CONCEPÇÕES DA
HISTÓRIA LOCAL, NACIONAL E GLOBAL
E POSSÍVEIS CONEXÕES
Jorge Fernando Jairoce
Este artigo analisa as concepções da
História Local, Nacional e Global e mostra as possíveis conexões que se podem
estabelecer entre estas áreas históricas. Neste artigo destaca-se também a
concepção e importância da História Local, visto que na era da globalização é
necessário resgatar a memória histórica que é importante na preservação
das identidades locais que actualmente
estão sendo ameaçados pelo processo da globalização.
1.1. Concepções
da História Local, Nacional e Global
O antropólogo Clifford Geertz e o
filósofo Michel Foucault, apesar de não serem académicos de História, deram um
grande contributo científico e metodológico na investigação histórica, sobretudo
na área da Micro-história. Esta área está representada nos trabalhos
antropológicos de Clifford Geertz e no modelo alternativo da escrita da
história das culturas de Michel Foucault (Sengulane, In: Revista Síntese (V), 2007, p. 30)
Geertz (1998) na sua obra “Interpretação das culturas” chama atenção para que os estudos de
realidades sociais tomem em consideração o aspecto cultural e particular da
mesma, permitindo assim uma descrição densa do fenómeno social a investigar.
Nesse sentido propõe o estudo de fenómenos particulares e localizáveis.
A mesma ideia viria a ser
desenvolvida e aprofundada numa outra obra publicada pelo mesmo autor (1997)
cujo título é “Saber Local:
novos ensaios em antropologia interpretativa ”. Já Foucault (1979) na sua obra “Microfísica do poder” chama atenção ao
estudo das instituições particulares ligadas a vida do indivíduo tais como:
prisões, escolas, hospitais, psiquiatria, asilos e outros. A abordagem do
Foucault abre espaço para o estudo dos espaços locais que se enquadram
perfeitamente na História Local.
Geertz e Foucault, abrem assim espaço para
ocorrência de uma modalidade da História escrita a partir das realidades
particulares. Para consubstanciar as ideias acima referenciadas, Vendrascolo e
Gandra apud Bossi (1994) referem que:
“Sustentar a defesa do estudo da
história local (...) significa optar por
temática ligadas ao espaço e ao
quotidiano das comunidades específicas que por certo, ficariam sem atenção nas abordagens genéricas. O
estudo dos temas locais opera, assim, em escala de observação específica, com
possibilidade de experiências próximas aos documentos, bibliotecas e
testemunhos de pessoas que viveram
factos históricos num passado recente e que são fontes vivas do quotidiano
vivenciado por essas comunidades” (p.30).
O estudo da História Local
constitui uma mais valia actualmente, visto que
vivemos numa era da globalização onde a circulação de pessoas,
mercadorias e informação é rápida e o contacto entre os diferentes continentes
constitui uma realidade constante, o que afecta de certa forma as identidades
culturais dos povos. Perante estas afirmações seria de questionar até que ponto
é importante o estudo da História Local. Poderiamos responder de imediato que a
História visa o Homem e que a vida de cada homem desenvolve- se nos pequenos espaços. É nestes
espaços que cada um se insere e se realiza, integrado numa família e numa
comunidade. Por isso o amor à terra pode constituir uma boa razão para o estudo
da História Local, porque o amor é mais
perfeito e mais forte, quando se apoia
no conhecimento. Quem conhece a História da sua terra pode amá-la com
mais consistência.
Mas
essa resposta deixa-nos de certa forma insatisfeitos, porque não ultrapassa o
tal horizonte aparentemente limitado que é o do nosso pequeno mundo.
