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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

10 abril 2013

NA “ZONA QUENTE”  PÓS-COLONIAL

Regulação de gênero
A forma particular, histórica, como aparece a regulação das posições de gênero em Moçambique, não dissimula, é óbvio, o caráter estrutural das disposições simbólicas que são necessárias para produzir a sujeição/subjetificação de um sujeito dispersivo e heteróclito que chamaríamos “a mulher”. Desse modo, ampla engenharia social e todo o poder das disposições simbólicas, e da violência, foram mobilizados para reconformar/reconhecer a mulher como um sujeito (assujeitado) no interior das estruturas em transformação do Estado em construção. O que parece algo perturbador, entretanto, é a continuidade dessa produção subjetificante que observamos entre o período colonial e o período frelimista, como aponta Signe Arnfred (2011), entre outros.

Fotografia do autor, Maputo


Realizando pesquisa sobre a regulação estatal de gênero1 em Maputo, me deparei por diversas vezes com duas enormes fotografias no Hall de entrada do Arquivo Histórico de Moçambique (AHM). Samora Machel, em uniforme militar, e  Joaquim Chissano, de terno e gravata. Ícones da memória revolucionária vigiavam os dois, gigantes e masculinos minha curiosidade, pairando imaginários, como guardiões da História reconstruída em Moçambique. No interior dessa história de luta e lib
ertação,  parecem respirar baixinho, outras histórias e perspectivas que expõem as contradições do processo revolucionário. A mulher, e as relações de gênero e sexualidade, figuram no interior dessa história de emancipação e luta.

 Mulheres Makhuwa fotografadas por Weule, em 1906



O etnólogo evolucionista alemão, Karl Weule, realizou em 1906 expedição etnográfica pela então África Oriental Alemã2. Weule descreve a viagem entre o que é hoje Tanzânia e Moçambique, na qual pôde registrar inúmeros traços das culturas Yao, Makonde e Makhuwa. Neste livro, descreve e fotografa inúmeras técnicas corporais nativas, notadamente aquelas ligadas à mulher e à produção de um corpo feminino erotizado. Ora, tais práticas que foram duramente combatidas e criticadas, quer seja pela igreja católica no tempo colonial, quer seja pela FRELIMO no tempo socialista, encontraram um imprevisto defensor relativista em José Cota, jurista-etnólogo, designado pelo General José Tristão de Bettencourt, em 1941, para proceder à elaboração dos Códigos Penal e Civil dos Indígenas de Moçambique, a partir de estudo etnográfico dos povos da coloniais.

Na Zona Quente, rua do pecado
Em agosto de 2011, na minha última viagem a Maputo, estive sozinho pela primeira vez na “Zona Quente”. A “Hot Zone” da prostituição, instalada em torno de dois ou três quarteirões na Baixa, por onde circula por toda a noite a multidão característica de ambientes tais quais esses: as moças, e obviamente seus clientes, taxistas, vendedores, turistas, e hustlers indecifráveis. Já havia estado lá com amigos para “uns copos”. Ouvindo rock & roll no Gipsy, bebendo e conversando. Nessa noite, entretanto, fui sozinho, não, obviamente, buscando os serviços das raparigas, mas curioso em interagir com o território, saturado da memória das políticas sexuais e de seus embates no trânsito (pós)colonial. Na escada de acesso ao banheiro um enorme gordo me abre os braços, como um urso familiar: “Há quanto tempo não vinhas cá, dá-me lá um abraço”. Eu não sabia de quem se tratava e suspeitei que ali se encenava um ritual de reconhecimento ou inspeção, e uma ponta de apreensão picou meu coração. Todos viam que eu era estrangeiro e tive um pouco de trabalho em recusar, com polidez, a oferta insistente das moças.
Lá, na Zona Quente, recordava como à questão da prostituição era um ponto crítico na plataforma ideológica da FRELIMO, que via na ocupação colonial, também um aviltamento à honra das mulheres moçambicanas e, por conseguinte, de seus maridos, irmãos e esposos3. A prostituição e o uso abusivo do corpo da mulher, humilhante metáfora carnal do próprio colonialismo (Machel, 1984).
Ao mesmo tempo a política colonial empenhou-se na produção do corpo, e na sua submissão a uma alma, singular e imortal, entidade abstrata imposta como dispositivo político. A ela contrapunham-se as técnicas corporais locais e seu compromisso com as estruturas culturais de poder e gênero (Weule, 2000; Arnfred, 2011). Tais práticas eram anátema  para a moral revolucionária da FRELIMO, que buscava submeter a sexualidade da mulher, e via nas prostitutas a imagem incorporada da devassidão e degradação moral do colonialismo. Como diz Samora em discurso às Forças Populares de Libertação de Moçambique, alertando-as sobre os perigos pós-coloniais: “Temos inimigos muito fortes nas cidades: o alcoolismo e as prostitutas” (Machel apud Muiane, 2006: 554).
Em belo opúsculo, Fátima Ribeiro discute o tema da prostituição na obra do poeta nacional moçambicano, José Craveirinha. Como ela apontou com grande perspicácia, a prostituição operava no ambiente (pós)colonial como uma perversa zona de contato entre o mundo branco e o mundo negro.
A transposição da barreira entre um mundo e outro realizava-se nos dois sentidos havendo uma interpenetração nociva por trazer consigo a humilhação, a degradação física e moral da mulher, a alienação cultural” (Ribeiro, 1995: 17).
Neste mesmo livrinho encantador, Ribeiro traz-nos uma foto de 1973, de Ricardo Rangel, que mostra a Rua Araujo, coração da “Hot Zone” colonial. Nela, vemos homens brancos que circulam entre as raparigas negras, representação instantânea da contradição sexual na zona quente do contato colonial. Fanon apontou para como a fronteira no mundo colonial está estabelecida pela delegacia de polícia (1979), nesse caso deveríamos acrescentar que também o bordel pode estabelecer-se como fronteira colonial4.


 Rua Araujo, Lourenço Marques, 1973, fotografia de Ricardo Rangel em Ribeiro, 1995 


Craveirinha antecipa no poema “Doce Albertina das Cervejarias” (1961) a fúria revolucionária que, mobilizada pelo ultraje colonial de gênero, se alevantaria na luta de libertação nacional no ano seguinte, do Rovuma até o Maputo:

Mas tu!
Tu minha doce Albertina assídua nos snack-bares.
Neste mundo os encervejados filhos de tuas tarefas
com um milhão de pais e padrastos incógnitos
mas cedo ou mais tarde nos todos juntos
havemos de preencher as certidões de nascimento
com os verdadeiros apelidos escritos na correcta
caligrafia dos irrefutáveis argumentos
Moçambicanos desengatilhados no norte
ao sul e do sul ao norte
fumegando em prol das Albertinas
desde Tete a Negomano
e de Quiterajo a Angoche
emboscados depois via Zumbo
Maxixe…zzzzz!!!Gaza e Magude
marchando irresistíveis até Xinavane
Manhiça e Marracuene
Até chegarmos em triunfo
A Goba e Catuane!
(José Craveirinha, 1960, citado em Ribeiro, 1995).

