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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

18 setembro 2012

GENERAL HAMA THAI DIZ QUE NÃO ERA POSSÍVEL INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE SEM GUERRA


GENERAL HAMA THAI DIZ QUE NÃO ERA POSSÍVEL INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE SEM GUERRA

Maputo (Canalmoz) – O antigo chefe do Estado-Maior das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FAM/FPLM), e ex-ministro da Defesa, o general António Hama Thai, disse que a independência de Moçambique não seria possível, não fosse a via armada.
Disse que não estava nos planos de Portugal abandonar o país. A moda “brasileira” queria que fossem os portugueses a residir nas colónias a proclamar as independências.
Segundo o general, o primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane, escreveu várias vezes a António Salazar, presidente de Portugal na altura, a exigir a retirada dos portugueses em Moçambique, mas este sempre respondeu que o território moçambicano, era uma província ultramarina de Portugal. Hama Thai, falava esta segunda-feira em Maputo, numa palestra dirigida aos quadros da Autoridade Tributária, no âmbito das celebrações do 25 de Setembro na próxima semana.
“É mentira sem guerra estaria independente. Não estávamos num plano inclinado que a qualquer momento podíamos deslizar para a independência. Era preciso pegar em armas para expulsar o colono. Eles já chegaram a nos chamar de terroristas. O golpe de Estado em 1974, é consequência nas colónias portuguesas. Estava claro em todo mundo que era necessário Portugal abandonar as colónias. Portugal fez tábua rasa”, disse Hama Thai, contrariando as correntes de opinião que defendem que mesmo sem a guerra, até esta altura o colonialismo português por si só teria abandonado o país.
Segundo o general, estas correntes, reflectem a fraqueza histórica. “A Frelimo cria ódio em algumas pessoas. Em Moçambique temos uma história rara que é original. Podemos provar que Eduardo Mondlane e Samora Machel são moçambicanos. Esta história mete inveja para algumas pessoas”, disse sublinhando que houve muita gente presa e morta pela temida PIDE-DGS.

As causas da derrota colonial segundo o general

De acordo com general Hama Thai, quatro factores concorreram para a derrota do colonialismo, português durante os 10 anos de luta de libertação nacional. As limitações dos efectivos militares; O descontentamento dos portugueses na metrópole; A sabotagem de alguns generais que descarregavam material bélico nas matas e golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, em Portugal.
Para o antigo ministro dos Combatentes, a vitória do partido no poder sobre Portugal na luta de libertação foi conseguida porque Portugal começou a ter limitações de recrutamento de soldados para suportar o seu exército. Hama Thai disse que Portugal tinha no início da luta uma população de cerca de 9 milhões de habitantes.
Citando os manuais de estratégias militares, disse que o recrutamento para o exército só pode ir até 10 por cento da população portuguesa. Isto equivale a dizer que no caso concreto de Portugal, seria necessários perto de 900 mil de soldados.
Segundo o ex-vice-ministro da defesa nacional, Portugal, travava a guerra em simultânea, isto é, em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau. Deveria mandar cerca de 900 mil soldados nos três países. Moçambique, teria perto de 300 mil soldados. Com este número, Portugal não seria capaz de suportar 10 anos de guerra.
Segundo Thai, devido a essas limitações, generais como Khaulza da Arriaga começaram a recrutar nas próprias colónias. Mas, esses soldados recrutados localmente não podiam oferecer tanta confiança como os recrutados em Portugal.
A segunda causa que ditou a derrota é o facto de a população portuguesa não apoiar a guerra. Em Portugal, havia um sentimento generalizado de repúdio de guerra e vários círculos de opinião aconselhava ao fim do conflito.
O terceiro factor é a frustração dos generais. Segundo Hama Thai, em Moçambique, houve casos de generais que, ao invés de mandar o material bélico ao exército colonial, deitavam no mato.
A quarta e a última causa, foi o avanço da Frelimo a partir de Cabo Delgado para o sul. O exército português estremeceu precipitando ao golpe de Estado a 25 de Abril de 1974 em Portugal. (CanalMoz-19/09/2012- Cláudio Saúte)
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SÓ O RECURSO ÀS ARMAS CONDUZIRIA A INDEPENDÊNCIA – AFIRMA GENERAL HAMA THAI

