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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

15 janeiro 2013

GUINÉ-BISSAU E EM CABO-VERDE


A PRESENÇA DE AMÍLCAR CABRAL NA MÚSICA RAP NA GUINÉ-BISSAU E EM CABO-VERDE
Nos anos de 1990, com a vaga de democratização na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde, quer o PAIGC quer o PAICV, partidos tidos como “força, luz e guia do povo”, perdem esse estatuto, pondo fim simultaneamente à cadeia de domesticação dos espíritos, precipitando assim uma descoletivização social das organizações juvenis sob o prisma comunista. Isto fez com que os jovens reinventassem formas de sociabilidades no seio dos grupos de pares, num contexto marcado pela globalização e afro-americanização do mundo, em que a cultura hip-hop, através do seu elemento oral, o rap, aparece como veículo da liberdade de expressão e de protesto dos grupos urbanos em situação de maior precariedade.
Este artigo pretende analisar de que forma os jovens guineenses e cabo-verdianos recontextualizaram através do rap, na nova conjuntura dos dois países, o discurso pan-africanista e nacionalista de Amílcar Cabral, tendo em conta o risco de branqueamento da memória coletiva e histórica; a suposta traição dos seus ideais pelos atuais políticos dirigentes; a necessidade de o resgatar enquanto guia do povo; e de representá-lo como um MC (mensageiro da verdade).  
  
 O “MC” enquanto mensageiro e guia
O grupo liderado por Cabral assume um protagonismo decisivo e se não inédito no processo de afirmação da nação, por ter desencadeado uma luta em nome de dois territórios dominados com vista à construção de uma nação pan-africana (Hobsbawm, 2002). Desta feita e na perspetiva de Fernandes (2005: 231), a geração de Cabral assume um inequívoco rompimento com os discursos nacionalistas lusitanos no que se refere à sua ramificação colonial, por forma a se obter uma total emancipação africana do sistema colonial.
É deste modo que as nações guineense e cabo-verdiana começam a ser tematizadas nas oralituras (canto-poesia) através da exaltação (da possibilidade) dessa nova condição, constituindo o mais importante legado simbólico e identitário da luta para a autodeterminação. No entanto, esse estádio foi algo efémero em Cabo-Verde, com o fim do projeto bi-nacional em 1980, reconvertendo-se para dimensões mais localistas na Guiné-Bissau e, desta forma, favorecendo a criação de bases para uma progressiva desideologização da produção cultural nos dois países.

Embora esse momento não coincida com a emergência da produção da música rap nos dois países, podemos dizer que a progressão destutelada da produção cultural na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde constituiu bases favoráveis para o surgimento de uma determinada música de intervenção e um estilo não tradicional por parte de um grupo de jovens , considerados pelos sectores dominantes como “os que perderam valores” – nem partido, nem igreja, contribuindo assim para a modificação significativa da produção cultural, ou seja, das formas de estar no espaço público e também a reformulação de conteúdos e estilos da comunicação musical.
Estando assim expostos a riscos e à necessidade de encontrarem saídas individuais para sustentar o seu futuro, os jovens aqui em análise vivenciaram ambientes de fragmentação, desorientação e distorção, levando à perda do sentido atribuído originalmente. Numa etapa seguinte, verificou-se a edificação de réplicas da sociedade que haviam deixado para trás, instaurando assim novas referências. É neste quadro que entendemos que Cabral – expoente máximo de uma geração que levou até às últimas consequências a dimensão de um intelectual comprometido e que não devia alhear-se ao seu entorno sociopolítico, desencandeando e liderando uma luta de libertação com carácter pan-africanista – é resgatado enquanto elemento simbólico de referência, como o próprio Cabral afirma no seu “testamento político” (Janeiro de 1973):
 “(..) o que quer o Homem africano é ter a sua própria expressão política e social – independência. Quer dizer, a soberania total do nosso povo no plano nacional e internacional, para construir ele mesmo, na paz e na dignidade, à custa dos seus próprios esforços e sacrifícios, marchando com os seus próprios pés e guiado pela sua própria cabeça o progresso que tem direito como qualquer povo do mundo!”


Na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde, Cabral ka muri/mori (não morreu) é um slogan que imortaliza o espírito de sacrifício e luta que o próprio fez ressurgir. No entanto, numa incursão à problematização do estudo, selecionámos três dimensões para a análise: - em que situações é que o nome de Cabral é citado nas músicas rap nos dois países?; - qual a justificação ou argumentação nos diferentes usos do nome de Cabral?; - qual a aproximação que fazem à sua ação enquanto rappers com a ação política de Cabral?
Das recolhas feitas nos dois países, no rap dito consciente e/ou político com menção de Cabral sobressaem quatro aspetos fundamentais:
  •  Preocupação em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória coletiva e histórica;
  • Crítica aos “camaradas” e atuais políticos vis-à-vis das práticas alheias ao pensamento político enunciado por Cabral;
  • Utilização de Cabral como “guia” e portador de esperança;
  • Cabral como mensageiro da verdade ou seja como MC.

É frequente ouvir nas músicas analisadas preocupações em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória coletiva e histórica:
“(…) poku poku guentis sta ta skeci / bu sta mori manenti na mimoria di nos povu / bu storia ta duvidadu pa gerason mas nobu / nem bu imagem ka sta mas na livru primaria / na dinheru djes trau / (…) bu bai bu dexa puema pa nôs kriança ki e flor di revoluson i di sperança / mas mesmu si ka sta xinti bu prizensa / kriança sta nasi e ka konxi storia di ses eróis / alguem ki da si vida pa liberta si povo se foi / es ta trokau pa eróis virtuais / homem-arranha, super-homem”1 (POMBA PRETO, Abel Djassi, 2010).

Dissecando a narrativa acima apresentada, é notória a preocupação com a salvaguarda da memória daquele que reivindicam ser o verdadeiro herói dos dois povos em pauta, com críticas relativamente à tentativa de substituição da sua existência enquanto protagonista real da história por heróis virtuais e ausentes do espaço físico nacional.
Na narrativa a seguir, paradoxalmente, a figura do Cabral parece ter menor pujança simbólica que um colonizador, ou seja, substituída a nível da orientação estratégica do país pela figura de um ocidental e colonizador:
“(…) N`ka kre odja statua di Cabral rostu pa simiteriu / Di Diogo Gomi2 rostu pa palasiu di governu / Dja sta bom di rodidju ku portugues!”3 (NAX BEAT, Odja Oby Ntedy Dypoz Fala - vyzon krytyku, 2009).


Por outro lado, ao mesmo tempo que as narrativas denunciam tentativas de branqueamento da história nos espaços institucionais, são apresentadas posturas em que alguns jovens periféricos assumem a continuidade da memória do Cabral:
“Cabral moré pa nôs i agora povu ka krê lembra-l / Bô e parti mais inportanti di nôs stôria i nu ka ta dal / Ka bô priokupá ki a luta kontinua / Bô morê na parlamentu ma bô vivê na nôs rua”4 (KAYA, LBC MINAO SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).


De uma forma global, a preocupação com a manutenção e atualização da memória viva de Cabral está mais presente nas narrativas dos rappers cabo-verdianos do que guineenses. Este facto pode ser entendido na medida em que a luta para a independência dos dois países não teve como teatro das operações Cabo-Verde, vivenciando assim Cabral quase que de uma forma espiritual. Por outro lado, a vigência do projeto bi-nacionalista foi efémera, a liberalização política com a derrota do PAICV nas primeiras eleições democráticas levou à mudança do paradigma ideológico e à necessidade de busca de novas referências, projetando Cabo-Verde mais no mundo (do que em África), o que é patenteado numa certa recuperação das ideologias protonacionalistas (nativistas e regionalistas).
Já no que se refere à crítica da conduta dos camaradas de Cabral e atuais políticos vis-à-vis as palavras de “ordem”, é onde encontramos maior produtividade dos rappers dos dois países, envolvendo também as suas diásporas. Quase todas as narrativas neste campo apelidam-nos de “traidores” de um suposto ideal humanista de Cabral.
A traição da sua morte:  
“(…)disgrasa d’es tera kunsa desdi mortu di Cabral / chefi di guera matadu / objetivu di luta mudadu / en vez di concordia nacional i bin concordia criminal”5(TORRES GEMEOS, Culpadus, 2008).

