafios que passaram para a história. Indicou que as convincentes e esmagadoras vitórias da Frelimo nos pleitos eleitorais, a massiva aderência aos seus eventos, o número de canções criadas e de obras de arte produzidas, bem como a adesão de novos membros que induzem constantes redimensionamentos das células sublinham a simpatia, confiança e prestígio que o partido granjeia no seio da sociedade.

Operação Highjack
A possibilidade de uma mexida estatutária para atribuir a Guebuza poderes supremos está a agitar alguns círculos restritos do poder, com uns a se posicionarem para bloquear esta pretensão no Congresso de Pemba.
Ao que o SAVANA apurou, um grupo de camaradas muito próximo da esfera de Joaquim Chissano, está a desenhar uma estratégia para travar Guebuza.
Os mesmos deverão lembrar a Guebuza a tradição do partido e as dificuldades que um PR-que não lidera o partido-teria para dirigir o Estado. O grupo de pressão deverá ainda recordar a Guebuza os argumentos que usou para afastar Joaquim Chissano da presidência do poder, evitando, na altura, dois centros de poder.
O Congresso de Pemba vai reeleger Guebuza para um terceiro mandato como presidente da Frelimo e indicar um novo Comité Central, o órgão máximo do partido entre os congressos.
O Comité Central saído do Congresso irá eleger o candidato do partido paras as eleições de 2014.
Tal como aconteceu com Guebuza quando foi indicado candidato em 2002, o grupo de camaradas de choque da Frelimo irá exigir que o presidenciável seja apontado o mais cedo possível para poder montar a sua máquina.

Receios de mexidas constitucionais
No entanto, após o maquievelismo estatutário engendrado por Guebuza para controlar o Governo a partir do partido, vieram novamente à tona receios de uma eventual mexida constitucional para acomodar um terceiro mandato do actual chefe de Estado.
Armando Guebuza havia afastado repetidas vezes a possibilidade de se recandidatar a um terceiro mandato, evocando o respeito pela Constituição e pelas leis, mas alguns camaradas afiaçaram-nos que essa pretensão não está posta de lado a avaliar pelos resultados da sessão do Comité Central que terminou este domingo.
Recorde-se que, na IV sessão extraordinária realizada em finais de Março de 2010, foi Joaquim Chissano que lançou o debate sobre o terceiro mandato.
No seu estilo de exímio diplomata, o antigo presidente fez referência às suas viagens ao exterior, aos contactos com diferentes interlocutores, nomeadamente internacionais, que o interrogavam sobre as vantagens da maioria qualificada, da possibilidade de se alterar a Constituição e abrir caminho a mais um mandato para Armando Guebuza.
Na altura, Chissano, como também é seu estilo, evitou tomar posição na melindrosa questão.
Um “militante de base” pediu a palavra para defender a alteração da Constituição para permitir um terceiro mandato a Guebuza.
Mas Jorge Rebelo fez uma intervenção para clarificar as águas, defendendo que, se havia dúvidas era bom que elas ficassem ali mesmo esclarecidas. Guebuza foi então obrigado a reiteirar que irá respeitar a constituição.
Alguns camaradas disseram ao SAVANA que estas duas figuras voltarão a ser determinantes no Congresso de Pemba.

Proposta na AR
Lembre-se que após dois anos de secretismo, a Frelimo apresentou uma proposta de revisão da Constituição muito longe das expectativas que ela própria ajudou a criar, pela forma como lançou o debate.
A proposta da Frelimo, que será ainda debatida no Parlamento, não contém a mudança da extensão dos mandatos do Presidente da República, do sistema de governação, ou a concentração de poderes no Chefe de Estado.
Na proposta de lei de revisão da Constituição da República anunciada na passada semana, a Frelimo limitou-se a mudanças de designações, inclusão e supressão de algumas palavras e ao melhoramento da sintaxe do texto da Constituição, mas há receios de acréscimos de última hora para acomodar um terceiro mandato de Guebuza.

Jornal Savana -31 de Agosto de 2012

O que é O XICONHOCA?

O que é O XICONHOCA?

