OS TENTÁCULOS DO PODER EM MOÇAMBIQUE: POLÍTICA E
NEGÓCIOS DE MÃOS DADAS
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Na última
edição do Boletim Informativo do Centro de Integridade Pública, o jornalista
Milton Machel assina uma peça que nos dá conta de que o Conselho de Ministros
aprovou uma série de Concessões Empresariais, Parcerias Público-Privadas e
regulamentação específica que beneficiam directamente interesses económicos da
Nomenklatura. O artigo apresenta uma visão panorâmica da imensidão e
profundidade da captura do Estado moçambicano por interesses
político-partidários.
O Conselho de
Ministros aprovou, nos últimos quatro anos, uma série de Concessões
Empresariais, Parcerias Público-Privadas e regulamentação específica que
beneficiam directamente interesses económicos da Nomenklatura. Regra geral,
estes negócios revelam uma fuga estratégica à Lei do Procurement Público e
foram antecedentes à vigência da Lei das Parcerias Público-Privadas (PPP),
Concessões Empresariais (CE) e Projectos de Grande Dimensão. O crescente número
de PPP e CE aprovadas pelo Governo de Moçambique é fonte de preocupação por
duas razões fundamentais:
- A primeira é
que o Executivo tende a ignorar tanto a chamada Lei do Procurement Público
(Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de
Bens e Prestação de Serviços ao Estado) como a recém-aprovada Lei das Parcerias
Público-Privadas, Concessões Empresariais e Projectos de Grande Dimensão.
Tradução: esses contratos não foram negociados ou concedidos através de
concursos públicos ou processos competitivos, mas por via de negociação ou
adjudicação directa;
- A segunda
prende-se ao facto de grande parte dos beneficiários ou parceiros do Estado
coincidirem com grupos empresariais ligados à Nomenklatura – como é conhecido o
conjunto de famílias e figuras históricas que dominam as altas fileiras do
Partido Frelimo _ ou empresas/consórcios estrangeiros associados de alguma
forma a essa mesma elite político-económica. Esta investigação permite
identificar como e com quem o Governo privilegia realizar grandes negócios do
Estado.
CASO 1:
AFRODRILL DO SR. PARAYANKEN E DA SPI
A África
Drilling Company, Limitada, (AFRODRILL, Lda) está envolvida, desde os anos
noventa, na criação e desenvolvimento de fontes de água no Moçambique rural.
Ela executa mais de sessenta por cento do plano do Governo de desenvolvimento
de recursos de água potável nas zonas rurais – de acordo com o portal da sua
empresa-mãe, a Mozambique Holdings (http://mozambiqueholdings.com/ companies/).
A 12 de Março
de 2008, a Comissão de Relações Económicas Externas do Conselho de Ministros
decidiu aprovar a adjudicação das Obras de Construção de 1600 Furos Mecânicos
de Água nas Províncias de Nampula e Zambézia, no valor de USD 20 000 000,00
(vinte milhões de Dólares Americanos), excluindo o IVA, à empresa África
Drilling Company, Lda (AFRODRILL, Limitada) de origem moçambicana. Estamos a
citar a Decisão n.º 4/2008, de 11 de Junho, tomada numa altura em que era ainda
Primeira- Ministra Luísa Dias Diogo.
Os fundos para
este Projecto de Abastecimento de Água às Províncias de Nampula e Zambézia
(Fase de Extensão) foram financiados pelo Governo da Índia através do
Export-Import (EXIM) Bank of India, no âmbito do Programa de Abastecimento de
Água às Zonas Rurais.
A AFRODRILL,
Lda é maioritariamente detida pela Mozambique Holdings, Limitada, grupo
empresarial criado em 1993 pelo indiano José Parayanken. De acordo com a
publicação Indiana The Economy Times, Parayanken chegou pela primeira vez a
Moçambique em 1986 como representante do EXIM Bank da Índia e decidiu abandonar
este grande financiador do Governo de Moçambique para se estabelecer como
empresário no país.