Traição pelos desvios verificados:
“(…)Ma n punta, será ki anos ku na paga díbida di n ba luta? NAU! / Ei abós ke Amílcar falaba bos es? NAU! / Ke Amílcar falaba bos ora ku luta kaba pa nterga povu fatura? / Bo mata Amílcar bo nteral djuntu ku si konbersas / Konbersas ki pusível i pasa sedu impusível”6 (FBMJ, Guiné ka na fika sin, 2008)

Traição pela derrapagem:
“(…)Bardadi situason sta gravi / Kampu kinti / Amílcar Cabral erói mas garandi / Aonti bu matadu aós bu fidju na sufri kansera garandi / Kin ku pudi imajinaba kuma anós no na abandona no tera / Nde ku no firma ku arma na mon no nganha ki guera / kontra no toma independensia no pensa kuma tudu na sedu mindjor / Ma son kansera vida di djintis na tiradu suma flor7 (N`PANS, Fidjus di Guiné, 2006).
A incapacidade de promoção de desenvolvimento e estabilidade política no caso guineense e a produção de desigualdades sociais no contexto cabo-verdiano são elementos cruciais nas narrativas escutadas. Neste campo, o papel dos políticos e governantes é posto em xeque, na medida que são considerados opressores ao invés de defensores do povo, como aqui é elucidado pelos Cientistas Realistas (Guiné-Bissau) e Kaya, LBC Minao Soldjah e Chullage (Cabo-Verde):
“(…) País sta desorganizadu / Korupson sta jeneralizadu / Aparelhu di no stadu aos torna un sistema di korupson / Dinheru ku no djunta pasa na sbanjadu a toa i grande orgulho / fama(! ) / Guiné-Bissau i narkotráfiku / Djintis di stadu na prátika di negósius ilegais / E na fasi krimes organizadu ma faladu na nomi di stadu / Es tudu anós i kontra (…) Povu inosenti ku fomi na paga kulpa di dirijentes / Sorti ka ten, Cabral muri i ka ten kin ku na lebanu pa dianti / Tchur di Cabral tem ku tokadu pa es tera pudi bai pa dianti / Até aós Guiné-Bissau nada i ka tchiga di konkista, purblema d’es tera n ta pensal tok n ta disgostaaa”8 (CIENTISTAS REALISTAS, Contra, 2009).
“Cabral bu môri sedu i dja nu ka tem ninguen pa difendenu / Bu luta pa bu libertanu di un opresor mau feitor / Oji na nôs tera opresor so muda rostu i kor / Povu ignorante ta bati palma pa prizidenti ki e traidor / Mosus ki nen pa sis povu ka ta xinti un poku di amor / Kel ki bu konstrui es distrui dipôs di indipendensia / Trai pensamentu di povu kantu privatiza tudu inpreza / Guvernu sem autunomia ki ka ta kontrola ikunomia / Ku rijimi nun frontera ki dimokrasia ta kunfundidu ku tirania”9 (KAYA, LBC MINAO SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).
Nesta parte, há um sentimento de revolta e desencantamento com a falta de oportunidades, de justiça social e de um clima de paz e união vivenciados por estes jovens.
Já nas duas narrativas a seguir os rappers apresentam-se como agentes com capacidade de produzir a arte da descosmetização da realidade social e política nos dois contextos, como ilustram:
 “(…) Na nha tera ka tem so morna ku koladera / Tem monti asnera kes ta bari pa baxu stera / Gosi e dibaxu meza ki nigosius sta fitxadu / (…) Monti makakisi i monti makaku di fatu, gordu i tudu fartu / Otus ta furta k apa farta ma sin pa mata fomi / Ami n sta odja monti mininu ta sufri na lugar di omi / (…) Thugs sta ta aumenta tudu dia pa alimenta skina / Alvés n ta pensa si tudu kel stôria di thugs li e ka un bodi espiatóriu ba tudu es prublema di susiadadi li / Juventudi ka sta dadu oportunidade / Monti sta ta termina lise upa inisia na mundu di marginalidade / Monti Zé-ninguen sta ta fazi so maldadi pamô es dadu puder pa ser autoridade”10 (BUDDHA, Na Nha Tera, 2008).
“E sufrimentu i garandi dimás / Te gosi no fika tras / Di nos i pena / Di nos i tristi / Nha ermons até kuandu? / Tera di Amílcar Cabral /  Ex-colónia di Portugal / Nunde ku 80% di povu ta vivi mal / Vizinhu di Conakry ku Senegal / Situadu na kosta osidental / sukundidu na kintal (…) Tera di no eroína mama Titina Silá / Djintis ku luta / pa serka António Spínola / Independensia tomadu prejuízu kunsa ten / Povu ta vivi mal pa un grupusinhu vivi ben (…) Chefi bati rendimentu / Povu entra na sufoku / No sai di país mas limpu / Pa país mas porku / 7 di junhu komplikanu situason / Balas di kanhons matanu populason”11 (MC MÁRIO, DON PINA e PATCHE DI RIMA, Relatório 1973-2012, 2012).
No fundo esta parte é elucidativa de como a teoria do suicídio de classe (pequena-burguesia) defendido por Cabral falhou12 com base nas criações de afinidades entre a poesia e a música de intervenção face ao desnorteio político-ideológico dos “camaradas” para otimização dessa realidade e a projeção dessa apropriação despartidarizada do legado cultural de Cabral.
As narrativas que apresentam Cabral como “guia” de referência aparecem em discurso indireto em contraponto ao tipo de liderança que se implantou depois da independência, sem compromisso, incapaz de resolver os problemas e ainda que tende a instrumentalizar os jovens, como por exemplo aqui: 
“Guvernantis karismáticos / Ku no misti / Guvernantis problemátikos / No ka misti / Guvernantis ku ason prátikos / Ku no misti / Guvernantis psikopátikus / No ka misti / Figa kanhota bo na mata pubis lentamenti / Ma n toma nota / Udju ta odja boka kala / Ma no ta nota / Bo vira-volta sin spiritu di patriota / Bo panha fábrika bo bota / Te di kompota bo bota / En kontrapartida bo ka kumpu nin palhota / So manda boka / Bo sobra fábrika di binhu / Na kantinhu / Pa pudi ba ta tchamintinu / Pa guinguitinu la na padja / Pa no pudi pega bari-bari bos padja / Nha pubis / Es i ora di no korda / Sol na iardi dja la fora …”13 (BUNKA MC e OKARKI BUTT, Natal Guiné, 2010).
Quando as narrativas que apresentam Cabral como “guia” e são apresentadas em discurso direto as referências são portadoras de apelo à luta, resistência, reapropriando-se do slogan Cabral Não Morreu: 
“ (…) Cabral kaba ku sufrimento kulonial / Ma luta ka kaba e dexanu pa nu kontinual / Inton kuzê nu sta spera? / Nu jura bandera / ka tem tenpu pa brinkadera / (…) Nu ten ki luta oji i sempri”14 (FARP, Antis Barku Skravu, 2007).
“( …) Cabral ka môri / Cabral tinha razon / E ka môri / E fika na nôs kurason / El e nôs erói / (…) Si bu pensa ma Cabral sta mortu bu sta enganadu pamô Cabral e mi Cabral e bô Cabral e tudu kauberdianus e guineensis (…)”15 (KAYA, LBC MINAO SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).
Nesta parte, os rappers convocam Cabral entre o sonho e a esperança com uma preocupação em mobilizar a nova geração deixando transparecer a necessidade de “correr atrás do prejuízo”. Ainda, Cabral é apresentado como fator de orgulho e de identidade para o futuro:
“ (…)Amílcar Cabral / Omi ku ta pensaba futuru di no tera (…) Bu nomi ku n ta ronka / I bu bandera na nha testa / Bu inu na nha boka (…) nha identidadi nunka n ka na disisti del”16 (FBMJ, Guiné ka na fika sin, 2008).
No tocante ao último aspeto analisado, Cabral como mensageiro da verdade ou seja um MC, constata-se que para além da aproximação que os rappers fazem da sua ação produtiva e interventiva que lhes dá a possibilidade de se auto-representarem como verdadeiros herdeiros das causas políticas e militantes de Cabral, muitos deles procuram legitimar essa condição através da utilização da voz do próprio Cabral, intercalando os seus discursos nas suas músicas. É o caso dos Sindykatto de Guetto (golpe de stadu, 2011), Rhyman (Bissau, 2007) e 4ARTK (Strela Negra-Abel Djassi, 2010) que deste modo contribuem para reavivar Cabral no imaginário dos jovens politicamente desfiliados e localizados em contextos de exclusão.
Globalmente, das narrativas selecionadas e analisadas apercebe-se que os rappers procuram resgatar, atualizar e desenvolver uma cultura crítica, segundo Cabral (1973: 55), baseada na história e nas relações da própria luta, promovendo a constante da consciência política do povo (de todos os grupos sociais), mas visando os detentores de poder (político e económico) bem como do patriotismo/nacionalismo. Assim, o rap kriol(u), em particular os rappers (re)encontram em Cabral a teoria da capacidade de ação enquanto condição prévia, instrumento para fazer história e emancipação humana.