O Departamento de Informação e Propaganda da FRELIMO criou em 1976, uma caricatura a que chamou XICONHOCA. Esta caricatura representa todo e qualquer inimigo interno (ideológico). Xiconhoca é uma palavra composta de dois nomes: Xico e Nhoca: O primeiro nome vem de Xico-Feio, um indivíduo que pertenceu à PIDE-DGS. Nhoca, em quase todos os dialectos do País, significa cobra. Bem sabemos qual é o modo de vida de uma cobra e os truques que usa quando quer atacar uma pessoa.
O Departamento de Informação e Propaganda achou necessário criar uma figura que representasse o nosso inimigo interno. Essa figura é o Xiconhoca.
Assim o Xiconhoca representa tudo aquilo que nós combatemos. Podemos dizer que ele tem uma boca de bêbado, uma orelha de boateiro, mãos de açambarcador e de especulador, olhos de racista, nariz de tribalista, dentes de regionalista, pés de confusionista. O Xiconhoca é uma figura que representa todos estes males deixados pelo colonialismo, e que o Povo moçambicano está a combater.

Xiconhocas são aqueles indivíduos que conduzem viaturas quando se encontram bêbados, originando graves acidentes; é o parasita que se recusa a trabalhar, a participar na produção colectiva.
Existem, no entanto, muitas pessoas que usam a palavra Xiconhoca por uma simples brincadeira. Tenho amigos que também tem esse hábito, num sentido de piada a gente chama xiconhoca ou xiconhoquices qualquer atitude admirável.
população deve estar consciente que o Xiconhoca é um inimigo do Povo, é um indivíduo que tem o mesmo modo de vida do inimigo, do reaccionário, do inimigo da independência e soberania moçambicanas, é todo o indisciplinado, o corrupto, os bandidos, assassinos, ladrões, divisionistas, regionalistas, racistas, etc. 
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(FRELIMO - Departamento de Informação - Secção Jornais do Povo) (Excerto) in Revista "Tempo" n° 31012/09/76
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Nota do blog: 
O Xiconhoca era um verdadeiro representante da classe ociosa: preguiçoso, sabotador, subversivo, marginal, um agente de inimigo, logo, inimigo do povo, devendo portanto ser eliminado do seio da sociedade moçambicana. Para a Frelimo o Xiconhoca devia ter consciência revolucionaria que significava acima de tudo ter ideias novas, conferindo ao seu detentor o titulo de "homem novo". E hoje quem são OS XICONHOCAS do País? Contribua com o seu comentário.