No mesmo dia em que estive no Gipsy, li na internet, meio por acaso, o interessante texto “Na Rota dos Pecados Noctívagos” (Verdade, 2011). O autor deplora a presença de jovens na “Zona Quente”, as “bebedeiras” e a prostituição.
A actual  juventude maputense bebe mais do que nunca. Aliás, hoje, bebe-se muito mais cedo, mas não é só o álcool que faz parte do itinerário da juventude noctívaga: droga e prostituição completam o rol das prioridades juvenis. / (…) O destino é a ´zona quente´, na baixa da cidade./Por detrás destes seis jovens esconde-se uma história de vida igual à da maioria da sua geração que parece ignorar que está à beira do precipício” (Verdade, 2011)
O tom conservador, o moralismo,  a culpabilização da mulher e o retorno a imaginados valores tradicionais da família (nuclear, patriarcal e burguesa), isso tudo volta, depois de tantos anos, e por outros meios, como elementos duradouros, presentes na cultura moçambicana. Tudo então naquela noite me assediava a imaginação: Weule, Cota, Samora, Albertina. No frio ar avermelhado da Zona Quente Pós-Colonial.
Phallus Fantasma
Em Achille Mbembe, o conceito de postcolony está vinculado à ideia de uma “age”, com temporalidades concorrentes. Desse ponto de vista a produção do Estado, ou a “estatização” da sociedade, não advém da dissolução de antigos laços sociais, mas da superposição de velhas hierarquias e redes (Mbembe, 2001: 42). Outras dimensões da postcolony referem-se à ética da vulgaridade e à conversão fálica ao cristianismo, como obsedante possessão fantasmagórica do Estado e de sua erótica de alteridade e poder: “The phantasm of power and the power of the phantasm” (Mbembe, 2001: 231)5. Desse modo, a dominação consiste, para dominantes e dominados, na assombração pelos mesmos fantasmas, manifestada sob a forma avassaladora de uma economia da sexualidade:
The form of domination imposed during both the slave trade ns colonialism in Africa could be called phallic. During the colonial era and its aftermath, phallic domination has been  all the more strategic in power relationships, not only because it’s based on a mobilization of the subjective foundations on masculinity and femininity but also because it has direct, close connections with the general economy of sexuality” (Mbembe, 2001: 13).
O que observamos é que o fundamento de tal economia política enraíza-se, no trânsito colonial, pela incorporação do destino da mulher, e de sua sexualidade, ao front do debate político.
Referências Bibliográficas
ARNFRED, Signe. Sexuality and Gender Politics in Mozambique – Rethink Gender in Africa. Woodbridge. James Currey/The Nordic Africa Institute. 2011.
BUTLER, Judith. Gender Regulation. In . ___ Undoing Gender. New York. Routledge. 2004. Pp. 40-56.
DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx. Rio de Janeiro. Relume Dumará. 1994.
FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
HONWANA, Alcinda M. Espíritos Vivos, Tradições Modernas: Possessão de Espíritos e Reintegração Social Pós-Guerra no Sul de Moçambique. Trad. Orlando Mendes; Promédia, 2002.
LIESEGANG, Gerhard. Prefácio Biográfico e Notas Técnicas do Tradutor. In __ . WEULE, Karl.Resultados Científicos de Minha Viagem de Pesquisas Etnográficas no Sudeste da África Oriental. Ministério da Cultura. Departamento de Museus. Maputo. 2000. Pp. xix- xxxiii.
MACHEL, Samora. A Harmonia deve Começar no Seio da Cada  Família. Presidente Samora na abertura da Conferência Extraordinária da OMM. CEA – UEM. Pasta 160/ZC. 1984.
MACHEL, Samora. Discurso do Presidente Samora Machel no jantra das Forças Populares de Libertação de Moçambique. In ___ . MUIANE, Armando Pedro. Datas e Documentos Históricos da FRELIMO. Edição do autor. Maputo. 2006. Pp.552-555.
MBEMBE, Achile. On the Postcolony. University of California Press. 2001
MOORE, Henrietta L. Women and the State. In . __ . Feminism and Anthropology. Minneapolis. University of Minnesota Press. 1988.pp. 129-185.
RIBEIRO, Fátima. Uma Abordagem do Tema da Prostituição na Poesia de José Craveirinha. Maputo. AMOLP. 1995.
WEULE, Karl. Resultados Científicos de Minha Viagem de Pesquisas Etnográficas no Sudeste da África Oriental. Ministério da Cultura. Departamento de Museus. Maputo. 2000.


Agradeço a Aissa Mithá Issak, Hector Guerra Hernandez e Omar Ribeiro Thomaz, pelo apoio e inspiração.
·         1.Sobre regulação de gênero Cf. Butler, 2004.
·         2.Ver o esclarecedor prefácio de G. Liesegang ao livro (2000).
·         3.Sobre o Estado e a honra masculina cf. Moore, 1988.
·         4.O trecho em “Os Condenados da Terra” diz: “O mundo colonizado é um mundo cindido em dois. A linha divisória, a fronteira, é indicada pelos quartéis e delegacias de polícia. (…) Nas colônias, o interlocutor legal e institucional do colonizado, o porta-voz do colono e do regime colonial de opressão é o gendarme e o soldado. Vê-se que o intermediário do poder utiliza uma linguagem de pura violência. O intermediário não torna mais leve a opressão, não dissimula a dominação. Exibe-as, manifesta-as com a boa consciência das forças da ordem. O intermediário leva a violência a casa e ao cérebro do colonizado” (1979).
·         5.Sobre fantasmas, obsessões e o Poder Cf. Derrida, 1994. Sobre “espíritos” em Moçambique Cf. Honwana, 2002.

Corpo | 9 Abril 2013 | géneromoçambiquepos-colonial


DHLAKAMA ASSUME QUE MANDOU ATACAR ACAMPAMENTO DA FIR EM MUXÚNGUÈ


DHLAKAMA ASSUME QUE MANDOU ATACAR ACAMPAMENTO DA FIR EM MUXÚNGUÈ
Dhlakama em Santugira, Gorongosa


Lourenço do Rosário está a mediar diálogo entre Guebuza e Dhlakama 
Gorongosa (Canalmoz) - O líder da Renamo assumiu hoje em conferência de Imprensa que concedeu na sua base em Satungira, Gorongosa, que a ordem de retaliar o ataque ao acampamento da FIR em Muxungue, onde morreram quatro agentes desta unidade policial, foi dada por si. Dhlakama garantiu ainda que a Renamo irá retaliar todos os ataques que forem protagonizados pelos pelas forças policiais contra os membros da Renamo.

