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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

10 setembro 2012

RELIGIÃO E O PODER EM MOÇAMBIQUE


RELIGIÃO E O PODER EM MOÇAMBIQUE

Este artigo foi elaborado  por Yussuf Adam e Eric Morier Genoud, com um comentário final de Wenke Adam.

1. INTRODUÇÃO: OS IDES E O CONTEXTO RELIGIOSO

A Assembleia da República discutiu e aprovou uma lei que consagra as duas datas religiosas islâmicas mais importantes - o Id ul Adha e o Id ul Fitre como feriados nacionais. Estas datas já eram consagradas como tolerância de ponto em Moçambique.
Os Ides passaram a ser objecto de "tolerância de ponto" e de apoio mais marcado no fim do periodo colonial com as presenças do governador geral na mesquita onde se realizavam as celebrações do Ide. Razões deste comportamento? Dar uma ideia de tolerância religiosa, de captar para o seu lado os apoios islâmicos que a FRELIMO captava nos fóruns internacionais.
O Islam era seguido de perto pelo estado colonial e pela PIDE. Os primeiros núcleos nacionalistas a serem perseguidos mesmo antes do Massacre de Mueda em Cabo Delgado eram os islâmicos pois seguiam a Rádio Cairo, falavam em Nasser e na libertação.
No pós-Independência a postura do novo estado era contraditória em relação ao Islam. Se por um lado nacionalizou bens e instalações e coartou actividades de propagação e formação - as madrassas - encontrou no Islam uma força social que defendia a Independência, que não alinhava com os católicos.
Apesar de boa, esta relação  Estado pós-colonial ou República Popular de Moçambique com o Islam foi contraditória:
- Nalguns locais a propaganda de alguns dirigentes da FRELIMO que todos deviam criar porcos porque dava dinheiro, sobretudo em Cabo Delgado, alimentou uma oposição massiva contra a FRELIMO;
- Soldados que professavam o Islamm foram obrigados a comer carne de porco;
- O estado entrou em jogos de poder em diferentes organizações muçulmanas para tentar ganhar mais apoio ou seja ter organizações mais colaboradoras com o estado.
A mudança radical de posição do estado em relação ao Islam dá- se com o melhoramento geral das relaçõees estado-instituições religiosas na década 80. Diferente organizações muçulmanas ajudam o estado a aderir a organizações humanitárias e a bancos de desenvolvimento islâmicos. Porém, a mudança da República Popular em República e o estabelecimento de um estado pluri-partidário veem marcar o passo do melhoramento. Muçulmanos são inseridos nas listas da FRELIMO como muçulmanos e mesmo durante as negociações do AGT em Roma há uma delegação presente. O chefe de uma das comissões resultantes do AGT é o presidente da Comunidade Mahometana Indiana, o Sr. Abdul Aziz Osman Latif. Subsequemente Moçambique torna-se membro da Conferência Islâmica e começa receber apoios de organizações financeiras internacionais dominadas por países islâmicos - o BAD, o Fundo do Koweit, etc...
A Lei dos IDES é feita num contexto interessante. Mas primeiro temos que notar que:
- A proposta é feita por um grupo de deputados da FRELIMO, da RENAMO e da UD, portanto é uma proposta consensual. Talvez uma das poucas propostas de lei que uniu delegados das três bancadas.
- A oposição a lei surge somente das bancadas da RENAMO e da UD. A FRELIMO apoia a lei em bloco.
- A Igreja Católica começa a gritar aqui-del-Rei que "a AR não tem autoridade para tratar de assuntos religiosos", "não são os nossos teólogos".
- Os orgãos de informação vem na aprovação dos Ides a negação do princípio do estado laico e ainda mais um possível primeiro passo para uma guerra de religiões. Sem contar que os feriados vão custar alguns milhões cada a economia nacional, em perdas de produção.
Onde estamos? Conflito religioso, político ou económico? De tudo um pouco de certeza:
O contexto é político, e mais do que com conspirações de petrodólares ou de fundamentalistas islâmicos, o papão muito mexido num país onde o Islam para a maioria dos seus praticantes tem um forte sabor a terra, ele tem a ver com a relação entre as igrejas cristãs e o islam, ao mesmo tempo que tem a ver com a relação que o estado tem com cada denominação religiosa. Por isso não fica surpreendente que saia mais barulho da parte de alguns membros da hierarquia da Igreja Católica que sempre gozaram de uma hegomonia derivada do casamento da sua igreja com o estado colonial e da sua acção como ideologia de legitimação desse estado. Pois não é a primeira vez que o Arcebispo de Maputo D. Alexandre se mexe com medo do Islam. Sempre que uma delegação islâmica era recebida por um ministro do governo D. Alexandre fazia-lhe saber que ele como católico, se bem que de pais muçulmanos, tinha que saber que estava a receber fundamentalistas.

2. O CONTEXTO
O tom que o debate sobre os Ides alcançou tem a ver com o mapa religioso de Moçambique actual.
Dum lado, a Igreja Católica que estava confinada ao seu casamento com o estado tem vindo a perder força e posições.
Primeiro, há falta de quadros, houve uma redução de meios financeiros e a igreja está confrontada com divisões internas.
Segundo, a igreja está confrontada a nível do país com a competição das outras denominações que progressam significativamente, além das novas seitas como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus, de proveniência brasileira) que ganham terreno nas cidades que tradicionalmente são das igrejas estabelecidas. Os Protestantes estão a estabelecer-se seriamente no norte do país (Niassa, Nampula, Cabo Delgado) enquanto os muçulmanos estao a descer para o sul e instalar-se nos distritos das províncias de Inhambane e Gaza.
Os católicos estão a perder terreno, daí o medo de ver a sua reconhecida hegemonia metida em causa a favor duma outra denominação. Sobretudo a favor do seu inimigo tradicional, o islam. Pois o jogo é nacional mas é também internacional. Não pode esquecer-se que Moçambique é no mapa mundial, uma linha de fractura entre o islão e o cristianismo e, por isso mesmo, um terreno de alta competição entre estas duas mais numerosas religiões do mundo.
O conflito é entre as confissões, e passa pelo estado. As alianças com o estado são um dos meios para conseguir os seus fins. Mas claro, o estado tem o jogo dele também. Neste caso, fala-se da Frelimo tentar conseguir apoios nas zonas muçulmanas do Norte onde a Renamo gozou de muito suporte durante as eleições. Também fala- se de alianças económicas entre grupos do estado e grupos económicos muçulmanos, aliás alianças económicas.