Esta afirmação foi feita esta semana em Maputo, pelo general na reserva, António Hama Thai, durante uma palestra dirigida a funcionários da Autoridade Tributária de Moçambique, subordinada ao tema “25 de Setembro – Dia das Forças Armadas de Libertação Nacional”. A mesma se insere nas celebrações do 48.º aniversário das Forças Armadas de Moçambique e 50º do desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, efeméride que se assinala no dia 25 de Setembro.
Na ocasião, o ex-combatente da luta de libertação nacional afirmou que a insatisfação dos moçambicanos aliada à intolerância do Governo colonial português em negociar a independência fez com que o povo liderado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) recorresse às armas para libertar a terra e os homens.
“Este posicionamento do Governo colonial português aconteceu apesar do ambiente internacional ser favorável à descolonização, pois, as Nações Unidas, aprovaram, a 14 de Dezembro de 1960, a Resolução 1514 que estabelecia o direito à autodeterminação e independência dos povos colonizados. Portugal fez tábua rasa a todos os ventos da história e com ouvidos de mercador reforçava o seu sistema e a máquina de opressão contra o povo. A cultura moçambicana foi irradiada; É assim que para aquilatar a situação penosa prevalecente em Moçambique nasceram as organizações nacionalistas: UDENAMO, UNAMI e MANU, no exterior de Moçambique. São estas organizações, cuja fusão a 25 de Junho de 1962, fez nascer a Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, organização que liderou a insurreição armada contra o jugo colonial português”, explicou o antigo comandante militar.
A aversão de Portugal em conceder a independência às suas ex-colónias chegou ao ponto, segundo Hama Thai, de o Governo colonial afirmar, junto das Nações Unidas e outros fóruns internacionais, que em África não tinha colónias mas sim “províncias ultramarinas que faziam parte integrante do território português”. 
“Portanto, o contexto político da época foi determinante para se tomar a decisão de recorrer à luta armada para se libertar o país”, sublinhou Hama Thai, para quem os que afirmam hoje que o país poderia ter logrado a sua independência sem recurso às armas “são pessoas não atentas e que não fizeram a devida leitura do contexto da época”.
Hama Thai sublinhou o facto de o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, na qualidade de funcionário das Nações Unidas e mediador da independência do Quénia, ter feito uma carta ao Governo colonial português, solicitando a concessão da independência de Moçambique por via pacífica, acto que não teve a resposta desejada.
Na ocasião, Hama Thai, que foi o primeiro governador da província de Tete, após a independência nacional, fez também questão de frisar que o golpe de Estado em Portugal que teve lugar a 25 de Abril de 1974, foi consequência da guerra colonial, pois, Portugal encontrava-se sem hipótese de continuar com a guerra, uma vez que já tinha dificuldades de recrutamento a nível da metrópole, assim como a nível das colónias, onde iniciou, alguns anos depois da eclosão do conflito, o recrutamento para o Exército regular, assim como para as tropas especiais.
Para o palestrante, a derrota do Exército colonial em Moçambique começou a consumar-se com o fracasso da operação “Nó Górdio”, cujo epicentro foi a província de Cabo Delgado e que tinha por objectivo “acabar completamente com a FRELIMO”, movimento a quem os colonialistas designaram por terrorista.   
“A determinação do povo de lutar contra o colonialismo e a clareza da FRELIMO sobre os objectivos da luta levaram ao fracasso não só desta operação considerada crucial pelos colonialistas portugueses, como da própria guerra que se arrastou por dez anos”, afirmou.

O caso “Rombézia” e a criação da Renamo

O GENERAL na reserva foi solicitado a debruçar-se sobre alguns constrangimentos verificados ao longo da luta de libertação nacional, sobretudo no que respeita às clivagens ou mesmo divergências verificadas no seio da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
De entre os casos apontados, destaque vai para a tentativa de se constituir um “Estado moçambicano” que se estenderia do rio Rovuma ao rio Zambeze, conhecido como “caso Rombézia”.
Segundo Hama Thai tal situação foi despertada por alguns elementos que deixaram as fileiras da FRELIMO para abraçarem “projectos pouco claros”, como é o caso de Adelino Guambe, pessoa que chegou a liderar a UDENAMO, um dos três movimentos nacionalistas que viriam a constituir a FRELIMO.
“Depois de militar algum tempo na FRELIMO e frustrado por não ter sido eleito presidente, Adelino Guambe abandonou a organização e constituiu um movimento que tentou actuar em Tete sem no entanto lograr sucesso. Ele tinha como ideia estabelecer um território independente, que tinha como limites os rios Rovuma, a norte, e Zambeze, a sul, dai o nome de Rombézia”, explicou.
Outro tema abordado relaciona-se com a guerra de desestabilização, iniciada poucos anos após a proclamação da independência nacional.
Segundo Hama Thai, esta guerra foi movida a partir da então Rodésia do Sul com o objectivo de desestabilizar a governação da Frelimo em Moçambique, e criar dificuldades para o alcance da independência do Zimbabwe.
O antigo combatente da luta de libertação nacional referiu ainda que para lograr os seus intentos, o regime de Ian Smith, assistido por pessoas como Orlando Cristina e Jorge Jardim, moveram uma insurreição armada que teve como protagonistas alguns moçambicanos.
“É a partir desta situação que nascem grupos como a Renamo. Aliás, o primeiro grupo de membros da Renamo, que integrava André Machangaíssa, foi treinado na Rodésia do Sul e teve como instrutor Ken Flower, um elemento preponderante da hierarquia militar e política do regime de Ian Smith”, explicou o general Hama Thai.
De acordo com o general, a génese da Renamo não mudou com o andar dos anos daí que em 1994, após a assinatura do Acordo Geral de Paz e da realização das primeiras eleições multipartidárias, o ex-movimento rebelde propôs, na Assembleia da República, a criação de uma Lei de Desnacionalizações.
“Essa lei iria beneficiar a quem? De certeza que não ao povo moçambicano”, referiu o nosso interlocutor.


A vitória da Frelimo

UM momento marcante da intervenção do General Hama Thai, que teve como interlúdio a actuação do músico Filipe Nhassavele, relaciona-se com a consumação da vitória da Frelimo sobre o colonialismo português.
Segundo disse, tal vitória foi conseguida porque Portugal começou a ter limitações de recrutamento de soldados para suportar o seu Exército. Conforme disse, Portugal tinha, no início da luta, uma população de cerca de 9 milhões de habitantes.
Ora, segundo os manuais de estratégias militares, o recrutamento para o Exército só pode ir até 10 por cento da população o que, no caso de Portugal, seria cerca de 900 mil soldados. Só que para Portugal, que travava a guerra em simultânea em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, teria que distribuir os 900 mil soldados em três países e Moçambique, teria não mais de 300 mil soldados. Com este número, segundo Hama Thai, Portugal não seria capaz de suportar 10 anos de guerra.
Dadas essas limitações segundo conta, generais como Khaulza de Arriaga começaram a recrutar nas próprias colónias ou, se preferir, nas províncias ultramarinas. Um dos problemas é de que esses soldados não podiam oferecer tanta confiança como os naturais de Portugal.    
O segundo factor que ditou a derrota é o facto de a população portuguesa não “aplaudir” a guerra, ou seja, havia, em Portugal, um sentimento generalizado de repúdio de guerra e vários círculos de opinião aconselhavam ao fim do conflito armado.  

