Bem vindos,

Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

18 novembro 2012

A ASA DA LETRA


A ASA DA LETRA
Por Mia Couto
A reclamação de Joaquim Chissano de que os países europeus deveriam formalmente pedir desculpas a África pela escravatura abre espaço para algumas interrogações.
Ninguém pode duvidar do horror que foi a escravatura e de quanto alguns dos países europeus tiraram proveito dessa desumanidade. Persiste ainda hoje uma tendência em lavar esse passado e criar uma amnésia colectiva sobre essa mancha na história da humanidade. Na realidade, nenhuma desculpa formal poderá corrigir essa herança histórica. Recuperar o sentido da História e sugerir modos de rectificarmos o presente, juntos, Norte e Sul: esse pode ser o lado positivo dessa recusa em esquecer. É necessário lembrar, sempre e sempre, que os desníveis de desenvolvimento entre os continentes são resultado da História e não de qualquer diferença na natureza ou essência dos povos ou raças.
Mas a exigência de desculpas dirigida apenas a europeus pode ser problematizada. Não foram os europeus os únicos responsáveis morais e materiais pelo crime da escravatura. Se os europeus devem desculpas aos africanos, outros parecem estar igualmente em dívida com o passado. Na realidade, o tráfico de escravos africanos a longa distância já tinha sido inventado muito antes da chegada dos europeus a África. Foram os árabes os primeiros a escravizar milhões de negros da África sub-sahariana. Formas ignominiosas de racismo foram criadas e os africanos (que já eram pejorativamente designados de zanj) foram classificados como “povos de cor escura, nariz achatado, cabelo crespo e de muito pouca inteligência” (como referiu o escritor árabe Maqdisi)
O historiador tunisino Ibn Kahldun ainda no século 14 afirmava que “os negros são muito submissos e propensos à escravidão porque eles têm muito pouco que possa ser entendido como essencialmente humano e possuem atributos que são muito semelhantes aos dos mais estúpidos animais”.
Por outro lado, elites africanas participaram activamente e desde sempre no rapto e venda de seres humanos. De forma permanente e sistemática foi a cumplicidade de grupos africanos que permitiu e produziu a escravatura. Quem capturava e vendia os escravos do interior para a costa eram negros africanos. Como diz o historiador e economista Tunde Obadina “ a vasta maioria dos escravos arrancados de África foram vendidos por chefes africanos, intermediários e por uma aristocracia que viu nesse negócio uma extraordinária fonte de enriquecimento” Todos estes grupos esclavagistas são, do ponto de vista moral, tão responsáveis quanto os europeus que participaram no tráfico humano.
O mesmo Tunde Obadina escreve: “Quando os britânicos aboliram o tráfico de escravos em 1807 não foram apenas esclavagistas europeus que se opuseram mas toda a aristocracia africana que se tinha acostumado a fazer vida da venda directa e dos impostos cobrados sobre as caravanas de escravos que passavam pelos seus territórios”. José Capela refere a mesma reacção por parte de grupos internos de Moçambique que se rebelaram contra a interdição do comércio.
O assunto dos escravos é uma caixa de pandora. Abre-se a tampa e emergem fantasmas de diversas cores e tamanhos. Não podemos esquecer que a religião muçulmana e católica durante séculos foram usadas para abençoar a escravatura. Todos os povos em todos os continentes criaram e mantiveram formas de escravatura. Dentro de Moçambique séculos de escravatura doméstica beneficiaram elites internas. Uma grande parte dos moçambicanos é descendente de escravos. Mas uma outra parte é descendente de vendedores de escravos. A questão, em todos os casos, dentro e fora de África, é a seguinte: não podem ser responsabilizadas gerações presentes por todos esses processos históricos do passado.
Além disso, a escravatura não é coisa do passado. Ainda hoje persistem formas escabrosas de tráfico de escravos entre países africanos. A escravatura ainda hoje se pratica na Mauritânia; e, no Golfo da Guiné, são surpreendidos, com alguma frequência, navios negreiros cuja “mercadoria” circula na África Ocidental. Ou seja, para encontrar o mal não é preciso olhar para os outros e para o passado. Talvez fosse melhor preocuparmo--nos com estas aberrações, que são presentes e nossas, muito nossas. É demasiado simples procurar vítimas e culpados num único território geográfico. As desculpas, se as tem que haver, deveriam vir também de dentro de África.
SAVANA - 04.03.2005
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Nota do Blog:  A questão do pedido de desculpas por parte dos europeus penso que neste momeneto não iria adiantar em nada. Na minha opinião o mais importante é pesquisarmos amplamente este fenómeno para permitir que o mundo saiba como ocorreu esta barbaridade. Para isso, os governos europeus podem abrir e disponibilizar os seus arquivos para que os pesquisadores africanos e os demais tenham acesso as fontes diversas sobre o assunto. A participação dos reinos africanos deve ser vista antes e depois do início do tráfico negreiro, visto que a escravatura doméstica de que Ki-Zerbo fala antes do início do tráfico negreiro tem uma dimensão menor em relação a exportação para as Américas. Daí que reconhecendo a participação dos próprios africanos neste tráfico, é pertinente que se pesquise como eles foram introduzido neste negócio como colaboradores dos mercadores europeus.

