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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

30 janeiro 2013

A FANTASIA IMPERIAL NUMA HISTÓRIA EM IMAGENS


A FANTASIA IMPERIAL NUMA HISTÓRIA EM IMAGENS


Um Império de Papel, ensaio de cultura visual, é uma (quase) história ilustrada do colonialismo português em África. Mostra como estas imagens ajudaram a difundir uma “ideia de império”.
As representações do Império português em África sobreviveram em imagens dispersas em bibliotecas, arquivos, espólios de coleccionadores ou de cidadãos comuns que tiveram uma relação mais ou menos próxima com as colónias. Apesar da sua abundância, até agora, a leitura desta cultura material do império carecia de “recenseamento sistemático”. Muitas estão agora reunidas em Um Império de Papel – Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940), da investigadora Leonor Pires Martins (Edições 70).
É uma (quase) história ilustrada do colonialismo português em África, baseada em imagens da imprensa periódica portuguesa. Quase: porque ainda há muitos arquivos por abrir. Um investigador faz sempre escolhas e segue critérios. Leonor Pires Martins disse no lançamento do livro que “aofim desses três anos [de investigação], me deparei com perto de 900 imagens”, uma recolha, explica, “o mais inclusiva” possível.
O livro cobre o período de 1875 a 1940. Há todo um levantamento de 1940 a 1974 que ficará para um projecto futuro. Aqui sobrevive um ensaio de cultura visual que mostra como “as imagens ajudaram a divulgar as paisagens e as populações ‘ultramarinas’ do império, estranhas à maioria dos portugueses”, explicando “de que forma essa iconografia contribuiu para a difusão de uma ideia de império”.
O objectivo foi “atribuir sentidos a essa iconografia, lê-la e interpretá-la à luz das circunstâncias políticas e sociais, do imaginário ideológico, das motivações pessoais, dos factores de ordem material e tecnológica que enquadraram e possibilitaram a sua produção e disseminação”. O império, cada vez mais distante, “reveste-se, assim, de uma materialidade que perpetua a sua memória e, quase sem darmos conta, continua a alimentar narrativas, fantasias e tensões”.
Estas narrativas e tensões têm sido estudados no Centro de Estudos Comparatistas (CEC) da Faculdade de Letras de Lisboa, sob coordenação de Manuela Ribeiro Sanches. O projecto Deslocalizar a Europa – Perspectivas pós-coloniais na antropologia, arte, literatura e história faz agora dez anos e resultou num conjunto de livros, colóquios, exposições em colaboração com o Africa.Cont, entre outros, culminando agora em Império de Papel.

Comunidade imaginada
Dividido em cinco capítulos que correspondem à história do país a partir do final do século XIX, o livro recorre a periódicos ilustrados (O OccidenteO Século)para mostrar como era feita a recepção de imagens do império pelos portugueses. “A iconografia da temática colonial teve, assim, um papel decisivo para a familiarização dos portugueses com as paisagens e as populações dos domínios ultramarinos”, contribuindo para a “disseminação da ideia de que aqueles eram partes integrantes do território nacional”. Esta “comunidade imaginada” era construída na metrópole, à distância.
A “corrida à África” de vários impérios europeus, a partir 1870, culminou na Conferência de Berlim de 1885 e na perda de uma série de territórios ultramarinos “conquistados” pelos portugueses. Este “novo fulgor africanista” levou à organização, pela Sociedade de Geografia de Lisboa, de expedições de exploração ao interior do continente africano, como as de Serpa Pinto, e de Capelo e Ivens. Estas viagens resultaram num manancial de imagens, fotografias, mapas, artefactos recolhidos nas colónias, trazidos pelos exploradores recebidos com glória no regresso a Lisboa.
Este livro mostra-nos cenas curiosas: como a da caça ao crocodilo de Serpa Pinto, ilustração a partir de uma fotografia. No original Serpa Pinto está sentado numa pose tranquila. A ilustração da revista mostra o explorador “com uma postura bastante mais assertiva: de cócoras, ligeiramente adiantado em relação aos dois africanos”. É a imagem “do explorador firme e determinado, de todo ausente na fotografia”, explica a autora. Esta recriação ou manipulação da realidade era comum: visava “satisfazer ideias sobre uma África imaginada e ir ao encontro das expectativas dos leitores”. Uma natureza densa e indomável; “indígenas” trabalhadores e ordeiros; mulheres desnudadas veiculam ideias de uma África erotizada, fascinante e temível, que tinha de ser domada através do progresso civilizacional.
Uma série de cartoons de Rafael Bordalo Pinheiro invade a imprensa, na altura do Ultimato Britânico (1890), reproduzindo o icónico Zé Povinho (ou políticos como Andrade Corvo, Luciano Cordeiro) humilhados perante os interesses dos poderosos britânicos, franceses e alemães, que, após a questão do Mapa Cor-de-Rosa se apoderam de territórios portugueses em África.
No rescaldo da humilhação, Portugal entra num “novo fôlego imperialista” que resulta em ocupações militares violentas lideradas por Mouzinho de Albuquerque. Nesta altura dá-se a captura de Ngungunhane, “poderoso e temível soberano que se viu acossado pelo temerário militar português”, em Moçambique. A expedição de Mouzinho teve “um grande impacte na metrópole, certamente também por via de todo o voyeurismo e curiosidade popular que rodeou a chegada dos prisioneiros africanos a Lisboa, exibidos na rua como troféus”, escreve a autora.