O terceiro factor e último está relacionado com as frustrações dos próprios generais. Conta Hama Thai, que em Moçambique, houve casos de generais que, ao invés de canalizarem o material bélico ao Exército que tanto necessitava, às vezes, deitavam-no nas matas numa clara indicação de sabotagem e contestação silenciosa da guerra.  
Este aspecto foi muito importante, uma vez que  culminou com o desânimo de alguns generais.
Com o avanço da Frelimo de Cabo Delgado para o sul, Portugal estremeceu e os generais precipitaram-se, o que conduziu ao golpe de Estado a 25 de Abril de 1974. 
Um elemento importante a considerar para a vitória da FRELIMO é a evolução qualitativa do seu armamento e o seu emprego combativo, como é o caso da “estrela 2M”, uma anti-aérea portátil que abateu muitos aviões ou o canhão “B11”, instalação portátil de artilharia com calibre de 122 milímetros, que usa um foguete reactivo que tem cerca de 10 mil estilhaços, um raio mortífero de 50 metros.
“O seu emprego combativo não era fácil por que exigia muitos cálculos”, reconhece, o general.

In: Noticias, 22 de Setembro de 2012




Confronto em África - Washington e a Queda do Império Colonial Português, de Witney W. Schneidman


Confronto em África - Washington e a Queda do Império Colonial Português, de Witney W. Schneidman
Leia abaixo um pequeno excerto do livro, em que se fala de Salazar, Mondlane e kenedy.
O primeiro contacto de Eduardo Mondlane com a Administração Kenedy:

O “PERÍODO DE TRANSIÇÃO” PARA A INDEPENDÊNCIA E AS SETE FRELIMOS EM 50 ANOS


Reflecte-se, estes dias, por decorrer em 2012 o 50º aniversário da constituição da Frente de Libertação de Moçambique, sobre o que foram esses 50 anos. Comecemos pelo evento seminal de toda essa experiência: a Independência em 1974. Formalmente, decorrente dos Acordos assinados em Lusaka no dia 7 de Setembro de 1974, estabeleceu-se uma trégua militar (Moçambique foi o único teatro da chamada Guerra Colonial portuguesa onde, após o golpe militar em Portugal ocorrido no dia 25 de Abril de 1974, a guerra não só não parou como de facto recrudesceu, por opção da Frelimo (e alguma desistência por parte da força militar portuguesa), cuja forma de abordagem na altura permaneceu essencialmente militar, e implementou-se algo a que se chamou “Periodo de Transição” (ver o folheto em baixo).
Mas na realidade, não houve qualquer transição.
Ou melhor, no dia 20 de Setembro de 1974, após um breve, vigoroso protesto de principalmente portugueses e moçambicanos brancos na zona de Lourenço Marques, ainda hoje conotado como uma tentativa frustrada de UDI (o que considero totalmente descabido) de que resultaram graves distúrbios até hoje não inteiramente esclarecidos, e com o apoio activo das forças militares portuguesas, tomou posse um governo inteiramente controlado pela Frelimo, ainda que se obedecesse à formalidade de o mesmo ser “liderado” por um alto-comissário português, a quase patética figura do Almirante Vítor Crespo, um dos Libertadores de Portugal, e de uns portugueses totalmente colaborantes (como não podia deixar de ser). Na realidade, os chamados Acordos de Lusaka (celebrados desde então com um feriado nacional em Moçambique) não foram acordos. Foram uma rendição militar portuguesa, seguida da entrega imediata do poder de Estado, por Portugal, à liderança da Frelimo. Tal como o governo colonial, o Governo de Transição, cujo primeiro-ministro era Joaquim Chissano, administrou o território em estrita coordenação com a Frelimo em Dar es Salaam, por simples decreto, ou seja, em ditadura. A desconfiança e os receios da comunidade branca quanto à ideologia, às intenções e capacidades de governação dos até então guerrilheiros (aparte o detalhe de se passar numa semana de uma cultura de demonização dos até então “turras comunistas” para os elogios mais rasgados à liderança do movimento nas páginas do Notícias e da revista Tempo), aclamando os “libertadores” e denegrindo tudo o que tivesse sido feito no passado, rapidamente teve efeitos.
Governo de transicao da Frelimo (Joaquim Chissano e Victor Crespos)
Após um segundo incidente, breve, de tiroteio em plena baixa de Lourenço Marques (que tudo indica ter sido uma rixa entre militares que deu para o torto) no dia 21 de Outubro de 1974, o êxodo de portugueses e brancos de Moçambique, cerca de 240 mil em 1974, adquiriu um novo ímpeto. À falta de um único, ténue, sinal de tentativa de reconciliação e inclusão e de olhar para o futuro em vez do passado, por parte da Frente, em menos de dois anos, mais do que 95 por cento desta população, que constituia a quase totalidade dos quadros governamentais e empresariais (e médicos, enfermeiros, engenheiros, técnicos, professores, mecânicos, etc)  abandonou Moçambique, sem qualquer ajuda e perdendo o pouco ou muito que tinham, perspectivando um futuro totalmente incerto e quiçá sombrio. Para estes, espalhados por todo o mundo e rotulados como retornados em Portugal, acabaram-se os “bons” velhos tempos, agora preservados em memórias vívidas, punhados de fotografias a preto e branco e os filmes “do outro lado do tempo”, displicentemente acusados por alguns idiotas desconhecedores, de saudosismo ressabiado e até reaccionário.
Governo de transição de Moçambique, 1974