3. AS REACÇÕES E POSIÇÕES
A reaccões foram numa primeira fase muito emotivas. O Cardeal Dom Alexandro diz que "em breve o nosso país vai viver turbulência religiosas idêntica a que se vive hoje na Nigéria, no Uganda ou na Tanzânia" (Notícias 06/03/96). O mediaFAX (05/03/96) do seu lado falou de 'destabilização' e de 'divisionismo' e dias depois pediu nada menos que uma 'desobediência civil' contra os feriados (08/03/96). O chefe da bancada da RENAMO, Raul Domingo, diz ele simplesmente que os feriados eram 'inconstitucionais'!
As posições que se desenharam depois das primeiras emoções foram as seguintes:
- A Igreja católica pede a anulação da lei dos feriados e diz que quer voltar a situação antes quo. O Cardeal afirma que deve-se "manter a situação existente. Cada religião celebra a sua festa e cada religião tem o seu dia em que o governo concede ou tolerância de ponto ou descanso e não obriga todo o povo a seguir a lei." (Domingo 10/03/96). O bispo de Quelimane diz a mesma coisa e afirma que "seria bom deixar as coisas como estão nesse campo e olharmos para o trabalho, aproveitando da melhor forma o tempo útil." (Notícias 07/03/96).
- As igrejas protestantes defendem uma posição igual aquela dos católicos. Ainda mais -- unidos como cristãos contra muçulmanos? -- defendem a sua posição em conjunto com os católicos. Lucas Amós, o Presidente do Conselho Cristão de Moçambique (CCM) escreveu uma carta com o Cardeal de Maputo ao Presidente da Assembleia da República a pedir a anulação da lei e o retorno as tolerâncias de pontos que até agora tinham assegurados uma harmonia entre as religiões (MediaFAX 13/03/96).
- Perante tanta confusão, o Presidente da República diz ficar abalado: "Na altura [da elaboração da lei] tudo parecia pacífico porque não havia sinais de nenhum quadrante que indicasse caso de alarme na aprovação do documento" (MediaFAX 13/03/96). O PR recusa ainda tomar posição, mas diz que para ele o assunto até agora tinha sido meramente prático: "[os dias para feriados] são dias que tem tolerância de pontos sistemáticos.(...) Para mim era uma maneira de se dizer, ponto, nesses dias não se trabalha." (ibidem) Visto a situação, o PR diz que agora prefere deixar avançar a discussão para poder tomar mais logo uma decisão sobre o assunto 'com conhecimento da causa'. E, entretanto, o PR aceitou fazer uma reunião urgente com o Cardeal de Maputo e dirigentes do CCM e também marcou para a semana uma reunião (extraordinária) com todas as confissões religiosas.
- De regra geral, os feriados fizeram a unanimidade entre os muculmanos. Apenas nota-se alguma discordância daqueles que não tem sido consultados e que por isso se sentem marginalisados. Fica então so o presidente do PIMO para, entre os muçulmanos, discordar. Yacub Sibindi comprou duas páginas no SAVANA (08/03/96) para dizer que não concordava com a lei dos feriados pois esta é inconstitucional. Tudo isso não mais nada mais do que uma provável tentativa por parte da FRELIMO para enganar os muçulmanos, diz o Yacub. Conclua ele: "Atirar com o IDE na cara dos muçulmanos como feriado nacional é semelhante a atirar um osso a um cão faminto. Isso nao é respeito, apesar de o cão necessita do osso". A posição do PIMO parece ser finalmente do 'tudo ou nada'. Isso pôs por acaso muito medo a alguns cristãos que veem assim confirmados os receios deles sobre a transformação do estado moçambicano num estado islâmico.
-Finalmente a imprensa dividiu-se como sempre entre a imprensa independente e a do estado. Enquanto esta última de repente fazia jornalismo a sério e evitava tomar posição, o MediaFAX e o IMPARCIAL discordavam com os feriados. O IMPARCIAL receia que aparecem 'grandes conflitos religiosos' depois da aprovação da lei. O MediaFAX do seu lado grita contra a fim do estado laico e o precedente que a lei pode abrir com todas as consequências que isso pode trazer. O jornal até fez cálculos sobre quanto e que ia custar os feriados a economia mocambicana: 5 milhões cada dia! (MediaFAX 14/03/96). O Bilal (jornal muçulmano que finalmente voltou com o Ide a ser publicado) vê, claro, a lei como uma coisa positiva. Aliás, é "uma revolução ímpar na História do Islam em Moçambique, no período pós-independência."! (19/03/96).

4. RELIGIÃO E PODER NO PÓS-INDEPENDÊNCIA
A relação entre os nacionalistas moçambicanos que tomaram o poder com a Independência e a religião, desenvolveu-se num contexto de conflitualidade. Para compreender a história da evolução desta relação é obrigatório abandonar as versões contadas por cada um dos lados.
Os nacionalistas integrados na FRELIMO viam a Igreja Católica não como um bloco distinguindo entre indivíduos (Cesare Bertulli, Padre Vicente, Jose Maria Lerchundi, Padre Paul, Maganhela) e as instituições. Dentro das instituições religiosas cristãs a que era vista como parte do estado colonial português e o seu aparelho ideológico era a Igreja Católica e sobretudo a sua hierarquia. A ideologia do movimento de libertação, a sua defesa da luta contra a exploração do homem pelo homem e a sua crítica do capitalismo, a sua defesa do materialismo e as ideias marxistas, eram utilizadas pela Igreja no contexto da sua cruzada anti-comunista.
O conflito entre os novos detentores do poder de estado e as instituições religiosas dá-se num quadro de uma luta pelo poder. A FRELIMO considerava que sendo o representante legítimo de todo o povo não admitia desafios as suas leis e orientações.

A relação entre as instituições religiosas e o estado em Moçambique podem se dividir em três grandes épocas depois da Independência.
Primeiro houve o período que vai até1980-82: o Estado socialista tentou submeter as institutições religiosas ao seu poder. Aqueles que não queriam nem um pouco se submeter ao Estado foram deportados com é o caso agora famoso dos Testemunhas de Jehovah. Aqueles que o desafiaram abertamente organizando células e campanhas anti-comunistas como certas Igrejas protestantes ligadas aos EUA, foram presos. Aos outros foram-lhes tirado os bens que faziam a sua força, isso é, o Estado nacionalizou as obras sociais das igrejas e das organizações religiosas. Além disso a Frelimo fez campanhas contra a religião e assim marginalizou os crentes. No III Congresso, o crentes foram mesmo impedidos de ficar no Partido. Muitas igrejas protestantes não se importaram muito, pensando em Calvino e a separação entre Estado e as Igrejas. Mais, algumas igrejas ficaram satisfeitas com as nacionalizações que lhe- tiraram um peso financeiro. Mas a Igreja Católica caiu de alto com a Independência e ela também não aceitou a nova situação. Condenou publicamente as deportações e os campos de reeducação e, previamente, muitas vezes se organizou desde o inicio a resistir ao que podia chegar. Construindo em cima das primeiras reformas feitas para o Vaticano II e iniciadas antes da Independência, a Igreja disseminou o seu poder e organizou-se em células chamadas 'comunidades'. No mesmo ano que o III Congresso da Frelimo teve lugar, a Igreja católica foi oficializar e generalizar esta nova forma de instituição chamada 'Igreja ministerial'. Claro, a Frelimo não gostou. Entrou num braço de ferro para o qual fechou todas as igrejas próximas dum centro de saúde, duma escola ou dum centro de produção, isso é fechou principalmente as igrejas de missão que são predominante na igreja católica. A situação porém não deu certo para a Frelimo. A situação econômica, o reinício da Renamo, e sua vontade de virar-se para o mundo ocidental para obter dinheiro, obrigaram-lha a baixar a sua pressão sobre as igrejas.
O segundo período começa precisamente lá. Pode-se dar a data de 1982 quando ocorreu a agora famosa reunião entre o Estado e as confissões religiosas. A Frelimo começa entao a baixar a sua 'pressão' sobre as institutições religiosas, mas vai negociando, e manipulando ainda mais. Tentou negociar o retorno a uma situação normal, depois a devolução dum certo poder e de algum bem nacionalizado, contra várias vantagens para ele que vão do suporte que a igrejas podiam dar ao estado -- em outras palavras, a cooptação -- a acordos com organizações financeiras ou humanitárias internacionais ligadas as igrejas. Enquanto o Presidente do CCM é nomeado para a presidência da Cruz Vermelha, alguns muçulmanos são mandado para Arábia e outras terras muçulmanas para tentar conseguir apoios fraternais [sic]. Em 1988, quando finalmente o Papa concorda vir a Moçambique, o estado concorda em devolver -em princípio- todos os bens nacionalizados aa igreja católica.
A terceira época começa com o multipartidarismo, a abertura que o estado fez assim e finalmente os acordos de paz. Primeiro o multipartidarismo e a abertura social que a Frelimo deu desde 1989 permeteu as igrejas voltar abertamente a o seu papel social e assim reganhar força. A organizações reigiosas desceram nas ruas de Maputo para pedir a paz, e quando esta chegou trabalhou para a assegurar com vários projectos sociais de reintegração e pacificação. Mas a paz de verdade abriu mais ainda. Reabriu a possibilidade das organizações religiosas fazer proselitismo. Enquanto a igreja católica tentava reabrir as suas missões deixadas durante a guerra, as Igrejas Protestantes se lançavam para o norte do país (e ainda mais para os distritos do norte) para continuar e consolidar o que tinha sido começado depois da Independência, principalmente nas cidades. As organizações muculmanas começaram a entrar também para os distritos, e ainda mais para novos distritos no Sul do país. As instituições abriam igrejas, as organizações humanitárias religiosas apoiam os necessitados no seu restabelecimento. A competição não é assim aberta nem tem forma aberta, mas no tereno vê-se a progressão de cada igreja, as estratégias de cada uma e a lógica de conquista que se reflete na sua actuação.
O reconhecimento dos Ides como feriados nacionais tem um significado mais largo do que o da relação entre o Islam e o Estado ou entre o Islam e a FRELIMO. Marca a perda da hegemonia da Igreja católica que vinha tentando reganhar o seu estatuto anterior. E para o Islam qual o significado da sua relação com o estado? Um reconhecimento legal a par das outras religiões. As maiores modificações verificam-se na religião entre o Islam e a FRELIMO, o partido no poder. A FRELIMO forjou uma alianca política que certamente lhe poderá dar dividendos em futuras eleições e sobretudo nas próximas eleições autarquicas. Nas eleições de 1994 as zonas islamizadas votaram maioritariamente contra a FRELIMO.

