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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

19 setembro 2012

UM ADEUS À ESTAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA MATOLA

Foto: Estação Arqueológica da Matola, agora destruída 

UM ADEUS À ESTAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA MATOLA


Ali na Matola existiu até agora uma estação arqueológica. Sobre este “sítio” recorro a Teresa Cruz e Silva, no seu texto “O sul de Moçambique e o povoamento da África sul-oriental na idade do ferro inferior. Algumas considerações”, editado pelo Centro de Estudos Africanos em 1978: “A estação arqueológica (25º 57’ S, 32º 27’ E) situa-se a cerca de 20 metros acima do nível do mar, e a cerca de 1500 metros do rio Matola. (…) Concluímos que as suas características são da Idade do Ferro Inferior, e apresentam tipologicamente, fortes ligações com o material de Kwale no Quénia, Nkope a sul do lago Niassa, e Silver Leaves em Tzaneen, no nordeste do Mpumalanga” (actualizei os nomes respeitantes a entidades políticas actuais). Com isto está-se a falar de dados respeitantes ao início da Idade de Ferro na África Austral, associada à expansão nesta área das populações a que nos acostumámos chamar “Bantu” e à introdução novos de padrões culturais, a agricultura, a domesticação de animais, a tecnologia do ferro e a sedentarização. Para além da disseminação de padrões linguísticos, a tal mancha “bantu” que se tornou dominante. No respeitante aos dados da estação da Matola, e de algumas outras poucas estações no sul de Moçambique, estamos a falar de dados dos primeiros séculos no calendário cristão (grosso modo até 400 ou 500 d.c.). Naquela estação as primeiras escavações mostraram que “Entre os 75 cms e os 85 cms de profundidade, encontrava-se um solo contendo vestígios de uma lixeira com 10 000 fragmentos de olaria; alguma escória e ferro; conchas …; uma pequena quantidade de ossos … e sementes carbonizadas …”.  Um contexto rico que, inclusivamente, originou que se criasse uma denominação arqueológica, a “tradição Matola”, para sublinhar a especificidade cultural e temporal desta área e destes vestígios.
Mais não me alongo sobre as características da estação, até para não cansar o leitor leigo em pormenores técnicos. Mas não me parece necessário sublinhar a importância destes vestígios em termos de conhecimento sobre a história do continente, e do fluxo histórico particular à zona austral oriental africana. Refiro dois pontos: que apesar do trabalho de décadas na área da arqueologia muito haverá a fazer em Moçambique – a arqueologia é uma ciência lenta e cara (como aliás o deverá ser a ciência quando o realmente é), exige deslocações e não se pode dobrar aos prazos das encomendas de apressados doadores. Nem tampouco serve para legitimar as suas propostas políticas, sociais ou económicas. Muito há, portanto, para fazer.
Um outro ponto, importante, é que o país tem desde há bem pouco uma licenciatura em Arqueologia, na Universidade Eduardo Mondlane. Será necessário reforçar a ideia de que uma abertura de uma licenciatura destas, criar especialistas no passado profundo e silencioso, é um vigoroso sinal de desenvolvimento? Real, não retórico? Virado para a produção de um conhecimento que não é instrumentalmente identitário mas que pretende ser, pode ser, constitutivo de um olhar da sociedade sobre si própria e o mundo, mais denso, mais produtivo. E que, paralelamente, pode criar um núcleo alargado de quadros nacionais com sabedoria e atenção dedicada à preservação do património. Material, intelectual. Atitude, prática, profissão, que não serão monopólios dos arqueólogos mas para as quais os seus saberes especializados os conduzem.
Esta preservação do património poderá ter, e tem muitas vezes, efeitos identitários no sentido da (re)construção de um passado próprio. Mas muito mais do que isso tem efeitos identitários no sentido da construção de um futuro próprio. E às vezes é essa “equação” que se torna difícil de transmitir aos que nos rodeiam, distraídos destas questões. Que falar em preservação do património, no seu estudo, é fundamental, quando para tanta gente “tudo isso” pertence a um passado a esquecer, a ultrapassar, a “desenvolver”.
Tudo isto me surge a propósito da minha estupefacção actual, pois acabo de saber que a estação arqueológica da Matola foi destruída. Para que nela se construísse uma casa, de um particular. Esta construção, que confesso não ter tido coragem para ir visitar, foi licenciada. Colegas, tão doridos quanto eu, que visitaram a zona avisam que a placa indicativa da estação continua. Só a própria estação se esfumou. Um deles perguntou, corajoso, aos trabalhadores: “então mas não havia aqui vestígios?”. E a resposta veio, cândida, sem maldade: “sim, havia muita “loiça”. Levámos para o lixo”.
Não me fico na questão pragmática: essa de haver uma nova licenciatura, com necessidade de trabalho de campo para os estudantes, e como tal da facilidade em levá-los até à vizinha Matola para praticarem numa estação já descoberta. E do quão incoerente tudo isto aparece: abre-se uma licenciatura, investe-se no passado ou seja, no futuro. E, aqui ao lado, destrói-se uma riqueza incalculável para que surja mais uma mansão (ou cabana que fosse).
Resmungo também diante da ideia que me parece estar na base do licenciamento de uma obra destas, a de que o património que deve ser resguardado é o espectacular, as edificações, o vistoso, quiçá as jóias, as obras de arte. Desconhecendo que são estas aparentes minudências, os ossos, as sementes, as escórias, os fragmentos de olaria ou de qualquer outro material, que são imprescindíveis e riquíssimos materiais para se mergulhar no passado, na história de todos nós. Quantas vezes tão mais faladores do que o belo vaso ou o vigoroso castro (zimbabué, se  se preferir chamar assim).
Que fazer? Que pensar?
Adenda: tem-me sido um ano terrível. Talvez seja esta a característica do envelhecimento, o de chegar à idade em que partem os nossos mais queridos. E também aqueles amigos, mais ou menos próximos, que fazem o nosso meio, de afectos, de convívios. A nossa paisagem, activa, intelectual. Morreu agora Augusto Carvalho, meu patrício, meu colega, a quem devi uma boa meia dúzia de atenções, uma solidariedade pública em momento que me foi bem difícil, algo que nunca esqueci. E depois, como colega mais-velho, uma mão-cheia de interessantíssimas conversas. Sobre livros, autores, isto de ser professor. Sobre este país. Sobre o nosso país. Sempre denso, sempre com bonomia. Um homem vai ficando mais sozinho, mais pobre.
Foi bom conhecer Augusto Carvalho. Fica pior agora.
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E ainda a Gazeta do Departamento de Arqueologia e Antropologia, nº 4, Setembro de 2011, com extensa entrevista com o arqueólogo Hilário Madiquida e referência à “tradição Matola (ou Kwale-Matola) em texto da arqueóloga Solange Macamo.
jpt
In: http://ma-schamba.com/cooperacao/desenvolvimento/matola/



Nota do blog: Em 1988, como forma de regulamentar a protecção do património cultural, o Conselho de Ministros aprovou a lei 10/88 de 22 de Dezembro de 1988, relativa a protecção do patrimóno cultural moçambicano. Esta lei, no seu capítulo III, artigo 4, atribui ao Estado a responsabilidade de incentivar a criação das instituições científicas e técnicas como museus, bibliotecas, arquivos, laboratórios e oficinas de conservação e restauro, necessárias à protecção e valorização do património cultural. A lei estimula a  utilização dos meios do Sistema Nacional de Educação e orgãos de comunicação sociais para educar os cidadãos sobre a importância do património cultural e a necessidade da sua protecção.
Passados vinte e quatro anos após a aprovação desta lei, o Governo é o primeiro a não respeitar a lei e o direito a  memória. Parece que se valoriza mais empreendimentos turísticos e económicos do que a história e identidade de um Povo. Certamente que ninguém ousaria fazer isso com um dos lugares memoriais da Luta de Libertação Nacional. Valoriza-se mais o património da Luta de Libertação Nacional em Moçambique em detrimento de outros. Que tristeza. A futura geração não poderá conhecer este lugar histórico. Afinal para que serve a Lei 10/88?
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Estação Arqueológica da Matola [1]


I.                   Categoria: Sítio

II.                Localização:

Maputo. Cidade da Matola

III.             Descrição

Estação ao ar-livre, das primeiras comunidades de agricultores e pastores. Foi localizada em 1968 no decurso da arqueologia de salvaguarda relacionada com a construção da estrada que faz a ligação entre as cidades de Maputo e Matola. Escavações arqueologicas iniciadas desde 1975 permitiram o estabelecimento de relações entre diferentes estações com base na semelhanca entre as colecções de fragmentos de olaria nelas encontrados.
Tornou-se evidente a estreita semelhança entre os processos de decoração dos recipientes e a sua forma, numa grande regiao que se estende desde o sul de Moçambique ao Quenia, incluindo estações como Silver Leaves , na Africa do Sul e Kwale no Quenia e Tanzania.