Pois é.
A reacção do governo de Transição e da Frelimo foi categórica e pode-se resumir ao seguinte: por direito, quem manda em Moçambique é o Comité Central da Frelimo e mais ninguém, e quem não estava com a Frelimo estava contra a Frelimo. É neste clima de exaltação nacional e também tragédia grega, que se comemora a data da Independência formal, no dia 25 de Junho de 1975. Na prática, Moçambique passou de um regime de partido único de índole colonial para outro regime de partido único, de índole nacionalista e comunista. O povo moçambicano, então quase totalmente rural (à excepção dos arredores de Lourenço Marques, Beira e Nampula), pobre e analfabeto, absolutamente encantado com a novidade de ter dos seus a governar e electrizado por um futuro róseo de independência e ainda pelo enorme carisma de Samora Machel, cujo deliberado culto de personalidade se iniciou logo início no chamada “fase” de Transição, não reparou, nem tinha a mínima noção dos planos da Frelimo de, logo em seguida, envolver o país em guerras com a África do Sul e com a Rodésia, os últimos redutos de governação por uma minoria branca na África Austral.
O significado – e o custo absolutamente formidável em termos humanos e materiais – do lema “a luta continua”, depressa se começou a entender após a realização, nove meses mais tarde, da cerimónia formal da proclamação da Independência, por Samora Machel, recentemente chegado à cidade após uma ritual “marcha” de Norte para Sul, envergando a farda militar, num estádio de futebol em Lourenço Marques. Mas não havia quanto a isso discordância, nem era permitido haver. E, afinal, a razão e as circunstâncias da História há algum tempo pareciam que estavam do lado dos novos governantes – os “Libertadores”.
A paz, ou melhor, a ausência de guerra, essa, teria que esperar quase vinte anos, Entretanto, Moçambique suportou directamente o preço de colocar o Senhor Robert Mugabe no poder no Zimbabué e de pressionar, sem grande sucesso, o Partido Nacionalista em Pretória a negociar uma transição para a democracia na África do Sul. Em Pretória, os boers limitaram-se a demolir tudo em seu redor, jogando pelo tempo e pelo desmoronamento dos países da Cortina de Ferro, o que começou a acontecer a partir do início do segundo mandato de Ronald Reagan em 1985, ano em que Samora, sentindo a mudança de paradigma para vir, o visitou em Washington. Após uma estrondosa derrota em Cuito Cuanavale em Angola em 1988, os boers, numa posição de força, trouxeram Frederick de Klerk para a chefia do governo e negociaram detalhadamente o seu futuro. No seu III Congresso, realizado entre os dias 3 e 7 de Fevereiro de 1977 no antigo Clube Militar de Lourenço Marques, corporizou-se a terceira de seis “Frelimos”, quando se instituiu um regime marxista-leninista de índole populista, em que a  Frente passou a ser o único partido autorizado e a sua palavra a única que contava. E a cúpula da Frelimo decidiu, à falta de melhor, “refundar” Moçambique e criar um novo “Homem Moçambicano”.

A terceira de seis Frelimos?
A meu ver, sim.
Vejamos em resumo:

Frelimo I
A primeira Frelimo durou entre 1962 e 1969 e resultou de uma coligação de nacionalistas de várias origens, eventualmente liderados pelo Dr. Eduardo Mondlane, secundado pelo Reverendo Uria Simango. O ponto de viragem foi o assassinato do Dr. Eduardo Mondlane em 3 de Fevereiro de 1969 e o banimento de Uria.
Eduardo Mondlane e Urias Simango (Presidente e vice presidente da Frelimo)


Frelimo II
A segunda Frelimo existiu entre 1969 e 1974. Era militarista, hierárquica e marxizante e liderada por Samora e Marcelino dos Santos. Era basicamente uma máquina de guerra, financiada pela China, União Soviética e demais países da Cortina Ferro, com algum apoio não militar sueco. O ponto de viragem foi o golpe de Estado em Portugal e as subsequentes negociações, realizadas fora de Moçambique, na cidade zambiana de Lusaka, Lourenço Marques então tido como “terreno hostil”.

Acordos de Lusaka, 7 de Setembro de 1974

Frelimo III
A terceira fase decorreu entre 1974 e 1977, em que o movimento de guerrilheiros toma conta do governo do país e principalmente das cidades, e que termina com o III Congresso da Frelimo, a partir do qual o partido e o próprio Estado se confundem.
Hastear da bandeira de Moçambique no Estadio da Machava em 25 de Junho de 1975


Frelimo IV
A quarta fase ocorreu entre 1977 e 1986, caracterizada por um crescendo da guerra e da ditadura, terminando com a morte por acidente de Samora Machel em 19 de Outubro de 1986, ao regressar de uma reunião na Zâmbia, tudo indicando que, se não houvesse ocorrido, grandes mudanças estariam para vir. No entretanto, viveram-se dias terríveis de medo, morte, privação, e um experimento “socialista”, largamente falhado. Uma terrível guerra civil estendeu-se ao país, mantendo a Frelimo, significativamente, o argumento dialético de que a sua oposição, a Renamo, era apenas um bando de “bandidos armados”. Em 1984, foi a vez da Frelimo se render a Pretória, sob a ameaça da sua destruição.
Acordos de Incomati, 1984