5. LIBERDADE DE CRENÇAS E DE CULTO
Se a aprovação da Lei dos Ides como Feriados marca uma mudança na relação do Estado e da FRELIMO em relaçào ao Islam, e de certa forma consolida a liberdade de religião retirando aa Igreja Católica a posição de quase hegemonia, a liberdade de crenças e de cultos em Moçambique ainda tem muito a andar.
As religiões ditas naturais sao praticamente consideradas como religiões de segunda categoria, comungando o estado da doutrina de que o monoteísmo e uma forma de religião superior. Uma concepção deste tipo penaliza a maioria da populacão que de uma forma ou outra pratica religiões que transformam em Deus os seus antepassados, animais, árvores ou outros seres.
As chamadas "grandes religiões monoteístas" veem assim a sua actividade de proselitismo e de destruição das religiões locais - que deviam ser tratadas ao mesmo plano que as chamadas "grandes religiões do mundo" - sancionadas pelo estado. As cerimónias de invocação de antepassados -os Mphalos - acabaram por ser praticadas nalgumas cerimónias públicas, mas não se respeitando os preceitos que os praticantes dessas religiões queriam ver aplicados - por exemplo no Guaza Muthini de 1996.

6. A NECESSIDADE DE ANÁLISES CIENTÍFICAS
O debate na Assembleia da Republica, o debate público e as intervenções na imprensa trataram o fenómeno religioso de uma forma ideológica ou vendo-o como parte das relações internacionais - aceitar os Ides como feriados como uma vertente da relação com os bancos e estados islâmicos ou como uma contribuição para a instabilidade étnica e religiosa - incremento da divisão da Nação.
Vertentes interessantes e justificadas no caso de promulgação de uma lei e de definição da atitude do estado e do governo. Abordagens que equacionem o problema da religião com o poder - a relação entre diferentes classes e camadas sociais entre si - ajudam também a iluminar o problema.
No entanto parece-nos valido encarar a crítica da religião como a crítica desse vale de lágrimas que é o Mundo. Uma leitura deste tipo acabara por revelar fenómenos de subordinaãoo e subalternização/construção e manutenção de hegemonias e de alianças para ocupar/contestar o poder.
Estudos interessantes e de grande valor para o entendimento da problemática das religiões em Moçambique estão em curso. A tese de doutoramento de Teresa Cruz e Silva, iluminaram alguns aspectos da relação entre a Igreja e o movimento nacionalista em Moçambique. A tese de mestrado de Eroc Morier Genoud, "César e Deus: A relação estado e religião em Mocambique" ilumina as agendas em confronto no pós-Independencia. Alf Helgeson na sua tese iluminou vários aspectos das práticas das missões protestantes em Moçambique.
A revista suiça Fait-Missionaire publicou já uma história da Missão Suiça Romanda em Moçambique. Trata-se de uma base que terá de ser completada pela exploração das ligações entre ética protestante e o movimento nacionalista em Mocambique e as suas práticas no pós-independência.

Eduardo Mondlane no seu Lutar por Mocambique ilustra as lógicas das ligações entre o colonialismo e a igreja católica.

7. OUTRAS IMPLICAÇÕES
Podemos dar voltas aa questão de porque justamente esta proposta foi uma das primeiras a ser debatidas no inicio da presente Sessão da Assembleia da República, quando certamente havia na fila outros assuntos urgentes da máxima relevância para a vida do país. O certo é que o barulho a volta da decisão da AR de introduzir os feriados islâmicos foi interessante desde vários pontos de vista, entre eles a compreensão publica do papel do parlamento num estado que pretende seguir regras de jogo democráticos: Nas argumentações que se cruzaram na imprensa, na rádio e nos noticiários da TVM podia-se ler entre linhas a confusão que provoca nas pessoas o facto da Assembleia ter poder real para legislar. No contexto moçambicano, isto é uma novidade. Nao se está a espera de que os deputados (cuja função é precisamente a de ter iniciativa de lei) possam simplesmente apresentar propostas de lei, e que estas, após ser consideradas positivamente pela maioria dos parlamentares, sejam aprovadas assim sem mais.
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Fontes: Notícias, MediaFAX, Domingo, Savana, Demos, TVM, RM, AIM, LUSA, SAPA e fontes próprias.

ISLÃO EM MOÇAMBIQUE


ISLÃO EM MOÇAMBIQUE
ENTREVISTA AO PROF. FERNANDO AMARO MONTEIRO
Por: ANTÓNIO PACHECO, Jornalista
O islão é tão violento como o foi o cristianismo das cruzadas ou como o é ainda em algumas zonas», assegura o prof. Fernando Amaro Monteiro. Um dos poucos estudiosos portugueses que conhecem a fundo o mundo muçulmano. E um apaixonado por uma faceta recalcada da nossa identidade, que, apesar de católico, não hesita em confessar: «Um dos momentos mais próximos de Deus que passei foi numa mesquita muito pobre, uma palhota, numa sexta-feira, durante o período da oração. Era Deus que estava ali.