Ocupação imagética
A “ocupação imagética” das colónias “mascarava as fragilidades de um controlo territorial ainda débil e desigual”. Assim, este “império de papel” é-o, de facto, no papel de jornal, mas também na sua vulnerabilidade.
A “África branca” surge no século XX, já no Estado Novo, com o incentivo de povoamento. Imagens de pastores, de rebanhos, típicos da ruralidade interior de Portugal mostravam as terras de África “como uma extensão do Portugal rural”. O papel do império junto da população muda. Surgem várias publicações sobre temas coloniais que veiculam a cultura imperial às populações. Estas não podem ser dissociadas “de uma motivação ideológica que visava a criação de laços entre a população metropolitana e os territórios ultramarinos”.
Nos anos 30 repetem-se as feiras e exposições coloniais, em Portugal e nas colónias, mostrando a variedade e a riqueza dos tipos etnográficos, culturais, de fauna e flora do império. Em Lisboa, as comemorações da Exposição do Mundo Português (1940) são “demonstrativas da pujança” do regime e serviram para “catapultar interna e externamente a dimensão imperial de Portugal”. Pires Martins sublinha como a exposição assinala também “o fim de um ciclo político”. Desfasada no tempo, quando a guerra alastrava na Europa, este foi “um projecto extemporâneo”. O fim da guerra “acabaria por conduzir ao desgaste dos princípios ideológicos que alicerçavam os regimes coloniais ocidentais”.
Este livro é um “abrir dos cofres” dentro de uma perspectiva histórica. “Disponibilizar num único volume uma grande quantidade de imagens sobre o império português pode produzir um efeito semelhante àquele que exerceram as exposições coloniais no país”, explica Leonor Pires Martins. Isto é, “dar da realidade uma ficção” ou “produzir novas ficções”. Mas Manuela Ribeiro Sanches acrescenta: “A maneira como narramos a nossa história ainda é uma narrativa muito imperial. Como é que se conta esta história? É fácil utilizar o arquivo e, sem querer, reproduzir a nostalgia. Mas também não podemos instrumentalizar demasiado as coisas. É preciso conseguir um espaço de negociação por parte daqueles que vão ver estas imagens, à luz de hoje.”
Trabalho sobre “Um Império de Papel”, da investigadora Leonor Pires Martins, do Centro de Estudos Comparatistas, da Universidade de Lisboa (edições 70)
Artigo originalmente publicado no jornal  Público, 28 de Dezembro 2012 e pode ser lido no blog da autora 

28 janeiro 2013

CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO: BERÇO DE LÍDERES AFRICANOS EM LISBOA



CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO: BERÇO DE LÍDERES AFRICANOS EM LISBOA

Criada durante a ditadura salazarista, a Casa dos Estudantes do Império devia apoiar e controlar estudantes das colónias. Não conseguiu o controlo e a Casa teve um papel fundamental para as lutas de independência.
Quem passa hoje pela Avenida Duque D’Ávila, nº 23, na esquina com a Rua Dona Estefânia, na zona das Avenidas Novas no coração moderno de Lisboa, não se apercebe à primeira vista que aqui se situou a Casa dos Estudantes do Império (CEI). O edifício foi totalmente renovado e pintado de amarelo – e quase ninguém conhece a função que o prédio teve entre 1944 e 1965.
Alguns transeuntes interrogados pela reportagem da DW África não sabiam que ali funcionou a Casa dos Estudantes do Império. Só quando atraídas a ler os dizeres na placa colocada no pavimento se aperceberam da história especial do edifício.

 Casa dos estudantes do império, 1959
 Associação de jovens dos territórios ultramarinos de Portugal
A Casa dos Estudantes do Império foi uma associação de jovens dos territórios ultramarinos a estudar na metrópole. Após o início não oficializado em 1943, foi oficialmente fundada em 1944, por proposta do então ministro das Colónias, Vieira Machado.
Mas a Casa não existiu apenas em Lisboa, afirma o historiador Álvaro Mateus: “A Casa tinha uma sede em Lisboa e duas delegações em Coimbra. Em Lisboa tinha, digamos, um posto médico, a cantina e tinha um lar de estudantes que até aumentou – nos últimos anos já tinha pelo menos duas dezenas de estudantes”, explica.

Grupos subversivos
Como precisa Inocência Mata, professora universitária, estudiosa das literaturas africanas de língua portuguesa, tratava-se de um espaço aberto a todos os estudantes, do Minho a Timor. “Qualquer estudante podia ser da Casa”, recorda-se. “Realmente a Casa não era um lugar fechado nesse sentido. Ora, dentro da Casa constituíram grupos bastante subversivos. Nem todos os estudantes pertenciam a esse grupo. Havia portugueses também, não eram só africanos”.
Na primeira fase a partir da fundação em 1944, os jovens negros que se aproximaram da Casa dos Estudantes do Império para discutir a africanidade foram corridos, como explica o médico são-tomense Tomás Medeiros. Lembra quem, no início, mais frequentava a Casa: “Essencialmente estudantes brancos, vindos de Moçambique, que eram a maioria, vindos de Angola, também em maioria, poucos cabo-verdianos que se isolavam, guineenses em número residual, são-tomenses que viviam na Casa da tia Andreza”, conta Medeiros.

O Estado Novo de Portugal 
Segundo Medeiros, defendiam-se na Casa os ideais coloniais dentro da ideologia do Estado Novo português, que foi fundado por António de Oliveira Salazar em 1933 e derrubado pela revolução do 25 de Abril de 1974. A Mocidade Portuguesa, a organização juvenil do Estado Novo, teve um papel especial, diz o médico são-tomense Tomás Medeiros: “A Casa era correia de transmissão da Mocidade Portuguesa junto da juventude africana, de tal forma que ela fornece um presidente da Câmara, Canto e Castro, e fornece também o Governador Geral de Angola”.