SOCIEDADE CIVIL EM MOÇAMBIQUE E NO MUNDO


SOCIEDADE CIVIL EM MOÇAMBIQUE E NO MUNDO

Por António Francisco
Antonio Francisco, diretor de investigação do IESE

Pretende-se com este texto compartilhar algumas ideias e questões relevantes sobre a sociedade civil moçambicana (SCM), algumas das principais evidências do conhecimento actual sobre o estado da SCM, evidências que corroboram a percepção, amplamente generalizada, segundo a qual a SCM é fraca, nas suas principais dimensões: estrutura, ambiente, valores e impacto.(i)
Na década passada, a literatura internacional sobre a arena pública designada por sociedade civil (SC) acumulou valiosa informação, qualitativa e quantitativa, contribuindo para um conhecimento actualizado
e sistemático, sobre o estado da sociedade civil no mundo. Porém, à semelhança do que acontece noutras áreas de investigação, a mera acumulação de conhecimento não gera imediatamente melhor entendimento sobre a realidade. Isto porque o entendimento não depende tanto da acumulação de dados empíricos, mas sim da disponibilidade de conceitos, explicações e teorias adequadas (Deutsch, 2000; Francisco e Ali, 2008).
A maior parte do conhecimento disponível actualmente sobre a SCM assenta em análises descritivas, em torno de questões sobre “o quê”, “onde”, “quando”, “quanto” e “em que direcção” a sociedade civil cresce e evolui. Mas o entendimento é ainda fraco quanto às questões relacionadas com o entendimento; por exemplo: “porquê”, “como”, “quais as causas” das mudanças e dinâmicas da estrutura da realidade em estudo.
Entretanto, na corrente década emergiram algumas experiências de pesquisa
prometedoras, destacando-se em particular: 1) O The Johns Hopkins Centre for Civil Society Studies tem investigado o funcionamento da sociedade civil, assente em unidades sem fins lucrativos, voluntárias e filantrópicas (www.ccss.jhu.edu); (2) O Global Survey on the State of Civil Society, um projecto internacional da CIVICUS (Aliança Mundial para a Participação do Cidadão) (http://www.civicus.org/ ). Recorrendo a metodologias diferentes, mas complementares, ambos projectos já contam com pesquisas em mais de 50 países, incluindo Moçambique (Francisco et. al., 2008; INE, 2006). 
O Inquérito Global da CIVICUS criou o chamado Índice da Sociedade Civil (ISC), um indicador agregado, com base na média da pontuação atribuída a aproximadamente 80 variáveis, organizadas em 27 subdimensões e quatro dimensões (Heinrich, 2004, 2007)(ii).
Até aqui, o Inquérito Global da CIVICUS tem investido mais na actualização do conhecimento do que no entendimento explicativo do estado da sociedade civil no mundo. Isto é compreensível, considerando que no passado o conhecimento era superficial e disperso. Apesar disso, o facto de as pesquisas serem concebidas dentro de um quadro conceptual estruturado, em termos analíticos e metodológicos, potencia o surgimento de pesquisas (inferenciais e analíticas aprofundadas) no domínio do entendimento explicativo. Existem limitações questionáveis na actual metodologia do ISC, mas os seus méritos (e.g. abrangência, sistematização e adaptabilidade à natureza fluida da sociedade civil) superam os deméritos (e.g. dúvidas quanto à generalização de certas avaliações) das pesquisas anteriores, assentes em métodos simplistas e ad hoc.

Clique o seguinte link: http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/Ideias_24.pdf para ler todo o artigo.

16 novembro 2012

O DOMÍNIO POLITICO DA FRELIMO ATRAVÉS DA VIOLÊNCIA E DA MEMÓRIA NO MOÇAMBIQUE PÓS-COLONIAL



Por Victor Igreja

O papel da violência no sustento dos projectos politicos das elites do estado em Moçambique e, mais amplamente, na África sub-Sahariana, permanencem pouco pesquisadas. Em Moçambique, muitos do autores da literatura produzida nos anos 80s evitaram escrever sobre o uso da violência pela Frelimo e o número e identidades das suas vitimas. Este artigo visa preencher esta lacuna na literatura.
Este focaliza nas continuidades observadas na trajectória violenta contra o colonialismo e no período pós-independência no seio da Frelimo, e nos esforços deste partido para se demarcar das práticas do regime anterior (colonial) e erradicar alegados inimigos da sociedade. Nos primórdios da independência, a Frelimo dependeu da politica da memória e também da mobilização dos Moçambicanos através da e para a violência, justiça revolucionária e de transição.
Este processo culminou com a realização durante uma semana em 1982 de um evento politico complexo conhecido como a “Reunião dos Comprometidos”, sob liderança do falecido Samora Machel. Ao examinar o comportamento do Machel durante esta reunião e as reacções de alguns dos chamados comprometidos, este artigo revela as ambivalências politicas da autoridade da Frelimo no período pós-colonial em Moçambique, uma vez que a violência tanto possibilitou as elites da Frelimo para dominar oficialmente assim como seriamente perigou o seu projecto politico e trouxe bastante sofrimento para o povo. Estas contradições ajudaram a mostrar as fracturas e a crescente confusão do projecto revolucionário da Frelimo e precipitou o colapso politico e moral do Machel.
Journal of Southern Africa Studies. 

O uso da violência tem raízes históricas na Frelimo. O projecto revolucionário esta repleto de exemplos flagrantes. Veja a imagem de tortura nos chamados centros de reeducação.

