RENAMO PEDIU APOIO À IGREJA PARA FACILITAR ENCONTRO COM FRELIMO E
ACABAR COM A GUERRA
O
arcebispo Dom Jaime Gonçalves revelou anteontem na Beira que no primeiro
encontro que teve com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, em Gorongosa, depois de
o procurar em vários lugares, ele é que tomou a iniciativa de pedir que a
Igreja ajudasse a Renamo a encontrar-se com a Frelimo para acabar com a guerra.
“Nós estamos a sofrer de fome, comemos lagartixas, não
temos comida, não temos roupa, não temos casas onde dormir e passamos todo o
tempo a fugir de um lado para o outro, estamos cansados, queremos acabar com a
guerra, estamos a sofrer muito”, teria dito Dhlakama citado pelo arcebispo.
Dom Jaime, que dissertava
numa palestra denominada de Aula Aberta A busca de Paz para Moçambique,
organizada pela Universidade Católica de Moçambique (UCM), como seu contributo
para a celebração dos 20 anos de paz, confessou ter ficado surpreendido pela
iniciativa de Afonso Dhlakama, uma vez que, tendo ele ido procurar a Renamo
para convencê-la a aceitar conversar para acabar com a guerra, sentiu um grande
alívio, “porque eu nem sabia como começar a conversa”.
“Felizmente que ele é que
começou a falar e eu respondi: ‘Nós também na cidade sofremos, e começou o
diálogo com o Dhlakama desta maneira’ e no fim eu perguntei: olhá lá
presidente, porque é que vocês estão a fazer a guerra?”.
Ele respondeu “porque não
queremos o comunismo em Moçambique”.
“E como vamos fazer para
acabar com isto”?
“Queremos diálogo com a
Frelimo”, respondeu Dhlakama, acrescentando :“Peço que a igreja nos ajude”.
“Então passamos a
discutir as condições do diálogo com a Frelimo até cerca das duas horas da
madrugada desse dia. Depois voltei para África do Sul na avioneta para depois
tomar o avião para Maputo.”
Dom Jaime explicou
depois, que o passo seguinte foi ir a Nairobi, no Quénia, e pedir ao Governo
para trazer a Renamo até à capital queniana, o que foi feito em Fevereiro de
1989, voltando a acontecer em Agosto do mesmo ano, altura em que se realizou o
derradeiro encontro com Afonso Dhlakama. “Aqui já estávamos com o Concelho
Cristão de Moçambique (CCM)”.
“A Renamo ficou em
Nairobi e nós regressámos a Maputo, onde em audiência com o Presidente Chissano
ele nos disse que já tinhamos feito a nossa parte (nós bispos) e que a partir
daí iria trabalhar com dois presidentes como negociadores, que eram o do Quénia
e o do Zimbabwe”, prosseguiu a sua explanação o prelado.
Destacou que os
negociadores trabalharam de Agosto e Dezembro de 89 e decidiram que não podiam
estar sempre a andar de um lado para o outro e a repetir as mesmas coisas.
Propuseram que a Frelimo e a Renamo se encontrassem e negociassem directamente.
“Fizeram um relatório e comunicação nesse sentido. Então era preciso contactar
as partes desavindas para convencê-las da necessidade do diálogo. Voltamos a
ser chamados (nós bispos), desta vez para fazer diplomacia”, explicou Dom
Jaime.
“A nossa nova tarefa era
de fazer contactos para que o Vaticano e o Governo italiano usassem as suas
influências nas Nações Unidas para levar o Presidente dos Estados Unidos, na
altura George Bush, a convencer o Presidente Chissano a aceitar o diálogo
directo com a Renamo. Nós fizemos isso e como resultado da nossa diplomacia, no
dia 9 de Março de 1989, o chefe do Estado moçambicano anunciou, a partir de
Washington, que estava disposto a estabelecer o desejado diálogo com a Renamo”,
palavras de Dom Jaime Pedro Gonçalves.