Frelimo V
A quinta fase, que decorreu entre 1986 e 1992, na realidade teve início cerca de dois anos antes do desaparecimento físico de Samora, culminando com os Acordos de Paz assinados em Roma no dia 4 de Outubro de 1992 e as consequentes alterações no texto constitucional, de que se destaca a admissão formal do multipartidarismo. Nesta fase, Moçambique é o país mais pobre do mundo, dilacerado e com mais de um milhão de mortos e centenas de milhares de refugiados. A Frelimo aceita fazer o jogo da “democracia” e praticar uma estranha forma de capitalismo, mas, sob a tutela de Joaquim Chissano, apoiado por uma troika de Libertadores, mantém firmemente o poder. Para o choque de pessoas como o ideólogo Jorge Rebelo e o jornalista Carlos Cardoso, os Libertadores, quase todos generais da nomeclaturatornaram-se “empresários de sucesso”. Desde então até esta data, o país vive principalmente de empréstimos, de doações, de perdões de dívida, de programas estruturados de assistência, de negociatas, com fortes indícios de corrupção e a mão invisível do FMI e do G19.

Frelimo VI
A sexta fase decorre entre 1992 e a actualidade. Com a excepção das municipalidades da Beira e de Quelimane, a hegemonia da máquina partidária da Frelimo mantém-se e é massiva, bem como a liderança, dentro dela, dos agora velhos Libertadores, que reclamam para o partido a totalidade da herança simbólica das Frelimos anteriores, adquirindo para si o património físico desses símbolos, tais como o Museu da Revolução e as instalações da primeira e segunda Frelimo na Tanzania (leia-se a interessante entrevista ao Dr. Egídio Vaz, um historiador moçambicano, na edição de hoje, 8 de Fevereiro de 2012, no semanário Canal de Moçambique, publicada em Maputo, páginas 16-20). Acentuou-se a economia dos Libertadores enquanto políticos-empresários de sucesso
Terminará quando um moçambicano não “libertador” assumir a presidência ou quando houver alguma forma de alternância à sua hegemonia, provavelmente dentro da própria Frelimo.
Nesse dia, começará a sétima Frelimo. Que ainda ninguém sabe o que vai ser, nem quando.



O Angoche esteve ao centro de um dos grandes mistérios do final da era colonial em Moçambique. Um navio mercante, um dia apareceu à deriva no mar, a tripulação desaparecida. Até hoje, apesar de várias tentativas e numerosas teorias, ninguém sabe o que aconteceu. O Angoche eventualmente foi rebocado para a Baía de Lourenço Marques, onde eventualmente se afundou.
O CASO
A 23 de Abril de 1971, o cargueiro português ANGOCHE abandonou NACALA com destino a PORTO AMÉLIA (Norte de Moçambique).
O navio nunca chegou ao porto de destino. A tripulação - 23 homens - e um passageiro desapareceram.
O ANGOCHE foi encontrado abandonado (e a deitar fumo) no Canal de Moçambique três dias depois pelo petroleiro panamiano Esso Port Dickson.
Foi alvo de duas explosões e de um incêndio, mas a carga militar (incluindo 100 bombas inertes de 50 Kgs da Força Aérea) não ficou danificada.
Ninguém reivindicou até hoje a sabotagem.

Um mistério por decifrar
Segundo um relatório preliminar, de um agente da PIDE:

«O navio Angoche levava material para a nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material explosivo, bombas para os aviões, etc, e creio que ia para Porto Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea  e, mais tarde, executados ... havia manchas de sangue em vários pontos do navio...  fala-se que houve oficiais da Marinha Portuguesa, hoje oficiais generais, que estariam envolvidos nisso».


Para adensar o mistério, o relatório oficial, detalhado e secreto, conservado na DGS-PIDE em Lisboa, desapareceu após o golpe militar Lisboeta de 25 de Abril de 1974. O livro abaixo fornece elementos importantes para compreender este caso.

Livro de Leone (autor ja falecido)

Mais informações podem ser encontradas no  blog do jornalista investigativo Rui Araújo http://cargo-angoche.blogspot.pt/.
Quem tiver algumas informações a respeito deste misterioso caso pode enviar um email para Jorge Jairoce (jairoce2007@yahoo.com.br)  ou Rui Araujo (rmda14@gmail.com).

17 setembro 2012

MBUZINI: ESPAÇO DE MEMÓRIA


MBUZINI: ESPAÇO DE MEMÓRIA

 Chorada ontem. Celebrada hoje. É assim como se pode descrever Mbuzini, uma então pacata região da província de Mpumalanga, na vizinha África do Sul. O quotidiano daquele local mudou drasticamente a partir de 19 de Outubro de 1986, altura em que o avião Tupolev que transportava o primeiro Presidente moçambicano, Samora Mahel, e 33 outras personalidades despenhou-se nas montanhas daquela região. 
No local, foi construído um majestoso monumento que, entre várias infra-estruturas, contempla um museu que retrata a história da tragédia. Podem ainda ser vistos os destroços do Tupolev despenhado em 1986.
O memorial de Samora Machel é a maior infra-estrutura existente na região de Mbuzini, embelezando por completo a característica urbana daquela zona montanhosa da África do Sul.
O local deverá, a partir de 2012, ser co-gerido pelos governos da África do Sul e de Moçambique. Actualmente, Mbuzini é tido como o local mais visitado, pelo menos no mês de Outubro de todos anos, da África do Sul.
Veraneantes que se deslocam para o local com o propósito de prestar homenagem ao antigo Presidente e membros da sua comitiva perecidos no acidente aéreo.
Destacam-se ainda naquela região algumas infra-estruturas económicas, como Ndindindi Supermarket, Bismilah Supermarket, Mbuzini Supermarket e Pak Supermarket. Entretanto, um dos maiores “trunfos” de Mbuzini, como destino turístico privilegiado, é a sua localização.
O local faz fronteira com Moçambique e Suazilândia, sendo por isso visíveis marcas culturais dos povos dos três países da África Austral e exemplo de integração regional. Os principais turistas que visitam Mbuzini são da África do Sul, Moçambique e Suazilândia.
A título de exemplo, nas comemorações dos 25 anos da morte de Samora Machel, em Outubro de 2011, o local foi visitado por cerca de cinco mil pessoas, entre as quais os presidentes de Moçambique, Armando Guebuza, e Jacob Zuma, da África do Sul.
Mbuzini situa-se nos montes Libombo, a cerca de 100 quilómetros, de carro, da cidade do Maputo.
Leia o documento da transcrições das gravações  do voo: http://www.samoramachel.com/transcricaoo_CVR_ATC.pdf