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TORTURA A CIDADÃOS PRATICADA PELA POLICIA DESACREDITA GOVERNO DE MOÇAMBIQUE

Por António Frades

- Considera a ministra da Justiça, Benvinda Levi
Benvinda Levi, ministra da justica


Maputo (Canalmoz) – É prática recorrente das forças policiais em Moçambique, especialmente a FIR, torturar brutalmente os cidadãos inocentes em situações de manifestações populares ou supostas práticas criminais.
A situação é de tal forma que muitos cidadãos chegam a morrer vítimas de torturas ou baleamentos pela Polícia. Agora o Governo, por via da ministra da Justiça, Benvinda Levi, vem reconhecer esta situação e admite que a sua perpetuação chega a desacreditar o Estado e o Governo moçambicanos perante a comunidade internacional.
De facto, muitos relatórios internacionais da área dos direitos humanos denunciam e condenam as torturas em Moçambique, mas até aqui o Governo pautava por refutar as acusações contidas nesses relatórios, como os do departamento de estado norte-americano e da amnistia internacional.
Ontem a ministra da Justiça assumiu a prevalência de casos de torturas corporais perpetradas pelas forças estatais contra cidadãos e disse que a situação deprecia  a imagem do país perante a comunidade internacional.
Não obstante reconhecer a prevalência da situação, Benvinda Levi disse que Moçambique está a registar progressos nos programas de protecção e respeito pelos direitos humanos.
A ministra da Justiça, Benvinda Levi, falava no encontro de apresentação dos resultados das acções realizadas no primeiro ano da implementação do Plano de Revisão Periódica Universal sobre Direitos Humanos.
No âmbito deste plano, Moçambique conseguiu, entre outros pontos, implementar recomendações internacionais sobre direitos humanos com maior destaque para a criação da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, aprovação da Lei de Protecção às Vítimas, Testemunhas e Denunciantes e a Lei de Probidade Pública.
“Não obstante a prevalência de alguns desafios, Moçambique está a conseguir responder às recomendações internacionais no que diz respeito a questões sobre direitos humanos. É por essa razão, embora lentamente, que o país está a registar progressos em assuntos relacionados com protecção e respeito pelos Direitos Humanos”, referiu Benvinda Levi, ministra da Justiça.

Avaliação do doador

Por seu turno, Shaun Cleary, representante do alto-comissariado britânico em Moçambique, um dos financiadores do “Plano de Revisão Periódica Universal sobre Direitos Humanos”, lamentou a prevalência da problemática de falta de respeito pelos direitos humanos em Moçambique. No entanto, o diplomata enalteceu o papel da sociedade civil pelo seu papel na luta pelos direitos humanos e sobretudo pelas suas críticas aos órgãos do Governo que mais violam esses direitos.
O alto-comissário britânico disse que o Governo de Moçambique precisa de acelerar ainda mais a aprovação de instrumentos que garantam o respeito pelos direitos humanos como forma de mostrar o seu compromisso com a comunidade internacional em relação a esta matéria.
Cleary manifestou a prontidão do seu Governo em continuar a apoiar Moçambique para o alcance das metas nos programas pelo respeito dos direitos humanos.


In: CanalMOz, 20 de Novembro de 2012


MUKHERO, A ARTE DO CONTRABANDO EM MOÇAMBIQUE


MUKHERO, A ARTE DO CONTRABANDO EM MOÇAMBIQUE
Muitas mulheres moçambicanas ainda recorrem ao contrabando de produtos dos estados vizinhos para sustentarem as famílias. Comércio informal transfronteiriço – assim se designa o seu trabalho – ou simplesmente mukhero. Emília vai hoje à Suazilândia buscar carne de porco. Acácio – o amigo – também vai e Janine – a vizinha que aproveita a boleia para se iniciar no negócio da carne. Na viagem de Maputo até à fronteira de Namaacha, e para lá da linha que separa Moçambique da Suazilândia, os três encontram ainda Humberto, o homem que lhes troca meticais moçambicanos por rands sul-africanos, que, como moeda forte na região, são necessários para as compras; Sandra, a mukherista profissional; e Raimundo, que diz ser bandido há já dez anos. É ele quem carrega a carne pela fronteira e paga aos funcionários da alfândega para que estes fechem os olhos ao que por lá se passa. O contrabando de bens dos países da região terá começado em força no período que se seguiu à independência de Moçambique, em 1975, e sobretudo durante a guerra civil, a partir de 1976. Como nessa altura a população que vivia junto da fronteira não podia deslocar-se até Maputo para se abastecer devido aos riscos que correria, importava bens alimentares da Suazilândia. Mais tarde, juntaram-se mulheres que chegavam da capital, Maputo. Eram viúvas, divorciadas ou mães solteiras e até mesmo mulheres casadas. Ainda hoje, são estas mulheres e outras mais jovens nas mesmas condições que encontram no comércio informal transfronteiriço, o mukhero, uma alternativa para começar a sua vida ou garantir o aumento de renda das famílias. Tudo com a ajuda de homens como Raimundo. Marta Barroso numa viagem de Maputo até à Suazilândia.Escuta  a reportagem: 9131BE69_1-podcast-3058-6497116.mp3 