30 agosto 2012

IGREJAS E ESTADO EM MOÇAMBIQUE APÓS A INDEPENDÊNCIA


IGREJAS E ESTADO EM MOÇAMBIQUE APÓS A INDEPENDÊNCIA

Por Eric Morier-Genoud
  
Genebra (Canalmoz) - O Prof. Dr. Luís Benjamin Serapião e João Cabrita debruçaram-se nas páginas centrais do Canal de Moçambique de 15 de Agosto de 2012 sobre o assunto das igrejas e do Estado em Moçambique.
Isto veio porque eles queriam contestar alguns elementos contidos na entrevista que eu dei ao mesmo jornal no mês anterior.
Agradeço o contributo destes dois intelectuais e aprecio o debate que emerge assim nas páginas da vossa publicação. Queria, no entanto, esclarecer, nas linhas a seguir, algumas minhas posições que me parece terem sido mal representadas assim como trazer algumas contribuições adicionais.
Para começar, o Prof. Dr. Serapião avança o argumento de que teria havido na história de Moçambique duas igrejas católicas, uma colonial e outra nacional/moçambicana. Concordo com esta análise no geral e acho que é  um ponto importante para bem entender a história da igreja no país e a força que ela teve antes e, ainda mais, depois da independência. Pois, se tivesse havido só uma igreja colonial, como teria a igreja conseguido continuar a existir depois de 1975?
Isto dito, discordo do Professor Serapião em relação a ideia que a ruptura entre a igreja colonial e a igreja nacional teria sido absoluta e perfeita com o advento da independência em 1975. Pode ser um bom argumento didáctico e talvez político, mas a verdade é muito mais subtil e complexa. Houve muitas rupturas com a independência, em particular nas relações de poder dentro da instituição católica, mas houve também muitas continuidades, sejam elas de pessoal, na maneira de operar, ou nas ideias e na teologia.
Por isso não me parece adequado afirmar que a igreja colonial desapareceu em Moçambique em 1975 e que só ficou uma igreja nacional que não gozou “de privilégios de qualquer sistema político no país”. Tal declaração dá a impressão de que a igreja nacional era uma igreja nova sem ligação nenhuma ao passado. Ora a igreja nacional desenvolveu-se dentro, e sob impulso, da igreja colonial; ela guardou elementos desta igreja após a independência (incluindo algum pessoal colonial e colonialista); e ela quis guardar todas as propriedades que a igreja colonial tinha recebido do poder português.
No seu texto, João Cabrita vai mais longe ainda ao argumentar que a igreja católica não tinha posição dominante antes da independência e ao recusar a ideia de que havia competição entre instituições religiosas antes de 1975 – ele diz que isto foi “algo inexistente”. Ignora, assim, a Concordata e o Acordo Missionário, vigentes até 1975, que faziam com que o Estado colonial pagasse salários a todos missionários católicos, entregasse terras gratuitamente às missões católicas, e pagasse viagens à Metrópole ao pessoal católico, entre outros benefícios. Ignora também a política concomitante e inversa, de oposição a todas outras instituições religiosas no país – protestantes, muçulmana, ziones, etc. – a quem o governo recusava personalidade jurídica e fazia tudo para impedir o seu progresso.
Para argumentar que não havia monopólio católico nem competição entre religiões, Cabrita dá o exemplo da comunidade muçulmana que o Estado português tentou atrair para a sua esfera de influência antes da independência, e o exemplo das Testemunhas de Jeová do Malawi que foram acolhidas pelo governo português no fins dos anos 1960, quando perseguidas pelo Presidente Banda.
Estes dois exemplos são bastante selectivos e apresentados de maneira muito parcial. Pois, se alguns muçulmanos foram efectivamente cooptados pelo poder colonial nos fins dos anos 1960 (após anos de discriminação), a verdade é que outros foram ao mesmo tempo presos, e alguns assassinados pela polícia política colonial, inclusive alguns Sheiks.[1] No que toca às Testemunhas de Jeová, o refúgio dado pelo poder colonial não pode ser usado como argumento de igualdade das religiões em Moçambique. Primeiro porque o refúgio dado a eles foi nas zonas fronteiriças a fim de criar uma zona tampão contra à entrada da Frelimo na Zambézia, uma vez que as Testemunhas de Jeová recusam-se (como sempre) a entrar em política. Segundo, este desenvolvimento aconteceu ao mesmo tempo que o poder colonial continuava a reprimir as Testemunhas de Jeová moçambicanas que eram vistas como subversivas por recusarem a dar apoio aos portugueses, fazer o serviço militar, e saudar a bandeira nacional, pois não queria entrar em política nenhuma.[2]
Se o período colonial não foi todo bonito, sem desigualdade e competição entre religiões, o período pós-independência também não foi todo feio. Não foi como o afirma Cabrita, anos onde a Frelimo tinha somente um “projecto de índole totalitária”. Quer se queira, quer não, a Frelimo só desencadeou uma luta aberta e total contra as igrejas a partir de 1978. É verdade que houve alguma luta contra instituições religiosas antes disso, mas não foi total e foi muita especifica e limitada – a Igreja Nazareno por causa de ligações à PIDE e ao imperialismo, às Testemunhas de Jeová por terem sido utilizadas pelos militares portugueses, etc. Não houve proibição de usar roupa religiosa em lugar público, não houve igrejas fechadas em massa, e não houve campanhas em prol do ateísmo como foi o caso entre 1978 e 1982. A viragem de 1978 tem a ver com o III Congresso onde o Partido e o Estado fundiram-se e com o afastamento dos elementos religiosos praticantes dentro da liderança da Frelimo, afastamento sem o qual a viragem não teria sido possível. [3]
Finalmente, João Cabrita afirma-se escandalizado pelo facto de eu ter afirmado que a situação religiosa no país é positiva hoje. Aliás, ele entende que dizendo isso, eu teria afirmado que o combate às religiões teria sido positivo. Há aí uma má interpretação, pois o que foi dito e escrito, e que confirmo uma vez mais, é que a situação religiosa actual no país é positiva e que as nacionalizações contribuíram para isto (não a repressão!). Temos que ver pois que, se não houvesse nacionalizações, a igreja católica teria continuado a controlar 90% das escolas no país como no tempo colonial (controlava 89.3% das escolas no país em 1964), e isto teria criado problemas num país independente onde aproximadamente 20% da população é católica, 20% é muçulmana, 30% é cristão não-católica, e a maioria adepta, parcial ou total, da religião tradicional. (Eric Morier-Genoud, Queen’s University Belfast)
[1] Edward Alpers, “Islam in the Service of Colonialism? Portuguese Strategy During the Armed Liberation Struggle in Mozambique”, Lusotopie 1999(Paris, Karthala, 1999), pp. 165–184; Michel Cahen, ‘Le colonialisme tardif et la diversication religieuse au Mozambique (1959–1974)’, Lusotopie 1998(Paris, Karthala, 1998), pp. 377–395; e Fernando A. Monteiro, O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964–1974), Porto, Universidade Portucalense, 1993.
[2] Pedro Pinto, “Jehovah’s Witnesses in colonial Mozambique”, Le Fait Missionnaire. Social Sciences & Missions, No. 17, Dezembro de 2005, pp.61-123
[3] Eric Morier-Genoud, “Of God and Caesar. The Relation between Christian Churches & the State in post-colonial Mozambique, 1974-81”, Le Fait Missionnaire. Social Sciences & Missions, No. 3, 1996, Setembro de 1996; Eric Morier-Genoud, “L’Islam au Mozambique après l’indépendance. Histoire d’une montée en puissance”, L’Afrique Politique (Paris: Karthala, 2002), pp.123-146.