Outra
accionista da AFRODRILL é a SPI – Gestão & Investimentos, S.A.R.L., a
holding do partido Frelimo oficialmente registada como empresa de membros
influentes do partido Frelimo, como sejam: os deputados na Assembleia da
República Teodoro Andrade Waty e Manuel Tomé, e o PCA do Instituto Nacional de
Turismo, José Augusto Tomo Psico.
Detentora de
uma parte da AFRODRILL é igualmente a ANFRENA, S.A.R.L. que antes de ser
privatizada constituía a Empresa Estatal Agência Nacional de Frete e Navegação.
A ANFRENA foi adquirida precisamente pela Mozambique Holdings.
É também
accionista desta companhia a Lindex, Limitada, formada em 1997 por um grupo de
associados de que se destaca o ex-Vice Ministro dos Transportes e Comunicações
e ex-Ministro da Indústria e Comércio, António Fernando, e do qual passou a
fazer parte em 2011 o quadro sénior do Ministério dos Transportes e
Comunicações, António Francisco Sefane.
CASO 2: A PPP
DAS ESTRADAS DO ZAMBEZE
Em 2010, depois
da inauguração da ponte sobre o Rio Zambeze, baptizada com o nome do actual
Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, o Governo aprovou os termos da
Concessão da nova Ponte de Tete sobre o Rio Zambeze e estradas à empresa
Estradas do Zambeze, SA.
De acordo com o
Decreto n.º 25/2010, de 14 de Julho, sobre esta concessão: “a precariedade da
estrada Cuchamano _ Tete _ Zóbuè, da Ponte Samora Machel e o desenvolvimento da
Província de Tete justificam a reabilitação da referida estrada e a construção
de uma travessia alternativa do Rio Zambeze entre a localidade de Benga e a
Cidade de Tete, sendo a Parceria Público-Privada a opção que se mostra viável
para assegurar uma gestão eficiente e a sua preservação, através da manutenção
daquelas Infra-Estruturas.”
Foi nesses
termos que, socorrendo-se de uma série de dispositivos legais, o Conselho de
Ministros cedeu o negócio ao consórcio constituído pelas empresas Ascendi
Concessões de Transporte, SGPS, S.A., Soares da Costa Concessões, SGPS, SA.,
ambas com quarenta por cento das acções, bem como pela Infra Engineering
Mozambique, SA., com vinte por cento.
A 12 de Janeiro
de 2010 este consórcio constituiu a Operadora das Estradas do Zambeze, S.A.,
com a finalidade principal de proceder a “prestação de serviços de operação e
manutenção das vias que constituem o objecto da concessão da nova ponte de Tete
atribuída à sociedade Estradas do Zambeze, S.A., incluindo os nós de ligação,
os troços das estradas e as obras de arte que os completarem, e, ainda, o
desenvolvimento de todas as actividades subsidiárias, complementares ou conexas
e a prestação de todos e quaisquer serviços relacionados com as actividades
atrás mencionadas.” (BR nº 6, III Série, Supl., de 11 de Fevereiro de 2010 _
pág. 124-(20) a 8).
Destacam-se
nesta sociedade anónima as ligações político-empresariais portuguesas da grande
empreiteira Mota Engil, de que faz parte a Ascendi – Concessões de Transportes,
SBPS, S.A.; e a Infra Engineering Mozambique, S.A.R.L., onde, segundo a Agência
de Informação de Moçambique (AIM), dividem interesses o actual Ministro do
Turismo, Fernando Sumbana, o antigo Ministro da Defesa e cunhado de Armando
Emílio Guebuza, Tobias Dai, e o general Raimundo Pachinuapa. (Vide
http://www.poptel.org.uk/mozambique-news/newsletter/aim406.pdf).
Esta concessão
foi considerada de custo zero para o Estado, uma vez que todas as obras serão
realizadas à conta e risco da Operadora Estradas do Zambeze, a qual irá reaver
o seu investimento basicamente pela portagem que passa a cobrar a partir do dia
1 de Agosto de 2012.
Segundo
estimativas do então Presidente do Conselho de Administração (PCA) do Fundo de
Estradas e actual Vice-Ministro das Obras Públicas e Habitação, Francisco
Pereira, o consórcio devolverá 306 milhões de dólares em taxas e impostos para
o Estado. (Report nº 406, 27th July 2010, Mozambique News Agency AIM Reports).