15 novembro 2012

FRELIMO ANUNCIA EQUIPA QUE VAI NEGOCIAR COM DHLAKAMA


FRELIMO ANUNCIA EQUIPA QUE VAI NEGOCIAR COM DHLAKAMA

Um comunicado da comissão política do partido Frelimo, enviado ao Canalmoz, anuncia que este partido criou uma comissão que irá negociar com a Renamo para chegar a um consenso sobre as reivindicações que levaram Afonso Dhlakama a se mudar de Nampula para as matas de Gorongosa.
“Tendo a Renamo manifestado interesse no diálogo, a FRELIMO decidiu criar uma Comissão para debater as questões que aquele partido apresentar. A Comissão é constituída pelos seguintes camaradas: Afonso Meneses Camba; Manuela Mapungue; Yolanda Matsinhe; Renato Mazivila”, é o que se pode encontrar de essencial no comunicado da Frelimo que também, “exorta o povo moçambicano, a continuar a participar activamente na consolidação da Unidade Nacional, da Paz e da Harmonia, factores fundamentais na Luta Contra a Pobreza”. 

In: http://www.frelimo.org.mz/
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RENAMO DESVALORIZA COMISSÃO NEGOCIAL DA FRELIMO


COMPOSTA POR QUATRO ILUSTRES DESCONHECIDOS DO PARTIDO GOVERNAMENTAL
A Renamo estará a desvalorizar a comissão recentemente anunciada pela Frelimo para diligenciar em torno do dossier Gorongosa e parece já estar a elevar a reivindicação, reclamando agora contacto com uma representação do Governo e não do partido governamental, alegadamente para evitar a repetição de “rasteiras” anteriores. A Frelimo anunciou esta semana a criação de uma comissão composta por quatro elementos – Afonso Meneses Camba, Manuel Mapungue, Yolanda Matsinhe e Renato Mazivila, num aparente esforço para tratar das reivindicações apresentadas pela Renamo. “Ainda não há contactos com esse grupo e provavelmente não vai haver porque nós não queremos falar com o partido Frelimo, mas sim com o Governo. Já nos pregaram partidas anteriormente e não queremos repetir isso”, afiançou-nos a fonte, reclamando anonimato, depois de referenciar os nomes das pessoas envolvidas nos contactos em representação de ambas partes.Fonte do partido de Afonso Dhlakama disse ao Correio da manhã estarem em marcha contactos com organizações regionais e internacionais, designadamente a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Contactos em JHB
O nosso informante precisou terem ocorrido contactos com o Secretário Executivo da SADC numa das salas VIP do Aeroporto Internacional ORTambo, em Joanesburgo (África do Sul) “há sensivelmenteduas semanas”, tendo como contra-parte três quadros séniores da Renamo.Revelou ainda haver diligências do Conselho Cristão de Moçambique, “ao mais alto nível”, que pretende deslocar-se a Gorongosa, para interagir com Afonso Dhlakama, o que “deverá acontecer dentro em breve”.
Queima de tempo?
Observadores acreditam não existir vontade séria das duas partes em dialogar, mas simples “queima de tempo” para se preparar para a luta.Do lado da Renamo constam relatos da ida às bases “espalhadas um pouco por todo o país” de “centenas de jovens” e antigos guerrilheiros interessados em combater debaixo da bandeira da perdiz, enquanto do lado do Governo também se diz que está a concentrar forças e meios letais próximo do local onde se crê estar Dhlakama e seus principais comandos.Na Europa circularam no início desta semana informações que carecem de verificação de que o Governo moçambicano estaria a negociar com a Rússua a compra de seis helicópteros tipo ANSAT, supostamente para equipar um tal “Destacamento Aéreo Presidencial”.

In: CORREIO DA MANHÃ – 16.11.2012



13 novembro 2012

ENTREVISTA - CINEASTA JOSÉ CARDOSO: PARA FAZER CINEMA É PRECISO VER


ENTREVISTA - CINEASTA JOSÉ CARDOSO: PARA FAZER CINEMA É PRECISO VER
Cineasta Jose Cardoso

Fascínio e curiosidade moveram-me durante meses, até que, em Outubro, me sentei diante desse homem de 82 anos, cuja obra tem sido várias vezes relembrada nos últimos tempos. Chama-se José Cardoso e o seu nome está para sempre ligado à história de Moçambique, como o mais antigo cineasta, o 1º a internacionalizar o nome do país através da imagem e a granjear-lhe reconhecimento e prémios.