Estrutura crítica a Salazar e ao colonialismo
O regime do Estado Novo criou a Casa dos Estudantes do Império com o objetivo de fortalecer a mentalidade imperial e o sentimento da portugalidade entre os estudantes das colónias. No entanto, desde cedo, a Casa despertou neles uma consciência crítica sobre a ditadura e o sistema colonial, mas também a vontade de descobrir e valorizar as culturas dos povos colonizados. Assim, pouco a pouco, a orientação ideológica dos estudantes da Casa mudou de uma posição a favor do Estado Novo à luta contra o governo fascista português.
Terá contribuído para isso o surgimento do Centro de Estudos Africanos, de acordo com Inocência Mata: “O Centro de Estudos Africanos era uma estrutura que nasceu dos contatos dentro da Casa dos Estudantes do Império, mas funcionava na casa de uma das tias, na altura colega Alda Espírito Santo, na rua Actor Vale, onde vivia a tia Andreza. Desse Centro de Estudos Africanos obviamente que nem todos fizeram parte porque era uma estrutura fechada precisamente por causa da PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado]”, explica.



 A CEI foi completamente reformada. Apenas a placa de pedra lembra os tempos de Casa de Estudantes vindos das ex-colónias africanas


Berço do nacionalismo das ex-colónias
A Casa viria a ser assim o berço em Portugal do nacionalismo das ex-colónias. Por ela passaram muitas figuras da resistência. Entre outros, muitos dos nomes já conhecidos viriam a assumir importantes responsabilidades na luta anticolonial e de libertação dos antigos territórios em África, como Amílcar Cabral, o mais conhecido defensor da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, e representantes conhecidos do MPLA (hoje partido no poder em Angola), como o ex-secretário geral do partido, Lúcio Lara, e o primeiro presidente do país, Agostinho Neto. De Moçambique, passou pela CEI Marcelino dos Santos, membro fundador da FRELIMO (partido no poder) e primeiro ministro da Planificação e Desenvolvimento do país.


De Amílcar Cabral a Agostinho Neto
A fuga era um sinal de contestação: “Era um período conturbado e interessante porque era um período em que nós queríamos aprender e fazer coisas. E encontrámos um ambiente bom em Portugal, que era o ambiente aceso da luta contra o fascismo”, lembra o médico são-tomense Tomás Medeiros.
O historiador Álvaro Mateus, que foi membro do Conselho Fiscal da Casa dos Estudantes do Império entre 1960 e 1961, lembra-se de um artigo na revista Mensagem, o boletim mensal da Casa: “Por exemplo, Amílcar Cabral, no nº 11 da revista Mensagem de 1949, ele (sic) publica um artigo com o pseudónimo de Arlindo António, que tem por título Hoje e Amanhã, em que diz o seguinte: ‘Do caos surgirá um mundo novo e melhor, o que dignificará o homem preto ou branco, vermelho ou amarelo’”, lembra Mateus.
Segundo o historiador, “Agostinho Neto, em 1949, é secretário da direção da delegação de Coimbra da Casa dos Estudantes do Império. O Marcelino dos Santos, de Moçambique, é em 1950 e 1951, secretário da seção de Moçambique e delegado à direção geral da CEI. Lúcio Lara, em 1952, é presidente da delegação de Coimbra da Casa. Está a ver, quer dizer gerações inteiras que [por lá] passam”.


Formação de líderesda luta pela descolonização
Para Adelino Torres, professor catedrático na Universidade Técnica e Lusófona de Lisboa, que passou pouco tempo pela Casa, a formação de líderes da luta pela independência dos países de língua portuguesa foi um processo inevitável, “porque mais cedo ou mais tarde isso tinha que acontecer. Foi uma das poucas coisas que o Estado Novo, com outra intenção, fez”, constata Torres.
“Deu resultado negativo para o Estado Novo porque agregou, mas ao mesmo tempo foi vantajoso para todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Porque os futuros líderes encontraram-se primeiramente e em segundo lugar porque houve ali um movimento de mobilização e de estímulo recíproco que foi muito importante e que marcou”, avalia.

Influência comunista e instrumentos para as independências
Ao perceber que havia estudantes simultaneamente a fazer política de oposição, o governo de Portugal deixa de homologar as direções da Casa. Durante oito anos, a partir de 1953, a Casa funcionou com comissões administrativas.
Em 1960, a CEI tinha no total 600 sócios. Mas, no ano seguinte, fogem cem estudantes africanos da Casa para reforçar as direções dos movimentos de libertação das colónias africanas.

Aprender com o Partido Comunista Português – PCP
“Naquela altura, costuma-se dizer, ou estás comigo ou estás contra. Ou estava-se com o regime ou estava-se com o Partido Comunista”, continua Medeiros. “Mesmo não estando no Partido Comunista, a influência era grande e aprendemos muita coisa com os comunistas. Os livros que devíamos ler, a maneira de organização, a estrutura do partido, tudo isso aprendemos com o PCP não sendo militantes”.
O edifício da Casa dos Estudantes do Império foi restaurado e preservado por fora, mas hoje já não é igual o seu interior, abrigando atualmente serviços e áreas residenciais.
Ainda de acordo com Medeiros, a Casa muniu os quadros africanos das colónias de instrumentos essenciais para a condução dos processos que culminaram com as independências nos anos 70. “Começámos a interessar-nos por tudo que se passasse pelo mundo negro, que não conhecíamos, das Américas Latina e do Norte. Isso fez com que criássemos uma mentalidade muito própria”, explica.
“Éramos todos amigos, éramos todos pessoas interessadas em querer encontrar uma solução para o nosso futuro. Somos africanos, mas somos dominados, como sair desta situação? E [com isso], tornámos pessoas disponíveis para um processo que conduzisse à fase da afirmação da luta pela independência nacional”, afirma.