Referências bibliográficas
BARROS, M. (2012), “Participação Política Juvenil em Contextos de «Suspensão» Democrática: a música rap na Guiné-Bissau”, in BORDONORO, L. & MARCON, F. (Coord.), Juventudes, Expressividades e Poder em Perspectivas Cruzadas, Revista Tomo, n. 21 - jul./dez. 2012 – EdUFS, São Cristóvão.
CABRAL, A. (1973), “National Libertation and Culture”, in CABRAL, A., Return in the Source: Selected Speeches of Amílcar Cabral, Monthly Press: New York.
FERNANDES, G. (2006) Em busca da Nação: notas para uma reinterpretação do Cabo Verde crioulo, UFSC: Florianópolis.
GODINHO GOMES, R. (2001), O PAIGC e o futuro: um olhar transversal, Afro Expressão Publicações: Lisboa.
HOBSBAUWM, E. (2002), Nações e Nacionalismos desde 1780, Paz e Terra: Rio de Janeiro.
LIMA, R. W. (2012), “Rappers Cabo-Verdianos e Participação Política Juvenil”, BORDONORO, L. & MARCON, F. (Coord.), Juventudes, Expressividades e Poder em Perspectivas Cruzadas, Revista Tomo, n. 21 - jul./dez. 2012 – EdUFS: São Cristóvão.


O presente ensaio é extraído do estudo independente intitulado RAP KRIOL(U): o pan-africanismo de Cabral na música de intervenção juvenil na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde” no prelo em Realis - Revista de Estudos AntiUtilitaristas e PosColoniais (Brasil). As conclusões deste trabalho serão apresentadas no Fórum Científico Amílcar Cabral (Cidade da Praia, 18-20/01/2013), organizado pela Fundação Amílcar Cabral.
  1.“Pouco a pouco as pessoas estão a esquecer / estás paulatinamente a morrer na memória do nosso povo / a geração mais nova duvida da tua história / a tua imagem ja não se encontra nos livros da escolaridade básica / tiraram-te do dinheiro / (…) foste e deixaste poemas para as nossas crianças que são as flores da revolução e de esperança / mas mesmo assim não se sente a tua presença / crianças nascem e não conhecem a história dos seus heróis / alguém que deu a sua vida para a libertação do seu povo se foi / trocaram-no por heróis virtuais / homem-aranha, super-homem”.
 2.Diogo Gomes (14?? – c. 1502) foi um navegador e explorador português. Capitaneava uma esquadra de três navios que reclamou para si o descobrimento do arquipélago de Cabo-Verde, na companhia do italiano António da Noli.
  3.“ (…) Não quero ver a estátua de Cabral com a cara virada para o cemitério / E a do Diogo Gomes virada para o palácio de governo / Chega de esquemas com portugueses”.
 4.“Cabral morreu por nós e agora não querem lembrar-se dele / Tu és a parte mais importante da nossa história e não a damos (…) Não te preocupes que a tua luta continua / Morreste no parlamento mas vives nas nossas ruas”.
5.“ (…) A desgraça desta terra começou com a morte de Cabral / O chefe da guerra foi assassinado / O objetivo da luta foi mudado / Ao invés da concordância nacional / Veio a concordância criminal”.
6.“ (…) Mas pergunto, será que nós é que vamos pagar a divida de terem lutado? Não! / Ei vocês será que Amílcar tinha vos dito isto? Não! / Amílcar vos falou que depois da luta era para entregar a fatura ao povo? / Não!/ Vocês mataram o Amílcar e o enterraram junto com as suas conversas / Conversas que eram materializáveis tornaram-se logo impossíveis”.
7.“ (…) Verdade situação agravou / Campo aqueceu / Amílcar Cabral herói maior / Ontem assassinaram-te hoje os teus filhos muito sofrem / Quem podia imaginar que com o tempo íamos abandonar a nossa terra / Onde defendemos com as armas na mão e vencemos a guerra / Quando tomámos a independência pensávamos que tudo ficaria melhor / Mas a vida da nossa gente anda a ser tirada como se fosse flor”.
8.“(…) país está desorganizado / corrupção está generalizada/ o nosso aparelho do estado tornou-se num sistema de corrupção / o nosso dinheiro é esbanjado à toa e com grande orgulho-fama / Guiné-Bissau é narcotráfico / servidores do estado praticam negócios ilegais / praticam crime organizado mas dizem em nome do estado / somos contra isso tudo (…) povo inocente com fome é quem paga a culpa dos dirigentes / não há sorte, Cabral morreu e não existe quem nos possa levar à frente / até hoje Guiné-Bissau não conquistou nada, problema desta terra penso-o e me dá desgosto”.
9.“(…)Cabral morreste cedo e já não temos quem nos defenda / (…) Lutaste para libertar-nos de um opressor mau feitor / Hoje na nossa terra opressor só mudou cara e cor / Povo ignorante bate palmas por um presidente que é traidor / Pessoas que nem pelo seu povo sentem um pouco de amor / Aquilo que construíste eles destruíram depois da independência / Traíram o pensamento do teu povo com as privatizações de empresas / Governo sem autonomia não controla a economia / Com o regime numa fronteira em que a democracia se confunde com a tirania / Triste ver os meus manos africanos humilhados em casa de seus irmãos”.
10.“Na minha terra não têm só morna e coladeira / Têm muita asneira que é varrido por debaixo da esteira / Agora é por debaixo da mesa que os negócios são fechados / (…) muita macaquice e muito macaco de fato, gordo e tudo de farto / Outros roubam não para se fartarem mas para matarem a fome / Vejo muitas crianças a sofrer no lugar dos homens / (…) Thugs aumentam todos os dias para sustentar as esquinas / O seu dia começa quando o teu termina / E ando a pensar se toda esta história de thugs não é um bode expiatório de todos os problemas da sociedade / Não é dada oportunidade à juventude / Muitos estão a terminar os estudos liceais para entrarem no curso de marginalidade / Muitos Zé-ninguém fazem apenas maldade porque foi-lhes dado poder para serem autoridade”.
11.“Este sofrimento é demais / Até agora ficamos para trás / (…) Meus irmãos até quando? / Terra de Amílcar Cabral / Ex-colónia de Portugal / Onde 80% do povo vive mal / Vizinho de Conakry e Senegal / Situada na costa ocidental / Escondido no quintal (…) terra de heroína Titina Silá / Gentes que lutaram / para expulsar António Spínola / Tomaram independência deixaram de ter juízo / O povo vive mal para um pequeno grupo viver bem (…) Chefe quebrou o rendimento / Povo entrou no sufoco / Saímos do país mais limpo / Para o país mais porco / 7 de Junho complicou a situação / Balas de canhão mataram a nossa população”.
 12.Para maior problematização do falhanço da teoria de classe defendida pelo Cabral ver: Godinho Gomes, R. (2001), O PAIGC e o futuro: um olhar transversal, Lisboa: Afro Expressão Publicações.
13.“Governantes carismáticos / Precisamos / Governantes problemáticos / Não precisamos / Governantes com ações práticos / Precisamos / Governantes psicopáticos / Não precisamos / Cruz credo estão a matar o povo lentamente / Mas ando a tomar nota / Vejo mas calo-me / Mas andamos a tomar nota / A tua vira volta sem espírito de patriota / Destruíram fábrica de compota / (…) Em contrapartida não construíram nem palhota / Só mandam bocas / Só deixaram com fábrica de vinho / O cantinho / para que possam embebedar-nos / Para afastarem-nos / De modo que ponhamos a bajular-vos / Meu povo / Está na hora de acordarmos / O sol já nasceu lá fora”.
14.“ (…) Cabral acabou com o sofrimento colonial / mas a luta não acabou e ele deixou-a para continuarmos / então o que esperamos? / vamos jurar a bandeira / não há tempo para brincadeiras / (…) temos de lutar hoje e sempre”.
15.“Cabral não morreu / Cabral tinha razão / Ele não morreu / Ficou no nosso coração / Ele é que é o nosso herói (…) E se pensares que Cabral está morto estás enganado porque Cabral sou eu Cabral és tu Cabral são todos os cabo-verdianos e guineenses (…)”.
16.“ (…) Amílcar Cabral / Quando penso no futuro da nossa terra (…) O teu nome é aquele que aparece / E a tua bandeira na minha testa / O teu hino na minha boca / A minha identidade nunca hei-de desistir dela.”