-“Sou uma pessoa muito íntegra. O que à minha volta se apresenta como uma injustiça flagrante revolta-me!”
Foi assim que iniciámos uma conversa franca, recheada de memórias e sorrisos, numa manhã fresca de Maputo. Rodeava-nos o seu ambiente familiar, o aconchego do seu dia-a-dia feito de recantos e objectos que contam uma vida, presenças e vozes que denotam intimidade, espírito de união e ternura, ingredientes que garantem a qualquer ser, longevidade e espaço para pensar e criar.
Cada uma das suas frases desenhou desde logo os contornos do cidadão atento e alerta, que transpôs para a tela, com cuidadoso sentido cinematográfico, mensagens humanas límpidas e sem artifícios estéticos, nem retóricos. Mas, mais do que da obra, era do homem e do seu percurso que eu queria falar. Conhecer o de hoje, para reconhecer o de ontem. Mapear a vida para assinar a obra.
Por isso, avancei com uma 1ª questão que o fez sorrir:
- Como vê a sua carreira, assim, nesta fase da vida?
-Olhando para trás, para a minha carreira de cineasta, vejo-a com certa nostalgia. Pelo que me deu, e pelo que sonhei com ela e não consegui concretizar. Mas também com uma certa revolta. Não pelo sonho do cinema, mas pelo que esperava que me desse e não deu. As dificuldades financeiras de hoje são resultado disso. Cheguei a esta idade, esperei 20 anos por uma reforma, e ainda não está resolvida. O cinema deu-me muitas alegrias, mas no final também desencanto, tristeza e raiva.
- Como imagina que seria, se fosse hoje?
-Se tivesse autonomia financeira, queria que fosse brilhante, porque são inúmeras as ideias para filmes, que queria fazer. Naquele tempo, fi-los no cinema amador. Se fosse hoje, sem financiamento, fazer um filme seria difícil, até porque eu não aceitaria pressões políticas, nem que o dinheiro viesse de ONG’s para fazer temas de encomenda. Quero dizer, os meus pensamentos são livres e sem sujeição a pressões.
- Como é chegar até aqui e não parar de ter ideias e projectos sempre novos?
-Mais do que anos de idade, o que tenho são ideias e energia mental. O que eu queria era continuar agarrado a uma máquina de filmar e fazer filmes. Mas é um trabalho cansativo e, por isso, hoje ponho essas ideias no papel. Há anos que o faço. E, apesar de alguns problemas me desanimarem ultimamente, luto contra isso, e essa luta ajuda-me.
- O reconhecimento de então e o que recebe hoje são diferentes?
-O reconhecimento do público naquele tempo era muito bom. ‘O vento sopra do norte’, por exemplo, creio que foi o filme que maior audiência teve, em Moçambique, 100 mil espectadores em ano e meio de exibição.


Públicos e políticas culturais públicas

- O público dessa época e o de hoje são diferentes. Agora parece mais ausente e desinteressado?
-Naquela altura, mesmo assim, havia sempre público. Hoje, não tenho como aferir, mas pelo que me parece, talvez haja menos mas mais selectivo. O resto não vai ao cinema e isso é muito preocupante. Parece haver uma apatia geral. Ora, como os jovens são os futuros dirigentes deste país, parece que o futuro está hipotecado.
- Os cineclubes tinham uma função social agregadora, por que será que hoje não vingam?
-Os cineclubes fazem falta para cultivar o gosto pelo cinema e pôr o público a debater, despertando-lhe a capacidade de análise crítica. Naquele tempo, um cineclube era uma escola, aqui como em muitos países. É uma actividade que precisa ser revitalizada. Em Moçambique, o 1º a surgir foi o Cineclube da Beira, que até foi considerado o 2º mais importante do mundo português, quer em qualidade de filmes exibidos, quer em número de sócios.
- Já noutra época, o Kuxa Kanema teve uma função que foi muito bem aceite. Mas hoje, a sua réplica parece ter menos adesão. Estará o público cansado?
-O Kuxa Kanema era uma jornal de actualidades, mas nasceu e cresceu numa época revolucionária, levando às pessoas a notícia do que se passava no país, mas também uma boa dose de propaganda política do partido único, e era bem aceite porque toda a gente estava grata pela mudança verificada, e havia esperança no ar. Embora houvesse dificuldades em se ver Moçambique como um país uno, havia muita aceitação e, portanto, teve sucesso.
- O que faria para educar e criar novos públicos?
-A quebra na existência de público está assente na pobreza e na preguiça mental. Por isso, tem de haver projectos de formação relativamente à imagem. É urgente fazer-se formação e preparação das pessoas. Aliás, devia ser feita em todas as áreas e começar logo na escola. Deviam ser expostos ao cinema desde cedo, em ambiente escolar. Mas, ao contrário, as pessoas estão a ser contaminadas pelas novelas, que não exigem raciocinar.

Cineastas e fazedores de cinema

- Naquela época, os cineastas eram uma geração unida. Agora, é o salve-se quem puder. O que considera que motivou isso?
-Quando temos a barriga cheia, temos facilidade de agir, mas quando passamos dificuldades, tudo é mais difícil. As pessoas passam a olhar mais para o seu umbigo, procurando soluções para os próprios problemas. Nesse tempo, havia rivalidade, mas era uma rivalidade saudável - entre Beira e Lourenço Marques, por exemplo. Porque a maioria dos cineastas tinha uma certa cultura intelectual e havia alguma preocupação com o que se passava no mundo. Hoje, impera o egoísmo, as pessoas são pouco solidárias com o que se passa à sua volta e no mundo, e isso é muito mau. Os cineastas estão dispersos pela televisão, ou com suas empresas. Cada um tem um universo para gerir e ideias que não partilha. Procuram as coisas ao seu modo. A unidade que havia à roda de um projecto nacional, morreu.
- Parece-lhe que fazer filmes por encomenda faz sentido?
-Creio que não é só por ser mais fácil. Os que o fazem também têm sonhos como eu, mas fazem-no porque é o modo mais simples e o único de ‘ir fazendo’. É melhor que nada. Submetem-se. Têm um pouco a sensação de estar a fazer cinema. Mesmo numa temática obrigatória pode-se sempre pôr o nosso cunho pessoal e a nossa sensibilidade.
- Como vai, então, ser o caminho? Pela encomenda temática?
-Não é fácil. Se houvesse uma política de apoio, os cineastas podiam, pelo menos, voar!
- Que tipo de apoios?
-Criar-se, por exemplo, um Fundo de apoio ao cinema e aplicarem-se verbas oficiais a propostas de projectos candidatos.
- E a selecção, quem a faria?
-Um júri formado por cineastas não no activo e por cineastas em actividade mas que não concorressem, além de intelectuais, escritores e outros.
- O apreço do público, existente aqui em Moçambique, pelo género documentário, parece estar a decair um pouco, em benefício da ficção, coisa que não sucede no resto do mundo, onde os festivais de documentário proliferam. Por que será?
-O documentário, mesmo que se limite a imagens reais, obriga a pensar e, aqui em Moçambique, há tendência para não se apreciar esse exercício mental. Essa é a causa de vingar a ficção, com a qual é só fruir e tirar algum benefício emocional com isso. O mesmo se passa com a leitura. É através dela que conhecemos o mundo e a nós próprios, mas aqui não se lê…