Está a preparar um livro sobre as confluências religiosas na Guiné desde o século XVII até aos finais do século XIX. Uma das coisas que notou, aliás como sempre aconteceu em relação a Moçambique, é que as fontes documentais portugueses são empíricas na apreciação dos muçulmanos como realidade religiosa, e no entanto «eles eram uma concorrente fortíssima no terreno». Fernando Amaro Monteiro considera que o passado islâmico está «presente e bem sedimentado» em Portugal, como componente da nossa cultura e como «atitude», e que, «se calhar, é por causa disso que os portugueses não analisam, ou analisam muito pouco, os reflexos desse passado na psicologia colectiva». «Como se tivessem medo de se confrontarem consigo mesmos, de se verem ao espelho.»

O professor é, em Portugal, um dos poucos especialistas do islão. Como vê esta «diabolização» que acompanha a realidade muçulmana de hoje, especialmente no chamado mundo ocidental?
É erradíssima. Como atitude, como juízo, e como processo. Induz à violência. Formou-se como que um círculo vicioso. Nas áreas do islão onde a violência é mais impressiva, os ingredientes para ela lá estão: pobreza, situação interna periclitante, exploração, em resumo todas as razões objectivas da revolta. Isolar essas realidades é o pior que se pode fazer. E a análise que possa levar a isso está errada: o islão, como comunidade religiosa, pode ser tão violento como foi a cristandade das cruzadas ou como, no final do século XX, a ortodoxia cristã nos Balcãs, por exemplo. É verdade que, do ponto de vista doutrinal, contém elementos que são susceptíveis, num plano de «acção psicológica», de induzir a acções ou reacções violentas. Nega a Trindade, e portanto não veicula uma regra como a de «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei». O arquétipo islâmico é diferente. Recomenda a paz e estimula a sua promoção, mas prevê e condiciona as hipóteses da violência. Não na essência de um comportamento, mas nos procedimentos humanos previsíveis. É espiritualista, sim, indubitavelmente. Mas lida com uma realidade terrena muito assumida. Às vezes isso assusta e é explorável.

Nalguns meios ocidentais e portugueses, começa a mostrar-se alguma «preocupação» com a permeabilidade dos muçulmanos do Norte de Moçambique e da Guiné-Bissau a influências radicais. Acha que as ex-colónias podem vir a ser envolvidas nas actuais sanhas pró e antifundamentalistas?
A possibilidade de Moçambique e da Guiné serem ou virem a ser objectos de radicalismos é igual à que poderá vir a verificar-se em qualquer outro território onde a presença do islão tenha progredido de forma significativa ou mantenha a sua importância sociocultural e onde haja condições propícias aos radicalismos. Ali como em toda a África, na Ásia, etc. Depois, repare, as estruturas de influência islâmica são maleáveis e muito dinâmicas. Em termos de difusão, não estão nada viradas para a passividade. Mesmo as estruturas voltadas para o misticismo, como as confrarias, podem apresentar-se muito actuantes em todos os aspectos. Não esqueça que as confrarias islâmicas podem transportar uma ordem de cunho militar – como acontecia, aliás, com as nossas antigas ordens militares, na Idade Média.

Se tivesse que aconselhar as autoridades moçambicanas quanto ao futuro do islão naquele país, o que lhes diria?
Que ao tratarem com a massa muçulmana recorressem, quanto possível, aos textos sagrados do islão, em tudo o que pudesse apontar para a coesão nacional e para a solidariedade comunitária, para a manutenção da ordem e para a exaltação do trabalho. Ir por aí seria sempre uma forma hábil de apelar aos muçulmanos. Está escrito no Alcorão e na tradição islâmica.

E se tivesse que aconselhar as autoridades portuguesas? Afinal, temos forças militarizadas no Iraque e temos, entre nós, uma desconhecida mas importante comunidade de gente ligada ao islão.
Não teria! Sou professor universitário e investigador, e esse tipo de solicitação não se usa em Portugal. Ou usou-se em casos muito raros, como me aconteceu de facto, mas há já 30 anos, na guerra de África. O sistema tem os seus órgãos próprios. De resto, a nível geral, não há preocupação no esclarecimento rigoroso. Há, sim, a preocupação do efeito imediato. Informa-se apenas. Com muita exibição, claro. Isso acaba por banalizar as coisas, desinteressar, e desgastar de antemão uma hipótese formativa que de resto nem vejo como poderia ter lugar.

Foi consultado para participar na formação dos homens da Guarda Nacional Republicana que estão no Iraque?
Não! Não fui contactado nem, como já disse, me caberia sê-lo! Mas penso que alguém das instâncias próprias terá com certeza dado a formação suficiente. De outro modo haveria aí uma lacuna séria. Do ponto de vista operacional, é preciso «conhecer o terreno». «Sem informações, não há operações», regra de valor absoluto.

O que acha da presença das forças militarizadas portuguesas no Iraque?
Preferia que não tivessem ido.

Desconhecimento e hostilidade

O seu profundo conhecimento dos problemas do islamismo surge do contacto com a realidade moçambicana, no início dos anos 60?
Eu preferia utilizar a expressão «islão». «Islamismo» tem hoje uma conotação muito politizada, e por isso está na ordem do dia. Considero-me um estudioso do islão, como doutrina, como ideologia, como conglomerado sociológico, como campo de comunicação, e não do estrito ponto de vista político. O meu interesse começou muito cedo, por intermédio de um excelente professor de história que tive no liceu de Luanda, o dr. António de Vasconcellos, que nos despertava para aspectos que normalmente não eram incluídos nos programas de ensino. Vi depois com surpresa, na Faculdade de Letras, que nada se estudava sobre o islão: era o vazio total! O que era de facto uma omissão espantosa, um facto extraordinário, uma vez que Portugal é um país com uma história onde o islão está bem presente: uma presença cultural de séculos, relações diplomáticas e comerciais importantes, os antagonismos e convívios nos espaços ultramarinos, etc. Tudo! Portugal tinha obrigações de ter incluído esta matéria, individualizada como cadeira, nos currículos das suas Faculdades de Letras. Mas não era assim, infelizmente; havia um desconhecimento total do assunto; e um certo grau de hostilidade mais ou menos «dormente». Esta situação generalizava-se a todos os níveis de ensino. O islão, nos livros escolares do secundário, era normalmente estigmatizado. Lembro-me que no início da década de 60, quando comecei a leccionar em Moçambique, no ensino técnico, os livros escolares de «Língua e História Pátria» traziam excertos sobre o islão e os muçulmanos com expressões como «a seita de Mafoma» e outras do género, próprias da nossa literatura da expansão, mas que eram totalmente inadequados para estudantes de um território em que o islão tinha uma presença demográfica muito impressiva, com percentagem importante na população escolar, e com uma distribuição de importância vital na geografia física e humana. Era, do ponto de vista humano, ofensivo e humilhante. Do ponto de vista político, era uma gaffe impressionante. Ninguém tinha olhado, pelo menos, para este aspecto da questão.

os religiosos, etc?
Poucas..., apenas em uma ou outra pessoa especialmente atenta. Lembro-me que conversava muito sobre essas coisas com o major de Eng.ª Nuno Vaz Pinto, que era um distinto oficial do Exército a exercer então o cargo de secretário provincial das Obras Públicas; com o dr. Vítor Hugo Velêz Grilo, médico e antropólogo, dissidente do PCP; com o arquitecto Pedro Quirino da Fonseca, da Comissão de Monumentos, e com mais duas ou três pessoas. Só Nuno Vaz Pinto ia intervindo conforme podia, usando a posição no Governo Geral de Moçambique. Morreram todos já...