CASO 3: A
CENTRAL DE GERAÇÃO DE ENERGIA “DA INTELEC”
Em 2004, quando
arrancou a construção do gasoduto Ressano Garcia/Matola, a Matola Gas Company
(MGC) propôs ao Governo moçambicano a construção de uma central de geração de
energia eléctrica através do gás natural.
Com o decorrer
dos anos, as moçambicanas Eagle Holding e Electrotec e a sul-africana
Gigajoule, accionistas da MGC, deram curso ao projecto através da
disponibilização da infra-estrutura e realização de estudos que culminaram com
a constituição da Gigawatt Moçambique, S.A.
A 23 de
Dezembro de 2010, o Conselho de Ministros aprovou uma concessão à Gigawatt de
25 anos para a geração de 100 MW de energia eléctrica, em Ressano Garcia.
Esta central,
cuja primeira pedra foi lançada pelo Primeiro-Ministro Aires Bonifácio Baptista
Ali, em 2010, foi recentemente inaugurada pelo Chefe de Estado. Opera numa
primeira fase à responsabilidade das subcontratadas AGGREKO (britânica) e
Shanduka, grupo empresarial sul-africano liderado pelo ex-candidato à
Presidência do ANC, Cyril Ramaphosa.
Na estrutura
accionista do empreendimento, para além da Sul-Africana Gigajoule Power (Pty)
Ltd, detentora de quarenta e dois por cento, surgem a Eagle Holding, S.A. com
32 % e a Intelec Holdings com 26 %.
A Eagle Holding
é o grupo empresarial da família do falecido engenheiro Carlos Morgado,
ex-Ministro da Indústria e Comércio, enquanto a Intelec Holdings conglomera
parte dos interesses empresariais de Salimo Abdula e Armando Emílio Guebuza. A
Intelec entrou na Gigawatt através da sua participada Electrotec.
CASO 4: FAMÍLIA
EMPRESARIAL GUEBUZA NOS JOGOS DE CASINOS
Ano de vários
negócios do Estado, 2010 começou com a entrada em vigor da Lei 1/2010,
concernente às concessões relativas à exploração de Jogos de Fortuna ou Azar e
terminou com o Governo a aprovar o Regulamento específico desta lei através do
Decreto nº 64/2010 de 31 de Dezembro de 2010.
A nova lei
autoriza a construção de casinos em qualquer ponto do país, possibilita a
colocação de máquinas de jogo ou slot-machines fora dos casinos e facilita
mesmo o jogo online. O investimento mínimo para explorar casinos foi reduzido
de 15 para 8 milhões de dólares e a fasquia também baixada quanto à capacidade
mínima de ocupação e a classificação dos hotéis associados.
Até então o
jogo era, e continua a ser, operado por três monopólios em três lugares
distintos, designadamente: na Cidade de Maputo pelo Casino Polana; na Província
de Maputo, pelo Sol Libombos no distrito da Namaacha; e na cidade de Pemba pelo
Nautilus Hotel & Casino ligado ao empresário Humberto Rasse Monteiro.
O primeiro a
beneficiar-se desta nova Lei dos Casinos foi precisamente o grupo que mais se
opunha a esta liberalização, o do Casino Hotéis Polana, liderado pelo General
na reserva Jacinto Veloso, que se expandiu para a Cidade da Matola com uma sala
de slot machines e projecta construir um Casino em Tete.
Todavia, o PCA
do Instituto de Promoção das Exportações (IPEX), João Macaringue, já disse
publicamente que interesses da zona administrativa especial de Macau pretendiam
estabelecer-se em Marracuene, na Feira Internacional de Maputo (FACIM).
Particularmente
interessado nos casinos está a empresa Editores e Livreiros, Limitada,
participada pela holding da família empresarial Guebuza, Focus 21 _ Gestão e
Desenvolvimento, Limitada, e a empresa de origem portuguesa Santos Gouveia,
Limitada.
Esta sociedade
foi criada em 2007, ano em que coincidentemente iniciou o processo de revisão
da Lei de Jogos de Fortuna ou Azar. A Focus 21 é uma holding familiar de
Armando Emílio Guebuza e três de seus quatro filhos, Armando Ndambi Guebuza,
Valentina da Luz Guebuza e Norah Armando Guebuza.
