A GRANDE MENTIRA DE KAÚLZA DE ARRIAGA
Por Jorge Fernando Jairoce
Por Jorge Fernando Jairoce
Em Abril de 1998, o General Kaúlza de Arriaga escreveu um texto descrevendo a trajetória da guerra colonial em Moçambique, porém, o seu texto revela uma verdadeira distorção da história. Arriaga afirma no seu texto o sucesso das operações militares portuguesas em Moçambique com destaque para operação Nó Górdio quando é sabido em Moçambique (de acordo com os documentos históricos disponíveis) que os portugueses já não tinham condições de sustentar a guerra por mais tempo devido as várias razões: umas relacionadas com a acção da guerrilha da Frelimo que com o apoio da população alcançava bons resultados e outras relacionadas com o descontentamento das tropas portuguesas em Moçambique e Portugal. Aliás, não foi a toa que surgiu o golpe militar de 25 de Abril de 1974. O texto por ele escrito representa uma manifestação do saudosismo colonial. Leia o texto a seguir na íntegra para perceber as mentiras de Kaúlza.
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A ESSÊNCIA E O SUCESSO DA CONDUÇÃO DA GUERRA EM MOÇAMBIQUE NO PERÍODO DE 1969 /1973
Por Kaúlza de Arriaga -Abril
de 1998
AS CAUSAS DA GUERRA EM MOÇAMBIQUE
A África Austral era sede de um conjunto de grandes jazidas de minérios
essenciais à vida do Ocidente e ao seu esforço militar. Também, na África
Austral, se situavam posições
geo-estratégicas das quais se podia dominar a rota marítima do Cabo, pela qual navegava a maioria dos navios portadores de
petróleo vindo do Golfo Pérsico, igualmente essencial ao Ocidente. A falta de
tais minérios ou desse petróleo criaria dificuldades aos países ocidentais que
se não sabia como ultrapassar.
Assim, e na estratégia ofensiva indirecta que a União Soviética, China
Continental e seus satélites vinham a praticar, no âmbito da confrontação
Leste-Oeste, a procura do controlo da África Austral não podia deixar de ser um
objectivo importante e até prioritário. Esta a razão principal da agressão do
imperialismo comunista a esta parte da África.
Semelhante agressão teve, como disposição prévia, concretizada em 1960, a
infiltração e o predomínio desse imperialismo nos territórios adjacentes, a
Norte da África Austral, à medida que se iam tornando independentes – Congo
(Braza) depois República Popular do Congo, Congo (Kinshasa) depois República
Democrática do Zaire, Tanganica depois Tanzânia e Rodésia do Norte depois
Zâmbia. E logo, com base nestes países, se tentou o ataque a Angola e
Moçambique, sob a forma de promoção da subversão das suas populações – 1º passo
previsto da agressão em causa. Da queda destas duas Províncias Africanas
resultaria a queda da Rodésia – 2ª passo previsto dessa agressão. Depois, satelizadas
ou tele-satelizadas, a favor da URSS, Angola e Moçambique, estes territórios
seriam excelentes bases de ataque à Namíbia e à República da África do Sul – 3º
e 4º e último passos previstos para a mesma agressão.
Os países ocidentais que, com toda a evidência, deveriam em termos de
justiça e no seu próprio interesse, ter apoiado, à priori e ab initio,
Portugal, contra a subversão em Angola e em Moçambique, não o fizeram ou pelo
menos, não o fizeram com grande clareza e empenho.
Por outro lado, a maioria dos Impérios Coloniais praticaram
sistematicamente um colonialismo mais ou menos opressor e explorador, e não uma
colonização fundamentalmente civilizadora e promotora da elevação, em todos os
planos, das populações. Este facto deu legitimamente lugar ao desejo de auto
governação das populações assim tratadas. E interesses que nada tinham com o
colonialismo ou com a colonização, aproveitaram-no ampliaram-no e
agudizaram-no, agora ilegitimamente, criando uma psicose, uma obsessão,
terceiro-mundista, de independência, alheia à razão, a todo o custo e sob
qualquer fórmula, descuidando consequências. A questão não dizia respeito a
Portugal, em cujos territórios ultramarinos, depressa o colonialismo, onde e se
e quando eventualmente existiu, foi substituído por uma sadia colonização.
