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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

13 agosto 2012

OS DONOS DO PODER EM MOÇAMBIQUE: A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DA ELITE POLÍTICA E ECONÓMICA


OS DONOS DO PODER EM MOÇAMBIQUE: A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DA ELITE POLÍTICA E ECONÓMICA

Por Jorge Fernando Jairoce


Porto Alegre/Brasil- A elite do poder é simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter, inclusive, de modo geral, dinheiro, poder e prestígio- bem como todos os modos de vida a que estes levam. Mais a elite não é simplesmente constituída dos que tem o máximo, pois não o poderiam ter se não fosse pela sua posição nas grandes instituições, que são as bases necessárias do poder e riqueza e do prestígio e ao mesmo tempo constituem os meios princípais do exercício do poder, de adquirir e conservar a riqueza, e de desfrutar as principais vantagens de prestígio.

Ninguem será portanto, realmente poderoso a menos que tenha acesso ao comando das princípais instituições, pois é sobre estes meios de poder instituicional que os realmente poderosos são, em primeiro lugar poderosos. A elite política controla esse poder instituicional através de nomeação de dirigentes membros do partido FRELIMO (ministros, reitores, directores, procuradores, juízes, directores de orgãos de comunicação, comandantes militares e policiais, PCAs, etc) com argumento de que são de confiança política. Outro mecanismo de controle consiste na  implantação de células partidárias nas instituições do Estado (partidarização do aparelho estatal) que aliás, foi reconhecido pelo Secretário Geral do Partido FRELIMO,  Filipe Chimoio Paúnde, como algo absolutamente normal da organização partidária e monitoria das actividades governamentais (pausa para reflexão....mais pausa para reflexão... seguido de mais pausa). No entanto somente o Partido FRELIMO é que pode possuir células nas instituições num país onde a Constituição da República  defende o multipartidarimo. A existência destas células cria um ambiente psicológico de coação no sentido de que todos os funcionários devem fazer parte dela sob o risco de suspeita de não estarem a cumprir as metas governamentais mesmo tratando-se de tecnocratas de reconhecido mérito profissional.

Mas nem todo o poder é exercido por meio destas instituições, mas somente dentro delas e através delas o poder será mais ou menos contínuo e importante. A riqueza é adquirida  e conservada através das instituições. Portanto a política funciona como um corredor para a fortuna. O volume e a fonte da renda depende da sua posição dentro do Partido e da economia política. Como a riqueza e o poder, o prestígio é cumulativo: quanto mais temos, mais poderosos conseguimos ser, traduzido para as palavras mais simples: o rico verifica ser-lhe mais fácil conseguir o poder do que o pobre; os que têm o status comprovam ser mais fácil controlar as oportunidades de adquirir as fortunas do que os que não tem. Para elucidar esta ideia é só verificarmos os moçambicanos que possuem licenças de  minas de carvão, de ouro,  as empresas que vencem maior parte dos concursos públicos em Moçambique  e os beneficiários dos fundos de tesouro público e dos empréstimos do ex-BPD e ex-BCM (remeto a análise de padrões de acumulação em Moçambique nos artigos publicados no Jornal Metical por Joseph Hanlon- As galinhas dos ovos de ouro e os trabalhos efectuados por Instituto de Estudos Económicos e Sociais).

A elite (pessoas que dela fazem parte) podem ser consideradas membros de um estado social elevado como um conjunto de grupos cujo membros se conhecem, se vêem socialmente e se associam para negócios e por isso ao tomarem decisões, levam-se mutuamente em consideração  A elite nesta perspectiva é considerada como um círculo íntimo de classes sociais superiores e poderosas. Por isso que normalmente ouve-se dizer que o ministro X foi padrinho da filha ou do filho do PCA Y. O ex-ministro têm uma sociedade empresarial com o dirigente Y. O filho do dirigente Y casou-se com a filha do ex-ministro X, etc. São exemplos de algumas relações de circuito íntimo. Parece existir uma certa consciência de si mesmo como uma classe social e se comportam uns para com os outros, de modo diverso daquele que adoptam para com os membros de outras classes. Acertam-se, compreendem-se, os filhos casam-se entre eles; procuram trabalhar e pensar, se não juntos, pelo menos de forma semelhante.

