MALI: CONVULSÕES QUE AMEAÇAM HERANÇA
CULTURAL DA HUMANIDADE
O CONFLITO militar que alastra no Mali, com
os islamitas a dominarem actualmente dois terços do país, está a ameaçar todo
um trabalho que estava a ser feito e que tinha por principal objectivo
preservar uma preciosa herança histórica, num esforço que contava com o apoio
de diversas organizações internacionais ligadas à cultura.
Na cidade de Tombuctu, nas imediações do
deserto do Sahara, indiferentes aos perigos da guerra, que a rodeiam um pouco
por todos os lados, um grupo de jovens entusiastas tem dado repetidos exemplos
de como um determinado objectivo, neste caso a defesa de preciosos valores
culturais, pode contribuir para unir aquilo que a intolerância política tenta
separar.
Esse grupo de jovens, na sua esmagadora
maioria islamitas, juntamente com alguns tuaregues, desenvolvem um aturado
trabalho para recuperar, neste caso concreto, manuscritos árabes do século XII,
com tópicos referentes a estudos que vão desde a origem do Islão à Filosofia,
passando pela Matemática e Astronomia.
Este ano, devido às convulsões que afectam
aquela região, não se realizou o famoso Festival Internacional de Tombuctu, que
costuma reunir estudiosos do islamismo provenientes de diversas partes do
mundo.
Mas, mesmo sem esta actividade, os jovens e
especialistas locais resolveram intensificar os seus esforços de preservação da
herança cultural, ao mesmo tempo que não hesitaram em lançar apelos ao fim das
divisões étnicas e religiosas que estiveram na origem do golpe de Estado que
dividiu o país.
Esta cidade funciona como uma espécie de
oásis, no meio de um imenso deserto de ideias, onde a intolerância, evidenciada
por radicais salafistas, faz com que muitos forasteiros receiem visitá-la, com
medo de serem apanhados no meio de um qualquer fogo cruzado.
Essa intolerância já se fez mesmo sentir no
interior da cidade, onde algumas tumbas de antigos lideres islâmicos locais
acabaram por ser destruídas, sob o argumento de que estavam a “adulterar” a
mensagem que os novos líderes querem fazer passar. Algumas livrarias, que
guardavam manuscritos já recuperados, tiveram de fechar as suas portas sob o
risco de serem vandalizadas e mesmo queimadas.
Este exemplo de patriotismo dado pelos
jovens anónimos, que tentam preservar essa herança, com o apoio de organizações
internacionais que não reivindicam qualquer tipo de protagonismo, por estarem a
ajudar uma causa que se destina a preservar os valores culturais de toda a
humanidade, pode servir de guia para os renovados esforços que a União Africana
pretende fazer para a resolução do problema do Mali.
Aquilo que inicialmente era um movimento
reivindicativo desencadeado por grupos tuaregues que exigiam para as suas
regiões o mesmo tipo de tratamento que o governo da altura dispensava a todo o
país, rapidamente se transformou num golpe de Estado que colocou o Mali a beira
de uma guerra civil.
O Mali, eventualmente por não possuir
grandes riquezas e potencialidades naturais, tem sido um país esquecido pela
comunidade política internacional, até no que respeita a defesa dos valores
existentes na cidade de Tombuctu. Recentemente, o governador Halle Ousmane, viu
recusado pela UNESCO um pedido no sentido de ser garantidas as condições que
pudessem viabilizar a evacuação da cidade de alguns manuscritos já recuperados,
de modo a evitar a sua destruição.
Essa recusa, dada após uma consulta com as
autoridades do Mali, fazem aumentar as suspeitas de que o actual líder do país,
Ansar Dine, está a projectar a venda de alguns desses tesouros históricos para
fazer face à falta de verbas para manter o seu governo.
O próprio director do Museu Nacional do
Mali, Samuel Sidibe, através da Cruz Vermelha Internacional, lançou já um apelo
denunciando o facto da sua instituição estar, aos poucos, a ser despojada de
algum do seu espólio para posterior venda, pelo governo, no mercado
internacional.
O continente africano, ainda a braços com
os mais diversos tipos de problemas, não pode permitir ver-se despojado da sua
própria herança histórica, seja porque razão for, e muito menos se ela servir
para alimentar poderes que se impõem pela lei da bala. A União Africana, que
acaba de declarar a decisão de se empenhar mais profundamente na busca de uma
solução para o problema do Mali, deve encarar, com a devida urgência, a necessidade
de preservar os valores culturais de todo o continente, assumindo o facto de
que um país sem historia é um país sem futuro.
Independentemente das disputas políticas
que muitas vezes apenas servem para dividir nações, os valores culturais, na
sua plenitude, são aqueles que deveriam ser usados para unir povos que se
revejam nas respectivas histórias e heranças, de modo a salvaguardarem as suas
identidades e assim melhor estar preparados para os desafios do futuro.
Aos poucos, de forma silenciosamente criminosa,
o povo do Mali está a ser despojado da sua história, correndo o risco de ficar
sem referencias de um passado que deveria servir de exemplo para os jovens
projectarem o futuro.
E isso não serve a ninguém. Nem aos novos
senhores do poder. Mas, isso eles fingem não saber.
Maputo,
Quarta-Feira, 24 de Outubro de 2012:: Notícias
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