Por Redy Wilson Lima e Miguel de Barros - Mukanda | 15 Janeiro 2013 | 

14 janeiro 2013

RENAMO COMPLETOU E CELEBROU 36 ANOS DA SUA EXISTÊNCIA NO ÚLTIMO SÁBADO


RENAMO COMPLETOU E CELEBROU 36 ANOS DA SUA EXISTÊNCIA NO ÚLTIMO SÁBADO


Por Bernardo Álvaro
A Renamo, a segunda maior formação política moçambicana com representação parlamentar, comemorou no último sábado, dia 5 de Janeiro corrente, no distrito de Gorongosa, os 36 (trinta e seis) anos da sua existência, segundo apurou a Reportagem do Canal de Moçambique junto de Jeremias Pondeca, chefe de Departamento da Administração Interna e Poder Local da Renamo.
A Renamo, como movimento, segundo reza a história, foi criada a 05 de Janeiro de 1977, por André Matade Matsangaice.
De acordo com Jeremias Pondeca, chefe de Departamento da Administração Interna e Poder Local da Renamo, entidade encarregue da história daquele partido, consta que André Matsangaice antes da sua fuga teria recebido ordens de prisão vindas de Dias Esperança, então chefe Provincial de Material Militar das então FPLM, em Sofala.
De acordo com a fonte, a Renamo foi fundada, para além de André Matsangaice, por um grupo que integrava ainda Mateus Dhlakama, na altura pertencente à Força Aérea, Calisto Nhiwane e António Bonis Tembe, também conhecido por Cara Alegre, que mais tarde viria a ser usado pelo regime da Frelimo, como espião contra os seus colegas, culminando com a prisão de André Matsangaice durante 15 dias no quartel de BC 16 na cidade da Beira.
Na ocasião, Afonso Dhlakama, que também já era militar da Frelimo antes de aderir à Renamo, teria sido convidado pelo regime a seguir para a República
Socialista da Bulgária a fim de aprender técnicas de espionagem, tendo ele recusado o convite evocando razões óbvias.
De acordo com fonte do Canal de Moçambique que presenciou o facto, Afonso Dhlakama viria mesmo a ser detido na Beira, por ordens do então comissário político da FRELIMO em Sofala, Omar Juma, de seu nome de guerra, ou Tomé Eduardo, de seu nome verdadeiro. Na circunstância Afonso Dhlakama era chefe da manutenção militar das FPLM, numas instalações que antes haviam pertencido ao exército colonial, junto das oficinas da Auto-Industrial, ao lado da Carpintaria da Duguid & Ivo.
Em Dezembro de 1976, André Matsangaice foge da prisão e parte para exterior, concretamente para a Rodésia do Sul, actual Zimbabwe.
Na Rodésia, Matsangaice foi novamente preso e interrogado, para além de ter revelado os nomes dos seus colegas e solicitado apoio militar para combater o regime da Frelimo, então dirigido por Samora Machel.
Em resposta ao seu pedido, recebeu das autoridades militares do regime rodesiano de Ian Smith, uma pistola. Em 2 de Janeiro de 1977, André Matsangaice entra em Moçambique através da província de Manica, fazendo o primeiro ataque militar a um machimbombo.
Na sequência da operação e da perseguição empreendida pelas Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), André Matsangaice viria a ser novamente preso em Messica, distrito de Manica, província do mesmo nome.
No dia seguinte à sua prisão, na companhia de Sebastião Janota, evadiram-se dos calabouços.
Novamente entra na Rodésia do Sul, onde desta vez recebe duas armas do tipo AKM-47 e regressa a Moçambique. De regresso ao País, encontra-se com os seus companheiros Marcos Amaro Bárue e Manuel Muntumbela Lapson.
A 5 de Maio de 1977, André Matsangaice e seus companheiros chegam ao distrito de Gorongosa onde efectuam o seu outro ataque militar destruindo e queimando barracas e colocam em liberdade 400 presos no campo de reeducação de Sacuzi. Posto isto, seguiu ao campo de treino militar de Kase River no Zimbabwe, onde chegou com 200 homens dentre eles o falecido general Vareia e o general Olímpio Cardoso, actual vice-chefe do Estado-Maior das FADM, tendo os primeiros treinos militares começado com 22 homens divididos em dois grupos e durado 30 dias. Daí seguiu-se para Moçambique para o começo da guerra. Em Junho de 1977, o actual presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, junta-se ao grupo, depois de passar pelo distrito de Chibabava para se despedir dos seus próprios pais.
Mas antes de Gorongosa, Dhlakama na companhia de outras duas pessoas então elementos das FPLM, nomeadamente João Capa e Vida Manhungue, viajam da Beira à província de Manica, usando uma autorização de missão de serviço.
Em Manica, os três (03) hospedaram-se no Hotel Guida no período de 15 dias, estudando as formas de atravessarem a fronteira com o actual Zimbabwe, para além de terem aproveitado para fazerem amizades.
Estudados os mecanismos da fronteira, mandam voltar o motorista que os levava, e às 22 horas de 21 de Agosto partem os dois para a Rodésia. No dia 22 de Agosto entram na Rodésia, mas antes sofrem revistas sem consequências e inclusive oferecem-lhes pão com manteiga.
Da fronteira, foram transportados num helicóptero militar para Mutare onde ficaram presos por 15 dias.
Na cadeia de Mutare onde se alimentavam de pão e manteiga adoecem enquanto decorria o interrogatório a cerca das suas reais intenções.
Da cadeia foram levados ao Hotel Cissine onde foram se reencontrar com André Matsangaice que lá se encontrava.
No mês de Setembro de 1979 foi aberta a primeira base militar em território nacional, concretamente no distrito de Gorongosa, província de Sofala, por André Matsangaice. Por razões que se dizem estratégicas, a base foi reestruturada tendo Afonso Dhlakama ficado como vice-presidente do movimento.
Em 1977, os fundadores do movimento já tinham definido a RNM (Resistência Nacional Moçambicana) como seu nome e mais tarde em 1982 passaram a chamar-lhe Renamo (Resistência Nacional Moçambicana).
No decurso das suas incursões para divulgar as acções, a Renamo utilizou a estação radiofónica então denominada África Livre e que era radiodifundida a partir da Rodésia do Sul em várias línguas.
A 17 de Outubro de 1979, André Matsangaice morre em combate na então Vila Paiva de Andrade, hoje Gorongosa. Apesar do seu corpo não ter sido encontrado por alegadamente ter sido levado pelos combatentes da Frelimo, fontes da Renamo dizem que André Matade Matsangaice teria sido queimado e as cinzas enterradas onde actualmente se encontra instalada a antena dos Serviços de Meteorologia de Gorongosa para não permitir vestígios. Outra versão, indica para um sítio onde hoje está construída uma casa desde os Acordos de Paz.
Depois da morte de André Matsangaice, o movimento entrou em crise devido a deserções dos combatentes maioritariamente provenientes da província de Manica, prossegue Pondeca.
É então que o vice-chefe ou vice-presidente do MNR ou RNM, Afonso Marceta Macahco Dhlakama, assume o comando da guerrilha, conseguindo a reorganização das forças e a retomada das operações militares. João Fombe Djakata torna-se vice-presidente. Faleceu há dias em Marínguè.
Ainda no ano de 1979, as FPLM e seus aliados lançam um ataque de grande envergadura no Regulado de Santunjira, na zona de Mussancule, matando 50 guerrilheiros da Renamo e em contrapartida perdendo mil homens.
A segunda ofensiva viria a ocorrer em Agosto de 1980 e a terceira, com a duração de 15 dias de combate em Outubro de 1981 na província de Manica.
Em Agosto de 1985 o “exército da Frelimo”, como se chamava então as FAM-FPLM, numa outra grande ofensiva ataca a Casa Banana onde estava a base principal da Renamo. Antes da ofensiva, a Renamo teria interceptado as informações do plano de ataque, tendo por isso se retirado estrategicamente do local um mês antes.
Na sua retirada, a Renamo deixou na Casa Banana algum material bélico como, por exemplo, carros de assalto que teriam sido capturados às FPLM nas anteriores operações.
No rescaldo de todas as operações, Samora Machel, ciente de que a guerrilha se tornava cada vez mais forte no plano militar ensaia negociações a partir do Governo sul-africano então do apartheid.
Por outro lado, Samora Machel afasta do Comando Militar o falecido general Sebastião Marcos Mabote, na ocasião chefe do Estado Maior General das FPLM/
FAM, mandando-o à República de Cuba para estudar. Nunca mais viria a servir à instituição militar que dirigira. Em 1989 tropas estrangeiras aliadas às FPLM levam a cabo ofensivas contra as bases de Marínguè e Massala.
Em todo o seu percurso a Renamo teve apoios de cidadãos moçambicanos de origem portuguesa, como Orlando Cristina que em 1980 teria sido recrutado a trabalhar na Rádio África Livre e que mais tarde morreria assassinado na África do Sul, e Evo Fernandes, morto pelo SNASP em Portugal.
Também Boaventura Bomba entra na Renamo no ano de 1981 e veio a ser assassinado.
Países como Grã-Bretanha, de Margaret Tatcher, Alemanha, Estados Unidos da América, de Ronaldo Reagan, que apoiavam os partidos ou movimentos da direita ensaiaram um isolamento ao movimento Renamo.
Na sequência disso, em 1981, Jonas Malheiro Savimbi, líder da UNITA de Angola, detestava e tratava com desprezo o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Entre 1987 e 1988, o presidente do Zimbabwe, Robert Gabriel Mugabe, pede secretamente conversações com a Renamo, com o objecto de travar os ataques da guerrilha ao território zimbabweano.
Ainda em 1988 são levados a cabo os primeiros contactos entre o Governo da Frelimo e a Renamo em Berue Kiplirgote, no Quénia, com apoio do presidente Daniel Arap Moi.
No prosseguimento dos contactos que envolveram igualmente a Igreja Católica moçambicana, a Comunidade de Sant’Egidio de Roma, o Conselho Cristão de Moçambique (CCM) entre outras entidades, em 4 de Outubro de 1992, eram assinados os acordos gerais de Paz na capital italiana, entre o Governo e a Renamo, que já duram há 20 anos e que hoje são reivindicados pela Renamo como devendo ser objecto de revisão, exigência que o Governo diz ser “inconsistente porque está incorporado na Constituição da República” que está a ser objecto de revisão por uma comissão had-hoc parlamentar supradimensionalmente dominada pela Frelimo que ainda não trouxe ao público o que pretende rever.
Esta é a versão de Jeremias Pondeca.
Canal de Moçambique – 09.01.2013