ALGUMAS IMAGENS DE MBUZINI


O CASACO QUE SE DESPE PELAS COSTAS: A FORMAÇÃO DA JUSTIÇA COLONIAL E A (RE) AÇÃO DOS AFRICANOS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE, 1894-C-1940


O CASACO QUE SE DESPE PELAS COSTAS: A FORMAÇÃO DA JUSTIÇA COLONIAL E A (RE) AÇÃO DOS AFRICANOS NO NORTE DE MOÇAMBIQUE, 1894-C-1940

É  mais recente tese de doutorado em História Social defendida pela Fernanda  do Nascimento Thomaz na Universidade Federal Fluminense. Para acessar a tese clica no link http://www.historia.uff.br/stricto/td/1419.pdf.

MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO', John Paul (1977)


MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO', John Paul (1977)


Moçambique - Da guerra colonial à implantação do regime colectivista e marxista




PAUL, John. MOÇAMBIQUE - MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO. Lisboa:  Iniciativas Editoriais.
1977.243p.  
Interessante livro sobre um período em que rareiam as obras de ensaio e análise. 
Livro raro.

PARTICIPEI, POR ISSO TESTEMUNHO - LIVRO DO CORONEL SERGIO VIEIRA


PARTICIPEI, POR ISSO TESTEMUNHO - LIVRO DO  CORONEL  SÉRGIO VIEIRA


Neste livro Sérgio Vieira fala-nos das suas origens e da sua infância e adolescência em Tete. Fala-nos da crise de consciência que o levou a abandonar o catolicismo e da sua subsequente militância no movimento estudantil e na Casa dos Estudantes do Império. Aborda também o êxodo dos estudantes ‘ultramarinos’ de 61/63, e a participação em Paris e no Norte de África na luta anti-colonial. Acompanhamos ainda a sua ‘descida’ para Dar-Es-Salaam, com a obrigatória escala em Argel, e a entrada no movimento de libertação, bem como a sua colaboração estreita com Eduardo Mondlane e Samora Machel.
São informativos os capítulos dedicados às relações entre os movimentos filiados na antiga CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e, a fase das negociações que conduziram à assinatura dos Acordos de Lusaka. Chegada a Independência, é o exercício dos Países da Linha da Frente, o dossier Zimbabwe e a Guerra de Desestabilização.  A opção socialista da República Popular de Moçambique e as relações com os países do antigo Bloco de Leste são, também, áreas onde Sérgio Vieira se demora.

Notável e refrescante é a capacidade que estas páginas possuem de fazer reviver o drama, o sofrimento, a entrega, a solidariedade à volta do ideal da libertação da pátria e a exaltação dos momentos altos da luta. Reviver ou, mais importantemente, descobrir e compreender.
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Luís Bernardo Honwana



 
Fazia falta este livro. Que ele sirva de estímulo, a que outros actores dessa independência ganhem nele inspiração para repetir a proeza, e cumprir esse dever. O conhecimento pelas novas gerações do heroísmo dessa gesta é um capital precioso para o orgulho de ter nascido em Moçambique, e a consciência do significado da correspondente cidadania.
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António de Almeida Santos


BIOGRAFIA
Sérgio Vieira nasceu em 1941 na província moçambicana de Tete. A sua formação superior foi diversas vezes interrompida. Estudou Direito em Portugal até ao 2.o ano, em 1961. Em 1962 frequentou o Collége   d` Europe em Bruges.
Entre 1962 e 1963 frequentou o Instituto de Estudos Políticos em Paris, onde interrompeu os estudos no ano seguinte. Licenciou-se com distinção no Instituto de Estudos Políticos de Argel em 1967.
Em Portugal foi dirigente associativo, incluindo da RIA, Reunião Inter-Associações. É Professor Auxiliar da Universidade Eduardo Mondlane. Foi investigador do Centro de Estudos Africanos da mesma instituição, a qual dirigiu entre 1987 e 1992. É membro fundador da FRELIMO.
Entre 1964 e 1967 fez parte da representação da FRELIMO em Argel e esteve também no Cairo em 1969 e 1970. Ainda antes da Independência de Moçambique foi secretário da Presidência nas direcções de Eduardo Mondlane, entre 1967 e 1969 e de Samora Machel entre 1970 até 1975. Após a Independência ocupou diversas pastas, de entre as quais destacamos: director do Gabinete do Presidente da República, 1975-1977; governador do Banco de Moçambique, 1978-1981; ministro da Agricultura, 1981- 1983; Governador da Provínvia de Niassa e vice-ministro da Defesa, 1983-1984; ministro da Segurança, 1984- 1987; deputado da  Assembleia da República onde passou por diversos cargos desde a I até a V legislaturas; Desde 2001 é director-geral do Gabinete do Plano de Desenvolvimento do Vale do Zambeze.