Afirmaremos à partida, que o
conhecimento da História Local é indispensável para a construção da História
Nacional. Esta não é forçosamente a que é feita
na capital e escrita na perspectiva da capital, mas a que interpreta com
fidelidade o sentir, o pensar e o viver de um povo – neste caso o povo de
Moçambique. Moçambique que não é uma entidade abstracta mas que resulta
concretamente da entrosagem das suas diversidades culturais. Nesta perspectiva a História Nacional de Moçambique podemos
considerar como aquela que tem vigência no território nacional e inclui vários
elementos como a população, mercadoria, moeda, hino, bandeira, governo,
constituição, cultura, religião, história, formas de organização social e
técnica de trabalho, façanhas, heróis, santos, monumentos, ruínas, etc. Mas
também podemos considerar a História Nacional como um agregado de histórias
locais diferenciadas de um terrítório considerado Nação[1].
A História Global é aquela que pensa
o mundo como uma sociedade global, como por exemplo as relações, os processos e as estruturas económicas, políticas,
demográficas, históricas, culturais e sociais, que se desenvolvem a escala
nacional. Esta história liga localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos históricos locais são modelados para eventos que ocorrem a longa
distância. O que ocorre hoje numa cidade pode ser fruto do que ocorre no local
distante resultante da dinâmica global. Portanto podemos concluir que o local e
global estão distantes e próximos.
De qualquer modo, pode afirmar-se
que o gosto pela História Local em Moçambique ainda é incipiente apesar do Novo
Currículo do Ensino Básico recomendar a abordagem de estudos locais – através
do Currículo Local. Esta inovação
representa grande desafio para autoridades da educação em Moçambique duma forma
geral e para as escolas do Ensino Básico, em particular. Os programas
concentram-se no nacional e no global e dificilmente fazem a conexão destas
três dimensões de saberes.
1.2. Razões para a valorização da História Local no ensino de História
no nível básico em Moçambique
História Local é um campo da
pesquisa histórica que se preocupa com a questão da identidade cultural[2].
Actualmente o processo da globalização está a provocar impactos culturais com
reflexos negativos sobre as identidades culturais. Para consubstanciar esta
afirmação Woodward (2000) refere que:
“A globalização..., produz diferentes
resultados em termos de identidade. A homogeneidade cultural promovida pelo
mercado global pode levar ao distanciamento da identidade relativamente à
comunidade e à cultura local. De forma
alternativa, pode levar a uma resistência que pode fortalecer e reafirmar
algumas identidades nacionais e locais ou levar ao surgimento de novas posições
de identidade.”
(p. 21)
A ideia do autor acima referenciado
pode ser reforçada por Ianni (1997),
quando afirma que uma das características da globalização é a perda das
referências, é a destruição do passado. A globalização não respeita a biodiversidade
e a diversidade cultural. Perverte as referências reais e simbólicas dos
contextos locais.
Para Hobsbawn (1995), esta
destruição foi um dos fenómenos mais tristes do final do século XX. O
crescimento dos jovens vem ocorrendo numa forma de presente constante, sem
relação orgânica com o passado da época em que vivem. Então os historiadores
com a missão de lembrar o que é esquecido tornam-se muito importantes na preservação da memória e resgate da
História Local.
Por isso que a Ossana apud Schmidt
(2000) refere que:
“o trabalho com a história local no
ensino de História pode ser instrumento idóneo para a construção de uma
história mais plural, menos homogénea, que não silencie as especificidades. O
local ou regional, instituídos como objectos de estudo, podem ser contrastados
com outros âmbitos e indicar a pluralidade
em dois sentidos: na possibilidade de outras história micro, partes,
todas elas, de alguma outra história que as englobe e, ao mesmo tempo, que
reconheça suas particularidades” (p.214)
A citação acima chama-nos à atenção
que a História Local não pode ser estudada de uma forma isolada de outras
histórias regional, nacional e a global. Há uma necessidade de que as pessoas
gradualmente se tornem mais cidadãs do mundo sem perderem as suas raízes culturais e continuando a
desempenhar um papel activo na vida do seu país e da sua comunidade, daí que
nas aulas de História deve-se procurar sempre que possível estabelecer as
conexões entre a História Local, Nacional e Global. Podemos usar a metáfora de
que o interesse pela árvore não dispensa a atenção pela floresta para
justificar a ideia de que a valorização da História Local não dispensa a
História Nacional, Regional ou Global. Não é por acaso que Schmidt e Cainelli
(2004) afirmam que para o uso da História Local no ensino de História é
necessário observar duas questões fundamentais:
“Em primeiro lugar, é importante
observar que uma realidade local contém, em si mesma, a chave de sua própria
explicação, pois os problemas culturais, políticos, económicos e sociais de uma
localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros
países e, até mesmo por processos
históricos mais amplos. Em segundo lugar, ao propor o ensino de história local
como indicador da construção de identidade, não se pode esquecer de que, no
atual processo de mundialização, é importante que a construção de identidade
tenha marcos de referência relacionais, que devem ser conhecidos e situados,
como o local, o nacional....e o mundial” (p.112).