QUE RESTA DAS FRONTEIRAS AFRICANAS?


QUE RESTA DAS FRONTEIRAS AFRICANAS?
(Publicado na edição portuguesa do Le monde diplomatique, dezembro 2012)


«Somos favoráveis a negociações e a que se encontre uma solução definitiva neste conflito entre o Mali e o Azawad», declarou em 16 de Novembro Bilal Ag Achérif, porta-voz dos rebeldes em Uagadugu (Burquina Faso), onde foi organizada uma mediação internacional. Por seu turno, as Nações Unidas discutem a possibilidade de uma intervenção militar. A divisão do Mali ilustra a fragilidade das fronteiras africanas, patente desde o fim da Guerra Fria.

Misteriosa, a explosão na fábrica de armamento de Yarmuk, perto de Cartum, em 23 de Outubro passado, continua a ser motivo de discórdia entre o Sudão, os países vizinhos e as organizações internacionais. Os edifícios destruídos, onde se fabricavam armas ligeiras, eram também armazém de outros equipamentos militares importados da China, segundo o centro de investigação suíço Small Arms Survey[[i]]. Na Organização das Nações Unidas (ONU), Cartum acusa Israel – sem adiantar provas – de os ter sabotado, ou mesmo de ter bombardeado as instalações, consideradas por Telavive como parte de um tráfico com destino à Faixa de Gaza e ao Irão.
Vasto país com quase dois milhões de quilómetros quadrados, o Sudão afronta a rebelião do Darfur no seu flanco oeste[[ii]]. Além disso, desde Julho de 2011, está amputado de uma parte dos seus territórios do Sul, que após décadas de guerra civil se tornaram independentes, com o nome de Sudão do Sul. Apesar de vários acordos a respeito do traçado das fronteiras e da divisão dos recursos, os dois Estados estão longe de ter alcançado a paz[[iii]].
O Sudão, atravessado por conflitos, ameaçado por movimentos centrífugos, não é um caso isolado no continente africano. Com efeito, embora as tensões no Sahel monopolizem a atenção diplomática e mediática, os acontecimentos que ali se desenrolam têm paralelo noutras regiões de África: aspirações autonómicas, insurreições armadas, incapacidade das autoridades para manter a ordem, tráficos transnacionais de armas e munições, ingerências estrangeiras, corrida aos recursos naturais, etc. Os Estados deliquescentes perderam o domínio das «zonas cinzentas», situadas à distância das capitais e com frequência autoadministradas de forma criminosa. Entre o Níger e a Nigéria estende-se agora uma faixa de trinta a quarenta quilómetros que se furta à supervisão de Niamei e de Abuja. As fronteiras, traçadas no tempo da colonização, deixaram por vezes de ter realidade, de tal modo são importantes os fluxos de migrantes, viajantes e comerciantes que as ignoram.