Lourenço do Rosario na mediação
Afonso Dhlakama anunciou ainda que neste momento o Professor Lourenço do Rosário está a mediar diálogo entre o Presidente da República, Armando Guebuza e o líder da Renamo, mas disse que para que a aproximação prossiga exige a libertação dos 15 membros do seu partido detido pela Polícia quarta-feira da semana passada em Muxungue, quando a FIR atacou a sede da Renamo, forçado a retaliação já referida.

Fim do cerco a Gorongosa

Dhlakama disse que as forças de defesa e segurança estão a cercar a sua base em Gorongosa e exigiu que recuem imediatamente, pois do caso contrário "não vai permitir ser atacado primeiro".
Exigiu igualmente que a "Frelimo pare de atacar os membros da oposição, não somente da Renamo".


Revisão imediata da lei eleitoral
Sobre o processo eleitoral que se avizinha, Dhlakama disse que é urgente a revisão da Lei eleitoral para garantir a paridade na representação dos partidos políticos na Comissão Nacional de Eleições. 
Dhlakama considera os membros da sociedade civil na CNE, "campangas da Frelimo".
(Fernando Veloso, em Satungira)


AFONSO DHLAKAMA GARANTE QUE NÃO VAI VOLTAR À GUERRA


Afonso Dhlakama garantiu hoje na conferência de imprensa, a partir da sua base na Gorongosa, que não vai voltar à guerra, mas advertiu o Governo que se se sentir atacado, atacará.


“Nunca vai haver mais guerra, mas não estou nada satisfeito com a situação e é preciso que sejam resolvidos rapidamente os problemas pendentes”, nomeadamente a composição dos órgãos eleitorais, que a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) contesta.
Dhlakama disse ainda que estão a ocorrer contactos com o Presidente moçambicano, Armando Guebuza, intermediados por um académico moçambicano, na sequência dos ataques da semana passada, que provocaram pelo menos oito mortos.
O líder da Renamo falou numa antiga base militar na Gorongosa, onde se encontra desde outubro do ano passado.
Nas negociações que estão a decorrer com o Governo de Armando Guebuza, o líder da Renamo revelou que exigiu a retirada dos efetivos policiais que, disse, o estão a cercar na serra da Gorongosa e a libertação de 15 militantes da Renamo detidos na última semana em Muxunguè.
Dhlakama disse ainda que haveria abertura da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder) para uma alteração à lei eleitoral, que a Renamo contesta. “As coisas estão a andar”, disse.
Na última semana, confrontos em Muxunguè entre elementos da Renamo e a polícia causaram cinco mortos e, no sábado, um ataque a um camião cisterna provocou três mortos.
Hoje, Dhlakama assumiu que autorizou o ataque ao quartel da polícia de Muxunguè, no distrito de Chibabava, de onde o líder da Renamo é natural.
“Tinha conhecimento e autorizei”, disse, revelando ter sido procurado pelos militantes do seu partido, na sequência de um ataque da polícia à sede do partido em Muxunguè.
“Não posso esconder, eu disse-lhes: ‘arranjem-se desenrasquem-se, vocês fizeram a guerra, sabem onde apanhar armas, defendam-se’, e no dia seguinte responderam”, disse Dhlakama.
Na conferência de imprensa na Gorongosa, o líder da Renamo acusou a comunidade internacional de pactuar com a “existência de eleições não transparentes” em Moçambique.
“Os europeus sabem o que acontece aqui e que não podem acontecer em Portugal ou na União Europeia, mas no fim dão condecorações” aos dirigentes da Frelimo.
Durante a sua longa intervenção, Dhlakama referiu-se diversas vezes ao que considerou serem as diferenças entre o sul, por um lado, e o centro e o norte de Moçambique, por outro, e disse que “a Frelimo tem planos para destruir o centro e o norte daqui a 20 anos”.
O PAÍS – 10.04.2013



09 abril 2013

DONA DEMOCRACIA E SEUS DEMÓNIOS

DONA DEMOCRACIA E SEUS DEMÓNIOS
Não sou fã de Paulo Coelho, o escritor brasileiro. Mas isso não o impede de escrever coisas bem interessantes. Por exemplo, numa das suas obras, “O demônio e a Senhorita Prym”, ele escreve o seguinte: “Há dois tipos de idiotas; aqueles que não agem porque receberam uma ameaça e aqueles que pensam que estão a agir porque eles próprios proferiram uma ameaça”.
De certeza que muitos leitores se vão sentir tentados a encontrar nesta observação perspicaz uma descrição adequada dos perigos que o retiro eremita do líder da Renamo representa.
Embora haja paralelos preocupantes, há muito mais que podemos extrair da observação. Na verdade, mais preocupante na instrumentalização política da ameaça pode ser o que ela diz acerca da nossa cultura política. E dizendo isso, pode ser que o líder da Renamo seja o mal menor.