A afirmação acima chama-nos atenção
de que é preciso observar a dinâmica da sociedade, porque o contexto da
globalização, o movimento das pessoas é intenso e a circulação da informação
acompanha esta dinâmica, daí ser possível encontrar na localidade aspectos do
regional, do nacional e do global que de uma ou de outra forma influencia o
local. Ao se articular os conteúdos da História Local com a História Nacional e
Global permite o aluno desenvolver a consciência histórica[3].
Para
o caso do Ensino Básico em Moçambique a exploração do ambiente local – fontes
orais sobretudo dada pelos mais velhos, arquivos locais e escolares, museus,
florestas sagradas, livros, manuscritos, as datas históricas, a história das
vilas e cidades e outros bens culturais tangíveis e intangíveis, enfim o vasto
património cultural nacional moçambicano constituem excelentes laboratórios e
pontos de partida para o estudo da História Local para em seguida relacioná-los
com a História Nacional e Global.
A
História Geral de um país não pode descer às particularizações e aos pormenores
que são próprios da Historia Local. Por isso, mais uma vez, entendemos que o
gosto pela História Geral favorecerá por extensão o gosto pela História Local. Para
que as conexões da História Local, Nacional e o Global se efective com
consistência é necessário observar alguns desafios dentro da escola tal como
aponta Knauss (1999) ao referir que:
“O trabalho dentro da escola ainda
representa a parte central da aprendizagem mas, em volta dele, devem
aglutinar-se actividades significativas dentro da comunidade em que a Escola
está inserida e a aquisição de conhecimento relevante sobre o mundo em geral.
Deste modo, será desejavelmente possível preparar melhor a geração jovem para
as suas vidas futuras como seres individuais e actores sociais responsáveis,
permitindo-lhes encontrar o seu lugar no mundo do trabalho e tornando-os
cidadãos de pleno direito nas comunidades a que pertencem, nos seus países e
num mundo do futuro, o qual tal como Jacques Delors prediz: será “dominado pela
globalização”. (p.
21)
Portanto, o estudo da História Local
exige uma colaboração permanente da Escola com as comunidades locais, caso
contrário a escola continuará a ser uma entidade isolada. Exige também que a
escola prepare e motive os professores para esta colaboração.
1.3. Fundamentação legal para a
abordagem da História Local no Ensino Básico em Moçambique
O MINED de Moçambique, iniciou em 2002, a introdução de Novo Currículo
para o Ensino Básico. O plano reformula o currículo que foi introduzido em 1983
pelo lei nº 4/83, de 23 de Março, e revoga a que foi reformulada em 1992 pela
lei nº 6/92, de 6 de Maio. A elaboração do Novo Currículo foi coordenada pelo
Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (INDE).
O Novo Currículo introduziu várias
inovações, uma das quais é a introdução do Currículo Local[4],
que na visão do INDE representa uma componente do Currículo Nacional
correspondente a 20% do total do tempo
previsto para a leccionação de cada disciplina. “Esta componente é constituída por conteúdo localmente como sendo
relevantes, para integração da criança na sua comunidade” (Castiano, 2003,
p.20).