CEI fecha as portas
Mas o espírito da Casa foi-se esmorecendo com o tempo e a PIDE , a polícia política do regime salazarista, veio a encerrá-la em setembro de 1965. Depois disso, Manuel Ferreira, estudioso das literaturas africanas de expressão portuguesa, compilou os vários textos da revista Mensagem, publicados em dois volumes, os quais testemunham a força do movimento cultural da Casa dos Estudantes do Império. Dez anos depois do encerramento da Casa dos Estudantes do Império, nasceram os países de língua portuguesa em África, os PALOP.

Restauro do edifício da Casa
Como marco desse período, em 1992, durante o mandato do então edil Jorge Sampaio (ex-presidente de Portugal e atual secretário geral da Aliança das Civilizações, iniciativa das Nações Unidas), a Câmara Municipal de Lisboa mandou embutir no pavimento frente ao edifício uma placa evocativa em homenagem à Casa dos Estudantes do Império para que não se perca completamente a memória deste lugar histórico da luta pela independência dos países africanos.
Casa do Estudantes do Império actualmente, fotografia de João Carlos

Artigo retirado da DW África, para ouvir a reportagem completa ver aqui.


GOLPES DE ESTADOS: MOÇAMBIQUE E TIMOR-LESTE NA LISTA DE PAÍSES EM RISCO


GOLPES DE ESTADOS: MOÇAMBIQUE E TIMOR-LESTE NA LISTA DE PAÍSES EM RISCO


Numa lista de 30 países com maiores graus de risco de golpes de Estado, classificados como de "maior risco", "alto risco" e de "risco", liderada pela Guiné-Bissau, Moçambique surge como o 3º país lusófono, logo depois de Timor-Leste, na 18ª posição como país de "risco" de golpe de Estado.
A revolta popular ocorrida em Maputo em 2011, em que a população saiu à rua protestando contra o aumento do preço do pão, entre outros, poderá estar na origem desta classificação de Moçambique.
Quanto a Timor-Leste, os frequentes distúrbios em Díli e o atentado contra Ramos Horta são sinais que transmitem alguma apreensão.
A lista, publicada no jornal The Guardian, foi elaborada com base nos estudos e nas previsões do politólogo inglês Jay Ulfelder, e surge acompanhada de um mapa de África com o grau de risco destacado de acordo com uma tonalidade.
Apesar de ser uma lista de todos os países do mundo, o continente africano surge destacado com vários países classificados como de "maior risco", como o Sudão, o Mali e Madagáscar, nos lugares cimeiros.
A lista de Ulfelder passou a ser analisada com mais atenção depois de ter acertado nos golpes de Estado ocorridos na Guiné-Bissau e no Mali, no ano passado. O que justifica a presença de vários países nela é a extrema pobreza, a fraco poder das autoridades bem como a existência de regimes democráticos muito frágeis.
Para além disso, outra explicação é o facto de os golpes de Estado serem mais previsíveis nos países onde já ocorreram nos últimos anos, e que é uma das características partilhadas pelos países que ocupam os oito primeiros lugares da lista.
Outras razões associadas é a junção de três factores: existência de guerras civis na vizinhança, revoltas populares e fraco crescimento económico.
Para 2013, segundo Ulfelder, países como o Mali e a Guiné-Bissau seguem no topo da lista.

Aqui fica a lista dos 30:

1. Guiné-Bissau
2. Sudão
3. Mali
4. Madagáscar
5. Mauritânia
6, Guiné
7. Chad
8.Congo-Kinshasa
9. Níger
10. Timor Leste
11. Lesotho
12. Haiti
13. Cambodja
14. Equador
15. Afghanistão
16. Nigeria
17. Bangladesh
18. Moçambique
19. República Centro Africana
20. Sudão do Sul
21. Etiópia
22. Tanzânia
23. Iémen
24. Costa do Marfim
25. Síria
26. Ruanda
27. Burkina Faso
28. Zimbabwé
29. Gâmbia
30. Libéria

Notícias/SAPO
25 de Janeiro de 2013, 17:02

23 janeiro 2013

TRIBUTO - JUSTINO CHEMANE: A CHAMA QUE SE APAGOU HÁ NOVE ANOS


TRIBUTO - JUSTINO CHEMANE: A CHAMA QUE SE APAGOU HÁ NOVE ANOS


O MAIOR maestro de todos os tempos na história de Moçambique, o maestro Justino Chemane, deixou de connosco partilhar o génio que ele era há nove anos, completos sábado, 19 de Janeiro.