Dois reparos
Preciso de dizer duas coisas antes de prosseguir. São importantes para melhor contextualização do alcance da citação de Paulo Coelho. A primeira é simples. O perigo do retorno à guerra em Moçambique é, objectivamente falando, bastante ínfimo. Parece gigantesco porque há gente apostada em o amplificar.Mais por isso. Moçambique em 2012 não é Moçambique dos anos setenta. Não há vizinhos agressivos como os que tivemos naquela altura; não há um contexto internacional de polarização ideológica como o tivemos naquela altura; o nosso país não é uma sociedade feita de indivíduos que seguem docilmente a vontade dum grupo de gente que se considera encarregue de tornar feliz todo o povo; Moçambique é feito de muitos moçambicanos com propriedade e, portanto, com interesse em desfrutar essa propriedade em paz, incluindo muita gente nas hostes dos partidos que neste momento são enteados da nossa democracia de partido único; mesmo aqueles que não têm nada – e são a maioria – têm interesse em manter o ambiente de paz; qualquer potencial rebelde, sobretudo na cúpula, virá sempre de alguém que ao contrário dos tempos do “bandido armado”, tem mesmo algo a perder.
 É certo que para haver guerra não é preciso mais nada senão alguém suficientemente insensato para pensar que tem razões fortes para enveredar por esse caminho. Esta é de facto a situação trágica dum país com um Estado frágil como o nosso. O potencial de desestabilização interna é enorme e para isso não são necessários homens armados. Na verdade, o maior perigo à estabilidade deste país vem mais da rua e dos mercados informais do que duma rebelião armada. Esse potencial reside na natureza espontânea, e explosiva, da violência que sempre pode vir desse canto. Agora, para que haja guerra, porém, não basta o primeiro tiro. O mais importante é produzir uma dinâmica suficientemente forte para que haja o segundo, terceiro e quarto tiros. E isso nas condições actuais de Moçambique é extremamente improvável tanto mais que ao contrário do passado aqueles – de fora – que teriam interesse em atiçar esse tipo de conflitos estão mais interessados em preservar os seus interesses económicos. Iniciar uma guerra nas condições actuais de Moçambique seria um acto suicida. Jonas Savimbi não está aqui para o confirmar. E essa é a confirmação.
A segunda coisa que eu quero dizer antes de prosseguir é mais complexa. Tem a ver com a forma como abordamos a racionalidade da acção política. Sobretudo entre a massa pensante do país prevalece a ideia de que a acção política se explica pela forma como ela responde a considerações normativas. Agimos politicamente com o intuito de preservar a democracia, combater a pobreza, criar uma sociedade mais justa e, geralmente, desenvolver Moçambique. Quem me dera que fosse assim! Para já, Moçambique seria uma excepção mundial porque a lógica da acção política funda-se, e, lamentavelmente, esgota-se na acumulação do poder como um fim em si próprio. E não estou a ser cínico. É verdade que de vez em quando falamos de “socialismo”, “capitalismo”, “liberalismo”, “justiça social” e não sei que mais. Contudo, esse palavreado tem mais servido – e repito: em todo o mundo – para justificar retroactivamente a nossa acção política. Este é um problema estrutural da democracia para o qual não há remédio santo, razão pela qual cada democracia é bem diferente da outra. É por isso que nos EUA temos cada vez mais uma democracia oligárquica – em que só aquele que consegue reunir muito dinheiro (na base de promessas que inviabilizam o seu manifesto eleitoral) concorre – enquanto que no continente europeu assistimos a uma profissionalização da sociedade civil que vai definhando a esfera pública.
Com isto quero discordar profundamente de algumas leituras que são feitas dos nossos partidos políticos. É perfeitamente racional que a Frelimo se transforme cada vez mais numa máquina política apostada apenas em manter o poder. Se isso significa mandar para o diabo princípios que ela própria defendeu no passado ou valores que alguns dos seus membros nutrem, oh pá, manda passear! Classificar isto de anti-democrático, imoral e traição da memória de Eduardo Mondlane e Samora Machel faz bem ao nosso próprio equilíbrio moral como críticos, mas parece-me inútil e analíticamente pobre. A preservação do poder pela Frelimo vai implicar necessariamente, nas condições actuais, o definhamento da esfera pública e, o que é ainda mais infeliz, o enfraquecimento da oposição. À medida que cresce o poder da Frelimo aumenta também a sua atractividade. Jovens formados, inteligentes e com ambição verão nela o principal veículo de realização profissional. Quadros das mais variadas áreas no aparelho do Estado e no sector privado verão na cumplicidade com coisas que não estão bem – mas são, aos seus olhos, no interesse da Frelimo – a melhor maneira de preservarem as suas posições. Se as pessoas se juntassem à Frelimo só por convicção, ela de certeza que não teria tantos membros quantos tem. Curiosamente, há mais probabilidade de encontrar mais militantes por convicção nos outros partidos do que na Frelimo. Para usar uma metáfora mais acessível às mentes menos descolonizadas do país: há mais convicção no adepto (que restou) do Sporting de Portugal hoje do que numa boa parte dos adeptos do FC Porto. O sucesso exerce o mesmo tipo de atracção que detritos duma certa natureza exercem sobre as moscas. E muitas vezes a única maneira de manter as moscas é continuar a produzir os cheiros que as atraíram. E essa produção pode ser feita à revelia de quem manda, mas sempre na crença na ideia de que ele (ou eles) assim quer(em).
Reconheço que a imagem não é agradável, mas devia ajudar a perceber melhor as coisas. A lógica que estou a tentar expôr vale também para a oposição. O uso da ameaça como instrumento político, sobretudo pela Renamo, não revela, num primeiro momento, pouca convicção democrática, falta de sentido estratégico e inépcia política. A ameaça continua simplesmente a ser um dos melhores instrumentos políticos que a Renamo tem. Não sendo – e nunca tendo sido – um movimento social que articula preocupações genuinas de sectores da sociedade moçambicana o seu principal trunfo na prossecução do poder político é a força bruta que a catapultou para as esferas mais altas da determinação política dos destinos do poder. E nem estou a sugerir que haja cálculo na acção do líder da Renamo. Na verdade, e curiosamente, se houvesse cálculo ele resistiria ao canto sedutor da ameaça. Bem vistas as coisas, há uma lógica quase que perversa do nosso sistema político. O único recurso viável que a oposição tem ao seu dispôr – a ameaça – acaba sendo funcional ao reforço do poder da Frelimo. Deve ser muito frustrante para a oposição, o que fomenta ainda mais a “irracionalidade” da sua acção política. É bem provável que quando o líder da Renamo se deslocou à Gorongosa não tivesse nenhum plano de convidar o governo para um “diálogo” lá, mas que uma vez lá, e rodeado de toda a simbologia que o catapultou para as esferas do poder político – refiro-me à simbologia da guerra – lhe tivesse ocorrido nesse preciso instante a ideia de proferir uma ameaça que depois ganhou vida própria nas mãos dos sectores mais histéricos da nossa opinião pública. Se calhar ele já está arrrependido, mas não tem maneira de recuar sem “confirmar” a sua inépcia política. Repito: ser oposição num país de democracia de partido único é extremamente frustrante. Está-se condenado a ajudar a reproduzir o poder de quem está no poder.

Qual é o “idiota” que vai salvar Moçambique?