E incentivos oficiais?
Como digo, só por influência indirecta de Nuno Vaz Pinto, sempre muito desperto para tudo. Por recomendação dele, como tutela da Comissão de Monumentos, vim a ter uma bolsa da Fundação Gulbenkian para pesquisas arqueológicas em estabelecimentos árabes do Norte de Moçambique, concretamente na área de Kionga, no estremo Nordeste de Moçambique. Nessa altura, o Comando da Região Militar solicitou-me que, aproveitando a estadia e a naturalíssima cobertura, ficasse atento a quaisquer sinais de preparação guerrilheira. A área, densamente islamizada, bordejava com o «outro lado» da fronteira, que funcionou como um dos «santuários» da Frelimo. Ainda nada eclodira. Mas isso veio a acontecer semanas depois, mais para sul, e sem conexão com os muçulmanos.

D. Eurico, o pioneiro

E o islão de Moçambique mantinha ligações internacionais?
Sempre! Com o Sultanato de Zanzibar até 1963. E também, via Durban, mantinha uma relação estreita com Karachi. Com a queda do sultão, aquela linha inflectiu para as Comores.

O Comando da Região Militar temia essas ligações internacionais do islão?
Não necessariamente. Temia já antes, sim, o risco de um movimento de guerrilha no Norte, através da fronteira com o Tanganica (mais tarde Tanzânia).

Mas não se temia nada que tivesse a ver com o islão ou com as ligações do islão com o exterior?
Sim, a nível de Governo Geral e de Comando-Chefe temeu-se na fase inicial da guerrilha um alastramento às populações muçulmanas. E, como hipótese, acautelou-se isso até final. A Frelimo, enquanto movimento relativamente moderado sob a liderança de Eduardo Mondlane, integrava uma série de forças sociais, incluindo do islão, que tinham como denominador comum o combate à administração portuguesa. Mais tarde, depois da morte de Mondlane e com a radicalização que se verifica no interior da Frelimo, os muçulmanos assumiram posição diferente.

Desencantados com a Frelimo...
Não propriamente só! O não-alinhamento deles começou a ser também o resultado de uma nova política da administração portuguesa em relação ao islão. Começara, a meu ver tarde, mas começara. Vamos lá a ver... o Governo não podia permanecer cego frente a esta realidade: em 1960, os muçulmanos moçambicanos eram cerca de 400 mil pessoas; em 1974, os números revelam perto de um milhão e 200 mil pessoas... O crescimento tinha sido fortíssimo por razões demográficas, mas não só. Tinha havido um notório esforço de absorção das populações de «religião tradicional».

Há quem diga que se tratava de novos rumos, representados, no plano político e administrativo, por Baltazar Rebelo de Sousa, o último governador-geral nomeado pelo doutor Salazar, e, no plano da Igreja, pelo bispo de Vila Cabral, D. Eurico Dias Nogueira...
São referências correctas. D. Eurico foi na verdade o grande pioneiro com a famosa «Carta fraterna do bispo de Vila Cabral aos muçulmanos da sua diocese». É um texto pós-conciliar magnífico. De um grande significado humano, político, e de conteúdo doutrinal muito rico. A «Carta» é também bela do ponto de vista literário. É de certa forma este documento que incentiva o Governo a actuar também. Quer em Lisboa quer em Lourenço Marques, as autoridades já tinham percebido que não poderiam continuar a desconhecer a população muçulmana – como tal – pois representava uma percentagem impressiva da população do território. A iniciativa do bispo de Vila Cabral serviu de catalisador em relação ao processo. Tudo isto acelera o plano de «acção psicológica» que o Governo-geral de Moçambique decide aplicar em relação aos muçulmanos e que estava traçado para quatro fases. Concebi-o na base. Subiu pelos canais próprios. É o dr. Baltazar Rebelo de Sousa quem assume esse projecto politicamente, iniciando a sua aplicação, e fê-lo com uma habilidade pessoal notável. Teve, claro, a aprovação e solidariedade do ministro do Ultramar, professor Silva Cunha.

Como se explica o avanço muçulmano em Moçambique entre 60 e 74?
Não esqueçamos que o islão funcionava, sobretudo através das confrarias, como um eficaz processo de solidariedade social, e, depois, não aparecia identificado com o conflito interno; apresentava-se como aquilo que chamei uma «nacionalidade de recurso». Os factores de identificação do muçulmano permitiam ao nativo apresentar-se então como «fora» das forças que estavam em confronto. No fundo, era como se ele dissesse: «Eu não tenho nada a ver com esta guerra que separa a administração portuguesa e a Frelimo. Eu até sou muçulmano!» Vestiam-se de maneira diferente, adoptavam nomes de origem árabe, usavam caracteres árabes, observavam interditos próprios, enterravam os seus mortos à parte, etc., etc. Em suma, pareciam estar «fora»...

O senhor, quando fala do islão, fica empolgado. Vê-se que não é um investigador distante...
Não, eu vivi apaixonadamente a realidade do islão. Eu amei o trabalho com essas pessoas que em Moçambique viviam o islão. Sou e sempre fui católico. Mas um dos momentos mais importantes da minha vida aconteceu numa mesquita muito pobre, uma palhota, algures no mato, quando pedi para assistir à oração do fim da tarde. Percebi, na profunda interiorização daquela gente humílima, que Deus estava ali.


Retrato breve

Fernando Amaro Monteiro nasceu em 1935 , tendo feito os estudos primários e secundários em Angola, onde foi aluno do Liceu Nacional de Salvador Correia (Luanda). É doutor em Ciências Sociais (Relações Internacionais), pela Universidade Técnica de Lisboa, Docteur d´Université em História, pela Universidade de Aix-Marseille (por equivalência Mestre em Estudos Africanos pela Universidade Técnica de Lisboa) e Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas, pela Universidade Clássica de Lisboa. Foi bolseiro do Governo francês para estudos sobre o islão, na Faculdade de Letras de Aix-en-Provence (1967/68). Desde 2000, é professor de Teoria das Relações Internacionais na licenciatura em Relações Internacionais, da Universidade Independente (Lisboa). De 1978 até à actualidade tem sido convidado a proferir muitas dezenas de conferências no Instituto da Defesa Nacional, nos Institutos de Altos Estudos dos três ramos das Forças Armadas, no Instituto Superior de Educação da Praia (Cabo Verde), em universidades públicas e privadas.