Coligada a
interesses chineses, franceses e portugueses, a Focus 21 tem negócios prósperos
e lucrativos em diversas áreas como a televisão digital terrestre, a navegação
marítima, estaleiros navais e transitários, construção civil, consultoria em
Infra-Estruturas públicas e privadas.
CASO 5: MPHANDA
NKUWA DA INSITEC DE CELSO CORREIA
Ainda a
terminar o marcante ano de 2010 das PPP, o Governo aprovou, através do Decreto
nº 68/2010, de 31 de Dezembro de 2010, os Termos e Condições do Contrato de
Concessão do empreendimento hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa.
Mphanda Nkuwa é
um projecto que teima em sair do papel devido à indefinição da principal
viabilizadora/cliente, a empresa pública de energia eléctrica Sul-Africana
ESKOM, que está na encruzilhada entre mais esta fonte de energia hidroeléctrica
vinda de Moçambique, o projecto de uma termonuclear do Governo Sul-Africano e o
projecto da Barragem de Grande Inga na República Democrática do Congo – este
último tido como endossado pela própria ESKOM.
Mphanda Nkuwa
constitui um investimento de 2,4 mil milhões de Dólares num consórcio liderado
pela firma Insitec, com quarenta por cento; participado em igual percentagem
pela brasileira Camargo Corrêa; e em vinte por cento pela empresa pública
Electricidade de Moçambique (EDM). O financiamento está há muito prometido pelo
EXIM Bank da China.
Se, por um
lado, a barragem se vê na quase inviabilidade económica perante a falta de
clareza da ESKOM, por outro lado, é também considerada pelos ambientalistas
como potenciadora de eventuais riscos sísmicos, de entre outros impactos
negativos não esclarecidos pelo contestado Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Enquanto a
Insitec insiste na sua habitual agressividade sem par nos negócios, persiste
uma vaga de fundo que desconfia seriamente da muito falada mas nunca provada
ligação entre o empresário Armando Emílio Guebuza e o jovem Celso Correia,
accionista maioritário neste grupo de que são ainda sócios seus pais e seus
irmãos. Segundo fontes dentro do Partido Frelimo, Celso Correia e Egídio Leite,
PCA da Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa, S.A., emergiram em 2003 num grupo de
assessores económicos do então Secretário-Geral da Frelimo, Armando Guebuza.
CASO 6: A
MINEIRA JINDAL DA CONEXÃO INDIANA
Ainda em 2010,
o Governo aprovou os Termos do Contrato Mineiro para a Mina de Carvão no
Distrito de Changara, na Província de Tete, a celebrar com a empresa JSPL
Mozambique Minerais, Limitada, na qualidade de Concessionário Mineiro. Através
do Decreto nº 69/2010, de 31 de Dezembro de 2010, o Executivo cedeu 21.540
hectares para exploração de carvão, num contrato com a duração de 25 anos, e
num negócio em que ao Estado foi reservada uma participação de 10 por cento.
O Estado espera
ter um encaixe, nos primeiros 28 anos de vigência do projecto, de cerca de
440.97 milhões de Dólares americanos, após a JSPL ter orçado o seu investimento
em 180 milhões na primeira fase, num projecto de que o Estado estima amealhar
440 milhões de Dólares de Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC)
nos primeiros 28 anos.
A JSPL
Mozambique Minerais, Lda., um gigante que já atravessa três gerações da
dinástica família Jindal, tem no indiano Manoj Kumar Gupta o seu director
geral, igualmente responsável pelos interesses da Jindal Africa na África
Austral. Com mais de 22 anos de experiência em várias posições técnicas e de
gestão, antes de ingressar no grupo Jindal, Gupta serviu o Grupo Tata de
automóveis e maquinaria agro-industrial.
Manoj Gupta foi
a interface entre os interesses da Tata indiana e da sua filial Tata
Moçambique, onde se salientam os interesses de Armando Guebuza e do actual
Ministro na Presidência, António Correia Sumbana, irmão mais velho de Fernando
Sumbana Jr.