Com estes dois reparos longos já posso entrar para o tema propriamente dito. E o tema consiste ainda na relação que existe entre os dois tipos de idiotas identificados por Paulo Coelho e a nossa cultura política. Um não age por medo e outro age porque pensa que a palavra o comprometeu. Esta tensão descreve, em minha opinião, a nossa cultura política. Deposito toda a minha esperança no primeiro “idiota”, pois só ele pode salvar o país se assumir a sua responsabilidade como cidadão. O segundo “idiota” é a causa dos nossos problemas, por isso ele não pode ser a solução. Mas qual antídoto, se calhar não faria mal conhecê-lo melhor. É justamente isso que me proponho fazer nos parágrafos que se seguem.
Na verdade, há um certo sentido em que podemos dizer que a cultura política do país é refém dum discurso político dos anos 50, 60 e 70 do século passado que tem sido o maior calcanhar de aquiles do Estado em África. Trata-se dum discurso messiánico, portanto, milenarista, que aposta profundamente na ideia duma eleição divina que vai preparar o reino do Senhor. É um discurso que se funda numa concepção política baseada, curiosamente, na rejeição da política como instrumento de gestão das relações sociais. Os paralelos com a religião – sobretudo com religiões monoteístas – não são fortuitos. Há na verdade uma afinidade electiva muito grande entre religiões como o Cristianismo e o Islão e a concepção política em que se baseia o discurso fundador do Estado africano. Essa afinidade está na utopia, isto é na imaginação duma sociedade radicalmente diferente da actual e que vai trazer a harmonia eterna nas relações entre os homens. Continue a ler que eu ainda vou explicar melhor.
O nacionalismo em Moçambique surgiu do descontentamento com a ordem social colonial. Esse descontentamento ganhou coerência como discurso utópico que se pôs a imaginar Moçambique sem o poder colonial. Essa ideia dum Moçambique livre do jugo colonial estimulou a acção de jovens intrépidos que apostaram as suas vidas na prossecução dessa utopia. Lutar por Moçambique implicou, necessariamente, a adopção da convicção segundo a qual os sentimentos nobres representados pelas pessoas que fizeram a luta constituiriam também a legitimação do seu papel como aqueles que iriam produzir uma sociedade mais justa, harmoniosa e consistente com a História. A ideia corrente naqueles tempos de que certos grupos seriam os “representantes legítimos do povo não-sei-quantos” reforçou a convicção destes indivíduos na sua eleição ao estatuto messiánico de anunciadores da nova ordem social. Foi assim em Moçambique como também foi noutros países africanos com a sua lista interminável de “pais da nação” e “libertadores da nação”. Nos países onde foi necessária a luta armada para tornar possível a independência – Angola, Argélia, África do Sul, etc. – surgiu um novo fenómeno, o fenómeno conhecido na literatura apropriada como “movimentos de libertação no poder”, cuja característica essencial é a sua rejeição instintiva da política como instrumento de regulação social. O momento onde isto se manifestou com maior clareza no nosso país foi logo a seguir à independência com o projecto marxista e sua ideia dum partido de vanguarda repositório das aspirações legítimas do povo moçambicano. A abertura do sistema político em 1992 não alterou de forma significativa esta rejeição da política, pois a ela acrescentou-se o messianismo da Renamo com a sua ideia de que a “luta pela democracia” lhe devia conferir o direito de ditar os destinos do país.
Este é o principal problema da nossa cultura política. Por norma, o jogo político é um jogo da soma zero. Isso é, em princípio, assim em todo o lado. O que um partido ganha é o que o outro partido perde. A forte ascendência da Frelimo, portanto, encontra a sua justificação neste princípio. Não é necessariamente por maldade de quem dirige a Frelimo, nem é mesmo por astúcia dos seus militantes. Não me parece prudente, nem sensato basearmos a análise do nosso sistema político na espectativa de que o partido forte perca uma parte do seu ascendente por uma questão de “defender a democracia”. Se a Renamo ou o MDM também tivessem o mesmo ascendente político comportavam-se da mesma maneira. Não iam oferecer votos à Felimo só para “equilibrar” o jogo democrático. Se o Maxaquene manteve o suspense durante tanto tempo antes de conquistar o título a duas jornadas do fim, foi porque não conseguiu arrecadar os pontos necessários a tempo; não foi para tornar o campeonato interessante... O jogo da soma zero é próprio do sistema político democrático. Do fim da segunda guerra europeia até aos anos noventa produziu nos países escandinavos quase os mesmos resultados que produz, ao nível da estrutura política, no nosso país. Os partidos social-democratas (ou laborais) governavam efectivamente em democracias de partido único.
No nosso contexto, porém, esse jogo da soma zero ganha contornos extremamente problemáticos sob o pano de fundo da convicção segundo a qual a existência de pontos de vista diferentes e, acima de tudo, de projectos de sociedade diferentes, constituiria um atentado ao direito histórico que certos grupos ganharam – os da “luta de libertação nacional” e os da “luta pela democracia” – de definir o que a nação moçambicana deve ser. As vitórias eleitorais da Frelimo confirmam, aos olhos dos seus militantes, a justeza da sua convicção numa eleição história; os desaires sofridos pela Renamo confirmam, aos olhos dos seus militantes, a injustiça dos homens que se opõem à realização da sua convicção numa eleição histórica. É muito complicado! Mas é isto que constitui o maior desafio à democracia em Moçambique. A visão messiánica que os nossos principais actores políticos têm torna-os extremamente desconfiados em relação a tudo quanto seja diferente. Eles apostam literalmente numa unidade nacional que implica uniformidade e são impacientes com tudo quanto atente contra a visão de sociedade que eles têm. E não importa se esta visão se modifica diariamente. A sua convicção numa eleição histórica garante que eles tenham sempre razão. Por extensão, enquanto o líder da Renamo não conduzir os destinos deste país nenhum diálogo será conclusivo, pois na sua perspectiva messiánica – que ele partilha com a Frelimo – os outros são usurpadores dum poder que lhe pertence por determinação histórica. Curiosamente, este tipo de postura está de novo a ganhar força nas democracias mais maduras, sobretudo sob a influência do fanatismo religioso. Há 200 anos Alexis de Tocqueville, o grande analista francês da cultura política americana, apostava no sucesso da democracia nos EUA com base na convicção segundo a qual a existência de várias denominações protestantes garantia a aceitação implícita da legitimidade duma visão diferente para o país. Hoje esse quadro alterou-se com os fundamentalistas cristãos, ao estilo da nossa cultura messiánica, a considerarem inimigo e herético todo aquele que pensa diferente. A democracia americana entrou em declínio, em minha opinião.
Ora, a visão messiánica em si é que constitui uma ameaça. É uma ameaça que pesa sobre todos nós. É ela que paralisa uma boa parte de nós. É ela que faz com que muitos de nós pactuem com a incompetência, a impunidade, o nepotismo, o oportunismo e tantos outros defeitos da nossa cultura política onde quer que eles se manifestem. O único escudo contra esses defeitos não é perfeccionar a arte de chamar nomes à Frelimo ou à Renamo; nem é procurar refúgio no conforto da crítica simplista, da crítica que foge dos méritos duma questão e nada no mar sujo das suas próprias convicções ideológicas muitas vezes mal formuladas. O único escudo contra esta cultura política messiánica e seus efeitos perversos é cada um de nós assumir os seus deveres como cidadão. Isso, mais do que um compromisso natural dos políticos com os valores da democracia, é que civiliza a acção política e educa os políticos. É assim nos lugares onde a democracia funciona melhor do que entre nós. Angela Merkel, Barack Obama, Passos Coelho e François Hollande não são mais democratas do que Jacob Zuma, Armando Guebuza ou Afonso Dhlakhama. Eles têm simplesmente menos oportunidades de serem como são, nomeadamente pessoas normais. E isso é assim porque agem politicamente em sociedades com indivíduos que assumem as suas responsabilidades como cidadãos. É assim porque insistem na importância da política que os “pais de...” rejeitam e odeiam.
Com isto não quero sugerir a ideia de que as pessoas devam ir à rua ou desencadear uma acção qualquer dramática. Não! As pessoas têm que prestar atenção às pequenas coisas da vida. Não jogar lixo no chão, não saltar a bicha porque alguém se considera mais importante do que os outros, dar emprego a quem achamos estar à altura do desafio profissional, exigir a nós próprios (e não só aos políticos e figuras públicas) probidade, integridade e respeito pelos procedimentos administrativos, indignarmo-nos contra tudo que torna a vida dos menos afortunados da nossa sociedade mais difícil ainda, nunca agir no interesse duma ideia fantástica de quem a violação dos preceitos da integridade pode prejudicar ou ajudar. Quando Paulo Coelho escreve que o primeiro tipo de idiota é aquele que não age porque alguém o ameaçou, ele referia-se ao cidadão que se esconde por detrás do expediente político para não honrar o lugar que ocupa na sociedade. Chamar a Frelimo de arrogante e a Renamo de fraca, repito, é o mais fácil. Exigir responsabilidade cívica a nós próprios é mais complicado. E por isso mesmo optamos pelo simples.
A Dona Democracia é uma dama caprichosa com forte inclinação suicida. Ela não é aquilo que a Frelimo quer, muito menos o que a Renamo quer. Ela é aquilo que a sociedade quer que ela seja. É uma oportunidade renovada que se apresenta constantemente à sociedade em plena consciência de como a máquina inexorável da política pode minar os seus alicerces e chegar mesmo a inviabilizá-la. Assim, quando se cria alarido em torno do retiro eremita do líder da Renamo passa-se perigosamente por cima de processos mais básicos que precisam de ser equacionados. Seguindo a lógica da acção política não há coisa mais normal neste mundo do que o líder da oposição fazer recurso a esse tipo de acções. E quanto mais gente houver que fale disso, melhor para ele. Igualmente, não há coisa mais natural neste mundo do que um partido no poder, neste caso a Frelimo, que tenta apoderar-se de todo o poder. E quanto mais gente houver que se desdobre em clamores contra a sua trivialização ideológica, melhor para ela e para aqueles que reconheceram que a arrecadação do poder é o que está a dar. Uma Frelimo dirigida só por intelectuais que apostam no valor terapêutico do raciocínio e da ponderação não estaria no poder para contar a sua própria história. A medida da perplexidade desses intelectuais – na verdade, demagogos marxistas ultrapassados pelos acontecimentos – está no facto de nem mesmo conseguirem segurar os seus lugares nos orgãos decisores desse partido e procurarem consolo em teorias de conspiração segundo as quais eles teriam sido afastados por vontade de “alguém”. Estão completamente desnorteados. O único “idiota” que vai salvar este país é o cidadão responsável, não o pseudo-intelectual que foi afastado da Frelimo ou que o líder da Renamo não tem. Dói, para mim como académico, reconhecer isso, mas a vida é assim mesmo. O resto são demônios, um dos quais é pensar que os ventos que sopram da Gorongosa são perigosos. Não me parece.