O campeão de xadrez

José Cardoso é um homem multifacetado, arguto e perspicaz. Isso explica, em parte, que seja tão exímio no xadrez, modalidade de que foi campeão e que continua a praticar. Diz ele que lhe dá calma e distanciamento.
- Ser cineasta e campeão de xadrez. Ambas as funções jogam com o raciocínio do outro. Qual é que o estimula mais?
-As duas me estimulam. O cinema permite-me voar, enquanto o xadrez é mais dirigido, mas exige muita perícia. Hoje, como saio menos de casa para encontrar parceiros, jogo no computador, e jogo com o nível 10, mas é um nível fraco para mim. Quando estou cansado, uso o xadrez para me distanciar e distrair. Dá-me tranquilidade. Uma partida pode durar 4 horas – é uma luta estratégica, um grande exercício de memória. É preciso analisar o outro e ter muita calma e disciplina mental. Quando vivia na Beira, o xadrez tinha outra função, é que nós encontrávamo-nos num clube para discutir a situação política, e a capa era o xadrez. A PIDE pôs lá um ‘fraquezas’ para nos espiar, mas nós ali fazíamos uma espécie de laboratório para se ‘analisar’ e recrutar pessoas. Foi lá que acabei por me apaixonar pelo xadrez.  






Um ávido escritor

- O cinema é uma forma de intervir, mas o José Cardoso também escrevia. Essa vontade de ‘dizer’, por imagens e palavras, ainda o domina. O que o motivava a isso? O que o motiva agora?
-Sim, intervinha muito! Este livro que estou a terminar agora é muito político. Preocupo-me e critico em relação ao passado. É um conjunto de 3 contos. Mas tenho um romance que está pronto, intitulado ‘Butterfly, o guerrilheiro’ e estou a acabar de escrever as minhas memórias ‘Memorandos da Vida-memórias e reflexões’, que é uma autobiografia crítica. Mas tenho outros livros já publicados.
- O que gostava de ter feito se não tivesse feito nada disto?
-Teria bisado. Gostava de ter feito exactamente o mesmo. As motivações não mudaram.
“Como vê a sociedade e a arte em Moçambique, e o percurso que o país tem feito?”
-Antigamente era um país muito intelectualizado, mas uma elite. Depois da Independência ficou mais generalizado, embora com alguma preocupação de usar as artes para a revolução, em detrimento da ‘arte pensada’. Depois começou um certo amadurecimento em termos artísticos. Surgiram outros valores que nunca foram recusados. Hoje há uma melhoria, uma nova postura. Há mais atenção aos problemas sociais, em denunciar o que está mal.
- Se fosse político o que faria para mudar o estado de coisas?
-Varria todos os políticos e abria uma escola para formar bons e novos políticos.
- Os novos cineastas lutam com os mesmos dilemas de antes – falta de recursos; não apoio oficial; onde exibir; pouco reconhecimento do mérito. Apesar disso, eles não se unem, e quase se prejudicam deliberadamente uns aos outros, por um lugar ao sol. Acredita que isto é alterável?
-Acho que a Amocine devia ter uma postura mais enérgica, dinâmica e crítica, para agitar as poeiras e tirar delas algo de bom. A tendência é entrar-se com força, mas a força acaba acomodatícia. A associação e os próprios cineastas devem ser mais pró activos e também mais críticos. O bajulamento é um hábito que se está a instalar. A formação pode contrariar o estado de coisas. Mas tem de ser coberta e debruçar-se sobre essas questões. Formação só pelo papel, não leva a nada. Mas, se mudar os valores, então sim.
- Que filme faria hoje, se a oportunidade surgisse?
- Um filme de denúncia. Acreditou-se num projecto que nos foi proposto e o que se vive está longe disso. O filme seria de denúncia da mentira, baseado em algumas pequenas histórias dos livros de contos. Eu escrevo da mesma maneira com que faço os filmes.
- Por que parou de fazer filmes?
-Deixei de ter forças e substituí-o pela imagem escrita. O computador é agora a minha câmara.
- Como vê a recente onda de reconhecimento que lhe têm prestado? Que sensação?
-A sensação é de que estão a despertar, quando já estou no final da vida. Esse reconhecimento de agora não aconteceu antes. Nessa altura, havia tanto de apoio por parte de alguns colegas, como inveja de outros.
- A sua homenagem pelo KUGOMA e pela FLCS-UEM, de que modo as viu?
-Foram muito agradáveis. Serviram para acordar as cabeças para coisas que devem ser feitas e para agitar os jovens criando-lhes a capacidade de pensar no passado e projectar o futuro.
- Veio da Beira para Maputo? Que mudança foi essa? Tem saudades da Beira?
-Em 1970, o então director do INC, Américo Soares, que me conhecia pelos meus filmes e o sucesso por eles obtido, e porque o INC não tinha quadros, convidou-me para o INC. Aceitei e vim com a família para Maputo. Mas, a verdade é que tenho muitas saudades da Beira.
- É um homem de muitas habilidades. Chegou mesmo a ser cantor lírico?
-Sim. Poucos se lembrarão, mas eu era tenor. Fui solista no Orfeão da Beira. Tinha entrado 1º no Grupo Coral do Rádio Clube de Moçambique, depois na Emissora do Aeroclube da Beira e, finalmente, solista do Orfeão, com o maestro Tomás Firmino.