IV.              Critérios

Histórico: (2)
Espiritual: (7)


[1] Departamento de Arqueologia e Antropologia. Universidade Eduardo Mondlane
Lei  N. 10/88, 22/12

Quase Memórias. Almeida Santos* - Comentário ao 1.º Volume

Quase Memórias. Almeida Santos* - Comentário ao 1.º Volume









Por Silvino Silvério Marques


Deslocara-me, creio que em 1972, de Nampula a Lourenço Marques, para tomar parte num Conselho Provincial de Defesa, e encontrei ali um bom amigo que me tinha dado uma colaboração leal, esclarecida e importante em Angola: o Dr. Ferro Ribeiro, transferido para Moçambique após a minha saída de Angola. Falou-me das suas relações de amizade com o Dr. Almeida Santos e do livro “Já Agora…” que ele, na altura, havia publicado e no qual respondia a criticas que lhe haviam sido feitas pelo jornalista Rui Cartaxana numa revista da Beira. Comprado e lido o livro, nele me impressionaram duas confissões do autor. Por um lado, uma relação das razões por que não se importava de ser rico; por outro, a confissão que fazia de que os seus sentimentos se repartiam pelo seu amor a Portugal (entenda-se europeu) e o seu amor a Moçambique. Ocorreu-me oferecer-lhe um exemplar de que dispunha do meu livro “Estratégia Estrutural Portuguesa” e escrevi uma dedicatória em que insinuava que talvez a doutrina tradicional portuguesa sobre o Ultramar que nele se defendia desfizesse as suas hesitações, pois o que se lhe apresentava como dois sentimentos divergentes deveriam tornar-se apenas um e o mesmo: a grande Pátria de todos. Creio que não me foi acusada directamente a recepção do livro, mas pelo amigo comum, Dr. Ferro Ribeiro, foi-me transmitido que o Dr. Almeida Santos não concordava com o seu conteúdo político, porém, quanto ao seu conteúdo social, “estava à nossa frente”...

Mais tarde, logo a seguir ao 25 de Abril, o Gen. Spínola chamou-me para me convidar para Governador-Geral e Comandante-Chefe de Moçambique, convite anulado posteriormente, por elementos da Província (Grupo Democrático de Moçambique?) terem recusado o meu nome.

Nos princípios de Junho fui convidado pelo autor, então Ministro da Coordenação Interterritorial, para Governador-Geral de Angola, após consulta feita pelo próprio à população da Província. Aceite o convite, tive algumas conversas com Dr. Almeida Santos, nas quais trocámos impressões sobre a situação que se vivia lá e cá e a missão que procuraria cumprir: essencialmente preparar a Província para um referendo que se pensava fazer acerca do seu destino e preparar eleições para a administração, segundo legislação que ia ser promulgada. Recordo ter-me contado a forma como decorreu a consulta feita e o resultado, para si inesperado, e não desejado, da mesma. Recordo igualmente de me ter contado que no Conselho de Ministros que apreciou o assunto, ter havido um ministro que lhe perguntou se todos os Movimentos haviam concordado com a escolha, ao que o Dr. A. Santos lhe teria respondido “o Movimento em que está a pensar, também concordou”.

Tratando-me sempre com franqueza e simpatia, poucos dias antes da minha partida, advertiu-me de que eu não ia encontrar em Luanda o ambiente que conhecera e que ia ser recebido, logo que desembarcasse, com manifestação hostil. Assim aconteceu, quando desembarquei. Um grupo de africanos colocado, com dísticos que mal pude ler, no lado da rua em frente da saída do aeroporto, dirigiu-me apupos. Porém logo se calou, quando lhe acenei em estilo amigável e correspondeu com palmas. Segundo me disseram, manifestação do mesmo ou de outro grupo estaria postada ou se postou em frente da residência, mas não dei por ela. Soube posteriormente que a organização das manifestações tinha cabido ao Movimento Democrático de Angola e que havia sido paga a poucos escudos por cabeça…Também num dos encontros, fui encontrar o Dr. Almeida Santos profundamente desgostado pela forma como decorrera a sua reunião em Londres com elementos do PAIGC. Chocado com a composição e a atitude da representação do PAIGC, confidenciou-me que não mais estaria disponível para conversações semelhantes. Algumas referências públicas, de que tive conhecimento, que me foram feitas pelo Dr. Almeida Santos já depois do meu regresso de Angola, foram correctas e simpáticas. De meu conhecimento, apenas a sua confessada discordância com a ideia do referendo a qual tem declarado como apadrinhada pelo Gen. Spínola, me causou profunda surpresa por não ter descortinado, nas instruções saídas das nossas conversas, qualquer sua oposição a essa ideia, então corrente, e infelizmente repelida, nem tentada…Estes os contactos que tive com o autor do livro agora publicado.

Em dezenas de páginas com que se inicia esta importante obra em dois volumes, quase que todo o texto se refere a erros, desvios, ignomínias da acção portuguesa no que foi o seu Ultramar, essencialmente em África. Da escravatura, aos trabalhos forçados; da soberania imposta a populações que parece serem tratadas como constituindo, desde sempre, estados e não, como durante muito tempo, grupos étnicos tantas vezes digladiando-se, fazendo escravatura e traficando-a; das nossas” bravatas militares” (como com desdém refere várias vezes), do nosso “quadrado à beira de ser feito num oito, se não num zero, em Marracuene, Macontene e Magul”… estes e muitos outros senãos da cultura e da acção portuguesa são contrastados com as culturas e qualidades das populações que contactávamos. Os erros e crimes do Acto Colonial (escrito pelo punho de Salazar, segundo o que ensina e salienta), o indigenato, e as políticas da assimilação e da integração, tudo é desfeito no texto do autor. Alguns casos, entre os muitos que profissionalmente viveu, ou que conheceu, exemplificam o que aconteceria por todo o lado, e demonstram o erro de se querer impor uma cultura onde existia outra que devia ser conhecida e respeitada. E todo um estendal de erros, iniquidades e crimes da autoria do cidadão comum, da administração ou dos governos, são encaminhados para apontar como responsável o “ditador”. Talvez uma meia dúzia ou uma dúzia de linhas digam algo de bem. Entre elas a sua surpresa perante a admiração que lhe manifestara um vice-presidente da ONU, o qual acompanhava em visita a Angola, por ali existirem várias cidades que poderiam ser capitais, ao contrário do que era habitual em África onde uma só cidade, em cada país, tinha condições para capital. Nem uma palavra sobre o que foi feito pelos territórios e pelas suas populações no estudo e na investigação, incluindo a cartografia, na saúde, na escolarização, nas comunicações, rodo e ferroviárias, portos e aeroportos, nas barragens, na urbanização, na agricultura, na indústria, no comércio, a partir de fins do século XIX, e essencialmente entre 1926 e 1974 (nos tempos dos “ditadores”). Omite-se que tudo andou para trás nos últimos 30 anos com destruições e crimes cometidos entre as próprias populações e entre os seus próprios governantes. Omite-se que foi com o indigenato e a assimilação, e estava a ser com a integração, que as populações se prepararam para que os seus governantes pudessem hoje aplicar-lhes as soluções jurídicas, políticas, administrativas e sociais, que assimilaram, semelhantes às generalizadas no mundo…. Omite-se que as políticas que agora se consideram erradas foram transição. Esquece-se até que, se de facto se caminha para a “globalização”, era para lá, no seu entendimento material e espiritualmente positivo, que apontava a nossa integração (a portuguesa e verdadeira descolonização). Como poderíamos ter avançado mais rapidamente, havendo partido em tantos aspectos do zero deixado em todo o Portugal pela primeira República? Talvez com gente de melhor qualidade e certos responsáveis mais esclarecidos que, localmente, ignoraram e fizeram por ignorar, que tais doutrinas procuravam defender as culturas encontradas, sem que se desembocasse no apartheid, e que era necessário impedir que, na sua aplicação, gente local, ambiciosa e mal formada, cometesse abusos e vilanias que, aliás, havia localmente obrigação de evitar e poder para punir. E, não esquecendo que Moçambique tinha fronteiras com países reconhecidamente racistas, teria de haver localmente uma “pedagogia” anti-racista, conduzida por elites oficiais e privadas, que repusesse a acção política nos termos da lei que não admitia desvios e abusos que se verificassem.