AS RELAÇÕES ENTRE A IGREJA E ESTADO EM MOÇAMBIQUE


AS RELAÇÕES ENTRE A IGREJA E ESTADO EM MOÇAMBIQUE

Ambiguidades e contradições

Eric Morier-Genoud levanta dúvidas quanto à natureza totalitária do projecto político da Frelimo, posto em prática pelo governo por ela dirigido durante a 1ª República. Morier-Genoud é omisso quanto ao teor desse projecto, deixando no ar a ideia de que se trataria de algo subjectivo, situado entre o “não todo bonito” e o “não todo feio”.
Define-se como sistema totalitário aquele em que um governo exerce controlo absoluto e centralizado sobre todos os aspectos da vida social, política e económica, em que o cidadão está totalmente subordinado à autoridade absoluta do Estado. São sistemas de partido único, em que é proibida a expressão política e cultural contrárias. Não existe nesses sistemas a separação dos poderes executivo, judicial e legislativo.
O projecto da Frelimo não responsabilizava o executivo perante o legislativo, mas perante o partido. Tanto assim é que a Constituição da República Popular de Moçambique foi elaborada pela Frelimo e aprovada pelo seu Comité Central para vigorar como Lei Fundamental do país. A Constituição continha todos os traços comuns aos sistemas totalitários. A nível do poder legislativo, lê-se no Art. 37 da Constituição que a Assembleia Popular, descrita como “o mais alto órgão legislativo da República Popular de Moçambique”, era exclusivamente constituída por membros da Frelimo ou de pessoas escolhidas por esta formação politica.
Na 1ª República, o regime sobrepunha-se à lei, desautorizando os tribunais e impedindo as instituições jurídicas de fiscalizar as acções do governo e de salvaguardar os direitos dos cidadãos. Banidos os partidos políticos da oposição e desmantelado o poder tradicional, o regime aboliu depois as associações recreativas, culturais, desportivas e outras. Os clubes passaram a funcionar sob a alçada dos diversos ministérios. As organizações socioprofissionais estavam submetidas ao partido através de organizações na essência idênticas às corporações que o Estado Novo havia copiado da legislação que vigorou na Itália de 1922 a 1945, como a OTM, a ONJ, a ONP, a OJM, a OMM, ou ainda a Continuadores da Revolução.
O que vem estipulado no citado artigo da Constituição demonstra que a fusão Frelimo-Estado ocorreu com o nascimento da República Popular de Moçambique e não depois do 3° Congresso, como defende Morier-Genoud. O 3° Congresso apenas veio confirmar toda uma prática que decorria desde a proclamação da independência e que começara a ser ensaiada durante o governo de transição. O Art. 3 da Constituição não deixava dúvidas quanto a esse facto: “A República Popular de Moçambique é orientada pela linha política definida pela Frelimo, que é a força dirigente do Estado e da Sociedade”.
Se, como estipula o Art. 19 da Constituição, “na República Popular de Moçambique as actividades das instituições religiosas devem conformar-se com as leis do Estado”, e tomando em linha de conta o facto de a Frelimo ser a força dirigente desse Estado, disso se pode inferir que, no cumprimento das orientações do Comissariado Político da Frelimo contidas na «Circular» de Outubro de 1975, o Estado moçambicano desse andamento ao “combate organizado contra os estandartes do imperialismo”, não havendo razão plausível para aguardar pelo 3° Congresso, nem por uma suposta purificação, quer a nível da cúpula, quer a nível das fileiras do partido.
Fazendo tábua rasa da «Circular», Morier-Genoud não insere o confisco dos bens das igrejas no “combate organizado”, quando estava cristalinamente claro que o objectivo era o de privar as igrejas de meios, impedindo-as assim de desenvolver a sua acção junto das comunidades dado que estas estavam destinadas a ser arregimentadas. E Morier-Genoud diz peremptoriamente que “quer se queira, quer não, a Frelimo só desencadeou uma luta aberta e total contra as igrejas a partir de 1978”. Ambíguo, afirma que não se tratou de um ‘combate total’, mas de uma combate ‘‘muito específico e limitado’. Ou há combate, ou não há. Se é “específico” e “limitado”, não deixa ser combate.
Mas se hoje Morier-Genoud defende que o combate ‘‘muito específico e limitado” visou estabelecer um equilíbrio entre as várias confissões religiosas, dada a supremacia da Igreja Católica, em 1996 ele defendia uma posição diferente. Num estudo que remonta a 31 de Março desse ano, e assinado conjuntamente com Yussuf Adam , Morier-Genoud dizia que “o Estado socialista tentou submeter as instituições religiosas ao seu poder. “E acrescenta: “Aqueles que não queriam nem um pouco se submeter ao Estado foram deportados com é o caso agora famoso das Testemunhas de Jeová.” Portanto, segundo este estudo, não houve intenção de se conseguir um equilíbrio entre as várias confissões religiosas, mas sim a vontade expressa de submetê-las à vontade do Estado.
Num outro estudo , Morier-Genoud reitera que houve, de facto, um combate contra as igrejas imediatamente a seguir à independência, não para estabelecer um equilíbrio entre as confissões religiosas, mas para aumentar o poder do Estado. Segundo ele, “entre 1974 e 1977, a política da Frelimo teve como objectivo principal a diminuição do poder das igrejas, e o estabelecimento e aumento do poder do Estado. Para esse fim, a Frelimo atacou as instituições religiosas na sua dimensão material e de poder, isto é, como organizações”.
E se hoje Morier-Genoud justifica o sucedido aos membros das Testemunhas de Jeová devido à sua alegada utilização pelas Forças Armadas Portuguesas como tampão na Zambézia para impedir a entrada de guerrilheiros da Frelimo, vindos do Malawi, do estudo de Março de 1996 está subjacente uma razão diferente: a recusa dessa confissão religiosa em submeter-se ao Estado. A versão agora apresentada por Morier-Genoud constitui um novo dado. Ele não indica, porém, as fontes consultadas que permitiriam um cruzamento com aquilo que já é conhecido, isto é, as dificuldades deparadas pela guerrilha na Frente da Zambézia tiveram como causa o facto do regime de Kamuzu Banda não ter permitido que o território malawiano fosse utilizado para incursões militares em Moçambique. Essas fontes poderiam porventura explicar o que terá efectivamente justificado, também em Outubro de 1975, a prisão de Testemunhas de Jeová em Gaza e Maputo, províncias não afectadas pela guerra colonial, ambas distantes da fronteira com o Malawi.
A alegação de que outras confissões religiosas estavam comprometidas com a “PIDE e o imperialismo” merece ser esclarecida para se determinar se a fonte é a «Circular» do Comissariado Político da Frelimo, se foram consultadas fontes independentes, se aos presumíveis culpados foi concedida a oportunidade de se defenderem daquilo que eram acusados, e quem, entre as largas dezenas de missionários presos e expulsos do país na fase do “combate específico e limitado”, trabalhava na realidade para a PIDE ou estava ao serviço do imperialismo.