In http://editora-ndjira.blogspot.com/



REACÇÃO  DE BARNABÉ LUCAS NCOMO  AO LIVRO DE SÉRGIO VIEIRA : 


SOBRE UMA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E UM FALSO TESTEMUNHO

A dificuldade de tornar perene a história oficial moçambicana, nos moldes desejados por homens como Sérgio Vieira, será sempre maior enquanto persistir a tendência para privilegiar a mentira e o escamoteamento dos factos. Em nada ganha o país com falsidades, e muito menos a manifesta arrogância dos que hoje podem mentir oficialmente é uma garantia da sua dignificação no futuro. O castelo tende a ruir!
Ajuizar em torno das cerca de 750 páginas do testemunho de Vieira é um empreendimento difícil e muito aborrecido. É como se estivéssemos a ler Sérgio Vieira pela milésima vez. Na verdade, com a excepção de um e outro dado novo, o livro é, na prática, uma compilação de vários textos que foram sendo publicados por Vieira ao longo de muitos anos. Trata-se de textos “cartas a muitos amigos” e “Testemunhos de Memória” que podem ser encontrados em jornais, revistas e boletins informativos do Partido Frelimo. Dado que cada um desses textos versa sobre um tema díspar do outro, nota-se uma enorme dificuldade do autor de encadeá-los no livro de acordo com o que pretendia narrar em cada capítulo. Assim, o leitor tem que se munir não só de uma “paciência de chinês”, como também de um prévio conhecimento de alguma história universal, pois, para colmatar a incapacidade de encadeamento dos factos por narrar, o autor vai misturando de capítulo em capítulo os assuntos com os seus “doutos” conhecimentos da história do mundo, e outras histórias ocultas da sua lavra, tornando, para os leigos, a leitura muito aborrecida.
A forma como no livro Sérgio Vieira lida com a vida e a memória de muitos seres humanos e a leviandade com que brinca com a inteligência dos moçambicanos fazem da mentira a sua marca principal. Aliás, o prefaciador do “além-mar”, sr. António de Almeida Santos (que tudo fez para escrever outro livro por cima do livro de Vieira), também dúvida da honestidade do autor do “Participei, por isso testemunho”, pois, só se uma memória de elefante fosse Vieira seria capaz de prescindir de documentos escritos para se recordar com precisão de nomes, momentos e circunstancias vividas há longos anos!... (p.24). E não deixa de espantar que depois de passar por um crivo de muitas mãos “antes de ser produto final” (como o escreve Lourenço Jossias) o livro saía a rua com dados susceptíveis de ridicularizar todo um acervo de personalidades que se julgava atentos e idóneos, que tiveram o privilégio de ler os manuscritos com antecedência. E de chacotas não pode escapar o partido-mãe que deu origem a tudo isto.
O que caracteriza o livro, na essência, resume-se a um derradeiro esforço do autor de justificar e preservar os pilares duma história oficialque tende a ser fortemente sacudida pela aparição, no país (e fora), de outros estudos, quiçá, mais convincentes. Sérgio Vieira não trás novidades. Continua, de forma cada vez mais pobre, a tentar vender à homens do séc. XXI uma imagem mitológica de si mesmo (como homem de fé politico) que nem sequer tem a haver com o homem histórico que ele e seus companheiros foram de facto. A base de sustentação do livro é, fundamentalmente, a mesma de sempre: mentiras e acusações gratuitas, todas fundadas numa atitude condenável e num prazer malévolo (que a alma de Vieira detém) de espezinhar, insultar e denegrir quem não se pode mais defender, sobretudo Uria Simango, Joana Simeão, Lázaro Nkavandame e outros. Sempre que Vieira se vê confrontado com factos prefere “assobiar” de lado do que enfrentar, com coragem, o adversário. Exemplifica-o a história que Vieira conta sobre Artur Janeiro da Fonseca (pp.137,138) que, a seguir, transcrevemos na íntegra:
“(…).
O ano de 1961 iniciou-se com o sequestro do paquete Santa Maria, por um comando de antifascistas portugueses e espanhóis opositores de Salazar e de Franco, sob a direcção do capitão Henrique Galvão. O paquete, durante a ocupação pelo comando mudou o nome para Santa Liberdade. No Brasil de Jânio Quadros populares e forças políticas acolheram calorosamente Galvão e os seus companheiros no porto de Recife.
Curiosamente, a PIDE escolheu um seu informador, grumete ou moço de limpeza a bordo, oriundo da Beira, Artur Janeiro da Fonseca, para içar o pavilhão português no barco, quando o governo retomou o seu controlo. À chegada a Lisboa, Salazar abraçou-o. Este Artur Janeiro da Fonseca fingiu fugir de Portugal para Marrocos em 1963. Foi recebido na CONCP e contou várias histórias bem mal contadas a camarada Maya da Fonseca do PAIGC, casada com o Africano Neto de Angola. A Maya fazia parte do secretariado da CONCP, instalado no nº 6 da Rua Paul Tirard em Rabat. Como ele mencionara os nomes de Amílcar Cabral e o meu, informado da situação, o camarada Amílcar Cabral, que nesses dias se encontrava em Rabat, decidiu ouvi-lo na minha presença, sem revelar as nossas identidades. Contou de novo, as diversas historietas e mencionou os nomes de várias pessoas para corroborar o que narrava. Voltou a citar os nossos nomes, ignorando com quem estava a falar. No final da conversa o camarada Amílcar apresentou-se e apresentou-me, imagine-se a cara com que ficou o senhor! Dois anos depois seguiu, com uma bolsa da UGEAN, para a RDA onde fornecia informação sobre os estudantes aos serviços e, posteriormente, instalou-se na RFA onde veio a representar a RENAMO, parece que até hoje está ligado a essa organização”.