Um Estado de facto gerido por clãs
Com os seus cortejos de mortos, de refugiados e de intermináveis violências, a República Democrática do Congo (RDC) é emblemática destes fenómenos destruidores. Do mesmo modo, a Somália está em decomposição: uma parte do seu território, a Somalilândia, encontrou uma certa estabilidade sob a autoridade de uma elite local formada no Reino Unido, ao passo que a norte de Mogadíscio a Puntlândia é um Estado de facto, gerido por clãs que vivem parcialmente da pirataria. Na África Ocidental, embora a maior parte dos países esteja em paz, os focos de crise embrionária são numerosos e prenhes de potenciais desestabilizações: em Casamança, região do Senegal limítrofe da Gâmbia e da Guiné-Bissau, há com frequência explosões de violência autonómica (sequestros, atentados); no delta do Níger, bandos armados chantageiam as empresas e sabotam as instalações petrolíferas da Nigéria, com repercussões nos Camarões, no Togo e no Benim; nos países da União do Rio Mano (Costa do Marfim, Guiné, Libéria e Serra Leoa)[[iv]], os conflitos recentes deixaram marcas. A zona sara-saheliana é o terreno de acção de movimentos criminosos, de grupos islamitas radicais e de reivindicações tuaregues que criam uma efectiva divisão do Mali[[v]]. Só a parte austral do continente, dominada pela África do Sul, parece escapar a esta tendência deliquescente.
O princípio da intangibilidade das fronteiras, inscrito em 1963 na carta da Organização de Unidade Africana (OUA), parece estar bem desfalcado. Já em Maio de 1993 a independência da Eritreia, separada da Etiópia, o havia lacerado um pouco. Mas, pelo menos, o novo Estado inscrevia-se ainda nos limites desenhados no tempo da colonização, ou seja, num quadro com uma legitimidade internacional que vinha do passado. Mas que dizer da secessão do Sudão do Sul, imediatamente reconhecida pela «comunidade internacional», que havia preparado o seu advento? É certo que a autonomia desta zona fora prometida durante a independência, em 1956, no quadro de um Estado federal. Mas Cartum nunca respeitou o seu compromisso, desencadeando uma revolta armada que alimentou duas longas guerras civis[[vi]].
Estando a pressão sobre as fronteiras a aumentar, que responder aos independentistas do Sahel ou de Casamança? Num comunicado de 17 de Fevereiro de 2012, os chefes de Estado da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) afirmaram solenemente o seu apego à soberania do Mali, que perdeu o domínio da parte norte do seu território. Mas a maior parte destes países (Nigéria, Costa do Marfim[[vii]], etc.) está confrontada com crises latentes ou abertas que ultrapassam o seu território e desafiam a sua própria autoridade.
Instalaram-se verdadeiros «sistemas de conflitos», caracterizados pela difusão transnacional da instabilidade na África Ocidental, Oriental e Central. Como explica o politólogo Michel Luntumbue, estes focos de tensões estão quase todos «situados ao longo dos espaços fronteiriços, cujas dinâmicas intrínsecas constituem amiúde factores de difusão ou amplificação das crises»[[viii]].
Houve fenómenos semelhantes na Europa Central e Oriental (divisão checoslovaca, estilhaçamento da Jugoslávia), mas em África ocorrem no contexto específico de Estados enfraquecidos, ou mesmo em vias de desmoronamento, em particular devido à incapacidade de assegurarem o desenvolvimento. Os projectos nacionais progressistas das elites independentes desfizeram-se por força do autoritarismo e da corrupção. A tutela dos organismos financeiros internacionais junta-se à infantilização das autoridades.
No continente negro, a violência das desigualdades sociais exacerba os discursos identitários, encarados como os únicos modos de ascensão social; sendo reconhecido como membro de uma comunidade religiosa, cultural ou étnica com reivindicações específicas, o jovem adulto redescobre um sentimento de pertença e recorre por vezes a meios armados para fazer valer os seus direitos através dos do seu grupo, em detrimento dos do país no seu todo. Por outro lado, cada vez mais jovens denunciam a incúria dos mais velhos, que se agarram ao poder esquecendo com frequência o interesse geral. Patente, a ruptura do contrato social entre as gerações alimenta, segundo Michel Luntumbue, uma «cultura da intolerância» em sociedades onde os mecanismos da democracia ainda estão mal implantados. Os bandos armados no delta do Níger, por exemplo, são típicos de uma juventude desocupada e ávida de obter o seu quinhão do abundante maná petrolífero. A autonomização da vizinha península de Bakassi, nos Camarões, inscreve-se na contestação da legitimidade de um Estado incapaz de proceder a algo que se aparente a uma redistribuição dos recursos.
Estes conflitos, que têm causas locais, são muitas vezes alimentados ou desencadeados por acontecimentos externos. A intervenção ocidental na Líbia, na Primavera de 2011, contribuiu para a disseminação de armas de guerra oriundas do arsenal do coronel Muammar Kadhafi, mas também dos lançamentos em paraquedas de armamento franco-britânico. Essas armas espalharam-se numa zona onde já se estendia o jihadismo islâmico, ao mesmo tempo que as tensões entre as capitais (Bamaco e Niamei) e a revolta tuaregue chegavam ao rubro sob o sopro da corrupção e da arbitrariedade. É sabido, por outro lado, que as multinacionais instrumentalizam, ou chegam mesmo a orquestrar, os conflitos locais para se apoderarem das riquezas mineiras[[ix]].
O continente africano encerra-se assim num círculo vicioso: ao verem-se amiúde obrigados a apelar à ajuda externa para resolver as crises que os ameaçam, os Estados validam deste modo a acusação inicial de incompetência e ilegitimidade. Além disso, alguns observadores mostram-se preocupados com os efeitos perversos da intervenção das associações humanitárias, considerando o politólogo camaronês Achille Mbembe que estas contribuem para baralhar as referências da soberania estatal, tornando-se as zonas protegidas «extraterritoriais de facto»[[x]].
Para além dos diferendos territoriais entre Estados, assiste-se desde a década de 1990 à multiplicação de conflitos internos de carácter político-étnico cujas implicações podem ultrapassar o quadro de um país (Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim, Mali…). O fim do afrontamento entre os dois blocos da Guerra Fria pôde soltar antigas reivindicações, ao mesmo tempo que a globalização económica e financeira redistribuiu uma parte das cartas geopolíticas. A desestabilização dos Estados é alimentada por uma criminalidade transfronteiriça que inclui o tráfico de armas, de drogas ou de seres humanos. A Guiné-Bissau, que já se habituou aos golpes de Estado, tornou-se o ponto de entrada da cocaína da América do Sul e da heroína afegã, que dali são reexpedidas para a Europa e para os Estados Unidos. Mas na região ocorre também o tráfico de migrantes destinados à agricultura e à pesca (Burquina Faso, Gana, Benim, Guiné-Conacri, etc.). Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), duzentas mil crianças são vítimas desse tráfico na África Ocidental e na RDC[[xi]].