Zeca Afonso – um amigo e um activista cívico e cultural

José Afonso, o conhecido compositor e cantor de baladas de intervenção é uma referência como cidadão, política e socialmente, não apenas em Portugal. Ele viveu em Moçambique antes e após a exibição do 1º filme do José Cardoso – ‘O Anúncio’, e é autor da canção ‘Vejam bem’, que abre e fecha o filme. Ela parafraseia bem a história, com as suas sequências cheias de originalidade e conteúdo dramático, a que a voz límpida do Zeca transmite bem um sentimento de fraternidade que o filme também clamava.
Em 1971, o Nº 332 do semanário ‘A voz de Moçambique’, relatava que o Zeca vivera aqui e tinha sido muito marcado por essa vivência, ao ponto de quase todas as canções, de alguns dos seus LP’s (discos de vinyl da época), terem sido compostas aqui no país e gravadas em 1ª mão, em casa de amigos.
- Como foi que aconteceu essa canção para o seu filme?
-O Zeca tinha um irmão na Beira, que era membro do cineclube. Ele tornou-se sócio e numa sessão descobriu o meu filme e entusiasmou-se com ele. Quando o filme ficou pronto perguntou-me se podia fazer uma canção. Eu concordei, claro. E ele escreveu e compôs a música numa noite. Em Portugal, houve críticos que pensaram que o filme tinha sido feito sobre a história da canção, mas a verdade é que, ela é que foi composta à medida do filme. E a montagem foi feita logo directamente.
- Ele estava integrado no círculo local?
-Para além do cineclube, a convivência era enorme em casa do Álvaro Simões, que hoje vive na Matola. Faziam-se tertúlias de poesia, música, cantigas. As músicas dele eram muito fortes e causavam muita confusão. Iam para a censura e o censor só aprovava se alterassem certas palavras.
O próprio Zeca dizia: “Em 64-65 estava no meu início de cantor nos meios académicos, infiltrei-me em alguns meios e ia conseguindo dar os meus recados, passar as minhas mensagens. Na Beira, de 65 a 67, fui protegido pelo cineclube local. Ali convivi numa enorme camaradagem e solidariedade. Aquilo era uma ’colónia’ dentro da colónia e percebi a intensa actividade que eles desenvolviam”. E recordava uma cena relativa ao censor de serviço – “Havíamos planeado representar Bertold Brecht e até incluía fados e guitarradas de Coimbra. O censor, que também fazia parte da representação, resolveu ‘cortar’ o texto de Brecht e até reescreveu à margem, modificando o texto. Então eu declarei que sem o texto do Brecht não cantaria fados nenhuns. Como o censor era também actor, acabou cedendo”.
Foi assim, que Brecht foi representado pela 1ª vez no ‘império colonial’, musicado pelo Zeca Afonso, que compôs 5 canções para a representação da peça “A excepção e a regra”. O Zeca foi impedido de permanecer em Moçambique quando, em 1972, tentou visitar o país. 
  • Gabriela Moreira - Colaboração

notícias Maputo, Quarta-Feira, 14 de Novembro de 2012




IDEIAS - LIVRO CRENDICE OU CRENÇA DE JUVENAL BUCUANE: QUANDO OS MANES ANCESTRAIS SE TORNAM DEUSES


IDEIAS - LIVRO CRENDICE OU CRENÇA DE JUVENAL BUCUANE: QUANDO OS MANES ANCESTRAIS SE TORNAM DEUSES
Juvenal Bucuane, escritor moçambicano
O respeitável e amigo, Juvenal Bucuane, perguntou-me se teria disponibilidade para ler histórias suas, que pretendia publicar em livro. Sem hesitar, respondi afirmativamente, pois, ser um dos primeiros leitores constitui um privilégio.

