ÁFRICA: NOVOS TEMPOS, VELHAS TÁCTICAS
POLÍTICA
EXTERNA FALHADA DESMASCARA GOVERNOS E ALIANÇAS
A crise no Mali e noutros cantos de
África mostra até que ponto governos e seus aliados africanos bem como
internacionais estão falhando na abordagem dos problemas que enfermam muitos
dos países deste continente.
A febre independentista do passado
teve seus resultados positivos embora efémeros. Ganhou-se uma bandeira e um
hino. Ganhou-se em autoestima. Mas o panorama continental é sombrio para dizer
a verdade. Os pequenos ganhos do passado foram-se diluindo rapidamente.
Assalto e domínio das
potencialidades económicas nacionais tornou-se na essência a preocupação
primordial do que se chama governar.
Os desenvolvimentos políticos e
económicos que se esperavam foram “sol de pouca dura”. A maioria dos países
mergulhou em situação de despotismo apoiado por ex-potências coloniais e outros
políticos emergentes da guerra-fria que fustigava o mundo.
Uma espiral de violência com
fundamentos misturados, entre fundamentalismos político-religiosos, guerras que
não tem outra explicação senão o acesso a riquezas que minerais oferecem,
grupos armados, milícias, exércitos governamentais, forças mercenárias, com
apoio externo determinado, movem guerras abertas e outras latentes em vários
países. A instabilidade é generalizada e alguns países estão mergulhados em
guerra e com crise de deslocados e refugiados relegados à sua sorte.
Nos fóruns internacionais, na União
Africana e em tudo o que sejam debates diplomáticos aparece como problema. Mas
um daqueles problemas em que as soluções tardam a aparecer e em que os
interlocutores não se mostram interessados ou engajados em debates
construtivos.
Alguma da inconsequência que se
verifica e que caracteriza o ambiente africano, deve ser atribuída a carências
ao nível da liderança nos diferentes países. Interesses díspares, agendas
dúbias, compadrios e alianças baseadas em imposições estratégicas delineadas
por outros, empurram o continente para desastres sociais e políticos de
envergadura variável.
Já não se trata de colonialismo ou
de guerras pela independência. O assunto é basicamente como os governos de
países independentes governam seus próprios países. Uma agenda governamental
desassociada do que muitas vezes interessa a maioria dos cidadãos dos países
coloca segmentos de um mesmo país em contradição e em choques violentos.
Aqueles conflitos pós-eleitorais
que aconteceram no Quénia, no Zimbabwe, em Angola, na Costa do Marfim tem uma
génese e ela deve ser encontrada na intolerância com motivação política. Muitos
dos problemas que surgem no dia-a-dia na governação em África são conhecidos
mas escamoteados por políticos com objectivos firmes e determinados em ver suas
agendas vencendo.
Não há como ignorar os
constrangimentos políticos africanos. Se alguma vez houve estratégia definida
pelos governos visando desenvolver seus países isso terá deixado de ser o
centro das atenções pelos governantes de hoje.
Se antes era admissível determinado
tipo de falhas no desempenho dos governantes alegando-se a novidade do assunto
e a falta de experiência o mesmo pacote justificativo não é aceite pelos
governados.
Quando oligarcas e déspotas criam
os chamados fundos soberanos e colocam seus filhos como gestores de tais fundos
– como o fez José Eduardo dos Santos presidente de Angola – estamos em
face de esquemas lubrificados para defraudar fundos públicos.
Quando equipas governamentais se
especializam no negócio das comissões e na constituição de joint-ventures com
entidades empresariais estrangeiras, explorando a fundo todos os recursos que o
“inside trading” proporciona, é toda uma sociedade que fica inquinada com a
promoção da impunidade que é indispensável para que esse tipo de situação
ocorra.
Os países ficam esvaídos de seus
recursos, estabelece-se uma cadeia de endividamento insustentável e a economia
torna-se cronicamente deficitária.
Enquanto em alguns círculos
aplaudem-se os megaprojectos e outras iniciativas económico-financeiras a
verdade é que a maioria dos africanos em pouco ou nada se beneficia da
avalanche de investimentos efectuados nos domínios dos minerais, pesca
industrial, exploração florestas e outros.
O estranho de toda a situação em
que se encontra mergulhado o continente africano é que não surgem iniciativas
políticas solidas para contrariar os desenvolvimentos negativos que apoquentam
a vida de milhões de pessoas.
Da academia, da sociedade civil
vozes se levantam clamando por um tratamento diferentes dos dossiers
espinhosos. Mas do campo político é frequente verificar-se que a preocupação é
a conquista e manutenção do poder em si. Há uma cultura política fortemente
enraizada de que o poder político, os cargos governamentais são as formas mais
rápidas e seguras de acumular riqueza e ostentação. E a questão de ostentação
em África é endémica.