29 agosto 2012

FOTOS DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE , O METICAL E O ESCUDO

FOTOS DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE ,  O METICAL E O ESCUDO


MANIFESTAÇÃO CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS E O MASSACRE DE WIRIYAMU, DURANTE A VISITA DE MARCELO CAETANO A LONDRES (16 JUL. 1973)






Para aprofundar mais sobre o Massacre de Wiriyamu veja o documentário no arquivo do blog.


A FORMAÇÃO DA PIDE


A FORMAÇÃO DA PIDE

PRINCÍPAIS RAZÕES

DOCUMENTÁRIO "A HOSPITALIDADE AO FANTASMA: MEMÓRIAS DOS DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS".

DOCUMENTÁRIO "A HOSPITALIDADE AO FANTASMA: MEMÓRIAS DOS DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS".

O documentário foi produzido no âmbito do Projecto de Investigação "Vidas Marcadas pela História: A Guerra Colonial Portuguesa e os Deficientes das Forças Armadas.


Guerra da Beira-Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique

Guerra da Beira

Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique



Na sequência da descolonização da Federação das Rodésias e Niassalândia, da qual resultaram a Zâmbia e o Malawi, a minoria branca da Rodésia do Sul declarou, em Novembro de 1965, a independência unilateral, liderada por lan Smith. Este acontecimento influenciou, de forma decisiva, o evoluir da situação em Moçambique, mesmo para além da sua independência, dez anos mais tarde.

A Inglaterra, como potência colonial, reagiu à secessão da colónia com o bloqueio de combustíveis e a ONU decretou pesadas sanções económicas. A armada inglesa posicionou um conjunto de vasos de guerra ao largo da Beira, controlando a entrada do rio Pungué, no que constituiu a acção mais espectacular do bloqueio, a qual deu origem a incidentes com navios que pretendiam descarregar crude, como o Joanna V e o Manuela. Nos primeiros tempos, surgiram notícias de eventuais desembarques de tropas inglesas, o que levou à transferência das companhias de pára-quedistas de Lourenço Marques para a Beira (onde se instalaram no aeroporto), a vinda de um esquadrão de reconhecimento e o alerta das unidades de infantaria e artilharia da guarnição local. Passados os momentos iniciais, o bloqueio entrou na rotina, com os navios de guerra ingleses a trocarem mensagens com os portugueses, que os observavam, e a realizarem operações de controlo e verificação de carga no alto mar, mais para justificar a sua presença do que para impedir o acesso de matérias-primas essenciais à Rodésia. Estas seguiam, aliás, por outra rota, conhecida de todos: de Lourenço Marques para a África do Sul, que não estava sujeita a embargo, e daí para o seu destino final.