O relato anterior é parte
do projecto da Conferência Episcopal da Igreja Católica nos seus caminhos de
busca de paz para Moçambique, que segundo Dom Jaime Gonçalves, era marcada por
intensa actividade de reflexão. “Passa muito tempo em reflexões, por isso vamos
notar entre o que diz e o que faz”, referiu, ao começar a sua explanação que
dividiu em três partes:
1-Situação da violência
em Moçambique
2-Moçambicanos que choram
por causa da violência
3-Moçambicanos que buscam
solução para a guerra
Em relação ao primeiro
ponto, o arcebispo explicou que a Conferência Episcopal começou a reflectir
sobre a violência e sobre a situação da paz já em 1977, durante a 1ª Assembleia
Nacional da Pastoral na Beira, realizada nos dias 17 e 18 de Setembro: “Até
escrevemos uma Carta de Solidariedade com a Conferência Episcopal da África do
Sul pelo massacre das crianças e jovens em Soweto.”
RECONCILIAÇÃO
IGREJA-GOVERNO DA FRELIMO
“Estamos interessados na questão da violência. A seguir, em 1982, acontece a reconciliação do regime com as instituições religiosas. O Presidente Samora Machel e seu Governo sentiram que a revolução moçambicana estava a ser objecto de muita crítica por parte da comunidade internacional. Então começaram a fazer uma reflexão no interior da revolução e como já fiz referência, o primeiro gesto foi a reconciliação com as religiões porque a partir delas, os moçambicanos têm ligações para fora.”
O prelado revelou que os
religiosos foram convocados pelo Presidente do dia 14 a 17 de
Novembro de 1982, que lhes disse: “Agora é a vez de as religiões discutirem os
seus problemas e escreverem que dificuldades encontram na revolução, pôr por
escrito e entregar às estruturas máximas do poder”. Os católicos, na lista dos
problemas, terminam dizendo o seguinte: “Senhor Presidente, nós verificamos que
existe no país uma violência que destrói vidas e bens e isto leva-nos a
procurar com todos os moçambicanos a paz e concórdia dos moçambicanos”.
Segundo Dom Jaime, o
Presidente não gostou e quis saber quem eram esses moçambicanos porque era uma
referência à Renamo. Isso fez com que para a conclusão do encontro o Presidente
fizesse dois discursos. O primeiro foi de censurar os bispos e os católicos
pelo seu suposto apoio aos “bandidos armados”. Depois leu um segundo já em tom
reconciliatório, com todas as instituições: então, acabamos por ter lugar na revolução
onde éramos chamados a educar o povo na moral e patriotismo. Isto foi em 82 e
vamos cinco anos depois, em 87 concretizar o projecto da Conferência Episcopal.
Porque esperamos cinco anos? – perguntou-se Dom Jaime Gonçalves, respondendo
ele próprio que “esperamos porque a Igreja católica estava a sofrer muitos
ataques e nós não queriamos que a situação piorasse. Por isso tinhamos que
fazer reflexões e ser muito cautelosos”.
“Depois desse encontro
decidimos fazer qualquer coisa para provar que o diálogo era possível e
estruturamos o nosso projecto que vai depois passar por Nairobi e depois Roma e
termina com a assinatura do Acordo Geral de Paz em 4 de Outubro de 1992”,
disse o arcebispo.
Acrescentou que para
operacionalizar o projecto foram criadas duas comissões da Conferência
Episcopal, que pretendia continuar com as cartas pastorais e procurar a Renamo
para o desejado diálogo. A Comissão para procurar a Renamo era constituida por
Dom Alexandre Maria dos Santos, na altura arcebispo de Maputo e Dom Jaime
Gonçalves, arcebispo da Beira e presidente da Conferência.
A outra comissão que
tinha a missão de dialogar com o Governo era chefiada por Dom Paulo Mandlate,
de Tete, os arcebispos da Beira e Nampula, e eventualmente todos os bispos
quando fosse o caso de falar com o Presidente da República.
Segundo referiu Dom
Jaime, os três objectivos pretendidos pela Conferência eram continuar com as
cartas pastorais, procurar a Renamo e convencer o Governo a aceitar o diálogo.
Fonte: Diário de
Moçambique – 13.09.2012
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