Razão pela qual as populações de Angola e Moçambique foram, na sua grande
maioria, estranhas e contrárias à subversão, nunca tendo a parcela afectada dessas
populações ultrapassado os 10% do seu total. Pela mesma razão, as tropas portuguesas
acabaram por ter efectivos em que mais de 60% eram de etnias negras. Mas o
mesmo não sucedeu com o Terceiro Mundo em geral que, impregnado das psicose e obsessão
referidas, se constituiu em inimigo de Portugal.
A SUBVERSÃO E A
CONTRA-SUBVERSÃO EM MOÇAMBIQUE
1º A SUBVERSÃO EM MOÇAMBIQUE
A) Como referi, o ataque a Moçambique do imperialismo comunista, no âmbito
da estratégia indirecta da URSS e da
China Continental executada na confrontação Leste-Oeste, teve a forma da
promoção da subversão naquele território.
Para tanto, elementos especializados, russos, chineses continentais e dos
seus satélitas, trabalharam, do lado da Tanzânia e da Zâmbia, as etnias cujos
"habitat" se verificavam de um e de outro lado das fronteiras
daqueles países com Moçambique – como "Ajauas", "Macondes",
"Sengas" e "Cheuas". Assim, faziam verdadeiras lavagens de cérebros
à parte destas etnias não situadas em Moçambique, lavagens que com relativa facilidade
contagiavam a parte das mesmas etnias situadas em Moçambique. Deste modo,
formavam movimentos subversivos de que o mais importante, a partir de certo momento
praticamente o único, foi a Frelimo.
E estes movimentos constituíam grupos, em regra pequenos, que,
infiltrando-se noutras etnias do interior de Moçambique, procuravam
subvertê-las. Esta tentativa de subversão incidia fundamentalmente nos chefes
tribais ou chefes naturais, e seus acólitos, de etnias não subvertidas. E como,
quase sempre ou sempre, estes chefes tribais ou chefes naturais e seus
acólitos, não aceitavam subverter-se, eram logo ali assassinados – nos quatro anos em que exerci o Alto Comando em
Moçambique, sobretudo a Frelimo assassinou
cerca de dois mil daqueles chefes e acólitos. Era uma acção de terrorismo intensa
e extensa.
Curiosamente este terrorismo, em Moçambique, não abrangia a população
branca, não tendo, que se saiba, nos referidos quatro anos do meu Comando, sido
morto ou sequer atacado branco algum da população moçambicana, nem tido lugar
qualquer acto como bombas em cidades e
aviões ou desvio destes, etc.
Era um terrorismo de pretos das etnias fronteiriças, já subvertidas, contra
pretos, de etnias do interior, não
subvertidas e que nunca chegaram a sê-lo.
B) Paralelamente, a esta tentativa de subversão e considerada dentro dela,
a Frelimo procurava, também por impulso de russos e chineses e elementos dos
seus satélites, conseguir áreas
territoriais, muito próximo das fronteiras, mas do lado de Moçambique, onde, organizando-se muito fortemente do ponto
de vista militar, pudessem resistir às acções
das nossas forças. Considerava essas áreas como bases, "áreas
libertadas" e, partindo delas,
sonhava progredir significativamente para Sul.
De facto conseguiu que algumas suas chamadas "bases", menos de
uma dezena – situadas entre os rios
Rovuma, fronteira coma Tanzânia, e o rio Messalo, a mais de dois mil quilómetros a Norte de Lourenço Marques-,
se mantivessem algum tempo. Mas todas
elas foram conquistadas, ocupadas e destruídas com a Operação
"Nó-Górdio" e outras operações
que imediatamente a precederam e se lhe seguiram, no Verão de 1970, em cerca de dois/três meses. E nunca mais
voltaram, ali ou em qualquer outro ponto de Moçambique, a ter lugar.