Porem acontecia que, em vez disto, as elites, e nestas o Grupo dos Democratas, integradas no meio tolerante habitual em que gostavam de conviver, desabafavam protestos, atribuindo a responsabilidade desses erros, desvios e abusos não aos que localmente os praticavam e, ou, os toleravam, mas ao regime, a Salazar, utilizando-os como importante e demolidora oposição. Oposição conduzida essencialmente por altos líderes locais que, nunca esconderam e sempre foram mantendo, a ambição do auto-governo, de início “branco”, o qual, adaptando-se às circunstâncias, foram, sucessivamente, tolerando ir-se “escurecendo”…Em Angola, por mais de uma vez, figuras importantes de uma Associação Africana respeitada me manifestaram o receio de Governos Provinciais “brancos”, mesmo que “escurecidos”, e a sua confiança no Governo Central …

Apesar de defender, e bem, o respeito pela cultura africana (certamente sem esquecer os princípios cristãos conhecidos como direitos humanos) e de se manifestar contra a assimilação, não deixa de assinalar que, em Moçambique, eram poucos os assimilados… Compara os muitos “mestiços” que encontrou na África do Sul com os poucos de Moçambique e não pode deixar de desmistificar as nossas farroncas machistas… (pág. 98). Cita Gilberto Freire que “ganhou esporas de doutrinador oficial do Governo de Lisboa, ao escrever em prosa os novos Lusíadas, da nossa vocação luso-tropical”, para referir que, “segundo ele”, os Portugueses tinham logrado a harmonia racial. Deixa como instrumento privilegiado desse milagre: “a miscegenação, ou seja a cama”…Não compreende, parece, que a miscegenação portuguesa foi sendo desde sempre, e cada vez mais étnica, física, espiritual e também cultural, recebendo e dando….

Afirmando-se como prestigiado e afortunado advogado de Moçambique, nem uma palavra deixa sobre o largo e brilhante contraditório que foi sendo formulado e difundido, na oportunidade, pelo governo português, abdica dos naturais e espontâneos sentimentos de pessoa nascida no Portugal do seu tempo, e reforça, com a sua, a argumentação dos adversários que hostilizavam a Pátria dos portugueses. Esta não era, pelos vistos, a sua, tal como acontecia com o Dr. Eduardo Lourenço, conforme esclareceu, respondendo, num debate que vi televisionado, ao Gen. Kaulza, que invocara a traição havida. Não teme, assim, o risco que o seu colega, igualmente prestigiado, Palma Carlos, não quis correr, quando se demitiu de Primeiro-Ministro. Mas, apaixonado advogado dos nossos adversários, num período importante e grave da História de Portugal, como nela será julgado?

Impregnado do gosto, dito progressista, de se copiar o que se faz lá fora para fazer lei cá dentro, arruma-nos a par e passo do seu texto, ao mesmo tempo que vitupera Salazar e a sua acção, com as descolonizações levadas a cabo quase exclusivamente pela Inglaterra e pela França. Contei nas citações que o autor foi deixando cair, cerca de cinquenta descolonizações efectuadas, entre 1930 e 1974. O autor cita o que em memorando enviado, em 1963, por George Ball a Salazar, é referido (pág. 218): “No breve espaço de vinte anos, mil milhões de pessoas deixaram de estar sujeitos a sistemas coloniais”. Compare-se isto com a modéstia daquilo que, para nos denegrir, mesmo pessoas aqui nascidas, passaram a designar como “colonialismo”, representavam as nossas oito Províncias Ultramarinas e os seus cerca de quinze milhões de habitantes que constituíam pouco mais de metade da nossa população total…Poucas gentes envolvidas. Muito espaço cobiçado, muitas ambições decepcionadas…

O autor, pessoa que sabia inteligente e julgava simples, mostra, com meu sincero pesar, sobre estimar-se, na medida em que não controla o ódio que revela por Salazar que culpa de tudo e a quem trata de forma grosseira e desprezível. Além dos manifestos que sentiu e redigiu, dos discursos que proferiu, das páginas que escreveu, da justiça que procurou que fosse aplicada, que de muito importante e grande deixou para o país em que nasceu e para o respectivo povo, que justifique a superioridade arrogante e verdadeiramente totalitária, na abrangência destruidora envolvida. Porquê tal complexo. Que trauma? A suposta tentativa de defenestração? Os erros que entende cometidos pelo regime anterior? Os crimes que atribui à Polícia Internacional? O “ditador” responsável e culpado de tudo o que de mal (em sua opinião) havia acontecido?

Orientador de uma oposição contínua e intolerante ao regime - bem legitimado pelas relações cordiais com a generalidade dos Estados e das organizações do mundo e aclamado pela defesa do Ultramar- e, apoiante em tempo de guerra dos inimigos que então nos combatiam, sabia que teria de contar com muitos que, politicamente, o detestavam. Sabia que, até em tempo de guerra, tinha mantido uma tarefa que lhe traria dissabores e riscos. Não creio que apenas dai tenha vindo o ódio que não reprime e que tanto desvaloriza o reconhecido brilho da sua escrita corrente. Outras razões explicarão, creio, o recalque que evidencia. Ao começar a ler o Capítulo “Os Primeiros Passos” não pude deixar de o associar ao sonho da sua vida, relativo a Moçambique, “a terra que por amor havia escolhido para viver e da qual teria de desenraizar os cinco filhos que ali haviam nascido” (págs. 230-231), sonho abandonado ao aceitar o desafio de fazer parte do Primeiro Governo Provisório, dado que havia “lutado por uma descolonização política” e entendeu não poder recusar “ajudar a fazê-la” (pág. 232). De Moçambique, onde tinha vivido vinte e um anos e que visitado por si, quatro dias depois de empossado como Ministro, amigos de sempre, e outros novos, viveram tempos de esperança…Amigos correligionários, muitos dos quais, mais tarde o erigiram “em bode expiatório” (pág. 246). Certamente o que se estava a passar não era o que teriam esperado…

Talvez que o ódio destilado se destine, essencialmente, a, cómoda mas friamente, personalizar a oposição a um regime, de muita gente ilustre, que os líderes oposicionistas “brancos” de Angola e Moçambique necessitavam destruir para realizar os seus sonhos, inicialmente de “autonomia branca” que, sucessivamente, foram tolerando se limitassem a ser de federação ou confederação com um pouco de escuro, e até mesmo de separação esbranquiçada. E que, quando julgaram que nem isso era possível, se juntaram ao inimigo de então e passaram também a bater-se pela independência, ainda com derradeira esperança num reconhecimento que lhes consentisse continuar lá, sem problemas, a sua actividade…Afinal, consumada a almejada independência que tinham ajudado a desencadear, não ficaram. Tiveram de correr à Pátria que passaram a tratar, justificando-se, que essa sim era a sua. A outra que os vira nascer e os formara era um mito de utópicos…