Crise de identidade
Os múltiplos grupos que contestam ao Estado o monopólio da violência legítima estabelecem alianças de circunstância e ignoram fronteiras que se tornaram fluidas. No Norte do Mali, a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), o Ançar Dine, o Movimento para a Unicidade e a Jihad na África Ocidental (MUJAO) e os grupos nómadas tuaregues, cujas reivindicações são antigas, associaram-se para lutar contra a autoridade de Bamaco. Mas ligaram-se também a traficantes com os quais transaccionam dinheiro e serviços. Estas alianças podem dissolver-se tão depressa como se estabelecem.
Os limites territoriais diluem-se em proveito de zonas fronteiriças, de «países fronteiras» onde as regulações se fazem por baixo, ou seja, pelo jogo dos próprios actores. Os Estados têm por vezes tentado responder aos riscos de decomposição através de reformas institucionais, tais como a descentralização no Mali ou a instauração de uma federação na Nigéria. Mas as tendências mais fortes continuam em acção. O antigo presidente do Mali, Alpha Oumar Konaré, considera que estes fenómenos são a chave do período actual: é através deles «que se lê a paz, ou seja, a democracia, ou seja, o desenvolvimento», porque não há «paz com fronteiras contestadas, não assumidas, onde o medo do vizinho é a única coisa comummente partilhada»[[xii]].
O historiador costa-marfinense Pierre Kipré considera que a África está a atravessar uma «crise de identidade» cujas raízes se estendem à história em sentido extenso. Se é verdade que as fronteiras foram artificialmente traçadas pelas potências coloniais na Conferência de Berlim de 1884-1885, desprezando as realidades sociais e humanas, Kipré sublinha a carência demonstrada pelas próprias sociedades africanas. Segundo ele, as tensões foram criadas «por não se ter visto as comunidades políticas africanas fundar o espaço e as redes de relações sociais como íntimas componentes do poder»[[xiii]]. A luta contra a colonização efectuou-se no quadro dos Estados traçados pelos europeus, validando as divisões instauradas no fim do século XIX. Do mesmo modo, os Estados independentes, ocupados a estabelecer a sua nascente autoridade, não hesitaram em fazer guerra uns aos outros. Além disso, os regimes de partido único, por vezes resultantes de lutas armadas, recorreram a meios autoritários para pretender sublimar as aspirações divergentes das populações, com vista a assegurar o desenvolvimento da «nação».
O traçado de fronteiras rígidas não é uma tradição africana; esta dá mais valor ao encontro, à partilha, à troca. Konaré evoca «conflitos moventes» que agem como «pontos de sutura» ou de «soldadura». A «parentela» e os gracejos que a acompanham são uma tradição que apesar de tudo perdura. As independências foram alcançadas na década de 1960, quando as populações ainda não haviam incorporado os espaços políticos criados pela Conferência de Berlim apenas oitenta anos antes.
Dever-se-á então imaginar um «contra-congresso de Berlim»? Em 1994, o escritor nigeriano Wole Soyinka declarou o seguinte: «Deveríamos sentar-nos a uma mesa e, munidos de esquadro e compasso, redesenhar as fronteiras das nações africanas»[[xiv]]. Mais recentemente, Nicolas Sarkozy, a poucas semanas de uma viagem à RDC, em 2009, sugeriu a propósito deste país: «Será preciso que um dia haja um diálogo que não seja simplesmente um diálogo conjuntural, mas sim um diálogo estrutural: como é que nesta região do mundo se partilha o espaço, se partilham as riquezas e se aceita compreender que a geografia tem as suas leis, que os países mudam raramente de endereço e que é preciso aprender a viver uns ao lado dos outros?»[[xv]]… Estas declarações suscitaram inquietações na região dos Grandes Lagos, onde se receou a tentativa de um novo recorte «à moda antiga». Mas para além do estilo eruptivo do anterior presidente francês, a ideia obceca muitos intelectuais e governantes africanos. «No decurso do próximo século», escreve o politólogo queniano Ali Mazrui, «a configuração da maior parte dos actuais Estados africanos irá mudar. Das duas, uma: ou a autodeterminação étnica levará à criação de Estados mais pequenos, como no caso da separação da Eritreia e da Etiópia, ou a integração regional levará a uniões políticas e económicas mais vastas»[[xvi]].
No que se assemelha a uma corrida contra-relógio, os dirigentes africanos parecem ter tomado o partido da segunda hipótese. As fronteiras serão defendidas, mas as instituições regionais instaurarão um quadro pacífico. Em 2002, a OUA transformou-se em União Africana. Mais estruturada, tem um órgão executivo permanente e um Conselho de Paz e Segurança. Previu uma escala de sanções cujas sentenças já atingiram o Níger, a Costa do Marfim e o Mali: suspensão da participação na organização, embargos, congelamento dos haveres financeiros, etc. Por outro lado, tomou várias iniciativas, tais como o plano de acção sobre a luta contra a droga e a prevenção da criminalidade. Quanto à CEDEAO, esta reforçou a cooperação dos seus quinze Estados-membros em sectores selecionados: estupefacientes, armas, tráfico de migrantes[[xvii]]. É esta organização regional que deverá dirigir a próxima operação militar no Norte do Mali, se o Conselho de Segurança das Nações Unidas a autorizar.
Sair das «estratégias reactivas» é um imperativo, segundo o economista Mamadou Lamine Diallo[[xviii]]; será também necessário abandonar as visões puramente securitárias, que podem limitar-se a alcançar uma parte do objectivo. Trata-se de reencontrar formas de legitimidade do poder que correspondam à realidade das sociedades africanas, porque os Estados também se desmoronam por não estarem devidamente implantados na população.
«Querer agir em vez dos africanos, quando se trata de os acompanhar», insiste Alpha Oumar Konaré,«é correr o risco de sair de uma lógica de couto privado, ou, digamos, de um couto que já não pode continuar a ser individualmente privado, avançando para uma lógica não menos condenável e condenada: a de um couto partilhado em proveito de monopólios estrangeiros, para os quais certos países africanos são bons para desenvolver, para industrializar, e outros se vêem condenados ao papel de meros mercados, de fornecedores de matérias-primas»[[xix]]. O reforço das instâncias de regulação regional será sem dúvida o melhor meio de se chegar a uma afirmação continental. Esse reforço deverá assentar nas «comunidades de base», as quais, mobilizando os recursos culturais e a riqueza das práticas sociais, demonstram todos os dias a sua capacidade para resolver as tensões em muitas zonas-tampão de África.  



[[i]] Small Arms Survey, comunicado, Genebra, 25 de Outubro de 2012.
[[ii]] A ferocidade da repressão que o Sudão aí exerce determinou o Tribunal Penal Internacional (TPI) a emitir um mandado de prisão contra o seu presidente, Omar Al-Bachir.
[[iii]] Ler Jean-Baptiste Gallopin, «Amer divorce des deux Soudans», Le Monde diplomatique, Junho de 2012.
[[iv]] Criada em 1973, a União do Rio Mano tem como objectivo favorecer as transacções comerciais.
[[v]] Ler Jacques Delcroze, «Colapso do sonho democrático no Mali», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Setembro de 2012. 
[[vi]] De 1955 a 1972, e de 1983 a 2005.
[[vii]] Ler Fanny Pigeaud, «Guerra do cacau na Costa do Marfim», Le Monde diplomatique – edição portuguesa, Setembro de 2012.
[[viii]] Michel Lutumbue, «Groupes armés, conflits et gouvernance en Afrique de l’Ouest: une grille de lecture», nota de análise do Grupo de Investigação e Informação sobre Paz e Segurança (GRIP), Bruxelas, 27 de Janeiro de 2012.
[[ix]] Cf. Colette Braeckman, Les Nouveaux Prédateurs. Politique des puissances en Afrique centrale, Fayard, Paris, 2003.
[[x]] Achille Mbembe, «Vers une nouvelle géopolitique africaine», Manière de voir, n.º 51, «Afriques en renaissance», Maio-Junho de 2000.
[[xi]] Cf. «O tráfico de crianças na África Ocidental», centro de investigação Innocenti da UNICEF e gabinete regional da UNICEF para a África Ocidental e Central, Florença (Itália), Abril de 2002.
[[xii]] Alpha Oumar Konaré, alocução de abertura, «As fronteiras em África do século XII ao século XX», Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Paris, 2005.
[[xiii]] Pierre Kipré, «Fronteiras africanas e integração regional: acerca da crise de identidade nacional na África Ocidental no fim do século XX», em «Fronteiras em África…», op. cit.
[[xiv]] Wole Soyinka, «Blood Soaked Quilt of Africa», The Guardian, Londres, 17 de Maio de 1994.
[[xv]] Nicolas Sarkozy, votos endereçados aos embaixadores, 16 de Janeiro de 2009.
[[xvi]] Ali Mazrui, «The Bondage of Boundaries», em «The Future Surveyed: 150 Economist Years», número especial do semanário The Economist, Londres, 11 de Setembro de 1993.
[[xvii]] Cf. «Modernisation of Administration Department and Updating of Administrative Procedures Manual for Ecowas», www.ecowas.int.
[[xviii]] Mamadou Lamine Diallo, «L’Afrique dans la nouvelle géopolitique mondiale: atouts et faiblesses», Fondation Gabriel-Péri, Pantin, 24 de Janeiro de 2008.
[[xix]] «As fronteiras em África…», op. cit.