1975

Aqui não se argumentou, como deduz Morier-Genoud, que “a igreja católica não tinha posição dominante antes da independência”, nem tão pouco se “recus(ou) que havia competição entre instituições religiosas antes de 1975”.  O que aqui se pretendeu salientar, foi que em 1975 o regime colonial, apontado como favorecendo a Igreja Católica em detrimento das demais confissões religiosas, e de perseguição de outras confissões que se lhe opunham, tinha deixado de existir como consequência do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974. Moçambique passara a ser um Estado independente. A Concordata de 1940 e o Acordo Missionário a ela anexo não vinculavam o Estado moçambicano à Santa Sé.
Em Moçambique, desde os meados da década de 60, a própria Igreja Católica havia iniciado uma nova era de relações com as comunidades islâmicas. Como refere Mário Artur Machaqueiro,  “os novos ventos ecuménicos do Concílio Vaticano II levaram a que certas figuras da Igreja Católica em Portugal encetassem uma aproximação às comunidades muçulmanas, renunciando tacticamente a uma evangelização mais agressiva”. O Concílio Vaticano II havia aprovado em Dezembro de 1965 a declaração “Nostra Aetate” (No Nosso Tempo), a qual fazia uma análise da atitude da Igreja Católica para com as religiões não-cristãs, sintetizada no pedido joanino: “Buscai primeiramente aquilo que une, antes de buscar o que divide”. Em Moçambique, salienta Machaqueiro, essa reorientação foi protagonizada, em Setembro de 1966, pelo Bispo de Vila Cabral (Lichinga), D. Eurico Dias Nogueira, através da publicação da “Carta Fraterna aos Muçulmanos”. Num estudo sobre a “problemática neo-islâmica” no Niassa , publicado no ano seguinte, Frederico Peirone, da Consolata, insistia “sobre o dever que terá qualquer missionário de respeitar as leis particulares que regem a comunidade muçulmana...” A partir de então, a Igreja Católica moçambicana fez questão de convidar dignitários islâmicos a participar nas Procissões das Velas realizadas anualmente nas várias dioceses.
Segundo Fernando Amaro Monteiro, a “Carta Fraterna aos Muçulmanos” incentivou o governo a actuar também, e serviu de catalisador em relação ao processo que a seguir se desenrolou.  Ainda de acordo com Fernando Amaro Monteiro , houve um esforço do regime colonial a partir de 1966 de se conseguir uma melhoria nas relações com as comunidades muçulmanas do norte de Moçambique, se bem com o objectivo de retirar à Frelimo uma potencial base de apoio. Esse esforço, segundo o autor, sofreu um impulso com a nomeação de Baltazar Rebelo de Sousa como governador-geral da colónia em 1968. Em 1971, em plena «Primavera Marcelista», o regime vigente aprovava a Lei da Liberdade Religiosa, que pressupunha tratamento igual para todas as confissões religiosas.
Tudo isto, para ilustrar que o ambiente prevalecente em Moçambique à data da independência não justificava as medidas tomadas pelo regime da Frelimo. Tivesse sido intenção do regime estabelecer  relações de igualdade entre as várias confissões, como umas vezes defende Morier-Genoud, não faz sentido que se tivesse reprimido as confissões no seu todo, incluindo as que Morier-Genoud aponta como tendo sido alvo de discriminações e da hostilidade da Igreja Católica durante a época colonial.
Argumenta Morier-Genoud ser ‘parcial’ o exemplo de abertura à comunidade islâmica, pois em simultâneo prendiam-se e assassinavam-se líderes muçulmanos, ignorando ele que perseguidos e reprimidos eram todos os que se opunham ao então regime, incluindo católicos. Os objectores de consciência não pertenciam apenas às Testemunhas de Jeová e tal como elas também pagaram um preço. Os católicos assumiram uma posição contra a guerra colonial. Tornou-se emblemático o caso da Capela do Rato. Foram padres católicos que do púlpito da Igreja do Macúti na Beira denunciaram o massacre de Mucumbura. Esses e outros prelados católicos foram expulsos da colónia, como D. Manuel Vieira Pinto, bispo de Nampula, tal como os que denunciaram o massacre de Wiriamu. Em várias ocasiões, o jornal da Diocese da Beira, Diário de Moçambique, foi encerrado por decisão do regime colonial para levá-lo à falência, tendo saído muitas vezes à rua com páginas em branco devido a cortes da «Comissão de Censura».
A par de um alegado equilíbrio entre as várias confissões religiosas, o confisco de estabelecimentos de ensino visava ainda, segundo Morier-Genoud, salvaguardar a independência de Moçambique. Quando vista à luz da situação que decorre desde o início da 2ª República, em que o governo iniciou o processo de devolução dos bens confiscados, e a Igreja Católica tem vindo desde então a edificar escolas de ensino primário e secundário, além de universidades de norte a sul do país, e inclusivamente a gerir escolas do Estado, a tese de Morier-Genoud cai pelas bases.
Não houve “má interpretação” do chamado desenvolvimento positivo. Este tem necessariamente de ser analisado em função do “combate organizado” que o precedeu, quer seja na fase específica e limitada, quer seja na fase total. Não se pode dissociar os resultados desse combate de todo o cortejo de violações e atropelos à lei. Independentemente de como que se queira olhar o objectivo a atingir, ele não pode justificar os meios, especialmente quando estes negam direitos fundamentais universalmente reconhecidos.

Notas de Rodapé
1 Yussuf Adam e Eric Morier-Genoud: Religião e o Poder em Moçambique. URL: www.africa.upenn.edu/Newsletters/notmoc75.html
2  Eric Morier-Genoud: Of God and Caesar. The Relation between Christian Churches & the State in post-colonial Mozambique, 1974-81”, Le Fait Missionnaire. Social Sciences & Missions, No. 3, 1996, Setembro de 1996.
3 Mário Artur Machaqueiro: Islão Ambivalente – A construção identitária dos muçulmanos sob o poder colonial português », Cadernos de Estudos Africanos, 22 , 2012.
4 Frederico Peirone: A Tribo Ajaua do Alto Niassa (Moçambique) e alguns aspectos da sua Problemática Neo-Islâmica, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa 1967.
5 Fernando Amaro Monteiro: Entrevista dada a António Pacheco in Além-Mar Visão Missionário, Janeiro de 2004, URL: http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEFZyZyFAAXovADxBp
6 Fernando Amaro Monteiro: (Moçambique: Memória Falada do Islão e da Guerra, Almedina 2011) (João Cabrita in Canal de Moçambique, 10/09/2012)



09 setembro 2012

COMPREENDER AS GREVES MARIKANA NA RSA

COMPREENDER AS GREVES MARIKANA NA RSA
Que implicações mais amplas que as greves em curso após o "massacre Marikana" tem para a política sul-Africana?

Trabalhadores continuam a greve em Marikana, exigindo um aumento salarial de 300 por cento [Reuters]