No caso do autor, todo o amor a Moçambique e toda a devotada e, quero crer que em geral justa, defesa dos africanos contra excessos de alguns “brancos de lá” se desmoronam quando, como Ministro escreve (não sei se por seu punho como tantas outras leis que se lhe devem) e publica,”a mais patriótica das leis”, como ousa afirmar (pág.283), a chamada “lei celerada” com a qual, por medo de uma, pacífica, invasão de Portugal por ultramarinos africanos, lhes faz retirar a nacionalidade, num verdadeiro genocídio espiritual que envolveu muitos milhares de vítimas… Quando aqui os revolucionários civis e militares designavam por colonialistas os “brancos” de África e apregoavam o ódio que os ditos explorados africanos tinham aos “brancos” não se percebe o receio manifestado pelo Ministro de que os explorados desejassem, e pudessem, refugiar-se entre os seus ditos exploradores…Parece ser de concluir que o seu amor a Moçambique era ao País que não à sua população… Racismo? Em política, o que parece é. E como se trata de alguém nascido em Portugal, talvez que só por influência de países vizinhos… Fica-se na dúvida se nas ambições políticas do Grupo dos Democratas de Moçambique não haveria, pelo menos, uma réstia de apartheid…Talvez, também, daí que, em resposta a um jornalista numa entrevista publicada a 10 de Abril de 2004 no “Público”, de que só agora tive conhecimento, me tenha considerado, antes do 25 de Abril, defensor de uma Angola branca… Como isto é um disparate de que me repugna não tivesse consciência, só o posso compreender como sendo propositado, talvez por, enfim, sentir necessidade de insinuar que se excluía de tal ideia racista…

Não concretizado, em nenhum grau, o sonho que haviam vivido, coube-lhes regressar à Europa e passar a tentar justificar a tragédia a que deram origem lá, e estão dando aqui…

A habilidade semântica de designar como mito utópico Portugal de Minho a Timor, de que o autor, e com ele tantos, passaram a usar como tábua de salvação para justificar o que fizeram, não pode convencer um povo que não é estúpido, e que se foi espalhando, vivendo e morrendo em tão grande Pátria. E é estranho que isso parta de quem amou Moçambique, conheceu Angola e, em Timor, se comoveu com o amor a Portugal, exibido ali pelos timorenses. Dir-se-à que, ou não conhece o Minho, ou entende que o Minho não é Portugal…E, talvez, tenha sido em Timor, onde me dizem que chegou a lacrimejar pelo portuguesismo ali manifestado, que, recalcando sentimentos, lhe ocorreu, para se compensar, a ideia “utopia” que depois passou a usar como refúgio de culpas próprias, assim lançadas sobre os outros…

Considerando justificado o golpe militar e a descolonização, com as razões apresentadas nas numerosas páginas para o efeito carregadas de desprezo e ódio, com que inicia a sua obra, e assim certamente confortada a sua consciência, deixa compreendido que não pode recusar, embora com sacrifício o convite para Ministro da Coordenação Interterritorial no novo Governo, para, como escreve (pág.232) ajudar a fazer a descolonização política por que havia lutado. Fá-lo com sacrifício, “por deixar Moçambique, a terra que por amor havia escolhido para nela viver…”(pág.30-231). Mas não deixa de vir a esclarecer que como Ministro, no “que diz respeito quanto a orientações políticas sobre o Ultramar, iria em dizer que, por meu mal, tive mais liberdade de actuação do que seria desejável no respeitante aos salvados da administração dos territórios, e menos liberdade do que eu próprio desejei quanto ao seu processo autodeterminativo” (pág. 240). Fica assim (e deixa-se ficar…) menos livre do que desejava para ajudar a fazer a descolonização política por que havia lutado, descolonização que redundou em “tragédia” como foi referido por um dos mais celebrados teóricos fundadores do MFA. Processo que passa a historiar com minúcia, nas suas confusões, intrigas, e nos seus erros (dos quais assim algo se exclui).

Com o à-vontade, de hábil interveniente, inteligente e bom advogado e escritor e de, precatado observador, escreve, com pormenores, certamente verdadeiros, pouco conhecidos, e assim, portanto, com interesse para a História, a baralhada militar, política e social que se desenrolou, e muitos de nós vivemos, a partir do 25 de Abril. Da baralhada vergonhosa, que considera, adoçando-a, como “embriaguez da liberdade”, e das chamadas descolonizações, o autor segue a dar conta dos desaires, dos erros cometidos, dos juízos errados quanto à prática de uma solução política em que sempre falavam, e para cuja preparação tantos contactos os próceres tinham estabelecido aqui e lá fora, a qual afinal se verificava que não sabiam como fazer, como aplicar. As responsabilidades e culpas vão ser, atribuídas, aos militares e entre estes, especialmente ao MFA e a Spínola… Refere mesmo a “quebra de moral, da coesão da disciplina dos nossos soldados…e… em verdadeiros actos de rebelião” (pág. 242), o que não pode deixar, recorrendo aos seus ódios, de explicar: ” Foi a erupção do gás por longo tempo represada.” Isto certamente para não confessar a culpa que os civis políticos tinham (e continuam a ter) na destruição das Forças Armadas que infelizmente não deixou de prosseguir…

As circunstâncias em que decorre a chamada descolonização e que a determinam são descritas com pormenor. Em síntese, são:

- A embriaguês da liberdade que inclui a baralhada, a bagunça política, social e militar, desencadeada logo a seguir ao 25 de Abril e que vai perdurar durante muito tempo. E escreve: “A hora vestia farda. Militar era in totum a glória, militar o essencial do poder, E no próprio âmbito das escassas competências, o Governo era confrontado com a explosiva erupção de poderes de facto, de reacções da sociedade emergente, das primeiras exibições de poder popular. Era escassamente obedecido. Nas escolas instalou-se a rebelião permanente. No mais, a confusão total.” (pág.293). E, como não pode deixar de ser, “ ao nível das causas” atribui a responsabilidade, de forma odiosa, ao regime anterior…É demasiado!...

- As pressões internacionais, omitindo que, enfim, tinham encontrado aqui já não o Estado determinado que se havia batido denodadamente pela política tradicional e do interesse do conjunto de todo o seu povo, mas o Estado fraco, dividido, desorientado, acomodado de que necessitavam para imporem os seus interesses.

- A progressiva deterioração das Forças Armadas, que incluem verdadeiros ultimatos ao poder político. São páginas do comportamento vergonhoso de muitos militares que deveriam ter sido inquiridas, objecto de punição, sempre que se justificasse, divulgadas e objecto de profundo estudo dos Estados-Maiores da Instituição Militar para que se procurasse evitar repetições. Elas explicam muito da passividade da Nação face ao tratamento que a Instituição Militar passou a sofrer depois do golpe militar, quando, para o levar a cabo, até tanto se invocou o aludido desprestígio de então… Mas o autor não pode deixar de justificar tal comportamento vergonhoso, que constitui uma mancha a degradar a História Militar portuguesa. E explica: “A guerra havia durado tempo de mais. Até à exaustão física e psicológica...Com o avolumar das deserções…surgiu a necessidade de recorrer a contingentes africanos e a levas massivas de milicianos que introduziram nos quartéis o anti-colonialismo, o pacifismo, o anti-militarismo… Durante as longas vigílias, ou as tediosas esperas, os milicianos leccionavam a injustiça do colonialismo e das guerras coloniais. Daí que, já mesmo antes de Abril, a guerra fosse alvo em que não entrava a vontade de muitos, ou em que muitos se recusavam a pôr a alma…Resultado: as consciências devinham fenomenológicas, e a distinção entre o bem e o mal esbatia-se por entre convulsões cívicas sem controlo…Essa «revolução» em marcha, que desde o pós-guerra vinha fazendo por toda a parte o seu caminho, e havia penetrado a custo no bunker da ditadura Salazar-Caetanista. “Abertas as portas que Abril abriu, deu-se a inundação. Em dias apenas, Portugal acertou o passo com ela. E acertou-o da pior maneira: assimilando-o mal, e por via reactiva às injustiças, às privações e aos constrangimentos do passado” (pág.325)

