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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

17 junho 2014

É o seu décimo primeiro livro. Primeiro foram os contos em “Xitala-Mati”, obra publicada em 1987. Seguiram-se depois "Magustana" (novela-1992), “A Noiva de Kebera” (contos 1994), “A Rosa Xintimana” (romance 2001), “O Domador de Burros” (contos 2003), “Meledina ou a Estória duma Prostituta” (romance 2004), “A Metamorfose” (contos 2005), “Contos Rústicos” (contos 2007), “Contravenção, uma História de Amor em Tempo de Guerra” (romance 2008), Caderno de Memórias, Vol I” (contos 2010) e o recém lançado livro de prosa “Mitos – histórias de espiritualidades” a que debruçamos neste artigo.
Estamos a falar de Aldino Muianga, nascido a 1 de Maio de 1950, considerado um autor impossível de se prever o que vai lançar e quando o vai fazer. Mas há quem o tenta decifrar.
Felipe Matusse e Nataniel Ngomane escalam a vasta obra deste autor, este último que vai mais longe, ao colocar Aldino Muianga ao lado de outras duas ilustres figuras da Literatura Moçambicana – Aníbal Aleluia e Paulina Chiziane.
Estas comparações surgem mesmo a propósito do novo lançamento de Aldino Muianga, da obra “Mitos – histórias de espiritualidade” – uma consagração deste escritor como um autor do além. Servindo-se do ser médico, que o é há longos anos, para espreitar outras medicinas capazes de tratar outras doenças, que ascendem ao meio físico humano – o espírito. E assim navega Muianga, desta vez em estórias curiosíssimas que se podem considerar da tradição moçambicana, mas que em algum momento, se associam ao obscurantismo, mesmo que uma considerável maioria a valorize.
Aliás, mesmo sem querer esquivar do assunto em tratamento neste artigo, vale a pena recordar que há dias, quando se celebrava o dia da medicina tradicional, foram divulgados dados que indicam claramente a associação dos moçambicanos a esta medicina de que se serve cerca de 70 por cento de concidadãos nossos.
Voltando ao assunto, Aldino Muianga, segundo estas duas figuras ligadas à nossa literatura e não só, demonstram que é de facto um perito na matéria, de acordo com o meio em que nasceu e cresceu (bairro Indígena, actualmente chamado Munhuana) e do trabalho que faz.
ESCRITA QUE REVELA A NOSSA IDENTIDADE
Para Filipe Matusse, a quem coube a apresentação do livro, Aldino Muianga é um autor no qual se revela a moçambicanidade e em “Mitos – histórias de espiritualidade” encontramos “uma nova proposta que aborda a nossa essência como seres humanos, porque nós somos seres biológicos, sociais, espirituais e psíquicos. Então, Aldino Muanga neste livro foi captar a dimensão espiritual e escorrer a volta dela”.
Matusse vai mais longe ao considerar a obra um “manual” em que se pode achar respostas daquilo que sempre quisemos saber como “por que é que existo, vale a pena realmente viver?” e conclui : “é um livro que nos apazigua, nos leva a um encontro connosco próprios.”
Mas também na óptica de Matusse, Aldino Muianga é uma referência da nossa literatura e, como médico/escritor, constitui uma figura que desbravou o caminho que muitos outros médicos seguem.
“Existe mais dois ou três médicos já com livros no país, mas ele foi o primeiro e todos estes o seguem. Quando publicou o seu primeiro livro em 1987, eu estava entrar na faculdade e já o tinha como referência.”
Comprometido com a causa da escrita
Por seu turno, o académico Nataniel Ngomane considera Aldino Muianga como um escritor de grande dimensão, isto porque tem um percurso e coerência na sua entrega na arte de escrever, facto que é comprovado pela sua vasta publicação literária.
Entretanto, Ngomane explica que há grandes autores que se tornaram grandes apenas por um único livro, o caso de Luís Bernardo Honwana, mas este de Aldino tem a ver com a perseverança e entrega na escrita.
“Mas também é grande autor porque ele consegue fazer nos seus livros, aquilo que se quer que a literatura faça. Que é, de alguma forma, mostrar muitos possíveis e aproveitar esses muitos possíveis para criar imaginários reais. E ele consegue.
