08 janeiro 2014

RECORDANDO O GRANDE MESTRE MALANGATANA



ASSINALOU-SE no último domingo, 05 de Janeiro, o terceiro ano sobre o desaparecimento físico do pintor-mor moçambicano, o mestre Malangantana.
Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de Junho de 1936 e perdeu a vida a 5 de Janeiro, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, Portugal, vítima de doença prolongada e os seus restos mortais repousam em Matalana, sua terra natal.
Frequentou a Escola da Missão Suíça, em  Matalana, onde aprendeu a ler e a escrever em ronga. Encerrada a escola protestante, transita para a da missão católica em Bulázi, onde conclui a terceira classe rudimentar e parte depois para Lourenço Marques, onde arranja emprego como criado de crianças. Foi “apanhador de bolas” e  criado de mesa no Clube de Lourenço Marques, frenquentado pela elite colonial.
A partir de 1959, descobertas as suas capacidades artísticas, Malangatana envereda por uma carreira de pintor profissional, com o apoio de Augusto Cabral e do Arqt. Miranda Guedes (Pancho), que lhe cedeu a garagem para atelier e lhe  adquiria dois quadros por mês, para que se pudesse manter.
Em 1961, Malangatana realiza a sua 1.ª exposição individual em Lourenço Marques, na Associação dos Organismos Económicos. Torna-se frequentador assíduo do Núcleo de Arte de Lourenço Marques, onde contacta com os artista da época e onde começa a mostrar os seus trabalhos de cariz eminentemente social.
Após o início da luta armada em Moçambique, Malangatana junta-se à rede clandestina da FRELIMO, desenvolvendo actividades que levaram a PIDE a afirmar, mais tarde, que Malangatana servia de cartaz de propaganda política antagónica à linha da administração ultramarina portuguesa, tendo sido preso por duas vezes pela polícia do Estado Novo (1966/1968).
Em 1971, recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para vir para Lisboa especializar-se em  gravura. Trabalhou em gravura, na Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses e, em cerâmica, na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. No mesmo ano, expõe na Livraria Bucholz e na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Em 1973, vai para a Suíça a convite de amigos, onde tem contactos com diferentes galerias e artistas que lhe abrem novos horizontes.
Com a independência de Moçambique, Malangatana envolve-se directamente na actividade política, participando em acções de mobilização e alfabetização, sendo enviado para Nampula com o objectivo de organizar as aldeias comunais.
Foi um dos criadores do Museu Nacional de Arte de Moçambique e convidado a criar o Centro de Estudos Culturais, actual Escola Nacional de Artes Visuais. Procurou manter e dinamizar o Núcleo de Arte (associacção que agrupa os artistas plásticos) e criou os núcleos dos artesãos das zonas verdes de Maputo.
Desenvolve intensa  actividade no âmbito do Grupo Dinamizador do Bairro do Aeroporto, onde reside, e participa em múltiplas actividades cívicas e sociais. Intervém na organização da Escolinha dominical “Vamos Brincar”, promovida pela UNICEF. Na sequência, é convidado para ir à Suécia (1987) participar em actividades similares com crianças e refugiados de diversos países.
Foi um dos criadores do Movimento para a Paz. Pertence à Direcção da Liga dos Escuteiros de Moçambique (LEMO), e é membro da Direcção da Associacção dos Amigos da Criança. Foi deputado pela FRELIMO, de 1990 até às primeiras eleições multipartidárias, em 1994, a que não foi candidato. Em 1998, é eleito pela FRELIMO para a Assembleia Municipal de Maputo e, em 2003, é nomeado vereador do Município pelo pelouro da Cultura, Desporto e Juventude.
Terminada a guerra civil em 1992, retomou o projecto cultural que impulsionara na sua aldeia de Matalana, surgindo assim a Associação do Centro Cultural de Matalana, de grande valor social e cívico, de que é o actual  presidente. Foi membro do júri para os cartões de boas festas da UNICEF, bem como de outros eventos de artes plásticas tanto em Moçambique como no estrangeiro. Foi Vice-Comissário nacional para a área da cultura de Moçambique na EXPO98 (Lisboa), em Portugal,  e  Hannover 2000, na Alemanha.
A sua obra é reconhecida em todo o mundo, participando em múltiplas exposições individuais e colectivas, integrando diversos júris, em Moçambique e no estrangeiro, bem como participando em múltiplos e diversos workshops. Pintor, ceramista, cantor, actor, dançarino, Malangatana é uma presença assídua em numerosos festivais, afirmando sempre a sua origem africana e moçambicana.
Em 1996 e 2004, publica dois livros de poemas que reúnem a sua obra poética desde os anos sessenta. O último é ilustrado com vinte e quarto desenhos inéditos. A 6 de Junho de 2006, é homenageado em Matalana por ocasião do seu 70.º aniversário, sendo condecorado pelo Presidente da República de Moçambique com a Ordem Eduardo Mondlane do 1.º Grau, o mais alto galardão do país, em reconhecimento do trabalho desenvolvido não só nas artes plásticas mas também como o grande embaixador da cultura moçambicana. Nessa mesma data foi lançada a Fundação Malangatana Ngwenya, com sede em Matalana, sua terra natal. Em 2007, foi condecorado pelo governo francês com a distinção de Comendador das Artes e Letras. Foi-lhe atribuído o doutoramento ”Honoris Causa” pela Universidade Politécnica de Maputo, em 2007, e, em 2010, pela Universidade de Évora.
A sua vida e obra tem sido objecto de vários filmes e documentários, estando representado em vários museus, por todo o mundo, bem como, em inúmeras colecções particulares.


“Italiana” a última obra

Meses antes da sua morte, Malangatana realizou um grande sonho. Seu e da família Ferreira dos Santos. Um grande projecto de carácter social e artística.
O mestre Malangatana pegou num carro, Fiat 500, e transformou-o numa tela ao artista. Apelidava a viatura em que trabalhou durante o seu último mês em Maputo, de “a Italiana” porque diariamente, sempre que ia para as oficinas afirmava que “tinha encontro com a Italiana” referindo-se à nacionalidade da marca do carro, Fiat.
Concluiu a obra, mas não foi a tempo de apresenta-la ao mundo, tarefa que coube às famílias envolvidas no projecto e que pretendem, deste modo, homenagear um dos maiores artistas africanos de todos os tempos.
Tida como obra única no mundo, "A Italiana" foi apresentada através de um leilão e em Julho de 2011 foi arrematada por 242.500 dólares americanos contra o valor base de licitação que era de 125.000 dólares.
A ideia que norteou o projecto é que o valor obtido no leilão iria reverter para o desenvolvimento da cultura e arte moçambicanas através da formação aos mais jovens e carenciados.

Noticias, Quarta, 08 Janeiro 2014

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