Elísio Macamo

FORA DOS PALCOS - “BONS RAPAZES” NA TERNURA DOS 30

FORA DOS PALCOS - “BONS RAPAZES” NA TERNURA DOS 30

A banda Ghorwane - “bons rapazes” - celebra a 10 de Maio próximo, 30 nos de existência. São três décadas de um percurso marcado pelo activismo cívico e pela consciência crítica. Com efeito, os Ghorwane afirmaram-se contra a estagnação artística do panorama artístico moçambicano, cantando em diversos linguas nacionais.

A banda tornou-se um agrupamento único ao criar um estilo musical próprio, baseado em vários ritmos tradicionais moçambicanos, acompanhados por letras com um alto teor de crítica social.
Em 1986, os Ghorwane gravaram uma série de canções de contestação à guerra que grassava o país, de entre elas, o tema “Massotcha” que ganharia amplo destaque nas tabelas de vendas, ao lado de bandas sul-africanas como os PJ. Powers e os Stimela. Conseguido algum destaque junto dos admiradores da World Music, viriam a ser convidados por Peter Gabriel para tocarem no certame WOMAD, em 1990. É durante esse festival que a etiqueta Realworld, de Gabriel, lhes sugere a gravação do CD. “Majurugenta”.
Em 1994, os Ghorwane escrevem a música da série “Não É Preciso Empurrar”, sob a direcção artística de Karen Boswell e com textos de outro nome grande da cultura moçambicana, o escritor Mia Couto. A série educativa conheceria grande sucesso e estabeleceria definitivamente os Ghorwane como um dos projectos mais relevantes da música moçambicana. Mantendo uma agenda de espectáculos bastante preenchida, a banda não deixou de manter uma certa regularidade nas gravações de estúdio. Em 2000, na sequência das dramáticas cheias que assolaram o território moçambicano, os Ghorwane integram o projecto “Mozambique Relief”, com o intuito de produzir um CD cujas receitas de vendas beneficiariam as vítimas da catástrofe. Em 2005, a banda gravou um álbum de homenagem ao saxofonista e compositor Zeca Alage, morto em 1993.
Entretanto, para celebrar os 30 anos de existência, o Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM) irá acolher no dia 10 de Maio, o primeiro de uma série de eventos comemorativos que se realizarão entre Maio e Dezembro do corrente ano.
DISCOGRAFIA
1993, Majurugenta
1994, Não é preciso empurrar
1997, Kudumba
2000, Mozambique Relief
2005, Vana-Va-Ndota



Maputo, Quarta-Feira, 10 de Abril de 2013:: Notícias

04 abril 2013

CONFRONTO ENTRE A RENAMO E AS FORÇAS DE INTERVENÇÃO RÁPIDA MUXUNGUE EM PÉ DE GUERRA


CONFRONTO ENTRE A RENAMO E AS FORÇAS DE INTERVENÇÃO RÁPIDA

MUXUNGUE EM PÉ DE GUERRA 

Há informação de fontes hospitalares que indicam haver quatro agentes da Polícia mortos 13 agentes da polícia feridos e uma senhora civil ferida. Todos deram entrada no hospital local, segundo fontes hospitalares não autorizadas a falar a Imprensa

No hospital local a reportagem do Canalmoz viu na sala de tratamentos oito agentes da Polícia fardados que estão a receber tratamento com sinais de ferimentos graves. Entrevistados, disseram que foram atacados pela Renamo.

Na vila, a população está a abandonar em debandada as suas residências. Não há comércio nem outra actividade desde ontem. As escolas estão fechadas. 