Por causa da cultura política
prevalecente, em que os valores éticos e morais são colocados em último lugar,
em que as convivências entre a criminalidade política, financeira e o crime
organizado são tidos como perfeitamente normais, os países sofrem, sangram e
são dilacerados todos os dias.
Através de uma alienação política e
cultural alimentada por circuitos encobertos, do apoio a sistemas políticos que
favoreçam a extração e exportação de recursos considerados estratégicos, temos
vários países de África sofrendo de derrapagens nos esforços para estabelecer e
promover a democracia política e económica.
Como travar toda uma corrente de
factos em cadeia explodindo no continente? Como travar a onda de saque e
esbanjamento de fundos do erário público? Como estabelecer o primado da lei, do
estado de direito, do respeito pelas leis? Como encorajar uma geração jovem a
pactuar por práticas sadias e em prol do desenvolvimento de seu talento e
possibilidades? Como romper as cadeias de tráfico de influência que acabam
sendo a base para as politicas decididas e seguidas?
Não são os manuais de ciência
política que vão lidar com êxito com a situação. Não são manuais de ética ou
tratados de moral que vão travar a corrupção galopante em África.
Quando um ministro de Finanças de
um país como o Zimbabwe afirma em público que os cofres do estado estão
reduzidos a cerca de trezentos dólares americanos isso significa simplesmente
que se está perante um estado falido. Guiné-Bissau é outro estado falido que
nem recursos possui para reabilitar os sistemas de geração eletricidade e pagar
pelos combustíveis consumidos. Somália é um estado falido e falhado. O Sudão do
Sul é um arranjo geoestratégico criado para resolver ou facilitar a exploração
de recursos petrolíferos e dessa forma facilitar uma solução de boa vizinhança
entre sudaneses desavindos a décadas. Com a Primavera Árabe estalou o verniz em
países que eram governados por déspotas “acarinhados” pelas potências
ocidentais.
África subitamente se vê no centro
das prioridades internacionais não tanto pela situação política prevalecente
mas por causa da soma e tipo de recursos estratégicos existentes nos diferentes
países. De outro modo as forças francesas com apoio de Washington e Londres,
esperando aprovação de forças alemãs não estariam no deserto combatendo
islamitas.
Grande maioria dos países africanos
não funcionaria com normalidade sem uma assistência orçamental de outros
países. Com raras excepções é difícil encontrar um país africano que tenha suas
finanças públicas equilibradas. Botswana, Cabo Verde e Maurícias devem ser dos
poucos nesse grupo.
Afinal de que cancro padecem os
países africanos? Qual é o problema de raiz?
Não tenhamos receio de errar se
dissermos que a raiz do mal reside no tipo de governação implementada. A
cultura de governação narcisista adoptada e cultivada constituem a génese dos
nossos problemas.
Quantos são os exemplos de pura
ostentação de governantes africanos quando seus concidadãos nem medicamentos
conseguem encontrar nos centros de saúde públicos? Como entender por exemplo
que em nome da defesa da cultura um rei como o da Suazilândia se dê ao luxo de
casar-se todos os anos e assim as despesas estatais com um autêntico harém?
Mansões, viaturas de luxo, viagens, alimentação, saúde, tudo tem de ser
aprovisionado à dimensão de uma esposa do rei à custa dos cofres estatais num
que se debate com um dos mais altos índices de SIDA no mundo. Faltam recursos
para socorrer e prestar cuidados básicos de saúde a milhares de pessoas mas as
mordomias reais não sofrem qualquer alteração.
Para que necessita um presidente da
república de avião presidencial com capacidade intercontinental quando tal
pessoa mal viaja?
Alguma coisa tem de ser corrigida
na mente de quem governa em África.
Antes da Primavera Árabe era comum
verem-se passeatas a Sirte financiadas na sua maioria pelo regime de Muamar
Kadhafi. Supunha-se que discutiam com profundidade os assuntos e problemas
africanos mas na verdade tudo manda dizer que discutiam como se protegerem e
fazerem valer seus interesses privados.
Está sendo difícil ver emergindo em
África uma política interna e externa consistente com os valores de repúblicas
democráticas perseguindo objectivos de desenvolvimento e progresso dos países e
seus povos.
As elites africanas estão ávidas de
copiar o consumismo ocidental da alta-roda. Querem ser elites mais pelo gozo de
mordomias e de uma vida fácil do que servir de lideranças válidas e apoiando
seus povos a ultrapassarem dificuldades históricas.
Reprimindo vozes dissonantes e
colocando grande parte da sua intelectualidade na diáspora os governos
africanos estão decepando as possibilidades de seus países saírem do ciclo de
pobreza e indigência em que se encontram.
As negociatas em se configuram
muitas das iniciativas associadas a exploração dos recursos naturais de África
com o beneplácito tácito das chancelarias ocidentais e orientais é um
indicativo esclarecedor de que África ainda não está livre nem democrática.
(In:
Noé Nhantumbo, CanalMoz, 8 de Fevereiro de 2013)
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