Atribui-se, como tem sido hábito, com profunda injustiça, generalizadamente aos milicianos, entre os quais, antes do golpe militar, estiveram dos melhores operacionais, por um lado, um seu comportamento que alguns políticos revolucionários de Abril se esforçaram que tivessem, por outro uma cultura muito pobre dos quadros saídos da Escolas militares, grande influência na disposição dos militares para golpe. Esquece-se que eram numerosos os milicianos que desejavam continuar como militares e que, reconhecidamente, o tinham merecido. Estes eram tantos ou tão poucos que serviram de motivo ao golpe dos seus alunos de política, “durante as longas vigílias ou as tediosa horas de espera”…. Esquece-se que foi essencialmente de milicianos patriotas que ao surgirem sinais de lassidão que convinha ultrapassar, partiu a ideia do Congresso dos Combatentes, tão contrariado...

E, como era de esperar, sem referir o reconhecido comportamento operacional exemplar das Forças Armadas até ao 25 de Abril, recorre-se ao passado, omitindo a acção de forças políticas de várias tendências sobre quadros militares que nalguns poucos casos (praticamente os de uma promoção de contemporâneos) se deixaram infectar, do que é exemplo o MFA. Com quadros contaminados, e não dignos, nada se pode exigir de soldados, que assim deixam de o ser. Já o Marechal Montgomery havia advertido uma promoção de cadetes da Academia Militar, de que eram grandes as suas responsabilidades pois se destinavam a comandar soldados que, quando bem comandados, eram dos melhores do Mundo. E exortou-os, em formatura a que assisti, para que soubessem ser sempre dignos deles! Antes do golpe, raros, se alguns, foram os que o não souberam ser!

É extraordinário que pessoa que, ao longo do seu texto, tanto ódio concentra nas suas continuadas acusações, reaja, (pág.558) com tão pouco respeito, às acusações de Luís Aguiar, engenheiro em Moçambique, profundo conhecedor da chamada descolonização, em numerosos artigos e no seu histórico “Livro Negro da Descolonização” que tanto incomodou e continuará a incomodar os responsáveis pelo que fizeram. Livro sobre o qual, com a sobranceria que o domina, o Dr. Almeida Santos concede “escrito com algum talento - diga-se - e sobre tudo com enorme paixão”, mas comenta não ”merece resposta. Por isso nunca a teve. Nem agora pormenorizadamente a terá.” Pois não, não é fácil…

Quanto à queixa apresentada em tribunal contra os descolonizadores, que considera a “acusação de todas a mais delirante” , escreve duas páginas (págs. 575-576). E refere: “levei tão pouco a sério aquela esquipática imputação de «traição» que nem procurei, por largos tempos tomar conhecimento dela.” Revela assim, possuindo-a, uma consciência menos sensível do que a do seu muito prestigiado colega Palma Carlos. Dedica 14 linhas a referir o que, precavendo-se com justo medo, foram preparando para tentar evitar aquela terrível imputação de serem incursos no artigo 141 previsto no Código Penal, que estava em vigor. A lei 7/74, de 27 de Julho que o autor refere foi considerada pelos queixosos um desvio, uma vez que os povos envolvidos, não tendo sido ouvidos, não exerceram o direito previsto no acórdão do Supremo. Posteriormente, o Dr. Almeida Santos foi relator da Lei 34/77 apresentada pelo Partido Socialista, na qual são, prescritas para o mesmo Crime de Traição à Pátria, quando da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, penas de 10 a 15 anos de prisão enquanto na legislação anterior eram de 15 a 20. Saliente-se que, tempos antes, o Dr. Almeida Santos tinha sido mal tratado, nos Açores, por independentistas ….

O desabafo do autor sobre o “Sentar os descolonizadores no banco dos réus” (págs.575-576) é rematado dizendo: “Que a grotesca queixa-crime em apreço se afoga no próprio ridículo, tem merecido e continuará a merecer o desprezo dos socialistas visados e…” O autor, confundiu-se: estava certamente a pensar na grotesca, na apalhaçada, sessão do parlamento de 24 de Novembro de 1981 resposta apavorada à notícia difundida pelo semanário “O Expresso” sob o título “Descolonizadores poderão ser julgados”. Grotesco esse sim que o autor omite… Que vergonha para o parlamento e seus deputados: ameaça aos juízes, insultos, legislação a preparar, certamente com efeitos retroactivos. Grotesca, ainda, e que, sem deixar o apalhaçado, é também profundamente ridícula, a sessão de 3 de Dezembro de 1981 na qual os deputados do povo ostentam o embaraço de um emendar de mão…Tudo é omitido por quem (como explicar?) não levava a queixa a sério…

Sobre esta queixa o autor nem parece o advogado ilustre de Lourenço Marques. Mostra-se pouco escrupuloso… Nem os históricos pareceres do grande criminalogista Professor Doutor Manuel Cavaleiro de Ferreira relativos ao processo lhe merecem a humildade do respeito.(1)

Resumiria o Primeiro Volume do Livro a três objectivos:

- Justificar o golpe com o “colonialismo” que, segundo o autor, seria prática generalizada, e tolerada, na acção de “brancos” em Moçambique e no Ultramar, o que verificado por uma tropa cansada e influenciada pelos camaradas milicianos a levou ao 25 de Abril. Justificar, essencialmente, com o “colonialismo” do regime, a sua adesão ao processo que se lhe seguiu…

- Isentar-se da barafunda polítco-militar e social desencadeada e atribuir as responsabilidades e culpas essencialmente aos militares. E nestes muito especialmente ao MFA e a Spínola, adoçando-as como consequência do antigo regime…

- Isentar-se da confusão da chamada “descolonização” e assumir-se essencialmente como negociador e produtor dos acordos com os interlocutores que foram entendidos como representativos das populações: os movimentos que nos haviam combatido.

É pena que o autor, que levou o tempo que o separa dos acontecimentos por desejar escrever História, tenha deixado, num texto bem escrito como o sabe fazer, numerosas informações e notícias importantes, conspurcadas por muito ódio, por exageros, por omissões, por injustiças, tudo essencialmente, creio, que por um sonho de muitos anos que não conseguiu concretizar.

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(1) Para se avaliar da ligeireza e do desdém com que o Dr. Almeida Santos trata este assunto consulte-se o livro “Os Descolonizadores e o Crime de Traição à Pátria” S. Marques, L. Aguiar e G. Santos e Castro, 1983, Ed.Ulisseia e, no jornal “O Dia “ de 15 de Dezembro de 1987, o artigo “Para que se não esqueça”.



* Publicado em revista Estratégia, vol XVI, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Lisboa, 2007.



FRAUDE ELEITORAL NAS ELEIÇÕES DE 2012 EM ANGOLA


FRAUDE ELEITORAL NAS ELEIÇÕES DE 2012 EM ANGOLA
Como ela se processou?
O aspecto principal da fraude de 2012, centrou-se na manipulação dos dados do registo e na obstrução do acesso dos fiscais dos partidos ao credenciamento antecipado.
Os cadernos eleitorais não foram publicados e muito menos divulgados dentro dos prazos legais com base em determinados cálculos.
 -Até duas semanas antes das eleições os eleitores angolanos, no geral, não sabiam se estavam ou não regularmente inscritos nos cadernos eleitorais e nem sequer tinham a ideia da assembleia em que iriam votar. Em Luanda os desafortunados dos musseques foram informados da localização das  mesas onde estavam inscritos às portas das assembleias, onde os PDAs  remeteram os mais infelizes para assembleias longínquas. e por vezes situadas noutras províncias.