De facto, a introdução do Currículo Local constitui uma inovação no
actual Sistema Nacional da Educação em Moçambique, se partirmos do pressuposto
de que a história da educação no país desde o período colonial até a
instituição da lei n° 6/92 (que corresponde a lei do Novo Sistema Nacional da
Educação em substituição da lei do Antigo Sistema Nacional de Educação de
1983), não tomaram em conta a valorização dos saberes locais. Por exemplo,
sobre o objectivo da educação no período colonial Santos (2009) diz que:
“... sob o pretexto da “missão
civilizadora”, o projecto da colonização procurou homogeinizar o mundo,
obliterando as diferenças culturais ...
Com isso, desperdiçou-se muita experiência social e reduziu-se a diversidade
epistemológica, cultural e política do mundo .... Na medida em que
sobreviveram, essas experiências e essa diversidade foram submetidas à norma
epistemológica dominante: foram definidas ... como saberes locais e contextuais
apenas utilizáveis em duas circunstâncias: como matéria para o avanço do
conhecimento científico; como instrumentos do governo indirecto, inculcando nos
povos e nas práticas dominadas à ilusão credível de serem autogovernadas. A
perda de uma auto-referência genuína não foi apenas uma perda gnosiológica, foi
também, e sobretudo, uma perda ontológica; saberes inferiores próprios de seres
inferiores” (p.10)
Atendendo a definição do INDE que
parte do pressuposto de que o Currículo Local ajuda a integrar a criança na sua
comunidade, então, o ensino da História Local, encontra o seu espaço de
actuação, com inúmeras vantagens
pedagógicas e afectivas que vale a pena mencionar:
- Pode criar a motivação dos alunos
para o estudo de história e para a construção do conhecimento histórico;
- Possibilita aos alunos aproximarem
os acontecimentos históricos do seu quotidiano, da sua família, dos conhecidos,
enfim, da sua comunidade com os processos históricos mais amplos, que permite
fazer contextualização e construir
relações.
- Pode estimular os adolescentes a
demonstrarem apego à sua localidade, estudando a história de maneira mais
apaixonada, diferentemente da história tradicional ensinada em muitas escolas,
onde o estudo não vai além do livro didáctico, numa rotineira repetição dos
saberes produzidos, que inibem a aprendizagem activa e limitam as
possibilidades do conhecimento.
- Fazendo e refazendo a História
Local da comunidade, desenvolve-se a consciência cívica da necessidade de
integração e intervenção na vida da comunidade;
- Na medida em que se descobre e
valoriza aspectos comum à outras comunidades, valoriza-as de certa forma e por
essa via pode diminuir-se as rivalidades cultuarais entre elas;
- Conhecendo a sua própria
identidade, descobrindo os aspectos menos positivos ou até reprováveis (tal
como na vida dos indivíduos, na das sociedades, nem tudo é digno de elogio)
reconhecendo o valor dos intercâmbio, tendo como referência uma matriz comum
que é uma matriz nacional, afasta o localismo fanático;
- A História Local desperta o amor
inteligente à terra, ajuda a explicar o sentido profundo das coisas e atitudes.
O estudo da História Local opera em escala de
observação pontual, com possibilidades de contactos empíricos com documentos,
museus, bibliotecas e testemunhos de pessoas que viveram os factos históricos
num passado recente e que são fontes vivas do quotidiano vivido por estas
comunidades. Se a Micro-história ainda é vista com certo desprezo pelos
analistas dos sistemas macro-sociais, é certo que ela contribui
substancialmente para despertar a consciência histórica e para redefinir o
ofício do historiador (Bloch, 2001, p.20).
A História Local coloca o aluno diante de
factos próximos da sua realidade, portanto, gerando maior curiosidade e
consequentemente, promovendo o conhecimento, paralelo ao eficaz trabalho do
professor enquanto mediador do conhecimento. Não há como desvincular o local do
universal, ou seja, os elementos da História Local constituem particularidades
que dão sustentação a História Global. O estudo da História das comunidades
locais, quer enfoquem a inserção do ser
social no meio físico, articulações sociais, estruturas produtivas, circuitos
comerciais, geografia de poderes ou manifestações culturais, tendem a
possibilitar análises mais abrangentes e aprofundadas do conjunto multifacetado
da História Nacional.