Do ponto de vista das operações militares directas, o bloqueio do porto da Beira não teve outro relevo senão o empenhamento de alguns navios oceânicos da Marinha portuguesa e o estacionamento na cidade de algumas unidades militares que poderiam estar noutros locais de guerra activa, muitos quilómetros a norte, no Niassa e em Cabo Delgado. Contudo, a complexa malha de interesses que se criou à volta da independência da Rodésia e a necessidade de os líderes da colónia rebelde assegurarem a sua viabilidade económica através da importação de matérias-primas, especialmente petróleo, e de exportarem as suas produções teve importância decisiva no evoluir da situação de Moçambique, porque transformou este território no terceiro vértice de um triângulo regional que contava com a África do Sul e a Rodésia branca e independente. A sorte de Moçambique ficou amarrada a estes dois parceiros, dos quais um representava o único regime de apartheid racial oficializado e o outro resultava da independência branca à revelia da potência colonial.


A opção de apoiar a independência da Rodésia foi tomada por Salazar, a quem lan Smith pediu apoio em Lisboa. Só depois de obter garantias de que Portugal manteria abertos os seus portos e vias de comunicação é que Smith avançou para a independência, num acto que constituiu bom pretexto para Salazar afrontar, por via indirecta, os ingleses, na sequência da questão dos Açores durante a II Guerra Mundial, da ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana e das posições do Governo inglês em relação ao problema colonial português.

A montagem do esquema para furar o bloqueio ao porto da Beira e as sanções da ONU é reveladora da forma como Salazar agia na cena internacional. Enquanto a África do Sul tratava o assunto por via do seu ministro da defesa, P. W. Botha, e a Rodésia através do seu primeiro-ministro, lan Smith, Salazar evitava afrontar directamente a Inglaterra, utilizando homens de confiança, como Manuel Bulhosa, dono das empresas petrolíferas Sonap, Sonarep e Oil Com, esta última estabelecida no Malawi, e o engenheiro Jorge Jardim para as manobras e encontros na sombra.


Mas independentemente do carácter mais ou menos secreto das iniciativas do engenheiro Jardim e dos negócios de Manuel Bullosa, o apoio de facto à Rodésia transformou Moçambique em base de acções inamistosas de Portugal contra a Inglaterra e contra a ONU, enquanto a aliança com o regime do apartheid, abertamente hostil aos Estados Unidos, dificultou ainda mais as relações com a super-potência ocidental.


Esse apoio aumentou o isolamento internacional de Portugal e teve como consequência fazer com que Moçambique caísse na quase completa dependência estratégica da África do Sul e da Rodésia, tornando-se uma extensão do teatro de operações daqueles seus aliados regionais. Esta dependência surge com particular evidência quando a guerra desceu do longínquo Norte para a zona de Tete, ameaçando os interesses vitais da Rodésia e da África do Sul. Então, já desaparecido Salazar, com quem os líderes sul-africanos e rodesianos haviam estabelecido os acordos iniciais para a sustentação da independência da Rodésia, a condução estratégica da guerra passou para as mãos dos agentes que neles estiveram envolvidos, em boa parte à margem dos circuitos oficiais.


Foi o tempo da Aliança Alcora, projecto de contornos nebulosos onde surgiam aliados Angola, Moçambique, África do Sul e Rodésia. Esta aliança, nunca oficializada, serviu para encobrir a divisão de áreas estratégicas entre a África do Sul e a Rodésia na intervenção nas duas colónias portuguesas, ficando a primeira encarregue de Angola e a segunda de Moçambique. Proporcionou também, à margem dos detentores dos cargos de Governo e de chefia militar, a criação de uma rede de contactos entre serviços de informações e policiais. Foi a época em que os directores dos serviços secretos e das polícias políticas da África do Sul (BOSS), da Rodésia (CIO) e de Portugal (DGS) se reuniam em Salisbúria para coordenar acções e em que o engenheiro Jorge Jardim deu os primeiros passos em direcção à Zâmbia de Keneth Kaunda, com o conhecimento e apoio de rodesianos e sul-africanos.


A independência da Rodésia e o bloqueio do porto da Beira que lhe esteve associado foram, assim, determinantes no evoluir da situação em Moçambique, porque promoveram a criação de uma tríplice aliança, primeiro entre Portugal, Rodésia e África do Sul e, após a morte de Salazar, entre Moçambique e os seus dois parceiros, o que constituiu incentivo à emergência de um novo poder nesta colónia, protagonizado pelos homens de origem europeia que poderiam seguir o exemplo da Rodésia, nomeadamente Jorge Jardim, e desvalorizou os detentores dos poderes delegados pela Metrópole, o governador e o comandante-chefe.