Chemane foi o compositor do primeiro hino nacional “Viva, Viva a Frelimo”, que vigorou durante 27 anos, participou também na elaboração do mais recente, “Pátria Amada” e na criação do hino da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Justino Chemane foi autor de mais de 150 canções gravadas e difundidas pela Rádio Moçambique (RM), maior parte das quais registadas em fita magnética versando sobre temáticas relevantes nos domínios da educação cívica, política e histórico-cultural.  
Na altura da sua morte o maestro encontrava-se a recuperar de uma fractura no pé esquerdo depois de ter ficado hospitalizado durante cerca de dois meses, após um atropelamento por uma viatura de transporte semi-colectivo de passageiros na cidade de Maputo.
Elevado ao estatuto de Herói Nacional, os seus restos mortais foram depositados na cripta consagrada aos heróis moçambicanos, em Maputo.
As suas canções sempre foram um instrumento importante na exortação para os moçambicanos se erguerem com orgulho e cumprirem as tarefas que se impõem ao seu desenvolvimento, e para que, unidos, escutando a voz dos seus heróis, que por si deram as suas vidas, levantassem bem alto o seu país, empenhando-se nas tarefas que sublinhavam o facto de os donos de Moçambique serem os próprios moçambicanos.
O seu nome foi atribuído a uma das ruas na capital moçambicana, após aprovação de uma proposta apresentada nesse sentido pelo Conselho Municipal da Cidade de Maputo.
Com efeito, o programa “Fio da Memória”, produzido por João de Sousa e Carlos Silva e transmitido todos os domingos na Antena Nacional da RM, a partir das 20:00 horas prestou no domingo uma singela homenagem ao maestro-mor.  
Homem que se recusou a viver no anonimato

“Justino hoje dia 15 de Outubro é um grande dia para ti, para a tua família e para todos. Dia grande porque celebras neste 15 de Outubro o teu 80º aniversário natalício. Há oitenta anos, no ano de 1923, portanto, Chidenguele, província de Gaza, testemunhou o nascimento de um menino que se recusou a viver no anonimato, que se recusou a ser mais uma estatística”. Estas foram as palavras pronunciadas pelo então Presidente da Republica de Moçambique, Joaquim Chissano, em 2003, por ocasião do octogésimo aniversário do maestro. 
Passados pouco mais de dois meses, Joaquim Chissano, voltou a destacar as qualidades do maestro Chemane, mas daquela vez como numa homenagem póstuma, quando o corpo de Justino Chemane foi conduzido à última morada, a Praça dos Heróis Moçambicanos. 
Caracterizado como “um autodidacta, e com espírito de sempre melhor e mais fazer, que gravou a sua primeira canção lá no longínquo ano de 1940. Mais obras vieram para construir o teu riquíssimo palmarés de que todos nós nos podemos orgulhar, em que todos nós podemos nos inspirar. Através do canto, através de temáticas de intervenção social quiseste dar a tua contribuição, para a educação cívica e moral dos cidadãos para o reforço da consciência de trabalho colectivo, e da complementaridade entre membros de uma colectividade.


Inspirador de grandes nomes
Há quem diga que Justino Chemane teve influências do maestro Daniel Marivate, tido como um dos mestres do canto coral. Contudo, importa frisar que Justino Chemane como maestro trouxe para o canto coral moçambicano um estilo próprio e único, que vai do clássico ao tradicional, passando pelo moderno.
Justino Chemane não só se destacou como maestro, mas também contribuiu para o aparecimento de grandes nomes da música moçambicana, como são os casos de Amélia Moyana, Arão Litsuri, Hortêncio Langa, Cândida Mata, Gonzana, as belas vozes da Companhia Nacional de Canto e Dança, os grupos que formou na Igreja Presbiteriana e fora dela, até o grupo de canto coral Majescoral, tido como um dos melhores da actualidade. 

Maputo, Quarta-Feira, 23 de Janeiro de 2013:: Notícias
  

22 janeiro 2013

JORNAIS AFRICANOS DO PERÍODO COLONIAL


JORNAIS AFRICANOS DO PERÍODO COLONIAL


A lista dos títulos pode ser encontrada no link abaixo.
Lista de títulos:
Títulos Principais:
A coleção “African Newspapers 1800-1922” (Jornais Africanos) tem mais de 30 jornais africanos publicados nos séculos XIX e XX em inglês e outras línguas faladas em países como Gana, Quênia, Lesoto, Maláui, Moçambique, Namíbia, Nigéria, África do Sul, Uganda e Zimbábue. O link para acesso à coleção é http://infoweb.newsbank.com e também poderá ser vista na página da Biblioteca Universitária www.bu.ufsc.br .
O módulo africano é parte da nova série do Arquivo Mundial de Jornais da Readex, que é acessível juntamente a jornais criados com o Centro para Bibliotecas de Pesquisa. Com reportagens, editoriais, atualizações legislativas, cartas, poesia, anúncios, e avisos de matrimônio e de morte, esta rara coleção narra a evolução de culturas e países através da África Subsariana durante um tempo de mudanças drásticas. Das repercussões do tráfico de escravos da área Atlântica, à vida sob domínio colonial e os resultados da Conferência de Berlim até ao surgimento o Jornalismo local, as Guerras zulus e a rejeição de imperialismo Ocidental, estes jornais fornecem vastos pontos de vistas das diferentes culturas. “African Newspapers 1800-1922” inclui importantes publicações como o East African Standard, Mombasa Times & Uganda Argus (Quênia), Leselinyana La Lesutho (Lesoto), Central African Times (Maláui), Beira Post (Moçambique), Lagos Standard (Nigéria), Cape Times (África do Sul),  Mafeking Mail e Protectorate Guardian (África do Sul), Sierra Leone Weekly News (Serra Leone), Uganda Herald (Uganda),  Buluwayo Chronicle (Zimbábue) e quase outras duas dúzias mais.



