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29 agosto 2012

Guerra da Beira-Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique

Guerra da Beira

Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique



Na sequência da descolonização da Federação das Rodésias e Niassalândia, da qual resultaram a Zâmbia e o Malawi, a minoria branca da Rodésia do Sul declarou, em Novembro de 1965, a independência unilateral, liderada por lan Smith. Este acontecimento influenciou, de forma decisiva, o evoluir da situação em Moçambique, mesmo para além da sua independência, dez anos mais tarde.

A Inglaterra, como potência colonial, reagiu à secessão da colónia com o bloqueio de combustíveis e a ONU decretou pesadas sanções económicas. A armada inglesa posicionou um conjunto de vasos de guerra ao largo da Beira, controlando a entrada do rio Pungué, no que constituiu a acção mais espectacular do bloqueio, a qual deu origem a incidentes com navios que pretendiam descarregar crude, como o Joanna V e o Manuela. Nos primeiros tempos, surgiram notícias de eventuais desembarques de tropas inglesas, o que levou à transferência das companhias de pára-quedistas de Lourenço Marques para a Beira (onde se instalaram no aeroporto), a vinda de um esquadrão de reconhecimento e o alerta das unidades de infantaria e artilharia da guarnição local. Passados os momentos iniciais, o bloqueio entrou na rotina, com os navios de guerra ingleses a trocarem mensagens com os portugueses, que os observavam, e a realizarem operações de controlo e verificação de carga no alto mar, mais para justificar a sua presença do que para impedir o acesso de matérias-primas essenciais à Rodésia. Estas seguiam, aliás, por outra rota, conhecida de todos: de Lourenço Marques para a África do Sul, que não estava sujeita a embargo, e daí para o seu destino final.


Do ponto de vista das operações militares directas, o bloqueio do porto da Beira não teve outro relevo senão o empenhamento de alguns navios oceânicos da Marinha portuguesa e o estacionamento na cidade de algumas unidades militares que poderiam estar noutros locais de guerra activa, muitos quilómetros a norte, no Niassa e em Cabo Delgado. Contudo, a complexa malha de interesses que se criou à volta da independência da Rodésia e a necessidade de os líderes da colónia rebelde assegurarem a sua viabilidade económica através da importação de matérias-primas, especialmente petróleo, e de exportarem as suas produções teve importância decisiva no evoluir da situação de Moçambique, porque transformou este território no terceiro vértice de um triângulo regional que contava com a África do Sul e a Rodésia branca e independente. A sorte de Moçambique ficou amarrada a estes dois parceiros, dos quais um representava o único regime de apartheid racial oficializado e o outro resultava da independência branca à revelia da potência colonial.


A opção de apoiar a independência da Rodésia foi tomada por Salazar, a quem lan Smith pediu apoio em Lisboa. Só depois de obter garantias de que Portugal manteria abertos os seus portos e vias de comunicação é que Smith avançou para a independência, num acto que constituiu bom pretexto para Salazar afrontar, por via indirecta, os ingleses, na sequência da questão dos Açores durante a II Guerra Mundial, da ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana e das posições do Governo inglês em relação ao problema colonial português.

A montagem do esquema para furar o bloqueio ao porto da Beira e as sanções da ONU é reveladora da forma como Salazar agia na cena internacional. Enquanto a África do Sul tratava o assunto por via do seu ministro da defesa, P. W. Botha, e a Rodésia através do seu primeiro-ministro, lan Smith, Salazar evitava afrontar directamente a Inglaterra, utilizando homens de confiança, como Manuel Bulhosa, dono das empresas petrolíferas Sonap, Sonarep e Oil Com, esta última estabelecida no Malawi, e o engenheiro Jorge Jardim para as manobras e encontros na sombra.


Mas independentemente do carácter mais ou menos secreto das iniciativas do engenheiro Jardim e dos negócios de Manuel Bullosa, o apoio de facto à Rodésia transformou Moçambique em base de acções inamistosas de Portugal contra a Inglaterra e contra a ONU, enquanto a aliança com o regime do apartheid, abertamente hostil aos Estados Unidos, dificultou ainda mais as relações com a super-potência ocidental.


Esse apoio aumentou o isolamento internacional de Portugal e teve como consequência fazer com que Moçambique caísse na quase completa dependência estratégica da África do Sul e da Rodésia, tornando-se uma extensão do teatro de operações daqueles seus aliados regionais. Esta dependência surge com particular evidência quando a guerra desceu do longínquo Norte para a zona de Tete, ameaçando os interesses vitais da Rodésia e da África do Sul. Então, já desaparecido Salazar, com quem os líderes sul-africanos e rodesianos haviam estabelecido os acordos iniciais para a sustentação da independência da Rodésia, a condução estratégica da guerra passou para as mãos dos agentes que neles estiveram envolvidos, em boa parte à margem dos circuitos oficiais.


Foi o tempo da Aliança Alcora, projecto de contornos nebulosos onde surgiam aliados Angola, Moçambique, África do Sul e Rodésia. Esta aliança, nunca oficializada, serviu para encobrir a divisão de áreas estratégicas entre a África do Sul e a Rodésia na intervenção nas duas colónias portuguesas, ficando a primeira encarregue de Angola e a segunda de Moçambique. Proporcionou também, à margem dos detentores dos cargos de Governo e de chefia militar, a criação de uma rede de contactos entre serviços de informações e policiais. Foi a época em que os directores dos serviços secretos e das polícias políticas da África do Sul (BOSS), da Rodésia (CIO) e de Portugal (DGS) se reuniam em Salisbúria para coordenar acções e em que o engenheiro Jorge Jardim deu os primeiros passos em direcção à Zâmbia de Keneth Kaunda, com o conhecimento e apoio de rodesianos e sul-africanos.


A independência da Rodésia e o bloqueio do porto da Beira que lhe esteve associado foram, assim, determinantes no evoluir da situação em Moçambique, porque promoveram a criação de uma tríplice aliança, primeiro entre Portugal, Rodésia e África do Sul e, após a morte de Salazar, entre Moçambique e os seus dois parceiros, o que constituiu incentivo à emergência de um novo poder nesta colónia, protagonizado pelos homens de origem europeia que poderiam seguir o exemplo da Rodésia, nomeadamente Jorge Jardim, e desvalorizou os detentores dos poderes delegados pela Metrópole, o governador e o comandante-chefe.


Assim, a partir do momento em que a guerra chega a Tete e a Rodésia começa a duvidar da capacidade dos militares portugueses e do seu comandante, o general Kaúlza de Arriaga, para evitarem a progressão da Frelimo para sul do corredor da Beira, os rodesianos e, em menor grau, os sul-africanos agem em duas direcções: tentam promover uma alternativa política local, incentivando Jorge Jardim, e pressionam o Governo de Lisboa a substituir o general Kaúlza de Arriaga, de cujas concepções tácticas discordam. Desde a data em que as forças rodesianas começaram a actuar de forma regular na zona de Tete, com helicópteros, aviões, pisteiros e unidades de combate, e os aviões C-130 da África do Sul supriram as dificuldades de transporte e estacionamento em Porto Amélia, para daí partirem com reabastecimentos até Mueda, a guerra em Moçambique passou a ser conduzida de vários postos de comando, do qual o menos importante era o Quartel-General de Nampula.



Fonte: CD- 25 de Abril



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