Os textos de Aldino Muianga, particularmente aqueles em que retrata os subúrbios de Lourenço Marques (Maputo), conseguem criar o imaginário real desses cenários.”
Nataniel Ngomane compara Aldino Muianga com outros autores moçambicanos como José Craveirinha, Aníbal Aleluia e Paulina Chiziane.
Segundo o académico, há um elemento comum a todos eles que é o compromisso com o País, ao trazerem por dentro dos seus textos as diversas realidades moçambicanas.
“Da forma como eles escrevem, embora cada um o faça da sua maneira, colocando-os juntos, nós percebemos que há, a partir desses autores, uma construção suficiente de um imaginário da nação, de um imaginário cultural e esse imaginário acaba construindo nos leitores um imaginário da coesão nacional, portanto, a ideia da nação e de uma identidade.”
Contudo, a grande comparação que Nataniel Ngomane faz do Aldino é com Aníbal Aleluia.
“Não necessariamente o Craveirinha, porque os dois exploram antropologicamente o nosso mundo, trazem ao de cima, as nossas crenças, preocupações e inquietações. “Quando estou doente aonde vou? Vou ao médico (hospital) ou ao curandeiro? Alguém morre e tenho preocupações sociais, vou à campa de um familiar para poder sossegar o meu espírito. Isso é explorado por esses dois autores.”
As ideias de Nataniel Nogmane, que é professor de Literatura Moçambicana na Faculdade de Letras e Ciências Sociais e Director da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane, levam-no a comparar ainda o autor com Paulina Chiziane, por que esta também explora a espititualidade.
Aldino Muianga, o Aníbal e a Paulina desenvolvem esses temas. Estes são autores que exploram esse lado com mais veemência.
Mas, Ngomane avança outros nomes como Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa e Suleimane Cassamo que entram nessas histórias. Tal como acontece com a Lília Momplé e Calane da Silva.
“Mas o Aníbal, Aldino e Paulina exploram de uma forma mais profunda e em obras singulares. É isso que me faz os colocar juntos. Há várias linhas que colocam o Aldino Muianga ao lado de outros autores.
Feitas estas análises, Ngomane conclui que estamos perante um autor de obrigatória leitura por que contribui para a imagem de Moçambique não só como País, mas uma imagem das crenças moçambicanas, hábitos, sonhos, preocupações, organização social, cultural e religiosa.
“É como se fosse um cartão postal, uma radiografia da nossa sociedade. E a vivência que ele tem no âmbito da medicina, como médico a receber doentes desde que se formou há mais de 25 anos. É uma experiência fundamental porque a partir daí ele pode construir várias histórias que reflectem de alguma maneira, o jeito de pensar desses pacientes.”, considerou Ngomane.
E reflectir isso nos textos é, de acordo com o académico, uma forma de produzir um desenho de Moçambique e é importante que nós conheçamos esse desenho para sabermos quem somos, para onde vamos e para onde nós queremos ir.
Por causa disso, a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (FLCS-UEM), tem, no curso de Literatura Moçambicana, uma lista de textos literários moçambicanos em que está inclusa a obra “O Domador de Burros”, de Aldino Muianga.
Mas a nossa fonte refere que a outros níveis mais acima, nós começamos a introduzir mais livros deste autor para que o estudante tenha um leque de escolhas e poder trabalhar com um deles.
“Mas já vínhamos fazendo isto com vários autores, como é o caso de Ungulani Ba Ka Khosa, Paulina Chiziane e Mia Couto, mas sentimos uma necessidade de ir introduzindo mais escritores no leque de escolhas de estudantes. Fazendo isso, damos uma grande oportunidade aos estudantes de ter várias escolhas, mas ao mesmo tempo estamos a valorizar institucionalmente os nossos autores. Todos nós conhecemos Machado de Assis, Fernando Pessoa, mas não conhecenmos os próprios nossos autores. É papel da universidade contribuir na divulgação desses autores.” Concluiu.


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