Assim, a partir do momento em que a guerra chega a Tete e a Rodésia começa a duvidar da capacidade dos militares portugueses e do seu comandante, o general Kaúlza de Arriaga, para evitarem a progressão da Frelimo para sul do corredor da Beira, os rodesianos e, em menor grau, os sul-africanos agem em duas direcções: tentam promover uma alternativa política local, incentivando Jorge Jardim, e pressionam o Governo de Lisboa a substituir o general Kaúlza de Arriaga, de cujas concepções tácticas discordam. Desde a data em que as forças rodesianas começaram a actuar de forma regular na zona de Tete, com helicópteros, aviões, pisteiros e unidades de combate, e os aviões C-130 da África do Sul supriram as dificuldades de transporte e estacionamento em Porto Amélia, para daí partirem com reabastecimentos até Mueda, a guerra em Moçambique passou a ser conduzida de vários postos de comando, do qual o menos importante era o Quartel-General de Nampula.



Fonte: CD- 25 de Abril



28 agosto 2012

FESTIVAL DE TIMBILA - M'SAHO



 FESTIVAL DE TIMBILA - M'SAHO


FOMOS à Zavala (Quissico) para vermos a realização do M’saho, o festival de timbila que vai na sua décima oitava edição, que se realizava sob o lema “Plantemos o mwenge para preservar a timbila”.
Queríamos testemunhar a execução de uma grandeza rítmica que só a timbila é capaz de proporcionar.
Vários grupos se fizeram ao palco do Miradouro, ponto a partir do qual, é também possível observar um outro espectáculo criado pela natureza: o longo lençol verde formado, na sua maioria, por palmeiras e que é atravessado pelas límpidas e cristalinas águas das oito lagoas de Quissico que se comunicam com o Oceano Índico. Beleza paradisíaca.
Não há dúvidas de que esta é e será sempre uma das maiores manifestações culturais originais e genuínas que Moçambique e o seu povo se orgulham de possuir: a Timbila.
E desta vez o palco do Miradouro não era somente para a timbila. O Mapiko e o Tufo – duas expressões culturais das províncias de Cabo-Delgado e Nampula – foram se juntar àquele local. Uma excelente ideia.
Até porque a intenção é mostrar o rico e grandioso património cultural de Moçambique. Inesgotável.
Esta simbiose cultural acontece numa altura em que o Mapiko e o Tufo são expressões que querem ser candidatadas ao património oral e imaterial da humanidade. O mesmo acontecendo com o Xigubo de Gaza. Um gesto digno de realce e que cimenta a unidade nacional.
Até porque é interessante ver gente proveniente de todas as latitudes do país a ir “acocorar-se” em Quissico e deixar-se embalar com o mavioso som que só a timbila é capaz de oferecer.

Hino do M’kwaio


O bater dos escudos no chão, em simulações guerreiras, vai nos fazer viajar pelos tempos dos guerreiros de Ngungunhane e Maguiguana. Mas tudo isso não vai acontecer antes da actuação do mkwaio, que é a selecção dos melhores marimbeiros de Zavala. E o mkwaio será para executar o Hino Nacional, com recurso a timbilas. Um espectáculo de encher os olhos.
Depois seguiu-se o célebre tema de homenagem ao mestre Chambine, um dos maiores marimbeiros e grande compositor de que há memória em todo o distrito de Zavala.
Natural da localidade de Mavila, na zona entre Matimbine e o litoral, foi o mestre Chambine que compôs um dos temas que a Rádio Moçambique sempre usava na abertura das suas emissões.

Timbila de Chizaho


O grupo Timbila de Chizaho, criado pelo Professor Cremildo Pedro Nhantole, é um dos melhores de actualidade, tendo até ter sido escolhido para representar Moçambique num festival internacional de cultura, que teve lugar entre os meses de Abril e Maio, na França.
Este grupo infanto-juvenil tem uma alta capacidade de criatividade e coreografias giras. São oito marimbeiros que compõem a orquestra, sendo dois que tocam “xibembe” que equivale ao baixo, dois contra-solos e quatro solistas.
O grupo exibiu-se muito bem. Pena não ter sido dado tempo suficiente para que eles actuassem. É que cada grupo tinha direito a 25 minutos, mas isso não aconteceu com o Timbila de Chizaho.
Este grupo foi criado em Abril de 2002, na povoação de Chizaho. No total são 38 membros, mas devido às condições criadas no local levaram simplesmente um número suficiente capaz de ser devidamente atendido em Quissico.  