13 janeiro 2013


ANGOLA: POLÍCIA DISPERSA VETERANOS QUE EXIGEM AS SUAS PENSÕES

Por Manuel José


LUANDA — Poderoso aparato policial enviado para impedir protesto de veteranos que dizem que vão continuar a manifestar-se.

As forças da ordem pública reprimiram hoje a manifestação dos veteranos de guerra que exigiam da Caixa de Segurança Social as suas pensões de reforma.
Cerca de 150 ex-militares das Forças Armadas de Angola foram forçados a abandonar as imediações das instalações da Caixa Social, pela polícia militar, polícia de intervenção rápida, brigada canina e da cavalaria.
Mas os manifestantes dizem que vão prosseguir com as suas acções até serem pagos.
Luciana Lemos disse que a presença de tanta força policial " é um sinal de que eles estão envergonhados”.
“Ao invés de mandarem polícias para nos correrem com cães, deviam dar o nosso dinheiro,” disse.
A policia tentou impedir a reportagem da VOA de falar com um outro manifestante Fernando Kiala que disse que a acção policial se deveu ao facto de “falar a realidade porque dói”.
“Eles já esqueceram o que os militares deram por este país, uns tombaram outros estão aí a mendigar no largo Primeiro de Maio,” disse.
O presidente da república na qualidade de comandante em chefe das FAAs não escapou das críticas dos veteranos de guerra.
“O camarada presidente da república disse e prometeu que será presidente de todos angolanos, como é que agora faz isso? Ele passa nos carros com vidros fumados para ano ver a realidade,” disse Kiala.

A antiga combatente Luciana Lemos chamou a atenção para a situação de muitos de seus colegas.
“Temos colegas aí que estão a passar mal, só dependem mesmo do dinheiro da Caixa Social, já não fazem mais nada, só Deus sabe. Está mal, muito mal,” disse
E os ex militares alertam que enquanto o dinheiro das pensões não cair nas suas contas as manifestações vão prosseguir.
“Se as coisas continuarem assim, as manifestações na Caixa Social vão continuar até às 'ultimas consequências porque nós não vamos parar,” disse Manu
Tentativa para ouvirmos algum responsável da Caixa de Segurança Social resultaram em fracasso. A reportagem da VOA foi expulsa do local.

Luanda- 08.01.2013


04 dezembro 2012

MEMÓRIAS - “DE TODOS SE FAZ UM PAÍS”: A RECONSTRUÇÃO DE UMA ERA SEGUNDO ÓSCAR MONTEIRO


MEMÓRIAS - “DE TODOS SE FAZ UM PAÍS”: A RECONSTRUÇÃO DE UMA ERA SEGUNDO ÓSCAR MONTEIRO


A HISTÓRIA de um país é escrita por todos os seus sujeitos, contribuintes conscientes ou inconscientes do rumo que o seu tempo toma. Esta premissa não se cinge apenas à ciência que testemunha as acções do homem na sua passagem pela Terra, por poder aplicar-se a tudo quanto tenha a ver com os demais aspectos da construção da nação.

O veterano da luta de libertação nacional Óscar Monteiro, que, tal como começa a acontecer com muitos militantes do movimento que conduziu a luta pela afirmação de Moçambique como nação, apresenta o seu testemunho sobre o processo que levou à definição e construção do nosso país.
O testemunho de Óscar Monteiro é feito precisamente através do livro “De Todos se Faz um País”, que será lançado amanhã em Maputo pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO). Nesta obra, que consiste essencialmente em memórias do autor sobre uma era peculiar na busca da liberdade e de um rumo para o país, Monteiro aborda ainda a sua colaboração – e a da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), movimento em que militou activamente – na busca da liberdade também para outros países, como África do Sul e a Namíbia.
De origem goesa – a Índia portuguesa, como era chamada Goa em tempos de Portugal imperial -, José Óscar Monteiro é filho de um emigrante que se veio fixar à actual cidade de Maputo, onde nasceu o autor do livro a que nos referimos em 1941. Os contornos do colonialismo levaram-no à uma consciência nacionalista activa, que nos primeiros anos da sua juventude já era marca em muitos homens e mulheres da sua geração.
Óscar Monteiro, membro activo da Frelimo mesmo depois da independência nacional, vincou a sua trajectória nacionalista principalmente a partir dos seus tempos de estudante de Direito em Coimbra, Portugal. Com a consciência contestatária que naquela universidade portuguesa se construía na camada estudantil, adicionada às vivências e à realidade no seu país, este militante da Frelimo, jurista e professor de Direito, foi trocando impressões com outros jovens com quem partilhava ideais ou tinham as suas pátrias a viverem as anomalias ditadas pelo sistema colonial.
Pelo papel activo e consciente em acções anti-coloniais, Óscar Monteiro deixou Portugal e seguiu para outras paragens, tendo inclusive se tornado em representante da FRELIMO na Argélia, país que se destacou na preparação de guerrilheiros que viriam a desencadear a luta armada no terreno. No quadro das suas acções, recebeu naquele país do norte de África vários compatriotas e cidadãos de outros países que tinham também a necessidade de independência. Com o desenrolar da guerra e, ante os sinais já evidentes de que militarmente os portugueses não a ganhariam, teve papel de destaque nas negociações públicas e secretas com as autoridades de Lisboa no âmbito dos Acordos de Lusaka, tendo depois integrado o leque de quadros da FRELIMO no governo de transição que seria constituído no âmbito desse entendimento de 1974 e que duraria até Junho de 1975, quando foi proclamada a independência nacional.
Estes e outros dados testemunhados numa visão que tem o condão de contribuir grandemente para a historiografia nacional são agora partilhados em “De Todos se Faz um País”, livro que será lançado amanhã no Centro de Conferências da empresa Telecomunicações de Moçambique (TDM).

O FUTURO DA MEMÓRIA OU O DEBATE DO FUTURO ATRAVÉS DA MEMÓRIA

A publicação deste depoimento, parte do aglomerado que construiu – e constrói – o nosso país, inaugura a Coleção Memórias (editada pela Associação de Escritores Moçambicanos - AEMO), que, espera-se, seja um espaço no qual o registo histórico desempenha um papel de excitador do debate e da discussão que traz a luz.
E melhor do que arrancar com Óscar Monteiro não poderia haver: Este saboroso texto que inicia na história, passa pela literatura e pela política e desemboca na biografia, denuncia um autor que se consegue mostrar mais alto, maior, alheio à tentação de exaltação do Eu e capaz de contornar a corrupção que a pena exerce sobre quem publica.
Comemorar os 30 anos da AEMO arrancando uma nova coleção e com uma obra a este nível, é uma forma de abrir a janela na qual se mantêm presentes as oportunidades de renovação de mentalidades, ideias, mensagens e pessoas, que não têm, infelizmente, sido aproveitadas pelos cidadãos em serviço por estes dias.
Neste livro, o escriba apropriou-se de protocolos com que alimentamos a ficção e tratou a realidade, através da melhor e mais poderosa arma que o homem sempre teve: A palavra.  E para fechar esse estilo já de per si inédito, contou a sua história através dos outros. É essa virtude que, somando o pouco de cada um que integra o Todos, permite a Óscar Monteiro rasgar ao meio o deserto do mundo.
Oxalá a Coleção Memórias acomode o amor entre Deus e o Diabo e não se afirme exclusivamente como um momento narcisista, corrido, hermético, despido do que nos move como autores: A criação e a recriação da vida.  

Jorge de Oliveira - Secretário-geral da AEMO

Maputo, Quarta-Feira, 5 de Dezembro de 2012:: Notícias