O uso da história oral para a descoberta da História Local é fonte
capaz de fazer com que os estudos de História Local “escapem das falhas dos
documentos, uma vez que a fonte oral é capaz de ampliar a compreensão do
contexto, de revelar os silêncios e as omissões da documentação escrita, de
produzir outras evidências, captar, registrar e preservar a memória viva.”
(Fonseca, 2003, p.155)
O estudo da Histórial Local pode trazer muitos
aspectos positivos, do ponto de vista didáctico-pedagógico, no sentido de que:
“os estudos da história local revelam-se extremamente
motivadores para os alunos porque lhes permitem realizar actividades sobre
temas que despertam o interesse, pela sua relação com o passado do que ainda
reconhecem os mais variados vestígios. A motivação deve, contudo, ultrapassar a satisfação da simples curiosidade, para
fomentar um verdadeiro trabalho de investigação (Fonseca, 2003,
p.158)
Ao estudar temas da localidade, da aldeia,
princípio do concreto, pode-se articular na esfera do particular, a sua
preocupação singular em conexão com o universal. Em se tratando da
espacialidade, a Micro-história busca o local, a aldeia, o bairro, o círculo da
vizinhança, a casa, a região, o município. Tais dados funcionam como as
referências gerais mais nítidas de um estudo micro-analítico (Vainfas, 2002). O
enquadramento da História Local no currículo escolar do nível básico em
Moçambique,
“…oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho
nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da história (como
os movimentos sociais, a ação do Estado, as actividades económicas, a
identidade cultural, etc, a partir do ângulo de visão que faz aflorar a
específico, o próprio, o particular. A historiografia nacional ressalta as
semelhanças, o regional lida com as diferenças, a multiplicidade (Ibid,
p.222).
Neste sentido, Caimi et al (2002) ressaltam
que para a construção curricular na área de História, é preciso tomar o cuidado
de não cair apenas na base de recortes tradicionais, o que para os autores, resultaria em fragmentos
de história regional, despojada da sua singularidade e de suas articulações externas. Salienta-se,
é preciso insistir, numa construção curricular em que que se preze pela
articulação das continuidades e rupturas do processo histórico.
A motivação dos alunos
para o estudo da História Local e para a construção do conhecimento histórico
têm profunda relação com a possibilidade que ele tem de aproximar os
acontecimentos históricos do seu quotidiano, da sua família, dos conhecidos,
enfim da sua comunidade com os processos históricos mais amplos, que permitem
fazer contextualizações e construir relações. Estimulados pela curiosidade,
concebe-se que os adolescentes, por possuírem anseios pelas suas origens,
demonstrem apego à sua localidade, estudando a História de maneira mais
apaixonada, diferentemente da história tradicional leccionada nas nossas
escolas onde o estudo não vai para além do livro, numa rotineira repetição de
saberes produzidos que limitam as
possibilidades de conhecimento.
Há que considerar entretanto que a
História Local não deve servir para cimentar rivalidades ou descobrir
superioridades e motivos para gerar divisões na comunidade maior (Nacional).
Não deve servir para oportunismo de
qualquer espécie e para ressuscitar ódios e divisões.
Na abordagem da História Local,
apesar de suas inúmeras vantagens pedagógicas não significa uma superioridade
sobre a História Nacional e Global em termos epistemológicos, apenas são
diferentes escalas de observação ou pontos de observação. Por isso é que
Cardoso e Vainfas (1997) enfatizam que “combinar
abordagens distintas talvez seja o ideal, resguardadas das diferenças e até a
oposição de paradigmas” (p.449).
A relação entre a História Local,
Nacional e Global não deve ser vista como campos antagônicos. Daí
Revel (1998) afirmar
categoricamente que:
“...
não existe portanto hiato,
menos ainda oposição, entre história
local e global. O que a experiência de um indivíduo, de um grupo, de um espaço
permite perceber é uma modulação particular da história global. Particular e
original, pois o que o ponto de vista micro-histórico oferece à observação não
é uma versão atenuada, ou, parcial, ou mutilada, de realidades macrossociais: é
... uma versão diferente (p.28).”