Mapiko e Tufo em doze dupla


Quando foi anunciado a entrada em palco do grupo cultural de Mapiko todos ficaram simplesmente a pensar que só seriam as vozes dos coristas. Mas, eis que de repente surge um bailarino todo coberto. A máscara era a esfinge de Samora Machel. A plateia, que enchia todo o miradouro, levantou e, efusivamente, aplaudiu. O bailarino foi se contorcendo, ao mesmo tempo que aplicava várias coreografias que davam para perceber que nos remetia para questões do desenvolvimento sócio-cultural de Moçambique. Excelente actuação. E isso encheu de alegria grande parte dos espectadores dos artistas que assistiam pela primeira a uma apresentação de Mapiko.
Depois veio o Tufo, com uma excelente actuação das belas coristas muthianas, todas com os rostos pintados de m’siro.
Criado no longínquo ano de 1931, o grupo de Tufo Estrela Vermelha de Carrumpeia vai se renovando com o tempo. E em Quissico eles exibiram uma coreografia estonteante que demonstra vários momentos do dia. A coreografia inicia com o despontar do sol e as actividades que encerram este dia. Depois vem o dia até ao seu fenecer.
E para representar estes diferentes momentos do dia, o grupo foi mostrando diferentes vestes cujas cores o simbolizavam o seu percurso.
A coreografia expressa ainda aquilo que é também a mulher macua, e, no geral, a moçambicana: esbelta e esguia, culta e trabalhadora.
Tanto o Mapiko como o Tufo exibiram-se em dose-dupla, porque o público pediu mais, o que demonstra não somente satisfação, como também espanto curiosidade. Parabéns os organizadores do evento pela ideia, pois isso permitiu que muita gente que nunca tinha visto estas expressões culturais entrasse em contacto com elas. E os grupos que lá estiveram não deixaram os seus créditos em mãos alheias.
E nós exaltamos aqui a importância da troca de experiências entre os vários grupos culturais dos diferentes pontos do país e também entre os artistas.
Por exemplo, era a primeira que estes dois grupos actuavam numa das províncias da região Sul do país, daí os integrantes do grupo terem também ficado maravilhados com a exibição dos grupos de timbila. Até já se pensa em futuras colaborações, isto em prol da cultura moçambicana.

Timbila ta Mwane


Muitos jovens que integravam o Timbila ta Mwane abalaram. Uns estando na África do Sul ou na capital do país em busca de novas oportunidades de vida. Quem não quer viver bem, diz-nos alguém ao lado. E esta é uma das razões porque o grupo está em reconstituição, com muitos jovens a tocarem e cantar. Mas nota-se que estes jovens têm verve e sangue quente nas guelras, isto olhando para a forma como se entregam ao canto, à dança e ao toque. 

Ngalanga de Inharrime


Tal como todos os grupos de timbila que se exibiram, Ngalanga de Inharrime foi palco de Quissico com novos elementos, na sua maioria, jovens que se iniciam neste exercício de dança. É bonito ver que estes estão sempre acompanhados por gente mais velha que está nestas lides há mais tempo. Os passos são fortes, firmes, revelando maturidade.  

Enorme varanda para espreitar o Indico


Mas Zavala não é somente o berço da timbila. É também terra da castanha e da mandioca e de m’tona, o azeite africano feito com recurso a sementes de mafurra. Zavala oferece também xibehe, produzido com recurso a mafurra.
Falemos então dos momentos mais marcantes do evento.
Do miradouro pode visualizar-se o verdadeiro paraíso que a natureza destinou aos zavalenses: surgem as lagoas de Quissico, as dunas e montanhas e depois o Índico, dando-nos um conjunto ecológico e paradisíaco empolgante, próprios de uma vila que se pode transformar numa bela cidade futura, próspera, fanhosamente animada de actividade turística, cultural, industrial, comercial, pesqueira e de prestação de serviços, conforme deseja que aconteça Rodrigues Mário, secretário-geral da Associação dos Naturais e Amigos de Zavala (AMIZAVA).
É ele quem nos diz que o interesse em realizar o M’saho já transcende o desejo e a vontade dos promotores deste evento, colocando-se como uma exigência e necessidade do público. E é uma responsabilidade de que a própria Associação não pode e nem deve eximir-se dela.
  • Francisco Manjate

Notícias -28/08/2012