                                                                       II
Com efeito, os angolanos dos bairros e aldeias de Angola, lembram-se de que durante os últimos anos a CNE e as autoridades fizeram orelhas mocas à recolha dos cartões de registo, pelo MPLA, ou seus CAPs, por todo o país?
Esta recolha serviu para fixar o eleitorado do MPLA, nos cadernos eleitorais das suas áreas de residência e transferir outros, os que provavelmente não votariam no Partido Estado para Assembleias muito distantes das suas residências e em alguns casos para mais de 300 kms de distância.
O caso paradigmático do Huambo, norte da Huíla, Petrangol, Cacuaco e Viana, em Luanda, com o epicentro no Bié, onde se notou uma grande dispersão do eleitorado para assembleias de voto que por vezes se situavam noutras províncias é sinal disso mesmo.

Este factor, e não outro, é que baixou o número de eleitores nas eleições de 2012 e afectou negativamente a percentagem de votos oposicionistas já que afectou laboratorialmente as zonas de um certo eleitorado. Bairros pobres e mais populosos, antigos nichos populacionais conotados com a UNITA , FNLA e PRS, e zonas de população constestatária. (Abstenção induzida)
Soube pela rádio que, por exemplo, a UNITA vai recolher cópias dos cartões de registo dos cidadãos a quem foi obstruído o seu direito constitucional de votar, ao serem transferidos para assembleias de voto muito distantes.
O BLOCO e o P.P. eliminados pela história de eleitores que não constavam no FICRE,  (Ficheiro Central do Registo Eleitoral), é afinal e apenas a peça inicial do calvário laboratorialmente forjado para toda a oposição que se preze.
O resultado está aí.
                                                           III

Os partidos e coligações de partidos entregaram as suas listas para o credenciamento dos seus delegados de lista nos prazos legais, em todos os municípios, salvo alguns que beneficiaram do prorrogamento da CNE.
 A lei exige que os partidos apenas apresentem a lista dos seus delegados de lista para cada assembleia de voto. A referida lista deve conter obrigatoriamente, o nome e o número de cartão de registo eleitoral e o local onde cada delegado vai exercer a respectiva função, conforme o artigo 94º da Lei 36/11 de 21 de Dezembro, cabendo a Comissão Municipal até dez dias antes remeter aos partidos as credenciais solicitadas.
 As Comissões Municipais, longe de enviarem credenciais, 10 dias antes das eleições rejeitaram as listas e pediram que essas fossem apresentadas em formato digital preenchendo um mapa em Excel ou similar com os nomes e em alguns municípios a CNE exigiu duas fotografias e o credenciamento foi transferido das CMEs para a SINFIC, a mesma empresa que manipulou os cadernos transferindo eleitores para assembleias distantes.
 Como resultado:
 O credenciamento dos delegados de lista foi protelado laboratorialmente, até a última da hora, havendo credencias entregues ao meio dia do dia da votação e outras que não foram entregues até aqui.
 Como resultado, os partidos deixaram as Assembleias de Voto descobertas e ao critério de funcionários das mesas, recrutados das listas dos CAPs do MPLA, na maioria dos casos.

JH

18 setembro 2012

A BATALHA POR MOÇAMBIQUE É HOJE E NÃO NO DIA DO VOTO


A BATALHA POR MOÇAMBIQUE É HOJE E NÃO NO DIA DO VOTO

Conclave corporativo e político alinha e afina estratégias?…

Não há como ignorar os sinais dos tempos nem as suas consequências em tudo o que se refere ao panorama político nacional.
Toda a acção governativa nos últimos anos, tanto na II república de Joaquim Chissano como na actual administração de Armando Guebuza pode ser resumida a um esforço tendente a emissão do maior número possível de licenças para a exploração de recursos naturais por parte de corporações multinacionais. Algumas intervenções em infraestruturas públicas verdadeiramente úteis também misturam de uma maneira ou de outra interesses privados de governantes.
Se tivermos em conta o que a imprensa malawiana o atesta no caso de uma empresa portuguesa actuando no campo da construção civil poucas dúvidas são de que empresas com interesses lucrativos conseguem obras ou empreitadas através de luvas e subornos das entidades locais que autorizam ou assinam os contratos de adjudicação.
É manchete actual que a Mota Engil de Portugal teria ganho várias obras de construção civil no vizinho Malawi, através de depósitos de avultadas somas de dinheiro nas contas do falecido presidente daquele país, Mutharika.
O mesmo não terá acontecido em Moçambique? Quem nos garante que para além do que se considera lobbies normais a mesma empresa que também tem ganho concursos de obras importantes não tenha utilizado os mesmos métodos em Moçambique?
Estratégias empresariais são prerrogativas admissíveis no âmbito da concorrência mas há limites para tudo. A agressividade de muitas empresas portuguesas aparece muitas vezes associada a relações estreitas existentes entre o Partido Socialista e a Frelimo e disso não restam dúvidas. Há como que uma sombra perene de Mário Soares, útil para a implantação de empresas portuguesas em Moçambique e a isso também tendo em conta o factor “Almeida Santos”.
Mas a realidade mostra que os governantes estão imensamente preocupados com dossiers que tragam receitas para os conglomerados a que estão relacionados ou quem tenham estreitas relações. Os nomes conhecidos como accionistas de diversas iniciativas empresariais nacionais especialmente ligadas aos recursos naturais são pertencentes a figuras dos sucessivos governos do país e suas relações familiares.
Com este pano de fundo é evidente que só teremos esforços conjugando-se no sentido de manter um status que os beneficia.
A situação da democratização do país é periclitante e avança ao sabor dos interesses e apetites dos que desenham os programas e projectos de desenvolvimento nacional.
O que se vulgarmente se denomina de governação participativa acaba sendo um logro pois não há participação ou inclusão das forças sociais nos processos de desenho e tomada de decisões relativas a agenda de desenvolvimento nacional.
Amiúde se criam constrangimentos e nós de estrangulamento sempre que parte dos actores nacionais se procuram fazer ouvir. A inclusão em tudo o que se refira a participação da sociedade civil é algo efémera e inconsistente. Quanto aos partidos políticos parlamentares ou extra-parlamentares a sua participação é de considerar insignificante pois com a ditadura de voto governando a tomada de decisões ou deliberações no âmbito parlamentar sufoca tudo e todos que não pertençam ao partido no poder. Mesmo no seio do partido no poder a manifestação de opinião obedece a critérios de obediência e cumprimento rigorosos de instruções prévias.
É de concluir que haverá um alinhamento estratégico entre as empresas multinacionais que possuem interesses firmes no país e o partido governamental que garantiu suas licenças e autorizações de actuação no país.
Compreender as ilações que a actuação corporativa oferece constitui algo muito importante no desenho de qualquer estratégia política e eleitoral.
Numa situação em que o financiamento das campanhas político-eleitorais se faz de modo completamente desregulamentado não é de estranhar que haja forças políticas que se aproveitem dos vazios legais para drenar fundos e recursos para os partidos políticos de sua preferência.
Aquelas iniciativas de “arrebanhamento” de artistas e outros comunicadores sociais e culturais se tornam possíveis porque empresas de telefonia móvel altamente lucrativas colocam à disposição os fundos necessários sem qualquer hesitação. Por um lado há que cumprir com instruções e por outro lado há que garantir acesso preferencial a licenças e autorizações que não se podem conseguir ou obter sem aval governamental dependente do partido que sustenta o governo.
Os agentes do lobby corporativo multinacional estão atentos e em estado de alerta quanto ao que se passa no país e conhecem profundamente os corredores do poder governamental e suas alianças a nível partidário. Ao nível do empresariado nacional quase que o partido no poder tem a tarefa facilitada pois a sua emergência e sustentabilidade depende por completo do grau de alinhamento com as instruções partidárias emanadas do núcleo que dirige o partido Frelimo. Não se ganham concursos públicos de prestação de serviço ou de empreitadas sem que exista uma ligação entre o concorrente e o partido “vermelho”.
Mesmo no que se refere a obtenção de emprego e progressão na carreira profissional os moçambicanos já sabem que convém e é salutar possuir na carteira um cartão vermelho a ser exibido sempre que seja exigido.
Na luta pelo voto, caminho para a conquista do poder político em Moçambique os obstáculos são inúmeros bem como complexos. Há dificuldades de natureza conjuntural e outros enraizados no tecido social e cultural. A realidade económica, os programas de investimento aprovados, a aliança com o grande “tigre asiático” serão factores a ponderar em qualquer análise estratégica que se queira fazer.
Qualquer vitória deve ser perseguida e conseguida com uma margem que não deixe espaço para dúvidas ou para prováveis manobras de quem controla os órgãos eleitorais.
Não há empecilho que não possa ser vencido na esfera política. Com a adopção de estratégias convenientes, visão esclarecida do panorama político  nacional, uma capacidade redobrada de criação de alianças e consensos operacionais é possível trabalhar-se para uma vitória que faça os moçambicanos regozijarem-se pela democracia conquistada e assegurada.
Os tempos próximos a começar por “ontem” são de seriedade e trabalho a todo o vapor de modo a transformar desejos e sonhos em realidade sentida e vivida pelos moçambicanos.
Há que passar uma mensagem as corporações sobre a necessidade de sua integração numa plataforma legal de exploração de recursos naturais em Moçambique, respeitando os princípios da transparência da indústria extractiva e outros códigos de âmbito internacional.
Disseminar informação programática que demonstre que não estamos contra o investimento privado estrangeiro mas sim contra o saque ao desbarato dos recursos naturais do país vai ajudar a dar a entender e assumir que relações aparentemente vantajosas podem transformar-se em factores de rompimento de acordos e licenças de exploração de recursos. Agir proactivamente por parte das multinacionais, tem de significar afastarem-se de modelos que fomentam a corrupção política e financeira no país.
A vitória eleitoral deve estar desassociada de financiamentos corporativos internacionais.
Não queremos ver a VALE ou a RIO TINTO avançando com iniciativas corporativas baptizadas de responsabilidade corporativa quando afinal se trata de formas artificiais de apoio a campanha político-eleitoral do partido governamental.
Queremos e é desejo da maioria dos moçambicanos que a concorrência e competição eleitoral se faça e aconteça sob o signo da lisura, transparência, igualdade de oportunidades e em respeito para com as leis do país. A soberania e os interesses legítimos dos moçambicanos são chamados a estar na linha da frente do processo político em Moçambique. (CanalMoz-19/09/2012-Noé Nhantumbo)