Nestes termos, podemos concluir que
a ênfase sobre a História Local não se opõe a História Nacional e Global. O
recorte sobre a História Local apenas designa uma delimitação temática mais ou
menos inclusiva, em função das redes de interdependência e sociabilidade entre
determinados actores, no espaço social escolhido.
Entretanto o mesmo Vainfas em outra
obra (2002), refere que no caso da História Global, corre-se o risco do apego
demasiado à lógica global e a pouca ênfase ao singular, face as dinâmicas
generalizadas. Por outro lado, no caso de micro-análise, corre-se o risco de
empirismo, da ênfase a casos específicos, escapando a olhar o macro-analítico,
mas seja como for,
“ás escalas macrossocial e
microanalítico são muito diferentes e alcançam realidades distintas do tecido
social. Podem ser vistas como complementares, o que não significa que a
conjugação seja fácil. Ambas possuem limitações e se poderia mesmo dizer que
uma oculta o que a outra alcança e vice-versa” (Vainfas, 2002, p.149)
A
eleição da História Local não diminui ou reduz ou simplifica o número de
aspectos de uma realidade social. No recorte do local cada detalhe mais ou
menos aparente pode adquirir significação própria, o que não ocorre em uma
abordagem centrada em planos mais macroscópicos de análise. Portanto ao se
proporem os conteúdos escolares da História Local, não se trata apenas de
entendê-los na história do presente ou de determinado passado, mas de procurar
identificar a dinâmica do lugar, as transformações do espaço, e articular esse
processo às relações externas, a outros lugares. É preciso ter em conta que o
lugar possui história própria que não pode ser explicada por si mesma, apesar
da singularidade de cada espaço, por isso a pesquisa da História Local deve
evocar suas condições mais amplas, regionais, nacionais e até globais.
Conclusão
É necessário que nesta relação se
invista na formação do cidadão do mundo que,
mantendo suas raízes, adquira o conhecimento do mundo, actue activamente
na vida do país e da comunidade, buscando a construção de uma aldeia global. O
Currículo Local ora em vigor no Ensino Básico em Moçambique constitui uma
oportunidade ímpar se ela for devidamente explorada.
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anónimos da História: micro-história. Rio de Janeiro: Campus. 2000
[1] O termo Nação no contexto do
trabalho, refere-se um território com fronteiras artificiais definidas, com culturas diversificadas como é o caso de
Moçambique. Portanto é uma concepção objectiva da Nação.
[2] Identidade, é portanto, na minha
acepção, o sentimento de afinidade, de pertença à um determinado grupo ou
sociedade que reconhece algo em comum entre os seus indivíduos. A sua construção dá-se no interior de contextos
sociais específicos, o que significa também pertencer e partilhar das mesmas
visões e factores tais como o lugar, a história e memória social.
[3] Rüsen apud Schimidt e Caineli
(2004, p.194) considera consciência histórica relacionada ao ser (identidade) e
dever (acção) em uma narrativa significativa que torna os acontecimentos do
passado com o objectivo de dar identidade ao sujeito a partir de suas
experiências individuais e colectivas e de tornar intelígivel o seu presente
confirmando uma expectativa futura a esta actividade actual. A consciência
histórica tem uma função prática de dar identidade aos sujeitos e fornecer a
realidade em que eles vivem uma direcção temporal, uma orientação que pode
guiar a acção, intencionalmente, por meio de mediação da memória histórica.
[4] Outras inovações introduzidas pelo Novo Currículo são: os ciclos de aprendizagem;
o ensino básico integrado; a distribuição dos professores; a promoção
semi-automática; a introdução dos idiomas moçambicanos no ensino; a introdução
do inglês, de ofícios, da educação musical e cívica (INDE, 2003, p. 26-36)
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