18 janeiro 2013

EVENTOS - GWAZA MUTHINI JÁ MEXE COM MARRACUENE


EVENTOS - GWAZA MUTHINI JÁ MEXE COM MARRACUENE




O DISTRITO de Marracuene prepara-se para acolher as festividades do 118 aniversário de Gwaza Muthini, uma cerimónia que evoca a resistência anticolonial que resultou na célebre batalha de 1895.

Com efeito, uma dezena e meia de grupos culturais iniciaram no passado dia 9 de Janeiro corrente os ensaios assistidos por técnicos dos serviços distritais de Educação, Juventude e Tecnologia.
De acordo com informações em nosso poder, os ensaios deverão decorrer até ao próximo dia 31 de Janeiro.
Com já tem sido hábito nos últimos cinco anos, espera-se que além de artistas locais se juntem à festa de Marracuene, grupos culturais idos da capital do país, integrados na caravana “Festival Marrabenta”. 
De recordar que Gwaza Muthini é o nome que se deu à batalha de Marracuene que teve lugar no dia 02 de Fevereiro de 1895, contra a ocupação colonial portuguesa.
Na Batalha de Marracuene, as forças lideradas por Nwamatibyana, Zihlahla, Mahazule, Mulungu e Mavzaya perderam a guerra a favor dos portugueses.
Um ano após a batalha de Maracuene, em 1896, as autoridades coloniais portuguesas celebraram o Gwaza Muthini em memória dos soldados portugueses tombados na vitoriosa batalha. E durante essas celebrações os povos submetidos, gritavam "bayetee" em sinal de total submissão ao colonialista.
Aquando da independência, houve apenas três celebrações, nomeadamente em 1974, 1975 e 1976. Em 1976 foi o ano em que marcaram o fim das celebrações de Gwaza Muthini, uma vez que o então Estado moçambicano achou que 3 de Fevereiro era a data em que se comemorava toda heroicidade moçambicana e Gwaza também podia caber no 03 de Fevereiro.
Mas por iniciativa do empresário António Yok Chan, apoiado pelo Governo as comemorações de Gwaza Muthini foram reactivadas no dia 2 de Fevereiro em 1994. Portanto, o que muda desde 1974 aos nossos dias é o enfoque da heroicidade. Enquanto durante todo o tempo colonial OS heróis eram os portugueses tombados na batalha e os moçambicanos diziam 'bayetee', desde 1974 os heróis eram os moçambicanos tombados na batalha. E Gwaza, passaria para o símbolo da heroicidade contra a ocupação efectiva do sul de Moçambique. (Maputo, Quarta-Feira, 16 de Janeiro de 2013:: Notícias)



UKANYI: BEBIDA POPULAR QUE ACOMPANHA AS FESTIVIDADES DE GUAZA MUTHINI



A REGIÃO sul do país, em particular as províncias de Maputo e Gaza vivem momentos de euforia com a chegada da época de ukanyi, bebida mítica que nos meses de Janeiro e Fevereiro proporciona ambiente único e raro de convivência e harmonia social. É momento único que, inclusive, gente de diferentes classes sociais se junta no mesmo espaço e bebe do mesmo copo.
Ukanyi, vinho tradicional produzido a partir da fermentação do suco do fruto do canhoeiro, é uma bebida bastante apreciada, sobretudo, pelo seu valor sociocultural. Agrega vários preceitos emanados pela tradição e pela moral cívica.
A frutificação, fabrico e posterior consumo de ukanyi marca o início do novo ano, mas a sua grande importância está associada ao fortalecimento das relações sociais e criação de novos laços de solidariedade. É durante a época de ukanyi que se registam com maior frequência visitas entre indivíduos pertencentes a uma mesma família, incluindo membros de diferentes comunidades.
O ritual de ukanyi cria e fortifica as redes de solidariedade entre habitantes de diferentes ecossistemas, o que por sua vez se revela importante na resposta às crises provocadas por calamidades naturais, no âmbito da segurança alimentar ou ruptura de reservas de sementes para a agricultura.
Mas também o ukanyi se reveste de uma importância crucial a nível da dimensão espiritual, nomeadamente na manutenção do equilíbrio social. A época de ukanyi é vista com a fase de maior aproximação das populações locais aos espíritos dos seus antepassados, para fazer preces de vária ordem, tendo como finalidade a busca de um equilíbrio cosmológico.
O consumo de ukanyi segue algumas regras costumeiras, nomeadamente três rituais fundamentais (kuphahla ukanyi, xikuwha e kuhayeka mindzeko), ou seja, as fases de abertura, festa e encerramento, respectivamente.
Estes rituais condicionam, na visão comunitária, o sucesso de toda a época de ukanyi, pois, supõe-se que esta bebida também alimenta os antepassados.
Com efeito, a partir do pretérito fim-de-semana iniciou em algumas comunidades o processo de “kuphahla ukanyi” (cerimónia tradicional de abertura da época de ukanyi), a exemplo do distrito de Marracuene, onde o acto teve lugar sábado.
Entretanto, a precipitação que vem se registando nos últimos dias pode vir a comprometer a presente época pois, segundo os entendidos, a chuva faz apodrecer rapidamente o fruto do canhoeiro.
Em consequência antevê-se um período curto de consumo de ukanyi, dada a pouca oferta do fruto.
Também aponta-se em algumas regiões, a problemática de acesso aos locais onde abunda o canhoeiro, na sequência das inundações, entre outras situações provocadas pelas chuvas.
Importa, entretanto frisar, numa situação normal a época do ukanyi também é breve, não vai para além das seis/oito semanas. 