Engenheiro
Mecânico formado em uma technikon indiana, Manoj Gupta foi Director Executivo
da Cometal, S.A.R.L., ex-empresa estatal adquirida pela Tata Moçambique aquando
das privatizações nos anos noventa.
A Tata
Moçambique esteve nos últimos dois anos no centro de uma controvérsia, quando o
jornal Canal de Moçambique publicou matérias dando conta que o Ministro dos
Transportes e Comunicações, Paulo Zucula aprovou a adjudicação directa a esta
empresa participada pelo empresário que é seu Chefe no Executivo, da compra e
manutenção de uma frota de autocarros para os Transportes Públicos de Maputo –
Empresa Pública.
Parte desses
autocarros, comprados à Tata-mãe na Índia, acabou avariada e estacionada no
parque da Tata Moçambique à espera de manutenção, paga pelo próprio Governo.
Alguns acabaram parados de vez para prejuízo do público utente dos TPM e do
erário público.
CASOS 7 e 8:
PORTO DE TECHOBANINE, A PPP À MARGEM DA LEI
Se todas estas
concessões e PPP se puderam valer da inexistência de uma Lei que as regulasse,
já a parceria público-privada que beneficiou a empresa do Partido Frelimo, SPI
– Gestão & Investimentos ocorreu numa altura em que já estava em vigor a
Lei número 15/2011 que estabelece as normas orientadoras do processo de
contratação, implementação e monitoria de empreendimentos de parcerias
público-privadas, de projectos de grande dimensão e de concessões empresariais.
A PPP, de que
tratamos nas linhas a seguir, é relativa à exploração de uma linha ferroviária
e um porto em Techobanine, no distrito de Matutuíne, na província de Maputo.
Pretendendo ligar directamente Moçambique e Botswana nessa área de transportes
e comércio, o Projecto Integrado Porto de Techobanine foi viabilizado pelo
Decreto nº 57/2010 de 01 de Dezembro de 2010, através do qual o Conselho de
Ministros criou uma Zona de Protecção Parcial para a sua implementação.
O principal
activo do Estado Moçambicano nesta área, a empresa pública Portos e Caminhos de
Ferro de Moçambique (CFM), constituira, três anos antes, o consórcio que viria
a ficar com este projecto.
Associados à
Salamanga Investimentos, os CFM realizaram um capital de dois milhões e
seiscentos mil Meticais e criaram em Julho de 2007 a Belavista Holdings, S.A.,
uma sociedade anónima com o seguinte objecto social: “a promoção,
desenvolvimento e exploração de infra-estruturas portuárias, nomeadamente
portos-cais acostáveis, infra-estruturas para manuseamento de combustíveis e
óleos, actividades turísticas bem como a exploração de actividades conexas e
complementares ao objecto principal.”
A Salamanga
Investimentos, SA é uma sociedade anónima criada em Abril de 2007 pelos
cidadãos José Manuel Martins da Rocha Antunes e Janete Custer de Oliveira
Amaral em associação com a J.V. Consultores do General Jacinto Soares Veloso e
sua família.
De acordo com o
seu pacto social, “a sociedade tem por objecto o desenvolvimento e exploração
de projectos a realizar no distrito de Matutuíne ou outros pontos de
Moçambique, no que refere a actividades portuárias, turísticas, comerciais,
industriais ou outras actividades conexas e complementares ao objecto
principal.”
A SPI – Gestão
& Investimentos, S.A.R.L, só viria a ingressar na sociedade a 31 de Agosto
de 2009, ficando com quinze por cento do capital social, contra vinte por cento
da J.V. Consultores e sessenta e cinco por cento dos CFM.
Através da
Resolução nº 53/2011, de 04 de Novembro de 2011, o Conselho de Ministros
autorizou “a negociação do empreendimento, na forma de parceria
público-privada, com a sociedade Bela Vista Holdings, SA, composta pelos CFM,
E.P., Salamanga Investimentos, SA e SPI _ Gestão e Investimentos para, em
regime de concessão, executar os trabalhos de construção, operação e manutenção
da Linha Ferroviária de Techobanine, da Ponta Techobanine, na Província de
Maputo, a Botswana, e a Linha da Swazilândia a ser efectuada pelo Governo da
República de Moçambique na sua qualidade de Concedente Ferroviário.”