Dias depois do contacto, recebi o exemplar intitulado Crendice ou Crença – Quando os manes ancestrais se tornam deuses. Impelido pela curiosidade, que é congénita no Homem, pus-me me a folhear o volume. A seguir à ficha técnica, deparei-me com a palavra Prefácio, estampada no topo da página. Na página seguinte, estava gravado o meu nome, o que deixava bem clara a minha segunda missão: prefaciar o livro. Confesso que, a partir desse momento, invadiu-me um misto de sensações: ora o fascínio pela eleição para leitor de um inédito, ora o nervosismo face aos desafios que me impõe a tarefa de “parir” um prefácio. É, sim, um parto, por requer caminhos tortuosos. Trata-se, sobretudo, de encontrar o que dizer, o Inventio, como sabiamente ensina Aristóteles. A resposta a esta preocupação veio-me sob a forma de duas questões inquietantes: um Prefácio, o que é? Para que serve? Perante as interrogações, não resisti ao prazer de citar o venerado professor e estudioso da Literatura, Francisco Noa: “os títulos, os subtítulos, as epígrafes, as advertências, os glossários, os prefácios são unidades discursivas paratextuais que, enquanto verdadeiros adjuvantes leiturais, impõem-se como chaves para a descodificação da mensagem, remetendo para a significação global do texto.” (Noa, 2002: 369-378).
Uma vez resolvida a inquietação em torno do termo prefácio, tomei os paratextos (títulos e subtítulos) como elementos estruturantes deste adjuvante leitural de Crendice ou Crença – Quando os manes ancestrais se tornam deuses.
1. O título: Crendice ou Crença – remete para o domínio psicológico oscilatório de Nfezi e Tonina, protagonistas da acção. Oscilação entre o absurdo e o verdadeiro, um misto de sensações, filtradas quer nos diálogos e/ou monólogos, quer no discurso do narrador. No título está sintetizada a actualização de um imaginário sócio cultural híbrido, fruto de séculos de contacto e de contaminação mútua entre povos diversos. 
2. Os subtítulos: Quando os manes ancestrais se tornam deuses – os manes, essas almas dos mortos considerados como divindades entre os romanos, esses deuses infernais do paganismo, dominam o subconsciente de Nfezi e Tonina.  Com efeito, as sucessivas investidas do  casal Mbelele, com vista à explicação e solução dos problemas que abalam a sua família, passam pela referência aos espíritos ancestrais, seja sob a forma de crendice (crença absurda ou ridícula) seja por força da convicção e fé religiosa (crença). A incontornabilidade dos manes, na vida e destino dos Mbeleles, atinge os píncaros da transcendência quando aqueles se transformam em autênticos deuses, esses seres  superiores ao Homem que, num reconhecimento tácito de politeísmo, tanto os venera. Isto é, os manes comandam a visão do mundo do casal Tonina e Nfezi. Porém, uma visão fissurada, pois, deixa passar marcas de outras mundividências. Eis, por exemplo, a resistência, numa fase inicial,  de Nfezi  em consultar os adivinhos: “ – Foste a uma mungoma! Que mungoma?! Sabes que não gosto dessas coisas, isso não faz parte da minha vida. – indignou-se, Nfezi”.
3. Outros títulos e subtítulos: a história é contada em sete capítulos, numerados e encimados por títulos. Exemplos: 1) “Tonina surpreende Nfezi Mbelele”. Um título ou a prenunciação do retrato de uma mulher detentora do pulso de liderança familiar? “Tonina, uma mulher batalhadora quando a causa era seu reduto familiar.”  É, sem dúvida, uma nova realidade em que uma mulher, valendo-se do poder da palavra, coloca em causa a hegemonia tirânica do homem, convencendo Nfezi, seu esposo, a consultar os magos. Desta forma, Juvenal Bucuane surpreende ao trazer uma focagem virada para o presente, ao invés do resgate do passado distante, que se tornou lugar comum, na escrita literária moçambicana. 2) “Blindagem ou a inexpugnabilidade do corpo e do espírito”. Assim apresentado, o título acentua o carácter oscilatório que domina o universo psicológico das personagens. Ou seja: por um lado, a crendice na magia dos magos, por outro lado, a crença verdadeira na invencibilidade do corpo e da alma. 3) “Os tambores rufaram noite adentro”; “Kufemba – o exorcismo dos espíritos”; “A evasão do xipoko”; “A sucessão dos rituais”; “Como se transmite vuloyi”. Seleccionei estes títulos, por duas razões: a primeira tem a ver com o facto de todos e cada um deles sumariar o relato que se lhe segue, ao mesmo tempo que cumpre uma função instigativa para o leitor. A segunda decorre da vertente interpretativa. Com efeito, os títulos em apreço, ao abrigo do tom neutral e por vezes irónico e indagatório em que aparecem, fazem um apelo a uma reflexão sobre questões ligadas aos espíritos dos mortos (?), feitiçaria e curandeirismo. São, pois, indagações que ora se verificam no quotidiano empírico-social das comunidades, ora elaboradas nas histórias contadas à volta da fogueira, ora recriadas através da sagrada escrita por escribas como Edgar Nasi Pereira, em Mitos, Feitiços e Gente de Moçambique: Narrativas e Contos; Aldino Muianga, em Mitos (histórias de espiritualidade); Aníbal Aleluia, em Contos Fantásticos; Ungulani ba ka Khosa, em “Exorcismo”, só para citar alguns nomes, da extensa lista de participantes (alguns anónimos) na (re)invenção da nossa mbenga cultural.  
  • Aurélio Cuna

notícias Maputo, Quarta-Feira, 14 de Novembro de 2012

DOCUMENTÁRIO SOBRE A MACONHA ( COM LEGENDA EM PORTUGUÊS)

DOCUMENTÁRIO SOBRE A MACONHA ( COM LEGENDA EM PORTUGUÊS)

O vídeo mostra-nos uma breve história da maconha