VISÃO DO HISTORIADOR EGÍDIO VAZ SOBRE GWAZA MUTHINI


Dos factos

1-A batalha de Marracuene que teve lugar no dia 02 de Fevereiro de 1895 foi uma de uma série de combates que se deram no local, no âmbito da conquista portuguesa para a ocupção efectiva. Do ponto de vista português, essas batalhas eram conhecidas por Campanhas de Pacificação. Para os locais era resistência á ocupação portuguesa.
2-Na Batalha de Marracuene, as forças lideradas por Nwamatibyana, Zihlahla, Mahazule, Mulungu e Mavzaya perderam, em parte devido a:

a) Superioridade bélica dos portugueses
b) Traição dos Mavota e Matsolo, que cederam os portugueses para que usassem as suas regiões como posto avançado das suas forças e na fase decisiva, os Mavota guiaram as forças portuguesas rumo ao combate de Marracuene
c) Indisciplina no seio dos guerreiros de Nwamatibyana e seus súbditos e
d) Divisões no seio das chefaturas de então, que foram optimizadas pelos portugueses.

Das Celebrações do Gwaza Muthini

1-A celebração desta data não é de todo original do Estado Moçambicano. Um ano após a batalha de Maracuene, em 1896, as autoridades coloniais portuguesas celebraram o Gwaza Muthini em memória dos soldados portugueses tombados na vitoriosa batalha. E durante essas celebrações os povos submetidos; os marracueneses diziam "bayetee" em sinal de total submissão ao colonialista.
2-Aquando da independência, houve apenas três celebrações, nomeadamente em 1974, 1975 e 1976. 1976 Marcou o FIM das celebrações de Gwaza Muthini, uma vez que o então Estado Socialista Moçambicano achou que 3 de Fevereiro era a data em que se comemorava toda heroicidade moçambicana e Gwaza também podia caber no 03 de Fevereiro.
3-Mas por iniciativa de António Yok Chan, um dos leais filhos da terra apoiado pelo Governo as comemorações de Gwaza Muthini foram reactivadas no dia 2 de Fevereiro em 1994.
4-Portanto, o que muda desde 1974 aos nossos dias é o enfoque da heroicidade. Enquanto durante todo o tempo colonial OS HERÓIS eram os portugueses tombados na batalha e os moçambicanos diziam Bayetee, desde 1974 os heróis eram os Moçambicanos tombados na batalha. E Gwaza, passaria para o símbolo da heroicidade contra a ocupação efectiva do sul de Moçambique.

Da História, da Política e do Problema
Em termos historiográficos, a batalha de Marracuene marcou o princípio do fim do império de Gaza. A partir dai, os portugueses avançaram em direcção ao kraal de Ngungunyana, terminando com o assalto final a 28 de Dezembro de 1895, data em que Ngungunyana, sete das suas tantas mulheres, tio e filhos - entre eles Godide, foram presos por Mouzinho de Albuquerque e posteriormente deportados a Portugal onde foram encarcerados até a sua morte na Ilha Terceira em Açores.

Da relevância do Gwaza Muthini
Como historiador, não poria em causa a celebração do Gwaza Muthini como símbolo da heroicidade dos Marracueneses, na sua saga contra a penetração colonial. Casos idênticos houvera um pouco por todo o território, como em Niassa, com os Mataka, os Namarrai na Zambézia, os Makombe-Manica, Sofala e Tete, entre outros, sem discriminação espacio-temporal. Para os Marracueneses como o Yok Chan essa batalha reveste-se de grande utilidade política, na medida em que colocam na agenda política o seu nome e sua honra. Portanto, estamos perante uma questão de autoestima.

O questionamento viria porém quando o Governo lhe dedica uma festa de estado, conferindo assim uma dimensão nacional. Por mim, Gwaza Muthini deve permanecer um evento local, apoiado pelas autoridades locais e aderida por quem está interessado em lá ir.

Não vejo mal nenhum muito menos inconstitucionalidade em o Estado e Governo Moçambicanos apoiar a celebração da data. Mas ao mesmo tempo que apoio, apelo que o mesmo Estado e Governo moçambicanos comecem já a apoiar e considerar com mesma ênfase outras batalhas importantes, travadas por guerreiros de outras latitudes que hoje faz um único Moçambique. O mesmo apelo vai também para os outros filhos, que sigam o exemplo de Antonio Yok Chan. Mas para tal, a História deve ser conhecida; outro grande desafio.

Da política
Um dos grandes desafios que a nossa classe política enfrenta é a sua falta de consciência histórica. Tanto os que estão na oposição como os no poder. O povo também ajuda nesse sentido, dado estar ele a padecer de uma amnésia colectiva.
O 02 de Fevereiro ou "Gwaza Muthini" não constitui nenhum feriado Nacional e sim uma data em que se comemora a heroicidade dos povos de Marrracuene, que pode muito bem caber no dia 03 de Fevereiro, como aliás cabem outras "batalhas", incluindo as anónimas.

A falta do esclarecimento sobre o folclore de Marracuene contribui em grande medida para o entendimento da dimensão histórica de que esse evento se reveste, daí a percepção enviesada de ela ser a data representativa de "todas batalhas de resistência primária" travadas ou no sul de Moçambique ou a nível nacional.