A SPI voltava
assim, pela via desta PPP, aos grandes negócios, depois de em 2007 ser
contemplada no consórcio Kudumba Investments, Lda com a vitória no concurso
público para a provisão de serviços de inspecção não-intrusiva a mercadorias
nas Alfândegas de Moçambique através de scanners e em 2010 com a vitória no
concurso público para a selecção da terceira operadora, aqui representada
duplamente no consórcio Movitel.
No mesmo dia 4
de Novembro, pela Resolução nº 54/2011, o Governo autorizou a negociação do
empreendimento, na forma de PPP, com a sociedade a ser constituída pela Bela
Vista Holdings, SA para, “em regime de concessão, executar, quer em terra, quer
em plano de água, os trabalhos de construção e manutenção de Infra-Estruturas
portuárias do Terminal Portuário de Carvão de Techobanine, na Ponta
Techobanine, no Distrito de Matutuíne, na Província de Maputo, a ser efectuada
pelo Governo da República de Moçambique na sua qualidade de Concedente
Portuário.”
O Terminal
Portuário de Carvão de Techobanine é visto por ambientalistas como uma ameaça a
biodiversidade entre a Reserva Natural de Elefantes de Maputo e a Reserva
Especial Marinha da Ponta d´Ouro, tudo porque um porto de águas profundas na
Ponta de Techobanine pode perigar um dos maiores recifes de corais do mundo ali
localizados.
Mas esse não é
o único senão. Se tivermos em conta que a Lei 15/2011 entrou em vigor a 10 de
Agosto de 2011, o Governo não aprovou esta PPP com base nesta lei que, segundo
o seu Artigo 3, determina: “A presente Lei aplica-se a todos os empreendimentos
de PPP, PGD e CE levados a cabo no País, sob a iniciativa ou decisão e
controlo, quer de entidades de nível central, provincial e distrital, quer das
Autarquias Locais”.
No seu Artigo
13, sobre o “Regime Jurídico de Contratação de PPP”, estabelece-se no ponto 1
que o regime jurídico geral de contratação de empreendimentos de PPP é o de
concurso público, aplicando-se, subsidiariamente, as regras que regem as
contratações públicas.
O ponto 2 diz
mais: “Atendendo ao interesse público e reunidos os requisitos legalmente
previstos, a contratação de PPP pode revestir a modalidade de concursos com
prévia qualificação ou de concursos em duas etapas”. Só em situações ponderosas
e devidamente fundamentadas e “como medida de último recurso sujeita a prévia
autorização expressa do Governo, a contratação do empreendimento de PP pode,
excepcionalmente, assumir a forma de negociação e ajuste directo” (ponto 3).
O ponto 4 cava
mais fundo quanto aos fundamentos para que o Executivo tome uma decisão
semelhante a que tomou sobre o empreendimento da Bela Vista Holdings, S.A. no
Porto de Techobanine:
“Caso não
apareça concorrente, ou o vencedor desista de desenvolver a parceria público
privada, projecto de grande dimensão ou concessão empresarial, a contratação do
empreendimento pode assumir, excepcionalmente, a forma de negociação e ajuste
directo, nos termos a regulamentar”. A regulamentação da Lei de PPP, PGD e CE
só viria a ser aprovada pelo Decreto 16/2012, de 4 de Junho.
Para se
perceber como a aprovação pelo Conselho de Ministros pode ferir a Lei 15/2011,
atente-se ao ponto 6 do seu Artigo 13, quando diz que “em qualquer das
modalidades de contratação de PPP devem ser observados os princípios de
legalidade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, prossecução de
interesse público, transparência, publicidade, boa-fé, estabilidade, motivação,
integridade e idoneidade, responsabilidade, boa gestão económico-financeira,
celeridade e os demais princípios de Direito Público aplicáveis.”
Fora o
interesse público em jogo, nos próximos anos saberemos que impactos económicos
e sociais estas decisões terão para o Estado Moçambicano, pois a maioria delas
ainda não está em fase de exploração, logo de reversão dos primeiros ganhos
para o País.