Muxungue (Canalmoz) – Um ataque conduzido pelos agentes da Força de Intervenção Rápida (FIR) à sede da Renamo no posto administrativo de Muxungue, distrito de Chibabava, em Sofala, está a degenerar em situação de conflito armado. Desde a madrugada de ontem (quarta-feira) que a FIR atacou a sede da Renamo onde alega-se que estavam reunidas dezenas de pessoas, a vida em Muxungue deixou de ser normal.
A Reportagem do Canalmoz estacionada em Muxungue descreve a realidade no terreno que é caracterizada por medo, boatos e falta de informação oficial por parte das autoridades. As autoridades não falam. Por exemplo, no hospital local onde estão a ser assistidos agentes da Polícia feridos, esta manhã de quinta-feira esteve a equipa do Canalmoz que foi recomendada a contactar o administrador distrital para qualquer informação que queira apurar.
Sem informação oficial, só se houve o que contam as populações locais, os que ainda estão na vila, pois a maioria já abandonou as suas casas em busca de refúgios em locais seguros. 
Há também versão não conformada de que os polícias feridos e mortos foram vítimas de tiros da própria corporação, mas até aqui tudo não passa de suposições. A verdade custa apurar pois neste momento Muxungue está sitiado. Andar pela pequena cidade é perigo eminente de ser atingido pelos tiros.

 Ataque de quarta-feira
O que a população diz ter acontecido é que agentes da Força de Intervenção Rápida atacaram nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira a sede da Renamo no bairro de Mutongoti onde encontravam se membros do partido. A FIR entrou a disparar para matar sem razão aparente tendo inclusive morto uma senhora que nem era membro da
Renamo mas que se encontrava nas imediações.
Cerca de oito pessoas contraíram ferimentos graves sendo que parte delas foi transferida para o Hospital Central da Beira, na Capital de Sofala. Segundo relatos há mais de uma dezena de membros da Renamo detidos pela polícia. Todas as pessoas que falaram para o Canalmoz estão convictas de que “foi um ataque da FIR a homens civis que sempre trabalharam na sede da Renamo. A população diz que é a FIR que começou com a violência.
Segundo contaram ao Canalmoz as fontes, há dias que a FIR chegou em Muxungue e “está a semear medo e terror”. “Pessoas são violentamente espancadas por falta de Bilhetes de Identidade. Até arrancam dinheiro e bens das pessoas” contou-nos uma jovem que trabalha numa das inúmeras barracas da pequena, mas movimentada cidade localizada junto a Estrada Nacional Número 1 (N1).


Ambiente de guerra




Depois do ataque da FIR instalou-se um verdadeiro ambiente de zona de combate na vila do Muxungue. Os habitantes da vila estão desesperadamente a deixar seus bens fugindo para Chibabava, sede do distrito. Durante todo o dia ontem, quarta-feira, não havia corrente eléctrica e as redes de telefonia móvel eram constantemente interrompidas em Muxungue. As comunicações foram restabelecidas durante a noite de ontem. Muxungue está irreconhecível. Os camionistas não estacionam na vila por causa do medo de serem alvejados.
A reportagem do Canalmoz está no terreno e testemunhou a transformação quase que repentina da movimentada vila de Muxungue numa vila fantasma. Quase todos os estabelecimentos nocturnos fecharam durante a noite. Até as bombas da BP que ali funcionam tiveram que fechar mais cedo.
“A população está com medo da FIR” disse-nos um funcionário da BP que se encontrava a encerrar as bombas a recusar abastecer viaturas.
O Canalmoz conversou com um professor da Escola Primária Completa de Mucolocoche onde estudam mais de 600 alunos e confirmou-nos que ninguém foi à escol na quarta-feira. As pessoas estão aterrorizadas com a acção da FIR que segundo contam-nos terá a resposta violenta da Renamo. 

Situação na quinta-feira

Pela madrugada da quinta-feira voltou a se ouvir tiros na pequena cidade. A partir de 3h40 minutos ouviam-se disparos de armas de guerra, pesadas e ligeiras. Os disparos pararam cerca de 4 horas.

Mortos e feridos no hospital


A reportagem do Canalmoz deslocou-se ao hospital local onde apurou de fontes hospitalares terem dado entrada quatro mortos e 13 feridos, todos agentes da FIR. Imagens captadas pelo Canalmoz no local mostram feridos em tratamento na unidade sanitária.
Ninguém sabe como os polícias teriam sido alvejados. Ninguém fala de ataque da Renamo, mas a verdade é que há estes mortos e feridos. Os polícias feridos em tratamento disseram que foram atacados pela Renamo.

 “É tudo mentira”

Contactado o inspector da Polícia e porta-voz do Comando Geral da polícia Pedro Cossa, disse que não houve nenhum ataque em Muxungue. “Isso é mentira. Esses teus colegas que estão em Muxungue estão a mentir”, disse Pedro Cossa. Mesmo após informa-lo que o Canalmoz dispõe de imagens que retratam a situação, Pedro Cossa insistiu que é “tudo mentitra”.
“Se o senhor telefonou para mim para saber a verdade, diga que isso é mentira”, disse e desligou o telemóvel. 

Versão da Renamo

Contactado o General da Renamo que está em Maputo, Hermínio Morais, disse que da parte do seu partido não houve ordens para atacar a polícia, nem para ripostar o ataque da FIR. 
Desconhece-se como os polícias estão feridos e outros mortos. 

Camião carregado de gás

Um camião carregado de gás que pernoitou nas bombas da BP em Muxungue é dado como perigo eminente. O seu condutor disse ao Canalmoz que em caso de ser atingido por um disparo de arma de fogo, a carga pode explodir e queimar tudo ao redor num raio de 5 quilómetros.
Entretanto, o tráfego até as 7 horas de hoje, quinta-feira continuava na N1 em Muxingue, nos dois sentidos norte e sul, mas a qualquer momento pode ser cortado dado o medo que se vive na pequena vila. (Fernando Veloso e Luciano da Conceição, em Muxungue)

(NR: Notícia em actualização em www.canalmoz.co.mz)

Para mais informações assista a reportagem da RTP-África in: 


02 abril 2013

OS JOGOS POLÍTICOS REVELAM ALGUNS “COMPLEXOS DE SUPERIORIDADE” NA “MANGA DOS CASACOS”


OS JOGOS POLÍTICOS REVELAM ALGUNS “COMPLEXOS DE SUPERIORIDADE” NA “MANGA DOS CASACOS”