Em Moçambique é mais fácil observar a elite política e económica  em termos de sociologia de posição instituicional e da estrutura social a que essas instituições formam (por exemplo as posições ocupadas em termos de cargos governamentais, empresas pertencentes aos dirigentes ou ex-dirigentes governamentais, os círculos de interesse e até o nível de influência no Partido). Avaliar a elite em termos de estatística de valores monetários ou da riqueza que eles possuem  como foi a anunciado há quatro anos atrás (os dez mais ricos de Moçambique) acarreta uma investigação aprimorada, se bem que o número de empresas e interesses económicos permitam especular a grandeza financeira dos mesmos, mas dificilmente pode-se contabilizar a fortuna de cada um, porque não é possível ter acesso as contas bancárias dos mesmos até porque na sua maior parte está depositada  no estrangeiro (bancos sul-africanos e suiços preferencialmente).

Esta elite do poder muitas vezes ela é que toma importantes decisões para o País, acabando-se por se considerar fazedores da história do País, criando seus heróis e vilões com a intenção de perpetuar  a cultura e ideologia de respeito, admiração, dominação e controle dos recursos públicos e naturais do País. Assim, vai-se criando grupos de dominantes no País. Sobre o papel destes grupos dominantes na história do País  carece de uma discussão mais cuidada na teoria da história, não cabendo a sua análise  nessa reflexão. Esta elite às vezes esquece que a história se faz à revelia dos homens, ou seja, a história é uma correnteza sem domínio, que dentro dela há acção, mas não há feitos; que a história é apenas acontecimentos e factos que ninguém pretendeu.

Não há dúvida que as decisões tomadas por esta elite do poder podem mudar o curso dos grandes acontecimentos, mas também as decisões  podem ser afectadas pela correnteza e não se atingir os resultados esperados por ela, porque na tomada de decisões  maior  é a possibilidade de serem cegados pelos seus próprios erros. É assim que funciona o motor da história.  Muitos membros do Partido FRELIMO (que não fazem parte da elite do poder)  fazem eco as decisões tomadas pelas elites do poder sem perceber que estão contribuindo para  manutenção da dominação da mesma. Embora estejamos todos dentro da história, nem todos temos o  poder de fazê-las. Nem todos temos os meios técnicos e instituicionais do poder que existem, nem influência igual sobre  a sua aplicação. Os meios do poder aqui referido devem ser entendidos como as instituições de apoio ao poder da elite tais como os meios de comunicação social, as instituições jurídicas e de segurança. Através deste meios de poder pode-se  manipular a sociedade - a opinião pública, defender os interesses privados e usar a violência quando é necessário manter a legitimidade do poder. Aliás, o recurso a violência tem muito a ver com a nossa história de libertação visto que maior parte dessa elite política veio da Luta Armada de Libertação Nacional ou seja da linha militar e como tal a violência foi sempre uma prática recorrente desde os julgamentos de Nachingwea até as manifestações populares de 2010. Esta elite julga-se proprietária dos destinos do País, para isso basta recordar as palavras do Alberto Chipande: temos o direito de ser ricos porque libertamos o país (pausa para reflexão...mais pausa para reflexão...mais pausa). Assim, os meios do poder tendem a se tornar fino para a elite que os comanda. Não há nada na história do  país que nos leve a crer que é impossível a uma elite de poder fazê-la. Como dizia o saudoso Carlos Cardoso:  em Moçambique só falta chover de baixo. Na verdade, a vontade desses homens é sempre limitada, mas jamais os limites foram tão amplos, pois jamais os meios do poder foram tão grandes. Daí que termino dizendo que a elite política e económica de Moçambique são os donos do poder. Perante os factos ora apresentados surge uma questão a reflectir será esta uma elite responsável ou não para o desenvolvimento do país?


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