GENERAL HAMA THAI DIZ QUE NÃO ERA POSSÍVEL INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE SEM GUERRA


GENERAL HAMA THAI DIZ QUE NÃO ERA POSSÍVEL INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE SEM GUERRA

Maputo (Canalmoz) – O antigo chefe do Estado-Maior das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FAM/FPLM), e ex-ministro da Defesa, o general António Hama Thai, disse que a independência de Moçambique não seria possível, não fosse a via armada.
Disse que não estava nos planos de Portugal abandonar o país. A moda “brasileira” queria que fossem os portugueses a residir nas colónias a proclamar as independências.
Segundo o general, o primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane, escreveu várias vezes a António Salazar, presidente de Portugal na altura, a exigir a retirada dos portugueses em Moçambique, mas este sempre respondeu que o território moçambicano, era uma província ultramarina de Portugal. Hama Thai, falava esta segunda-feira em Maputo, numa palestra dirigida aos quadros da Autoridade Tributária, no âmbito das celebrações do 25 de Setembro na próxima semana.
“É mentira sem guerra estaria independente. Não estávamos num plano inclinado que a qualquer momento podíamos deslizar para a independência. Era preciso pegar em armas para expulsar o colono. Eles já chegaram a nos chamar de terroristas. O golpe de Estado em 1974, é consequência nas colónias portuguesas. Estava claro em todo mundo que era necessário Portugal abandonar as colónias. Portugal fez tábua rasa”, disse Hama Thai, contrariando as correntes de opinião que defendem que mesmo sem a guerra, até esta altura o colonialismo português por si só teria abandonado o país.
Segundo o general, estas correntes, reflectem a fraqueza histórica. “A Frelimo cria ódio em algumas pessoas. Em Moçambique temos uma história rara que é original. Podemos provar que Eduardo Mondlane e Samora Machel são moçambicanos. Esta história mete inveja para algumas pessoas”, disse sublinhando que houve muita gente presa e morta pela temida PIDE-DGS.

As causas da derrota colonial segundo o general

De acordo com general Hama Thai, quatro factores concorreram para a derrota do colonialismo, português durante os 10 anos de luta de libertação nacional. As limitações dos efectivos militares; O descontentamento dos portugueses na metrópole; A sabotagem de alguns generais que descarregavam material bélico nas matas e golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, em Portugal.
Para o antigo ministro dos Combatentes, a vitória do partido no poder sobre Portugal na luta de libertação foi conseguida porque Portugal começou a ter limitações de recrutamento de soldados para suportar o seu exército. Hama Thai disse que Portugal tinha no início da luta uma população de cerca de 9 milhões de habitantes.
Citando os manuais de estratégias militares, disse que o recrutamento para o exército só pode ir até 10 por cento da população portuguesa. Isto equivale a dizer que no caso concreto de Portugal, seria necessários perto de 900 mil de soldados.
Segundo o ex-vice-ministro da defesa nacional, Portugal, travava a guerra em simultânea, isto é, em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Deveria mandar cerca de 900 mil soldados nos três países. Moçambique, teria perto de 300 mil soldados. Com este número, Portugal não seria capaz de suportar 10 anos de guerra.
Segundo Thai, devido a essas limitações, generais como Khaulza da Arriaga começaram a recrutar nas próprias colónias. Mas, esses soldados recrutados localmente não podiam oferecer tanta confiança como os recrutados em Portugal.
A segunda causa que ditou a derrota é o facto de a população portuguesa não apoiar a guerra. Em Portugal, havia um sentimento generalizado de repúdio de guerra e vários círculos de opinião aconselhava ao fim do conflito.
O terceiro factor é a frustração dos generais. Segundo Hama Thai, em Moçambique, houve casos de generais que, ao invés de mandar o material bélico ao exército colonial, deitavam no mato.
A quarta e a última causa, foi o avanço da Frelimo a partir de Cabo Delgado para o sul. O exército português estremeceu precipitando ao golpe de Estado a 25 de Abril de 1974 em Portugal. (CanalMoz-19/09/2012- Cláudio Saúte)
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SÓ O RECURSO ÀS ARMAS CONDUZIRIA A INDEPENDÊNCIA – AFIRMA GENERAL HAMA THAI

