STUART
HALL MORRE AOS 82 ANOS
Sociólogo foi um dos principais
teóricos do multiculturalismo
Causa da morte ainda não foi
divulgada
Hall tinha na própria
biografia um exemplo eloquente de suas teses. Nascido em 1932 em Kingston,
capital da Jamaica, em uma família negra de classe média, ele se mudou para a
Inglaterra nos anos 1950 para escapar das tensões raciais e do peso do
colonialismo britânico em seu país natal. Mas nunca se sentiu totalmente em
casa na terra que adoptou: “Não sou inglês e nunca serei. Vivi uma vida de
deslocamento parcial”, disse em entrevista recente ao jornal “The Guardian”. Foi desse ponto de vista
“deslocado” que Hall influenciou decisivamente os debates sobre identidade,
raça, gênero e cultura ao longo de mais de cinco décadas.
Hall desembarcou na
Inglaterra em 1951, com uma bolsa de estudos para a Universidade de Oxford. A
sensação de deslocamento no novo ambiente fez com que o recém-chegado
mergulhasse nas comunidades de migrantes que cresciam no pós-guerra e nos
debates sobre o futuro da esquerda. Colaborou com as primeiras edições da
revista “Universities and Left Review”,
que em 1960 se fundiu com outro veículo para formar a “New Left Review”. Hall foi editor e um dos fundadores da
publicação, voz influente nos principais debates políticos da segunda metade do
século XX.
Em 1964, Hall foi o primeiro
pesquisador convidado para o recém-criado Centro para Estudos Culturais
Contemporâneos da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Em 1972, ele se
tornaria director do departamento. Lá, ajudou a moldar um campo de pesquisas
emergente, que procurava construir uma abordagem interdisciplinar da cultura
mesclando áreas como sociologia, antropologia, filosofia, crítica literária,
linguística e teoria política. Para Hall, a cultura, mais do que um conjunto de
referências estéticas ou históricas de determinado grupo humano, era “ponto
crítico de acção e intervenção social, no qual relações de poder são
estabelecidas e potencialmente desestabilizadas”.
Com esse olhar, Hall
analisou em seus ensaios temas variados como cultura popular, mídia, marxismo e
a situação de comunidades de imigrantes em sociedades pós-coloniais. Foi um
analista agudo dos efeitos do colonialismo no mundo contemporâneo e um
intérprete sempre atento às representações estereotipadas de culturas ditas
“periféricas” em tempos de globalização.
Em seis décadas de carreira,
Hall publicou sobretudo ensaios em revistas académicas e veículos de imprensa.
Dava mais importância ao trabalho colectivo, editando publicações com expoentes
dos estudos culturais. Essa concepção colaborativa do conhecimento se reflectiu
em sua decisão de, a partir de 1979, dar aulas na Open University, dedicada ao
ensino e à pesquisa à distância. Foi professor lá até 1997, quando se
aposentou.
Apesar da aposentadoria,
continuou suas actividades públicas na Inglaterra e no exterior, onde seu
trabalho tinha repercussão crescente. Esteve no Brasil em 2000 para uma série
de conferências e teve traduzida a colectânea de ensaios “Da diáspora —
Identidades e mediações culturais” (Editora UFMG, organização de Liv Sovik) e o
livro “A identidade cultural na pós-modernidade” (DP&A Editora).
Continuou também a ser uma
voz activa na política britânica. Em 2011, o primeiro-ministro do Reino Unido
David Cameron afirmou em um discurso em Munique, na Alemanha, que “o
multiculturalismo do Estado” falhou e que a Inglaterra precisava fortalecer sua
identidade nacional para combater ameaças externas. Em entrevista ao jornal “The Guardian” meses mais tarde, Hall se
mostrou reticente quanto aos rumos do país. “Politicamente, estou mais
pessimista do que nos últimos 30 anos”, ele disse, acusando a esquerda de
“falta de ideias”.
Tema de documentário
Nos últimos meses, Hall
estava retirado da vida pública devido a problemas de saúde, principalmente em
consequência de uma insuficiência renal. Mas seu pensamento se manteve
influente, como demostrou o documentário britânico “The Stuart Hall project”, exibido no Festival do Rio no ano
passado. Dirigido por John Akomfrah, o filme mistura memórias de Hall com
depoimentos de intelectuais que destacam a relevância de sua obra. A certa
altura, Hall faz um resumo irónico de seu interesse de toda a vida em questões
de identidade e imigração: “Hoje em dia, quando pergunto a uma pessoa de onde
ela vem, espero ouvir uma longa história”. Veja o documentário abaixo:
In:
http://oglobo.globo.com/cultura/stuart-hall-morre-aos-82-anos-11560954
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