IDEIAS - LIVRO DE MARCELO PANGUANA: CONVERSAS DO FIM DO MUNDO
Não é Verdade?
PODÍAMOS começar assim: “O Pão da escrita
de cada dia nos daí hoje” para quase parafrasearmos a oração que o Pai nos
ensinou. No fundo, o Marcelo Panguana sabe bem o quanto este supremo pedido tem
de verdade e o quanto de sacrifício este exercício implica. Sobretudo, quando,
nos dias de hoje, cada vez mais que os de ontem, é tão penoso viver dela.
Porém, a “sagrada” vocação que a vida nos
incumbiu de ter, uns bens, outros mal, obriga-nos a assumi-la como uma
fatalidade inevitável, todavia, por sabermos que não a podemos contornar.
Prova-o este livro onde o Marcelo se reúne e reúne os trabalhos que se lhe
afiguraram como os mais importantes para publicar.
Assim, este conjunto veio confirmar-me,
então e agora, sem favores nenhuns, aquilo que sempre achei da escrita deste
autor e que se traduz na festividade com que ela se celebra, na candura com que
respira, na subtileza criativa que transmite ou, sobretudo, pela vertente
descritiva e analítica de como ela se debruça para a vida. Essa forma de
mastigar o texto, de assumará-lo de imagens, gestos, olhos e carácter torna-o
único no panorama literário nacional.
E digo aquilo com a frontalidade com que
gosto de aflorar o que aprecio, sem a bajulação nojenta, sem a agoniada atitude
que enferma a já enfermada e habitualíssima, cá nos meios, troca de
galhardetes. Eu, pessoalmente, delicio-me com o trabalho do Panguana, com a sua
obsessão pelo belo do humano e do tudo que o rodeia. Repito. Aprecio a
eloquência condimentadíssima da sua escrita. Afirmo-o com absoluta vontade
porque não sou o género de pessoa que diz as coisas pela necessidade de
quem mas pede para as dizer e do jeito que elas querem ser ditas. Por outro
lado, só as digo quando me apetece dizê-las, quando as quero dizer ou quando
acredito seja imperioso que as diga.
Não visto, própriamente, a máscara loira,
sebenta e pandêga de alguns críticos nacionais, anafados na sua saloia e
gordurosa figura de arautos do intelectualismo, «demodê» com se convém dizer,
com agendadas bebedeiras para colorir o lado que não têm de eruditos, mas tão
somente de achinelados chefes de família com aspirações a distintos professores
de filosofia. Arre, e eu que pensava que tal como a varíola essa epidemia já
havia sido erradicada cá das urbes.
Bom, mas arrotêmos-los e retomemos o
assunto que verdadeiramente nos interessa. “Conversas de Fim do Mundo”, esta
colectânea de textos de intervenção social e não só, que o Marcelo Panguana,
“achoupalado maronga assobiado e ou ajardinado”, como queiram, resolveu
publicar,
festejando-nos e a festejar uma das virtudes que mais admiro nele.
A fidelidade à escrita, a essa continuada razão que a abraça:
– Senão vivo dela, vou viver com e por ela.
Tem sido assim desde que o conheço
partilhando comigo as dúvidas e os medos que tal decisão representa para nós.
Nós os desescolados e honorizados causas do dia a dia.
Porém, abençoados pelo nosso País no “nosso
tão visível e ignorante despreparo”, somos felizes porque tivemos por destino
nascer nele e com ele, de travar as lutas que escolheu travar, de discordar
delas quando foi preciso discordar e de, mal ou bem, vermos-nos reconhecidos
pelo seu respeito e pelo seu carinho. Podem, pois, nos chamarem o que quiserem.
A despeito disso, somos estes e não outros
que não sendo de onde são, aqui ganham voz e peleitas, fugidos que estão do
individualismo desumanizado, do consumismo agonizante e do tempo que é uma
benção quase divina que os seca e empalidece.
À nossa maneira, dignamos a pequenêz com
que nos olham ou nos lêm. Prova-o a própria língua falada que se vai parecendo,
também ortográficamente, cada vez mais connosco. Já não somos nós que erramos,
é a propria ortografia.
E nessa toada, o Marcelo Panguana traz-nos
as musicalidades que a Língua Portuguesa foi e é agora reconhecidamente mais
mestiça e mais exógena. Essa pátria onde nascemos outros e onde outros
descobrem as suas Pátrias.
São retratos, são homenagens, são respeitos
que vai legando. Uma forma de não esquecer quem aprecia, de eternizar o que não
pode ser efémero. Sem doutos preciosismos, sem laivos de vaidade, sem
prentensos pontificados.
Ele mesmo só, aprendiz por conta próprio.
Calçado com as suas nudezes. Só por isso, está de parabéns o Marcelo que a
troco de nada e vestido das suas naftalidades nos brinda de modo pessoalíssimo
e talentoso com estes textos nascidos uma segunda vez. Estes filhos encantados
que hoje e no futuro se irmanam connosco.
Este pão repartido da escrita. Esta
fornalha para a farinha da criação e para o fermento do sonho. Este pão que tem
que ser amassado e que tem que sair à rua. Este pão que é tão
imprescindivelmente necessário se vá comendo, mesmo sabendo que num País onde é
tão caro ler muita pouca gente se dá ao trabalho de imaginar o quão caro é
escrever. E, muitas vezes, sem mesmo um pedaço que seja de pão.
Eduardo White
Maputo,
Quarta-Feira, 21 de Novembro de 2012:: Notícias
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