Esta afirmação foi feita esta semana em Maputo, pelo general na reserva, António Hama Thai, durante uma palestra dirigida a funcionários da Autoridade Tributária de Moçambique, subordinada ao tema “25 de Setembro – Dia das Forças Armadas de Libertação Nacional”. A mesma se insere nas celebrações do 48.º aniversário das Forças Armadas de Moçambique e 50º do desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, efeméride que se assinala no dia 25 de Setembro.
Na ocasião, o ex-combatente da luta de libertação nacional afirmou que a insatisfação dos moçambicanos aliada à intolerância do Governo colonial português em negociar a independência fez com que o povo liderado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) recorresse às armas para libertar a terra e os homens.
“Este posicionamento do Governo colonial português aconteceu apesar do ambiente internacional ser favorável à descolonização, pois, as Nações Unidas, aprovaram, a 14 de Dezembro de 1960, a Resolução 1514 que estabelecia o direito à autodeterminação e independência dos povos colonizados. Portugal fez tábua rasa a todos os ventos da história e com ouvidos de mercador reforçava o seu sistema e a máquina de opressão contra o povo. A cultura moçambicana foi irradiada; É assim que para aquilatar a situação penosa prevalecente em Moçambique nasceram as organizações nacionalistas: UDENAMO, UNAMI e MANU, no exterior de Moçambique. São estas organizações, cuja fusão a 25 de Junho de 1962, fez nascer a Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, organização que liderou a insurreição armada contra o jugo colonial português”, explicou o antigo comandante militar.
A aversão de Portugal em conceder a independência às suas ex-colónias chegou ao ponto, segundo Hama Thai, de o Governo colonial afirmar, junto das Nações Unidas e outros fóruns internacionais, que em África não tinha colónias mas sim “províncias ultramarinas que faziam parte integrante do território português”. 
“Portanto, o contexto político da época foi determinante para se tomar a decisão de recorrer à luta armada para se libertar o país”, sublinhou Hama Thai, para quem os que afirmam hoje que o país poderia ter logrado a sua independência sem recurso às armas “são pessoas não atentas e que não fizeram a devida leitura do contexto da época”.
Hama Thai sublinhou o facto de o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, na qualidade de funcionário das Nações Unidas e mediador da independência do Quénia, ter feito uma carta ao Governo colonial português, solicitando a concessão da independência de Moçambique por via pacífica, acto que não teve a resposta desejada.
Na ocasião, Hama Thai, que foi o primeiro governador da província de Tete, após a independência nacional, fez também questão de frisar que o golpe de Estado em Portugal que teve lugar a 25 de Abril de 1974, foi consequência da guerra colonial, pois, Portugal encontrava-se sem hipótese de continuar com a guerra, uma vez que já tinha dificuldades de recrutamento a nível da metrópole, assim como a nível das colónias, onde iniciou, alguns anos depois da eclosão do conflito, o recrutamento para o Exército regular, assim como para as tropas especiais.
Para o palestrante, a derrota do Exército colonial em Moçambique começou a consumar-se com o fracasso da operação “Nó Górdio”, cujo epicentro foi a província de Cabo Delgado e que tinha por objectivo “acabar completamente com a FRELIMO”, movimento a quem os colonialistas designaram por terrorista.   
“A determinação do povo de lutar contra o colonialismo e a clareza da FRELIMO sobre os objectivos da luta levaram ao fracasso não só desta operação considerada crucial pelos colonialistas portugueses, como da própria guerra que se arrastou por dez anos”, afirmou.

O caso “Rombézia” e a criação da Renamo

O GENERAL na reserva foi solicitado a debruçar-se sobre alguns constrangimentos verificados ao longo da luta de libertação nacional, sobretudo no que respeita às clivagens ou mesmo divergências verificadas no seio da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
De entre os casos apontados, destaque vai para a tentativa de se constituir um “Estado moçambicano” que se estenderia do rio Rovuma ao rio Zambeze, conhecido como “caso Rombézia”.
Segundo Hama Thai tal situação foi despertada por alguns elementos que deixaram as fileiras da FRELIMO para abraçarem “projectos pouco claros”, como é o caso de Adelino Guambe, pessoa que chegou a liderar a UDENAMO, um dos três movimentos nacionalistas que viriam a constituir a FRELIMO.
“Depois de militar algum tempo na FRELIMO e frustrado por não ter sido eleito presidente, Adelino Guambe abandonou a organização e constituiu um movimento que tentou actuar em Tete sem no entanto lograr sucesso. Ele tinha como ideia estabelecer um território independente, que tinha como limites os rios Rovuma, a norte, e Zambeze, a sul, dai o nome de Rombézia”, explicou.
Outro tema abordado relaciona-se com a guerra de desestabilização, iniciada poucos anos após a proclamação da independência nacional.
Segundo Hama Thai, esta guerra foi movida a partir da então Rodésia do Sul com o objectivo de desestabilizar a governação da Frelimo em Moçambique, e criar dificuldades para o alcance da independência do Zimbabwe.
O antigo combatente da luta de libertação nacional referiu ainda que para lograr os seus intentos, o regime de Ian Smith, assistido por pessoas como Orlando Cristina e Jorge Jardim, moveram uma insurreição armada que teve como protagonistas alguns moçambicanos.
“É a partir desta situação que nascem grupos como a Renamo. Aliás, o primeiro grupo de membros da Renamo, que integrava André Machangaíssa, foi treinado na Rodésia do Sul e teve como instrutor Ken Flower, um elemento preponderante da hierarquia militar e política do regime de Ian Smith”, explicou o general Hama Thai.
De acordo com o general, a génese da Renamo não mudou com o andar dos anos daí que em 1994, após a assinatura do Acordo Geral de Paz e da realização das primeiras eleições multipartidárias, o ex-movimento rebelde propôs, na Assembleia da República, a criação de uma Lei de Desnacionalizações.
“Essa lei iria beneficiar a quem? De certeza que não ao povo moçambicano”, referiu o nosso interlocutor.


A vitória da Frelimo

UM momento marcante da intervenção do General Hama Thai, que teve como interlúdio a actuação do músico Filipe Nhassavele, relaciona-se com a consumação da vitória da Frelimo sobre o colonialismo português.
Segundo disse, tal vitória foi conseguida porque Portugal começou a ter limitações de recrutamento de soldados para suportar o seu Exército. Conforme disse, Portugal tinha, no início da luta, uma população de cerca de 9 milhões de habitantes.
Ora, segundo os manuais de estratégias militares, o recrutamento para o Exército só pode ir até 10 por cento da população o que, no caso de Portugal, seria cerca de 900 mil soldados. Só que para Portugal, que travava a guerra em simultânea em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, teria que distribuir os 900 mil soldados em três países e Moçambique, teria não mais de 300 mil soldados. Com este número, segundo Hama Thai, Portugal não seria capaz de suportar 10 anos de guerra.
Dadas essas limitações segundo conta, generais como Khaulza de Arriaga começaram a recrutar nas próprias colónias ou, se preferir, nas províncias ultramarinas. Um dos problemas é de que esses soldados não podiam oferecer tanta confiança como os naturais de Portugal.    
O segundo factor que ditou a derrota é o facto de a população portuguesa não “aplaudir” a guerra, ou seja, havia, em Portugal, um sentimento generalizado de repúdio de guerra e vários círculos de opinião aconselhavam ao fim do conflito armado.  

O terceiro factor e último está relacionado com as frustrações dos próprios generais. Conta Hama Thai, que em Moçambique, houve casos de generais que, ao invés de canalizarem o material bélico ao Exército que tanto necessitava, às vezes, deitavam-no nas matas numa clara indicação de sabotagem e contestação silenciosa da guerra.  
Este aspecto foi muito importante, uma vez que  culminou com o desânimo de alguns generais.
Com o avanço da Frelimo de Cabo Delgado para o sul, Portugal estremeceu e os generais precipitaram-se, o que conduziu ao golpe de Estado a 25 de Abril de 1974. 
Um elemento importante a considerar para a vitória da FRELIMO é a evolução qualitativa do seu armamento e o seu emprego combativo, como é o caso da “estrela 2M”, uma anti-aérea portátil que abateu muitos aviões ou o canhão “B11”, instalação portátil de artilharia com calibre de 122 milímetros, que usa um foguete reactivo que tem cerca de 10 mil estilhaços, um raio mortífero de 50 metros.
“O seu emprego combativo não era fácil por que exigia muitos cálculos”, reconhece, o general.

In: Noticias, 22 de Setembro de 2012




Confronto em África - Washington e a Queda do Império Colonial Português, de Witney W. Schneidman


Confronto em África - Washington e a Queda do Império Colonial Português, de Witney W. Schneidman
Leia abaixo um pequeno excerto do livro, em que se fala de Salazar, Mondlane e kenedy.
O primeiro contacto de Eduardo Mondlane com a Administração Kenedy: