A
PRESENÇA DE AMÍLCAR CABRAL NA MÚSICA RAP NA GUINÉ-BISSAU E EM CABO-VERDE
Nos anos de 1990, com
a vaga de democratização na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde, quer o PAIGC quer o
PAICV, partidos tidos como “força, luz e guia do povo”, perdem esse estatuto,
pondo fim simultaneamente à cadeia de domesticação dos espíritos, precipitando
assim uma descoletivização social das organizações juvenis sob o prisma
comunista. Isto fez com que os jovens reinventassem formas de sociabilidades no
seio dos grupos de pares, num contexto marcado pela globalização e
afro-americanização do mundo, em que a cultura hip-hop, através do seu elemento
oral, o rap, aparece como veículo da liberdade de expressão e de protesto dos
grupos urbanos em situação de maior precariedade.
Este artigo pretende
analisar de que forma os jovens guineenses e cabo-verdianos recontextualizaram
através do rap, na nova conjuntura dos dois países, o discurso pan-africanista
e nacionalista de Amílcar Cabral, tendo em conta o risco de branqueamento da
memória coletiva e histórica; a suposta traição dos seus ideais pelos atuais
políticos dirigentes; a necessidade de o resgatar enquanto guia do povo; e de
representá-lo como um MC (mensageiro da verdade).
O “MC” enquanto
mensageiro e guia
O grupo liderado por Cabral assume um protagonismo decisivo e se
não inédito no processo de afirmação da nação, por ter desencadeado uma luta em
nome de dois territórios dominados com vista à construção de uma nação
pan-africana (Hobsbawm, 2002). Desta feita e na perspetiva de Fernandes (2005:
231), a geração de Cabral assume um inequívoco rompimento com os discursos
nacionalistas lusitanos no que se refere à sua ramificação colonial, por forma
a se obter uma total emancipação africana do sistema colonial.
É deste modo que as nações guineense e cabo-verdiana começam a
ser tematizadas nas oralituras (canto-poesia) através da exaltação (da
possibilidade) dessa nova condição, constituindo o mais importante legado
simbólico e identitário da luta para a autodeterminação. No entanto, esse
estádio foi algo efémero em Cabo-Verde, com o fim do projeto bi-nacional em
1980, reconvertendo-se para dimensões mais localistas na Guiné-Bissau e, desta
forma, favorecendo a criação de bases para uma progressiva desideologização da
produção cultural nos dois países.
Embora esse momento não coincida com a
emergência da produção da música rap nos dois países,
podemos dizer que a progressão destutelada da produção cultural na Guiné-Bissau
e em Cabo-Verde constituiu bases favoráveis para o surgimento de uma
determinada música de intervenção e um estilo não tradicional por parte de um
grupo de jovens , considerados pelos sectores dominantes como “os que perderam
valores” – nem partido, nem igreja, contribuindo assim para a modificação
significativa da produção cultural, ou seja, das formas de estar no espaço
público e também a reformulação de conteúdos e estilos da
comunicação musical.
Estando assim expostos a riscos e à necessidade de encontrarem
saídas individuais para sustentar o seu futuro, os jovens aqui em análise
vivenciaram ambientes de fragmentação, desorientação e distorção, levando à
perda do sentido atribuído originalmente. Numa etapa seguinte, verificou-se a
edificação de réplicas da sociedade que haviam deixado para trás, instaurando
assim novas referências. É neste quadro que entendemos que Cabral – expoente
máximo de uma geração que levou até às últimas consequências a dimensão de um
intelectual comprometido e que não devia alhear-se ao seu entorno
sociopolítico, desencandeando e liderando uma luta de libertação com carácter
pan-africanista – é resgatado enquanto elemento simbólico de referência, como o
próprio Cabral afirma no seu “testamento político” (Janeiro de 1973):
“(..) o que quer o
Homem africano é ter a sua própria expressão política e social –
independência. Quer dizer, a soberania total do nosso povo no plano
nacional e internacional, para construir ele mesmo, na paz e na dignidade,
à custa dos seus próprios esforços e sacrifícios, marchando com os seus
próprios pés e guiado pela sua própria cabeça o progresso que tem direito
como qualquer povo do mundo!”
Na Guiné-Bissau e em Cabo-Verde, Cabral ka
muri/mori (não morreu) é um slogan que imortaliza o
espírito de sacrifício e luta que o próprio fez ressurgir. No entanto, numa
incursão à problematização do estudo, selecionámos três dimensões para a
análise: - em que situações é que
o nome de Cabral é citado nas músicas rap nos dois países?; - qual a justificação ou
argumentação nos diferentes usos do nome de Cabral?; - qual a aproximação que
fazem à sua ação enquanto rappers com a ação política
de Cabral?
Das recolhas feitas nos dois países, no rap dito consciente e/ou
político com menção de Cabral sobressaem quatro aspetos fundamentais:
- Preocupação em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória coletiva e histórica;
- Crítica aos “camaradas” e atuais políticos vis-à-vis das práticas alheias ao pensamento político enunciado por Cabral;
- Utilização de Cabral como “guia” e portador de esperança;
- Cabral como mensageiro da verdade ou seja como MC.
É frequente ouvir nas músicas analisadas preocupações em manter
Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória coletiva
e histórica:
“(…) poku poku guentis
sta ta skeci / bu sta mori manenti na mimoria di nos povu / bu storia ta
duvidadu pa gerason mas nobu / nem bu imagem ka sta mas na livru primaria / na
dinheru djes trau / (…) bu bai bu dexa puema pa nôs kriança ki e flor di
revoluson i di sperança / mas mesmu si ka sta xinti bu prizensa / kriança sta
nasi e ka konxi storia di ses eróis / alguem ki da si vida pa liberta si povo
se foi / es ta trokau pa eróis virtuais / homem-arranha, super-homem”1 (POMBA PRETO,
Abel Djassi, 2010).
Dissecando a narrativa acima apresentada, é notória a
preocupação com a salvaguarda da memória daquele que reivindicam ser o
verdadeiro herói dos dois povos em pauta, com críticas relativamente à
tentativa de substituição da sua existência enquanto protagonista real da
história por heróis virtuais e ausentes do espaço físico nacional.
Na narrativa a seguir, paradoxalmente, a figura do Cabral parece
ter menor pujança simbólica que um colonizador, ou seja, substituída a nível da
orientação estratégica do país pela figura de um ocidental e colonizador:
“(…) N`ka kre odja
statua di Cabral rostu pa simiteriu / Di Diogo Gomi2 rostu pa palasiu di
governu / Dja sta bom di rodidju ku portugues!”3 (NAX BEAT, Odja Oby
Ntedy Dypoz Fala - vyzon krytyku, 2009).
Por outro lado, ao mesmo tempo que as narrativas denunciam
tentativas de branqueamento da história nos espaços institucionais, são
apresentadas posturas em que alguns jovens periféricos assumem a continuidade
da memória do Cabral:
“Cabral moré pa nôs i
agora povu ka krê lembra-l / Bô e parti mais inportanti di nôs stôria i nu ka
ta dal / Ka bô priokupá ki a luta kontinua / Bô morê na parlamentu ma bô vivê
na nôs rua”4 (KAYA, LBC MINAO
SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).
De uma forma global, a preocupação com a
manutenção e atualização da memória viva de Cabral está mais presente nas
narrativas dos rappers cabo-verdianos do que
guineenses. Este facto pode ser entendido na medida em que a luta para a
independência dos dois países não teve como teatro das operações Cabo-Verde,
vivenciando assim Cabral quase que de uma forma espiritual. Por outro lado, a
vigência do projeto bi-nacionalista foi efémera, a liberalização política com a
derrota do PAICV nas primeiras eleições democráticas levou à mudança do
paradigma ideológico e à necessidade de busca de novas referências, projetando
Cabo-Verde mais no mundo (do que em África), o que é patenteado numa certa
recuperação das ideologias protonacionalistas (nativistas
e regionalistas).
Já no que se refere à crítica da conduta dos
camaradas de Cabral e atuais políticos vis-à-vis as palavras de “ordem”, é onde
encontramos maior produtividade dos rappers dos dois países,
envolvendo também as suas diásporas. Quase todas as narrativas neste campo
apelidam-nos de “traidores” de um suposto ideal humanista de Cabral.
A traição da sua morte:
“(…)disgrasa d’es tera
kunsa desdi mortu di Cabral / chefi di guera matadu / objetivu di luta mudadu /
en vez di concordia nacional i bin concordia criminal”5(TORRES GEMEOS,
Culpadus, 2008).
Traição pelos desvios verificados:
“(…)Ma n punta, será
ki anos ku na paga díbida di n ba luta? NAU! / Ei abós ke Amílcar falaba bos
es? NAU! / Ke Amílcar falaba bos ora ku luta kaba pa nterga povu fatura? / Bo
mata Amílcar bo nteral djuntu ku si konbersas / Konbersas ki pusível i pasa
sedu impusível”6 (FBMJ, Guiné ka
na fika sin, 2008)
Traição pela derrapagem:
“(…)Bardadi situason
sta gravi / Kampu kinti / Amílcar Cabral erói mas garandi / Aonti bu matadu aós
bu fidju na sufri kansera garandi / Kin ku pudi imajinaba kuma anós no na
abandona no tera / Nde ku no firma ku arma na mon no nganha ki guera / kontra no
toma independensia no pensa kuma tudu na sedu mindjor / Ma son kansera vida di
djintis na tiradu suma flor”7 (N`PANS, Fidjus di
Guiné, 2006).
A incapacidade de promoção de desenvolvimento e estabilidade
política no caso guineense e a produção de desigualdades sociais no contexto
cabo-verdiano são elementos cruciais nas narrativas escutadas. Neste campo, o
papel dos políticos e governantes é posto em xeque, na medida que são
considerados opressores ao invés de defensores do povo, como aqui é elucidado
pelos Cientistas Realistas (Guiné-Bissau) e Kaya, LBC Minao Soldjah e Chullage (Cabo-Verde):
“(…) País sta
desorganizadu / Korupson sta jeneralizadu / Aparelhu di no stadu aos torna un
sistema di korupson / Dinheru ku no djunta pasa na sbanjadu a toa i grande
orgulho / fama(! ) / Guiné-Bissau i narkotráfiku / Djintis di stadu na prátika
di negósius ilegais / E na fasi krimes organizadu ma faladu na nomi di stadu /
Es tudu anós i kontra (…) Povu inosenti ku fomi na paga kulpa di dirijentes /
Sorti ka ten, Cabral muri i ka ten kin ku na lebanu pa dianti / Tchur di Cabral
tem ku tokadu pa es tera pudi bai pa dianti / Até aós Guiné-Bissau nada i ka
tchiga di konkista, purblema d’es tera n ta pensal tok n ta disgostaaa”8 (CIENTISTAS REALISTAS,
Contra, 2009).
“Cabral bu môri sedu i
dja nu ka tem ninguen pa difendenu / Bu luta pa bu libertanu di un opresor mau
feitor / Oji na nôs tera opresor so muda rostu i kor / Povu ignorante ta bati
palma pa prizidenti ki e traidor / Mosus ki nen pa sis povu ka ta xinti un poku
di amor / Kel ki bu konstrui es distrui dipôs di indipendensia / Trai
pensamentu di povu kantu privatiza tudu inpreza / Guvernu sem autunomia ki ka
ta kontrola ikunomia / Ku rijimi nun frontera ki dimokrasia ta kunfundidu ku
tirania”9 (KAYA, LBC MINAO
SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).
Nesta parte, há um sentimento de revolta e desencantamento com a
falta de oportunidades, de justiça social e de um clima de paz e união
vivenciados por estes jovens.
Já nas duas narrativas a seguir os rappers apresentam-se como
agentes com capacidade de produzir a arte da descosmetização da realidade
social e política nos dois contextos, como ilustram:
“(…) Na nha tera
ka tem so morna ku koladera / Tem monti asnera kes ta bari pa baxu stera / Gosi
e dibaxu meza ki nigosius sta fitxadu / (…) Monti makakisi i monti makaku di
fatu, gordu i tudu fartu / Otus ta furta k apa farta ma sin pa mata fomi / Ami
n sta odja monti mininu ta sufri na lugar di omi / (…) Thugs sta ta aumenta
tudu dia pa alimenta skina / Alvés n ta pensa si tudu kel stôria di thugs li e
ka un bodi espiatóriu ba tudu es prublema di susiadadi li / Juventudi ka sta
dadu oportunidade / Monti sta ta termina lise upa inisia na mundu di
marginalidade / Monti Zé-ninguen sta ta fazi so maldadi pamô es dadu puder pa
ser autoridade”10 (BUDDHA, Na Nha Tera, 2008).
“E sufrimentu i
garandi dimás / Te gosi no fika tras / Di nos i pena / Di nos i tristi / Nha
ermons até kuandu? / Tera di Amílcar Cabral / Ex-colónia di Portugal /
Nunde ku 80% di povu ta vivi mal / Vizinhu di Conakry ku Senegal / Situadu na
kosta osidental / sukundidu na kintal (…) Tera di no eroína mama Titina Silá /
Djintis ku luta / pa serka António Spínola / Independensia tomadu prejuízu
kunsa ten / Povu ta vivi mal pa un grupusinhu vivi ben (…) Chefi bati
rendimentu / Povu entra na sufoku / No sai di país mas limpu / Pa país mas
porku / 7 di junhu komplikanu situason / Balas di kanhons matanu populason”11 (MC MÁRIO, DON
PINA e PATCHE DI RIMA, Relatório 1973-2012, 2012).
No fundo esta parte é elucidativa de como a
teoria do suicídio de classe (pequena-burguesia) defendido por Cabral falhou12 com
base nas criações de afinidades entre a poesia e a música de intervenção face
ao desnorteio político-ideológico dos “camaradas” para otimização dessa
realidade e a projeção dessa apropriação despartidarizada do legado cultural
de Cabral.
As narrativas que apresentam Cabral como
“guia” de referência aparecem em discurso indireto em contraponto ao tipo de
liderança que se implantou depois da independência, sem compromisso, incapaz de
resolver os problemas e ainda que tende a instrumentalizar os jovens, como por
exemplo aqui:
“Guvernantis
karismáticos / Ku no misti / Guvernantis problemátikos / No ka misti /
Guvernantis ku ason prátikos / Ku no misti / Guvernantis psikopátikus / No ka
misti / Figa kanhota bo na mata pubis lentamenti / Ma n toma nota / Udju ta
odja boka kala / Ma no ta nota / Bo vira-volta sin spiritu di patriota / Bo
panha fábrika bo bota / Te di kompota bo bota / En kontrapartida bo ka kumpu
nin palhota / So manda boka / Bo sobra fábrika di binhu / Na kantinhu / Pa pudi
ba ta tchamintinu / Pa guinguitinu la na padja / Pa no pudi pega bari-bari bos
padja / Nha pubis / Es i ora di no korda / Sol na iardi dja la fora …”13 (BUNKA MC e
OKARKI BUTT, Natal Guiné, 2010).
Quando as narrativas que apresentam Cabral
como “guia” e são apresentadas em discurso direto as referências são portadoras
de apelo à luta, resistência, reapropriando-se do slogan Cabral Não Morreu:
“ (…) Cabral kaba ku
sufrimento kulonial / Ma luta ka kaba e dexanu pa nu kontinual / Inton kuzê nu
sta spera? / Nu jura bandera / ka tem tenpu pa brinkadera / (…) Nu ten ki luta
oji i sempri”14 (FARP, Antis
Barku Skravu, 2007).
“( …) Cabral ka môri /
Cabral tinha razon / E ka môri / E fika na nôs kurason / El e nôs erói / (…) Si
bu pensa ma Cabral sta mortu bu sta enganadu pamô Cabral e mi Cabral e bô
Cabral e tudu kauberdianus e guineensis (…)”15 (KAYA, LBC MINAO
SOLDJAH e CHULLAGE, Amílcar Cabral, 2010).
Nesta parte, os rappers convocam Cabral entre
o sonho e a esperança com uma preocupação em mobilizar a nova geração deixando
transparecer a necessidade de “correr atrás do prejuízo”. Ainda, Cabral é
apresentado como fator de orgulho e de identidade para o futuro:
“ (…)Amílcar Cabral /
Omi ku ta pensaba futuru di no tera (…) Bu nomi ku n ta ronka / I bu bandera na
nha testa / Bu inu na nha boka (…) nha identidadi nunka n ka na disisti del”16 (FBMJ, Guiné ka
na fika sin, 2008).
No tocante ao último aspeto analisado, Cabral
como mensageiro da verdade ou seja um MC, constata-se que para
além da aproximação que os rappers fazem da sua ação
produtiva e interventiva que lhes dá a possibilidade de se auto-representarem
como verdadeiros herdeiros das causas políticas e militantes de Cabral, muitos
deles procuram legitimar essa condição através da utilização da voz do próprio Cabral,
intercalando os seus discursos nas suas músicas. É o caso dos Sindykatto
de Guetto (golpe de stadu, 2011), Rhyman (Bissau, 2007) e 4ARTK (Strela Negra-Abel
Djassi, 2010) que deste modo contribuem para reavivar Cabral no imaginário dos
jovens politicamente desfiliados e localizados em contextos de exclusão.
Globalmente, das narrativas selecionadas e
analisadas apercebe-se que os rappers procuram resgatar,
atualizar e desenvolver uma cultura crítica, segundo Cabral (1973: 55), baseada
na história e nas relações da própria luta, promovendo a constante da
consciência política do povo (de todos os grupos sociais), mas visando os
detentores de poder (político e económico) bem como do
patriotismo/nacionalismo. Assim, o rap kriol(u), em particular os rappers (re)encontram em
Cabral a teoria da capacidade de ação enquanto condição prévia, instrumento
para fazer história e emancipação humana.
Referências bibliográficas
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Juvenil em Contextos de «Suspensão» Democrática: a música rap na Guiné-Bissau”,
in BORDONORO, L. & MARCON, F. (Coord.), Juventudes,
Expressividades e Poder em Perspectivas Cruzadas, Revista Tomo, n. 21
- jul./dez. 2012 – EdUFS, São Cristóvão.
CABRAL, A. (1973), “National Libertation and
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FERNANDES, G. (2006) Em
busca da Nação: notas para uma reinterpretação do Cabo Verde crioulo,
UFSC: Florianópolis.
GODINHO GOMES, R. (2001), O
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HOBSBAUWM, E. (2002), Nações
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Expressividades e Poder em Perspectivas Cruzadas, Revista Tomo, n. 21
- jul./dez. 2012 – EdUFS: São Cristóvão.
O presente ensaio é extraído do estudo
independente intitulado “RAP KRIOL(U): o
pan-africanismo de Cabral na música de intervenção juvenil na Guiné-Bissau e em
Cabo-Verde” no prelo em Realis - Revista de
Estudos AntiUtilitaristas e PosColoniais (Brasil). As conclusões deste
trabalho serão apresentadas no Fórum Científico Amílcar Cabral (Cidade da
Praia, 18-20/01/2013), organizado pela Fundação Amílcar Cabral.
1.“Pouco a pouco as pessoas estão a
esquecer / estás paulatinamente a morrer na memória do nosso povo / a geração
mais nova duvida da tua história / a tua imagem ja não se encontra nos livros
da escolaridade básica / tiraram-te do dinheiro / (…) foste e deixaste poemas
para as nossas crianças que são as flores da revolução e de esperança / mas
mesmo assim não se sente a tua presença / crianças nascem e não conhecem a
história dos seus heróis / alguém que deu a sua vida para a libertação do seu
povo se foi / trocaram-no por heróis virtuais /
homem-aranha, super-homem”.
2.Diogo Gomes (14?? – c. 1502) foi um
navegador e explorador português. Capitaneava uma esquadra de três navios que
reclamou para si o descobrimento do arquipélago de Cabo-Verde, na companhia do
italiano António da Noli.
3.“ (…) Não quero ver a estátua de Cabral
com a cara virada para o cemitério / E a do Diogo Gomes virada para o palácio
de governo / Chega de esquemas com portugueses”.
4.“Cabral morreu por nós e agora não
querem lembrar-se dele / Tu és a parte mais importante da nossa história e não
a damos (…) Não te preocupes que a tua luta continua / Morreste no parlamento
mas vives nas nossas ruas”.
5.“ (…) A desgraça desta terra começou com
a morte de Cabral / O chefe da guerra foi assassinado / O objetivo da luta foi
mudado / Ao invés da concordância nacional / Veio a
concordância criminal”.
6.“ (…) Mas pergunto, será que nós é que
vamos pagar a divida de terem lutado? Não! / Ei vocês será que Amílcar tinha
vos dito isto? Não! / Amílcar vos falou que depois da luta era para entregar a
fatura ao povo? / Não!/ Vocês mataram o Amílcar e o enterraram junto com as
suas conversas / Conversas que eram materializáveis tornaram-se
logo impossíveis”.
7.“ (…) Verdade situação agravou / Campo
aqueceu / Amílcar Cabral herói maior / Ontem assassinaram-te hoje os teus
filhos muito sofrem / Quem podia imaginar que com o tempo íamos abandonar a
nossa terra / Onde defendemos com as armas na mão e vencemos a guerra / Quando
tomámos a independência pensávamos que tudo ficaria melhor / Mas a vida da
nossa gente anda a ser tirada como se fosse flor”.
8.“(…) país está desorganizado / corrupção
está generalizada/ o nosso aparelho do estado tornou-se num sistema de
corrupção / o nosso dinheiro é esbanjado à toa e com grande orgulho-fama /
Guiné-Bissau é narcotráfico / servidores do estado praticam negócios ilegais /
praticam crime organizado mas dizem em nome do estado / somos contra isso tudo
(…) povo inocente com fome é quem paga a culpa dos dirigentes / não há sorte,
Cabral morreu e não existe quem nos possa levar à frente / até hoje
Guiné-Bissau não conquistou nada, problema desta terra penso-o e me
dá desgosto”.
9.“(…)Cabral morreste cedo e já não temos
quem nos defenda / (…) Lutaste para libertar-nos de um opressor mau feitor /
Hoje na nossa terra opressor só mudou cara e cor / Povo ignorante bate palmas
por um presidente que é traidor / Pessoas que nem pelo seu povo sentem um pouco
de amor / Aquilo que construíste eles destruíram depois da independência /
Traíram o pensamento do teu povo com as privatizações de empresas / Governo sem
autonomia não controla a economia / Com o regime numa fronteira em que a
democracia se confunde com a tirania / Triste ver os meus manos africanos
humilhados em casa de seus irmãos”.
10.“Na minha terra não têm só morna e
coladeira / Têm muita asneira que é varrido por debaixo da esteira / Agora é
por debaixo da mesa que os negócios são fechados / (…) muita macaquice e muito
macaco de fato, gordo e tudo de farto / Outros roubam não para se fartarem mas
para matarem a fome / Vejo muitas crianças a sofrer no lugar dos homens / (…)
Thugs aumentam todos os dias para sustentar as esquinas / O seu dia começa
quando o teu termina / E ando a pensar se toda esta história de thugs não é um
bode expiatório de todos os problemas da sociedade / Não é dada oportunidade à
juventude / Muitos estão a terminar os estudos liceais para entrarem no curso
de marginalidade / Muitos Zé-ninguém fazem apenas maldade porque foi-lhes dado
poder para serem autoridade”.
11.“Este sofrimento é demais / Até agora
ficamos para trás / (…) Meus irmãos até quando? / Terra de Amílcar Cabral /
Ex-colónia de Portugal / Onde 80% do povo vive mal / Vizinho de Conakry e
Senegal / Situada na costa ocidental / Escondido no quintal (…) terra de
heroína Titina Silá / Gentes que lutaram / para expulsar António Spínola /
Tomaram independência deixaram de ter juízo / O povo vive mal para um pequeno
grupo viver bem (…) Chefe quebrou o rendimento / Povo entrou no sufoco / Saímos
do país mais limpo / Para o país mais porco / 7 de Junho complicou a situação /
Balas de canhão mataram a nossa população”.
12.Para maior problematização do falhanço
da teoria de classe defendida pelo Cabral ver: Godinho Gomes, R. (2001), O
PAIGC e o futuro: um olhar transversal, Lisboa: Afro Expressão Publicações.
13.“Governantes carismáticos / Precisamos
/ Governantes problemáticos / Não precisamos / Governantes com ações práticos /
Precisamos / Governantes psicopáticos / Não precisamos / Cruz credo estão a matar
o povo lentamente / Mas ando a tomar nota / Vejo mas calo-me / Mas andamos a
tomar nota / A tua vira volta sem espírito de patriota / Destruíram fábrica de
compota / (…) Em contrapartida não construíram nem palhota / Só mandam bocas /
Só deixaram com fábrica de vinho / O cantinho / para que possam embebedar-nos /
Para afastarem-nos / De modo que ponhamos a bajular-vos / Meu povo / Está na
hora de acordarmos / O sol já nasceu lá fora”.
14.“ (…) Cabral acabou com o sofrimento
colonial / mas a luta não acabou e ele deixou-a para continuarmos / então o que
esperamos? / vamos jurar a bandeira / não há tempo para brincadeiras / (…)
temos de lutar hoje e sempre”.
15.“Cabral não morreu / Cabral tinha razão
/ Ele não morreu / Ficou no nosso coração / Ele é que é o nosso herói (…) E se
pensares que Cabral está morto estás enganado porque Cabral sou eu Cabral és tu
Cabral são todos os cabo-verdianos e guineenses (…)”.
16.“ (…) Amílcar Cabral / Quando penso no
futuro da nossa terra (…) O teu nome é aquele que aparece / E a tua bandeira na
minha testa / O teu hino na minha boca / A minha identidade nunca hei-de
desistir dela.”
Por Redy
Wilson Lima e Miguel
de Barros - Mukanda | 15 Janeiro 2013 |