… Os complexos de Dar es Salaam não foram enterrados…

Beira (Canalmoz) - Aquele barulho que ecoa na arena política moçambicana não é saudável na medida em que sugere mistura indigesta para a maioria dos moçambicanos.
Parece que alguém está disposto a “pescar nas águas turvas” que dominarão o cenário se o “comboio político” moçambicano descarrilar.
Que ninguém se esqueça que antes, durante todo o período colonial se criou uma mentalidade baseada no complexo de superioridade e no complexo de inferioridade. Era comum que os moçambicanos negros se considerassem por eles próprios, inferiores ao colonizador branco. Foi montada uma cultura e procedimentos sociais que associavam as pessoas conforme a cor de sua pele e daí se caminhou para comportamentos racistas que estão documentados.
Outra coisa que convém não esquecer é que entre as diferentes tribos e etnias que compõem o mosaico nacional também se criaram mentalidades e comportamentos que exploravam diferenças culturais, tradições e colocavam uns moçambicanos acima de outros, com base num critério étnico-tribal. Promoveram-se classificações que remetiam e consideravam as pessoas conforme o seu lugar de nascimento.
Aqueles esforços empreendidos de maneira mecânica pela Frelimo, dizendo em comícios “Abaixo o tribalismo” ou outros “ismos” não acabaram com nada.
As pessoas que viviam concebendo-se superiores continuaram a fazê-lo. Mesmo em própria sede do comité central da Frelimo, da liderança governamental verificou-se ao longo dos anos uma tendência para dar primazia aos naturais de uns locais e não de outros em tudo que se referia a colocações e nomeações para funções em órgãos governamentais.
O que uns chamavam de confiança política para outra não passa de simples manifestação de fazer política com base na tribo. Há um exercício activo de “Acção Afirmativa” com bases étnicas, quando interessa, ao se destinarem quotas, a dirigentes provenientes de algumas províncias potencialmente com mais votantes.
Há muito que se pode dizer sobre o assunto e alguns sociólogos moçambicanos tem falado embora levemente sobre ele. Em certa e grande medida, falar de complexos de superioridade e inferioridade é tabu em Moçambique. Poucos querem e se atrevem a dizer que alguma política e a tal confiança política se fazem e se constroem com bases mais étnicas do que qualquer outra coisa. Conquistar votos eleitorais tem passado por alocar quotas no comité central e na comissão política dos partidos.
Da mesma maneira não se pode dizer que não tenha havido evolução natural e politicamente induzida nas relações entre as diferentes etnias e raças existentes em Moçambique. Hoje difere de ontem onde até o mais simples funcionário do estado tinha unicamente um só proveniência.
Mas reconheçamos que ainda há muitas desconfianças entre nós.
Quem ignora que os naturais do sul do Save muitas vezes colocam-se acima dos outros como se tivessem herdado a governação de Moçambique directamente das mãos dos portugueses? Quem ignora que por todo o país há designações pejorativas para classificar quem não seja de uma etnia? Quem não sabe que muitos negros de gerações mais velhas veem e consideram o branco um ser superior?
Mas isto tudo vem a lume a propósito da relutância de dialogar-se abertamente sem tabus sobre os problemas actuais de Moçambique?
Não haverá de algum modo alguma carga de complexos de superioridade e de inferioridade interferindo na formulação de estratégias e tácticas políticas que importa analisar?
Quem tem medo de falar sobre este assunto?
Não haverá alguns substractos visíveis de pessoas que acreditam que se vive no ”Império de Gaza”? Alguma da reacção política vivenciada em Moçambique não se baseia no insucesso em se eliminarem as assimetrias no desenvolvimento e sobretudo na apropriação dos resultados?
A quem tem beneficiado as grandes joint-ventures que se constituem cada vez que se registam descobertas de recursos minerais?
De quem são as empresas que dominam as principais áreas de procurement nacional?
A quem pertencem milhares e milhares de hectares de terra já com DUAT atribuído?
Oferecer quotas financeiras a alguns segmentos especiais não vaio resolver o problema de Moçambique.
O que dizem alguns dos que se opõem ao actual establishment é que as coisas têm de mudar pois assim não faz sentido algum se afirmar que se está combatendo a pobreza ou qualquer outra coisa.
E é necessário possuir a sensatez de reconhecer que não estão mentindo.
Antes de se tratar da grande política, da economia política do país é preciso deixar as almas dos cidadãos sossegadas….
O reducionismo e a tendência de demonizar os opositores existem e são manifestações de intolerância política antiga. Houve e resiste uma tendência de apropriação em regime de exclusividade do processo político nacional que não corresponde ao discurso oficial de democracia e combate contra a pobreza.
Quem tem medo de descentralizar as competências políticas e administrativas?
Se já tivesse sido acordado que o ordenamento legislativo contemple a eleição de governadores províncias teríamos menos atritos de natureza política ou não?
Na actual conjuntura uma abertura em direcção ao federalismo afastaria muitos demónios e seria uma forma prática e segura de concorrer para a eliminação dos potenciais de confrontação política em Moçambique.
Os opositores políticos de nomeada em Moçambique estão perdendo a oportunidade histórica de fazerem a diferença ao recusarem-se a assumir em toda a sua dimensão os problemas do país.
Os moçambicanos estão “fartos de papos furados” e procuram ver seus problemas resolvidos.
“Ganhar tempo” dialogando no autêntico “faz de conta” como tem sido feito entre o governo d a Frelimo e a Renamo não produziu até agora qualquer sinal na direcção da estabilização política.
É preciso com frontalidade dizer-se que alguns dos actores políticos mais proeminentes ontem, na sua tese de que sua permanência no poder é um “imperativo nacional”, manifestam-se abertamente contrários a qualquer diálogo ou negociação sérios, dos diferentes pontos apresentados pela Renamo. Por outro lado, da Renamo, parece surgir sinal preocupante de que a opção militar, face a um exército governamental desarticulado e sem apoios externos de relevo, seja a melhor e mais rápida solução para atacar os diferendos existentes.        
Uma coisa é certa temos falcões dos dois lados sedentos de sangue sem qualquer consideração pelos milhões de moçambicanos que não estão de acordo com sua postura.
A militarização dos partidos políticos tem o potencial de fazer desaparecer aquele diálogo democratizante. Quem se julga coberto e protegido pelas armas tem a tendência de optar pelo seu uso para a conquista e manutenção do poder.
A musculação da PRM através de aquisições de equipamentos para a repressão de manifestações apontam nesse sentido.
Quem se recusa a dialogar em que é que confia?
Os “duros” e irredutíveis de ontem, os que diziam e dizem que “não apertam as mãos a bandidos armados” não estarão colocando seu complexo de superioridade acima dos interesses nacionais?
O tempo não está para a continuação de análises do tipo académico como forma de explicar as motivações dos interlocutores no nosso processo político.
É tempo de acção no sentido de salvar uma nação que nos pertence antes de ser prerrogativa de algum político ou partido…
Sensatez e maturidade superam de longe apresentações ou tentativa de brilhantismo retórico…

 In: CanalMoz,  02 de Abril de 2013- Noé Nhantumbo