Joanesburgo, África do Sul - A cidade de Marikana no Noroeste província da África do Sul ganhou as manchetes internacionais em 16 de agosto, quando a polícia abriu fogo e matou 34 mineiros envolvidos em uma greve prolongada fora da mina de platina Lonmin. O assassinato provocou indignação internacional e uma comissão nacional de inquérito foi criada para investigar o que se tornou conhecido como o "massacre de Marikana". Enquanto isso, a greve em si continua inabalável, com os trabalhadores se mantiveram firmes em suas demandas por 300 por cento aumento salarial que os especialistas dizem que a indústria vai não ser capaz de pagar. Mas a greve prolongada revelou lágrimas graves dentro do movimento sindical. A violenta rivalidade entre a União Nacional dos Mineiros (NUM) e da Associação dos Mineiros e Sindicato da Construção (AMCU) levantou questões difíceis sobre a capacidade do movimento operário de representar os trabalhadores de forma adequada durante uma época de insegurança do trabalhador aumentando deste modo o desemprego ea dificuldade econômica. Com NUM tradicionalmente visto como a vanguarda do bem-estar dos mineiros, a evolução Marikana mostra que a maior união na África do Sul pode estar em um meio de uma crise das relações laborais no país. Azad Al Jazeera ESSA (AE)  fala com Crispen Chinguno (CC), um pesquisador de Sociologia Industrial e Econômica da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo sobre as várias greves e as  implicações mais amplas para a política sul-Africana.
Azad ESSA : A greve dos mineiros tem sido marcante  nas últimas quatro semanas. Os pobres pioram as suas condições de vida. Mas quais são as questões mais amplas em jogo aqui? 
Crispen Chinguno : O tipo de alojamento albergue [desenvolvido sob apartheid] foi descontinuada desde 1994 e agora a maioria dos mineiros vivem em assentamentos informais, em barracos ou mkhukus como eles se referem aqui. Nesses assentamentos não há estradas, electricidade, água ou saneamento adequado... praticamente não há serviços. Os trabalhadores das minas tornaram-se demasiado fragmentado quando comparado à era antes de 1994. Há aqueles que trabalham diretamente para as minas e algumas delas vivem em condições melhores, mas a maioria está em condições precárias. Mas sua proporção está rapidamente diminuindo à medida que os empregadores preferem subcontratados. A proporção de trabalhadores na indústria de mineração contratados por subempreiteiros está crescendo. Alguns deles ganham tão baixo como US $ 220 por mês. Estes são os mineiros que estão mais atingidos.
Empresas de mineração estão usando cada vez mais subcontratados, na tentativa de reduzir o número de pessoal permanente e reduzir os custos aos mineiros que estão agora contratados como mão de obra temporária ou ocasional, incluindo os perfuradores de rocha.
Em algumas minas, pode haver até 40 subempreiteiros e corretores de trabalho que empregam mineiros em nome da empresa. Tomemos o caso da mina de platina Impala por exemplo, pelo menos 42 por cento estão trabalhando através de sub-empreiteiros. Isso afetou a capacidade de organizar sindicatos e, como resultado, tornou-se difícil construir solidariedade  do trabalhador  de forma coletivo. Assim, a violência torna-se a ferramenta para forjar a solidariedade entre eles. 
AE : Há muitas perguntas sobre o aumento salarial de 300 por cento exigido pelos trabalhadores especialmente durante uma época onde a indústria de mineração tem diminuído devido à recessão global. Isso é justa a  crítica?
 CC : Isso não é de surpreender. Jornalistas não estão tomando muito tempo e cuidado para entender a ligação entre as comunidades onde estes trabalhadores de minas vivem e seu local de trabalho. O que acontece no local de trabalho e da comunidade estão inextricavelmente ligados. Os mineiros vivem vidas precárias, tanto em casa e no trabalho. Assentamentos mais informais são ilegais e eles sabem que podem ser retirados a qualquer momento.Suas condições são tão ruins de tal forma que dificilmente podem enviar seus filhos para a escola. Eles mal podem alimentar suas famílias.
É imperativo  conectar os dois mundos, então compreender suas demandas por uma 300 por cento aumento do salário não vai aparecer de repente como "razoável" ou "ultrajante", como foi relatado. Mineiros estão desafiando um sistema que se baseia na exploração e desigualdade que persiste nos 150 anos história da indústria de mineração na África do Sul, um modelo desigual e absurda do excedente de partilha. Se vencerem esta luta que podem sair da armadilha da pobreza e da desigualdade. Trabalhadores sabem que as minas estão fazendo enormes lucros. 
AE : Mas por que agora? O que aconteceu para os mineiros se tornaram tão firme sobre suas demandas? 
CC : Eu acho que eles já perceberam (NUM) - que a luta contra o apartheid no local de trabalho e na sociedade - não é mais do seu lado. Eles sentem que a união foi cooptada e esta comprometida. Como resultado, eles perderam a confiança no mesmo. Eles vêem o sindicato como capturado pela administração e estão  longe dos interesses de seus membros. 
AE : Qual o papel do sindicato rival, da Associação dos Mineiros e Sindicato da Construção (AMCU), na disputa? 
CC : É uma união que existe desde 1998 - e para todos estes anos - tentou fazer um avanço em direção a organização dos trabalhadores na indústria de mineração e enfrentar desafios formidáveis. Eles fizeram um grande avanço na Lonmin Karee em 2011 e depois em Impala onde eles agora representam milhares e NUM quase foi desalojado.
Esta situação [em Marikana] foi uma oportunidade para os sindicatos mostrarem trabalho. Para obter o pleno reconhecimento, os sindicatos precisam ter uma adesão de pelo menos 50 por cento de membros. Isso fecha espaço para os sindicatos pequenos e evita a concorrência sindical. Isto é projetado para promover grandes sindicatos. Então AMCU aproveitou a oportunidade e você não pode culpá-los. 
AE : Achas que a AMCU pode fazer um grande avanço no setor sindical de mineração?
CC : Se você quiser entender a ordem sócio-econômica e política da África do Sul, você tem que entender a indústria de mineração. O que isto nos diz agora é que pode estar passando por uma mudança no regime das relações de trabalho no país. Podemos estar se afastando do regime hegemônico sindical, para uma nova era, onde não pode haver mais do que uma grande união em uma indústria - que representa os trabalhadores negros.
Este é um desafio direto ao princípio da COSATU de "uma união de uma só indústria" - e é por isso que temos esta violência em Marikana. Claro que você tem esses pequenos e antigos sindicatos brancos ainda existentes. Eles são um legado do passado e agora geralmente representam a força de trabalho mais qualificada. Eles não apelam para a classe baixa (trabalhadores negros). 
AE : A grande questão, então, é se estes desenvolvimentos  podem modificar algo nos trabalhos do Congresso Nacional Africano (ANC)?
CC : Em forma, é a grande questão que muitos sindicatos em África têm enfrentado. Como deve o sindicato se relacionar com o movimento político vigente? Deveria forjar uma aliança ou ser independente? No contexto Africano, esta é uma pergunta que tem sido feita em Gana, Zâmbia, Zimbabwe e muitos outros. Muitas vezes aparece de vez em quando. Alguns argumentam que o modelo sul-Africano de aliança é a melhor maneira de influenciar o sistema político. No entanto, outros argumentam que a união perde a independência e torna-se menos crítica. E eu fui perguntando trabalhadores na minha pesquisa se ​​eles ainda votariam  no ANC - e a maioria deles dizem que vão continuar a fazê-lo.
Eles permanecem esmagadoramente apoiantes do ANC. Parece que muitos não ligam as questões da greve com as políticas nacionais. Isso, entretanto, pode mudar no futuro e pode ser o começo marcando a erosão da hegemonia do ANC na política sul-Africano. Isso não quer dizer que os acontecimentos de Marikana não vai influenciar o debate na conferência política do ANC em Dezembro. As pessoas sabem que que o governo perde grosseiramente manipulando este caso e abre o caminho para oportunistas políticos e adversários Zuma para capitalizar sobre ela. 
AE : Finalmente, como o senhor vê essa disputa trabalhista a ser resolvido?
CC : As partes estão ainda a negociação através de outros meios. Quero dizer através de meios não convencionais.É uma questão de poder em jogo, isto é, entre os trabalhadores e seus empregadores. A forma como este evento se desenrolou, de alguma forma reforçou os trabalhadores. Ele encorajou-os. Eles ganharam simpatia. O sindicato consolidou a sua solidariedade e militância. Ele criou mártires. Esta situação não pode ser resolvida através da assinatura de acordos de paz. O acordo de paz assinado por Lonmin, NUM, Solidariedade e UASA não vai fazer qualquer alteração a este impasse. É um acordo que tem as pessoas erradas sobre a situação na mesa. Estes só podem ser resolvidos por um compromisso por parte dos trabalhadores e dos empregadores. Mas nesta equação o empregador tem de ceder mais. O empregador precisa entender que o problema é um desafio para o sistema de relações industriais e não pode ser resolvido pelos regulamentos em vigor.


VIOLÊNCIA ORGANIZADA EM ÁFRICA, 1989-2010

VIOLÊNCIA ORGANIZADA EM ÁFRICA, 1989-2010 

(O vídeo retrata os principais conflitos (guerra civil, conflitos étnicos, eleitorais e de recursos) ocorridos em África desde o final da década 80 até ao ano 2010).








MASSACRES EM ÁFRICA


MASSACRES EM ÁFRICA


Clica aqui  http://macua.blogs.com/files/massacresafrica_wiriamu.pdf para ler as páginas do livro.