C) E, ainda naturalmente, a Frelimo procurava impedir as nossas acções de desenvolvimento do território e de promoção e
segurança das populações. O que, de todo,
não conseguiu fazer.
2º A CONTRA-SUBVERSÃO EM
MOÇAMBIQUE
De acordo com a doutrina, que eu próprio estabeleci quando Professor no
Instituto de Altos Estudos Militares, a
contra-subversão portuguesa em Moçambique tinha os seguinte objectivos:
a) A eliminação, caso existissem, das chamadas "áreas
libertadas". Foi o caso da Operação
"Nó-Górdio" e daquelas que imediatamente a procederam e seguiram.
b) A segurança e defesa de pontos especialmente importantes ou sensíveis,
como foi o caso de Cabora-Bassa.
c) O desenvolvimento do território e a promoção e segurança das populações,
aquela promoção sobretudo nos aspectos
de educação, de assistência médica e para-médica, económico-financeiro, cívico, político, etc.
d) O combate a quem procurava ampliar a subversão e impedir aqueles desenvolvimentos do território e promoção e
segurança das populações. Em
consequência:
a) Executou-se a operação "Nó-Górdio" e as que a precederam e se
lhe seguiram, com a eliminação total das
chamadas "bases" da Frelimo – "áreas libertadas".
b) Defendeu-se Cabora Bassa com 100% de êxito.
c) Construiram-se Aldeamentos – mais de mil – com as suas escolas, os seus
centros de saúde, as suas explorações
agrícolas, os seus centros de convívio, etc. d) Lançou-se a Operação Fronteira,
de construção, em moldes modernos, de uma série de Vilas ao longo do rio
Rovuma, fronteira com a Tanzânia.
e) Impulsionou-se fortemente o acesso às Escolas, incluindo a Universidade,
de africanos.
f) Desenvolveu-se um sistema eficaz de Assistência Sanitária Generalizada.
g) Nomearam-se vários Presidentes de Câmara africanos.
h) Constituiu-se uma Assembleia Legislativa Provincial, em Lourenço
Marques, formada por 50% de brancos e
50% de africanos.
i) Melhoraram-se e construíram-se milhares de quilómetros de boas Estradas,
centenas de Aeródromos e Pistas, e não
poucos Portos de Mar.
j) Ampliou-se o sistema de Auto-Defesa das Populações, em que estas, com
armas que lhes eram fornecidas pelas
nossas forças, tratavam de expurgar por si próprias o seu "habitat" de quaisquer infiltrações
subversivas ou grupos subversivos que ali se tivessem formado.
k) Criaram-se os GE e GEP, Grupos Especiais e Grupos Especiais
Paraquedistas, constituídos por
voluntários africanos das diversas etnias ou dos diversos aldeamentos, altamente treinados no combate e no contacto
com as populações.
n) Etc.
3º CONCLUSÃO
A subversão, tentada pela URSS, China Continental e seus satélites, através
sobretudo da Frelimo, foi um fracasso. Esta Frelimo esteve na iminência do colapso
total, logo após a Operação "Nó-Górdio", e estava na eminência de igual colapso, quando
eclodiu o "25 de Abril" em Lisboa.
Pelo contrário, a contra-subversão realizada por Portugal, como indicado,
baseada nas populações e em forças
mistas brancas e africanas, constituiu um êxito total.
Assim, Portugal venceu, em Moçambique, a URSS, a China Continental e os
seus satélites, fomentou grande
desenvolvimento do território, conseguiu muito significativa promoção das populações e garantiu a segurança
destas.