É por isso necessário divulgar a bem da nação e da unidade nacional, todas batalhas relevantes em que filhos dessa pátria participaram de forma heróica e vitoriosa contra a penetração mercantil portuguesa, contra a ocupação efectiva e contra o colonialismo português. A documentação dessas batalhas, detalhes e divulgação, deverá tomar em conta o interesse constitucional do fortalecimento da Unidade Nacional bem como na redução progressiva da assimetria do conhecimento sobre a heroicidade de todo povo moçambicano e ainda na promoção equitativa e equilibrada dos feitos históricos e a contribuição de cada região, província, inclusive distrito, para a independência do país. Essa é tarefa dos políticos; é tarefa política e os historiadores estão ai para ajudar.
O ponto político que quero deixar aqui é de que esta História de Moçambique tem partido; tal como se reconhece nas primeiras páginas do Vol I da primeira versão da História de Moçambique. A História Oficial de Moçambique também é regionalmente falando, tendenciosa e madrasta ao mesmo tempo e isso tudo contribui em grande medida para a assimetria do conhecimento de que estou a falar. Isso deve mudar.

Do problema

Postas as coisas como estão e tomando em conta o exposto na primeira parte deste texto (os factos) alguns problemas podem ser levantados.
O Gwaza Muthini era uma celebração dos colonialistas portugueses, alusivo a sua vitória contra os marracueneses. Após a independência os moçambicanos de Marracuene tomaram a "tradição" e desta feita, mudaram do herói. Agora os heróis eram "todos aqueles que tombaram, derrotados" na batalha de Marrracuene.
a) Faz sentido celebrar uma batalha perdida? Lembre-se que a Batalha de Marracuene foi uma rasia autêntica. Em todas batalhas de resistência contra a penetração colonial o Império de Gaza de Ngungunyana perdeu: Coolela, Chaimite, Marracuene...
b) Albino Magaia conhecido intelectual moçambicano é da mesma opinião que a minha, de que celebrar Gwaza Muthini é uma humilhação visto que históricamente os "reis locais" faziam Bayetee, prostrando-se á humilhação portuguesa.
c) Por causa da nossa fraca imaginação política e falta da consciência histórica, ergue-se hoje um "Gwaza" de heróis dissociada de toda sua história; e apenas útil para o ego de alguns políticos.
d) Quando o Presidente da República nos seus discursos nos diz que Moçambique é pátria de Heróis é porque é mesmo. A nossa missão como historiadores e intelectuais e servos deste país é trazer esses heróis ao conhecimento das gerações contemporâneas e futuras.

Mas isso não implica inventá-los no discurso porque existem ou existiram de facto. É apenas uma questão de compromisso com o saber e com a pátria.

Chegado aqui, resta-me dizer que Gwaza Muthini, na forma como a conhecemos hoje é um BLUFF HISTÓRICO.


15 janeiro 2013

EU MATEI SAMORA...???


EU MATEI SAMORA...???


Por  Maria Pons, correspondente em Joanesburgo

Um ex-agente dos serviços secretos militares do antigo regime sul-africano do «apartheid» assumiu publicamente ter estado envolvido na morte de Machel. Numa entrevista exclusiva publicada pelo semanário «Sowetan World», o ex-agente afirmou que participou nos planos que causaram a morte, em Outubro de 1986, num desastre de avião, ao antigo Presidente moçambicano, Samora Machel, bem como a outras 33 pessoas. Hans Louw, um assassino profissional ao serviço do Civil Cooperation Bureau (CCB), um departamento de operações especiais daqueles serviços secretos, concedeu a entrevista na prisão, onde se encontra desde 1997, a cumprir umapena de 22 anos, por ter morto um membro da mafia grega. Ele e um outro agente são acusados de outros seis homicídios e 70 tentativas de homicídio. Louw afirma que a morte de Machel não resultou de um acidente e que não foi por acaso que o avião em que este seguia, um Tupolev de fabrico soviéticovindo de Lusaca (Zâmbia) em direcção a Maputo, caiu nas colinas em Mbuzini,perto da fronteira sul-africana com Moçambique.

"Eu fazia parte da equipa de reserva, armada com mísseis terra-ar, que seriam utilizados caso o primeiro plano falhasse", disse Louw, que afirma ter também colaborado nos relatórios e trâmites burocráticos da morte de Machel. Segundo o ex-agente, havia um plano A, que devia desviar o Tupolev da sua rota por meio da emissão de falsos sinais de rádio, o que efectivamente aconteceu. Crente de que estava a baixar em direcção a Maputo, o piloto russo conduziu, de facto, o avião para território sul-africano, onde acabou por despenhar-se nas montanhas de Lebombo, na região de Mbuzini. Louw acusa os serviços secretos militares do regime do «apartheid», a que pertencia na época, de terem emitido os falsos sinais. O mesmo método, denunciou Louw, teria depois servido para abater um avião militar angolano em 1989. Em 1987, uma comissão de investigação sul-africana declarou que o desastre se devia a um erro do piloto, que também morreu no desastre.

Depois do fim do «apartheid», também a Comissão para a Verdade e Reconciliaçãoinvestigou o desastre, mas não publicou os resultados. Nessa altura, apurou-se que a causa do acidente foi, efectivamente, a emissão de falsos sinais.
A pedido de Graça Machel e Nelson Mandela, a morte de Samora Machel está agora a ser investigada pela equipa especial de investigações «The Scorpions». Louw confessou ainda que no princípio dos anos 90 distribuiu armas para semear violência nos comboios interurbanos no Rand oriental próximo de Joanesburgo, com armas provenientes de Moçambique. Depois de se demitir das forças especiais, foi mercenário em Angola e na Serra Leoa com a empresa sul-africana Executive Outcomes, oficialmente dissolvida em 1998, mas que continua a actuar sob outros nomes.
E disse que estava arrependido do seu "passado sangrento" e que, por isso, queria "pôr tudo em pratos limpos". As suas revelações são apenas a ponta do icebergue.