RISCOS DE NOVO CONFLITO INTERNO
Pesquisa
e análise
1. As previsões de evolução da situação
interna em Moçambique, após a “escalada” da tomada por forças especiais do
Exército/FIR da localidade de Sadjundira, onde Afonso Dhlakama se encontrava
acantonado há 1 ano, apontam em geral para cenários de reacendimento de um
conflito civil.
Factores chave em que as previsões se
apoiam:
- A Dhlakama e partidários
retiraram a 19.Out, à noite, de forma reportada como voluntária e controlada; a
área é considerada principal base de apoio e recrutamento da Renamo; a população
que nos últimos meses se internara em Sadjundira, fora antes aconselhada a
voltar às suas origens – o que aconteceu.
- As forças do Exército/FIR que
entraram na localidade, 21.Out, à tarde, encontraram-na deserta; apenas duas
viaturas, uma das quais do SG, Manuel Bissopo.
- Por meio de telefonemas do
próprio a jornalistas, bem como de um comunicado da Renamo, foi disseminada a
informação segundo a qual A. Dhlakama estava “a salvo e de boa saúde”; gesto
aparentemente destinado a evitar fenómenos de esmorecimento na base de apoio da
Renamo; segue-se a necessidade de “marcar presença”, no novo quadro de
desvinculação de compromissos com o Governo.
Em 17/18.Outa “cabeça” da coluna motorizada
Exército/FIR encontrava-se já num ponto próximo de Sadjundira. A “espera” até
21.Outpara se pôr em marcha terá sido ditada pela intenção de pressionar
previamente A. Dhlakama a retirar, entrando só depois disso, de modo a evitar
contacto directo.
A ordem para a entrada da coluna em
Sadjundira foi dada apenas em 19. Ou pelo CEMG, Gen. Graça Chongo. Há
indicações de que o momento escolhido se destinou a fazê-lo coincidir como
início de uma “presidência aberta” do Presidente Armando Guebuza à
província de Sofala. G Chongo é muito próximo (AM 771) do Presidente.
A ocupação da Sadjundira pelas forças
governamentais, independentemente das circunstâncias em que ocorreu, deu à
Renamo pretexto/oportunidade para recorrer à força como via para tentar fazer
valer as exigências políticas que faz ao Governo e manter o respeito e lealdade
da sua base de apoio.
O método que aparentemente está ao alcance
das suas capacidades, acções de desgaste e usura que as forças governamentais
terão grande dificuldade em prevenir/controlar devido a factores como a
vastidão do território/descontentamento da população, alastrará a instabilidade
a todo o país.
2 . Em meios diplomáticos e de intelligence atentos à situação
prevalece a ideia de que o regime da Frelimo, embora agindo sempre de forma a
culpar a Renamo, foi a parte que, de facto, desejou a presente ruptura, por
associar à mesma virtualidades capazes de servir ocultos desígnios e interesses
e políticos.
Na esteira de eventuais medidas de excepção
justificadas pela necessidade de “lidar” com a emergência da instabilidade, a
ala predominante do regime, conotada com A. Guebuza, pode, p. exemplo:
- Restringir a democracia com o
fito de apertar o controlo da sociedade; limitar direitos, liberdades e
garantias.
- Alterar a relação interna de
forças na Frelimo, de modo a isolar/enfraquecer a influente ala histórica, que
lhe é adversa.
- Impôr uma “solução presidencial” do
interesse de A. Guebuza; alterar a constituição, aproveitando para tal uma
revisão ainda em curso; adiar as eleições para além da data prevista de
Out.2014 ou impôr um candidato de conveniência.
Análises anteriores (AM 779) acerca da
crise política associavam o silêncio de A. Guebuza no que toca às eleições
presidenciais (AM 784) a uma posição do próprio que consistia em condicionar
uma decisão final sobre o assunto ao desfecho que a crise com a Renamo viesse a
ter – não se sabendo ainda qual seria.
Várias passagens de um comunicado da
embaixada dos EUA em Maputo, cuja tónica é a condenação do recurso à violência
como via de resolução da crise, sugerem que o Governo é considerado
principal responsável da presente situação. Países da União Europeia mais
atentos à situação também perfilham esta ideia.
3. Na gestão política que o regime da
Frelimo fez de toda a crise, está identificada uma “determinação firme” de não
chegar a nenhum compromisso com a Renamo. Foi igualmente notado um esforço
constante no sentido de fazer proliferar manifestações de boa vontade e
compreensão – consideradas ilusórias.
Uma revisão da legislação eleitoral, nos
termos propostos pela Renamo nas negociações com o Governo, equivaleria à perda
por parte do regime do controlo que sempre teve da máquina eleitoral,
expondo-se assim a riscos de desaires eleitorais, até agora evitados/mitigados
com o recurso a fraudulências.
Os adversários internos de A. Guebuza
criticaram-no especialmente pela “rigidez” identificada na sua atitude face às
reclamações da Renamo. Associaram a essa linha a uma análise de A. Guebuza
segundo a qual atender as reclamações da Renamo implicaria a sua fragilização
perante a mesma, a sociedade em geral e eles próprios.
4. Num cenário de “deriva” militar,
convincentemente remetida para a responsabilidade da Renamo, o regime julga que
dispõe de condições (o poder do Estado, sob forma de influências e apoios) para
gerir tal contingência à medida dos seus interesses. As novas perspectivas de
exploração de recursos também reforçaram a sua capacidade de acção.
Há conhecimento de pontos de vista
individuais, emitidos em meios da elite política local, segundo os quais uma
eventual deterioração da actual situação não afectaria os planos de exploração
do gás natural, cujo mercado natural é a Ásia (AM 758), devido ao facto de a
mesma estar concentrada no mar, Bacia do Rovuma.
Este ponto de vista, descrito como mera
“racionalização de desejos” inspirada numa realidade similar, Angola, é
contrariado por advertências que se sabe estarem a ser feitas às autoridades
moçambicanas tais como a de que, nas circunstâncias actuais, ninguém investiria
num país que no passado esteve em guerra para a ela voltar.
AFRICA MONITOR – 22.10.2013