E, aquela contra-subversão, além do seu pleno sucesso, fez com que, em
1997, um membro importante do actual
Governo de Moçambique tenha declarado considerar que a guerra, que eu, Kaúlza de Arriaga, ali,
então, conduzia, correspondia à concretização do sonho do Homem Africano Moçambicano. E fez
com que, em 1998, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de
Moçambique, estando em Lisboa, em jantar que me ofereceu, no Hotel Tivoli, me
convidasse, em termos oficiais, para visitar oportunamente Moçambique.
2ª GERAÇÃO DA FRELIMO
A Frelimo, principal movimento subversivo e, a partir de certo momento
praticamente o único, foi criada,
mantida, recreada, mentalizada, treinada e conduzida pela URSS, China Continental e seus satélites – o
imperialismo comunista. O pensamento da Frelimo
era o pensamento da URSS e da China Continental. E as suas acções eram determinadas pelas mesmas entidades. Foi a 1ª
Geração da Frelimo.
Havia, porém, na Frelimo quem não concordasse com tal subordinação à URSS e
à China Continental e com as acções
decorrentes, e havia, mesmo, quem não concordasse com a sua existência na forma
comunista que tinha. Contudo as imposições da URSS e da China Continental tudo
dominavam.
Mas, a URSS desapareceu e a China Continental deixou de intervir em África.
E uma 2ª Geração da Frelimo, liberta de
russos e chineses e seus satélites, começou a surgir e a pensar e a agir por si própria.
E esta 2ª Geração apercebeu-se de quem tinha razão na luta que, de 1964 a
1974, teve lugar em Moçambique.
Apercebeu-se da razão de Portugal e do bem, enorme, que este estava a fazer em favor de Moçambique e da sua
População.
E a mesma 2ª Geração, da qual não poucos dos seus membros estiveram presos
pela 1ª Geração, tem já numerosos
elementos seus nas chefias moçambicanas, como Ministros, Generais, Embaixadores, etc. É um facto de
importância histórica.
Assim, se explica a afirmação, atrás citada, de um actual membro do Governo
de Moçambique – " A guerra, que o General Kaúlza de Arriaga ali conduzia,
correspondia à concretização do sonho do
homem africano em Moçambique". Assim, se explicam as excelentes relações que eu, Kaúlza de Arriaga,
mantenho, em Lisboa, com o actual Embaixador
de Moçambique. Assim, se explica o calorosamente amigo encontro da minha pessoa, Kaúlza de Arriaga, com o General
Chefe do Estado- Maior da Força Aérea
Moçambicana e o Tenente-Coronel seu Chefe de Gabinete, ocorrido na recepção oferecida pela Força Aérea Portuguesa, em
Sintra, em Junho de 1997, e no almoço oferecido
pela mesma Força Aérea, na messe de Monsanto, em Julho seguinte. E, assim se explica o tão significativo convite, atrás
referido, que, em Março de 1998, me foi feito,
empenhadamente, pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Moçambicanas,
para, oficial e oportunamente, visitar Moçambique.
Onde estão as mentiras?. Curioso, só vi verdades!
ResponderExcluirCaro Jorge,
ResponderExcluirTem que concretizar a sua argumentação, olhe que muitos guerrilheiros da Frelimo, inclusivamente Joaquim Chissano, não só salientam que a operação No Górdio teve impactos importantes na estrutura da Frelimo, assim como sublinham o bom estratega que foi o Kaúlza. Repare ainda que o próprio Samora Machel, num documento datado de início de 1974, previa mais 10 anos de ação armada porque considerava que o inimigo (o exército português) estava e pedra e cal em Moçambique.
Creio que o contexto internacional e o mal-estar nas Forças Armadas portuguesas é que foi de facto mais importante para a queda do Estado Novo. Mas esse mal-estar teve também muito de político e de corporativo, não se deveu somente à guerra.
Bom mas isto é um assunto muito complexo que não discute em algumas linhas.
Espero que aceite a crítica de um português que nasceu em 1982 e que não tem qualquer ligação familiar com África, ou seja, cujo interesse na manutenção dos estados ultramarinos é quase nula.
Um abraço.