Ora, no mínimo, é preciso ser aquilo que os brasileiros chamam de “cara de pau” para escrever o que acima se cita, pois, uma vez descoberto a tempo que Fonseca havia fingido fugir de Portugal para Marrocos (ao serviço da PIDE), não deixa de ser estranho que Sérgio Vieira e o seu camarada Amílcar Cabral não tenham alertado outros “camaradas” sobre as verdadeiras intenções de Fonseca a ponto de dois anos depois Fonseca vir a beneficiar duma bolsa de estudos da UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra sob Domínio Colonial Português) para a Alemanha do Leste onde, segundo escreve Vieira, Fonseca passou a fornecer a PIDE informações sobre os estudantes. A menos que a UGEAN tenha sido uma instituição patrocinada pela própria PIDE, embora se saiba, na verdade, que surgiu na esteira da CONCP e, um nacionalista angolano, Desidério da Graça presidia-a como bem o escreve Vieira!...(p.166).
A acusação que Vieira faz a Fonseca não é nova. Já havia sido, na verdade, publicada no Boletim Informativo do Partido FRELIMO em Setembro de 2005 sob o título “Testemunhos de Memória”. Embora do exílio forçado tenha demorado a tomar conhecimento da acusação, assim que teve acesso ao artigo, através do blog Moçambique para Todos, xiconhoca, Fonseca tratou de desmenti-lo trazendo-nos a luz um outro Sérgio Vieira (o da história politica vivida, e não o da mitologia e fé politica imposta) nos seguintes termos:
“(...) Depois de muito matutar, assim espero que seja e, por isso, me senti com a responsabilidade moral de vir ajudar o General Catedrático, esta verdadeira “biblioteca viva” ambulante, “corrigindo, acrescentando”, afastando alguma “inverdade” indeliberada ou sem intuito, assim o espero também, porque não quero, aqui, arquitectar processos de intenções, só desejo lembrar factos.
Queria só cingir-me à minha “parte limitada do todo”, até, porque uma velha camaradagem me liga ao General Catedrático. Camaradagem que nasceu, no verão de 1963, quando, aos 18 anos de idade, desembarquei do cargueiro “África Ocidental” da CUF, em Casablanca, para pedir asilo político às autoridades marroquinas e que me ajudassem a contactar a CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas).
Foi no foyer de Rabat, como então designávamos a pensão, que a CONCP mantinha naquela cidade, que encontrei o grumete Sérgio Vieira, que nunca tinha cruzado nos meios nacionalistas de Lisboa, que eu frequentava, nomeadamente o Clube Marítimo Africano, talvez, porque ele frequentava outros, na Juventude Universitária Católica Portuguesa. Ali convivemos com moçambicanos, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, durante um ano, até ao dia, em que eu recebi ordens do mais velho Marcelino dos Santos para ir para Argel, onde já estava o irmão João Munguambe, como delegado da FRELIMO, naquele país, deixando, para trás, o grumete Sérgio Vieira muito triste, em Rabat, ainda não era general catedrático e estava bastante longe disso.
Quantas vezes, em Rabat, eu intervim em defesa de Sérgio Vieira, quando o encontrava a chorar, no foyer, porque os Angolanos lhe tinham batido, ao ouvir os seus comentários e teorias políticas originais, que eles consideravam insultuosos para Angola. Quantas vezes expliquei aos camaradas angolanos, que bater no rapaz não era solução, nem maneira de o reeducar. Quantas vezes aconselhei Sérgio Vieira, deprimido e abafado, na sua triste condição de grumete da CONCP a não tirar conclusões apressadas sobre a incapacidade política do Presidente Eduardo Mondlane e outros dirigentes da FRELIMO, para conduzir a revolução moçambicana.
Quando desembarquei, as autoridades marroquinas recusaram entregar-me ao comandante do navio “África Ocidental”, porque eu era Africano e tinha o direito de ficar em África e transmitiram o meu pedido à CONCP. Fui depois mandado, sozinho de comboio, de Casablanca para Rabat, à Sede desta organização, onde o engenheiro Amílcar Cabral, João Munguambe e Miguel Trovoada me entrevistaram, antes de confirmarem às autoridades marroquinas, que eu ficava com a CONCP. O mais velho Marcelino dos Santos, Secretário-geral da CONCP estava ausente e só vim a conhecê-lo semanas depois. Antes do regresso de Marcelino dos Santos, também, voltei a abraçar José Frete, que conhecia do Clube Marítimo Africano e era então secretário-geral da UGEAN (União Geral dos Estudantes da África Negra sobre Dominação Colonial Portuguesa), cuja sede também estava em Rabat. Naquela capital marroquina, também voltei a encontrar-me com o doutor Agostinho Neto, que eu conhecia dos tempos, em que ele era Presidente do Clube Marítimo Africano de Lisboa. Durante as minhas conversas com o mais velho Amílcar Cabral, João Munguambe e Miguel Trovoada, na sede da CONCP, nunca lá apareceu o grumete Sérgio Vieira, nem mesmo para servir café. Obviamente que nunca, durante essas conversas, se falou dele, um ilustre desconhecido ou talento por revelar, no firmamento estrelado de Moçambique.
Fica assim esclarecido o primeiro lapso positivo ou criação original, quero crer que “involuntária”, da memória do General Catedrático.
Quanto à segunda inverdade, que lhe escapou, a de eu ter sido “curiosamente” escolhido como informador pela PIDE, não é aqui lugar para os devidos esclarecimentos. Os arquivos da PIDE-DGS estão abertos ao público, na Torre do Tombo, em Lisboa, onde o General Catedrático, poderá ir colher as informações de que venha a precisar.
Quando o paquete Santa Maria foi tomado pelo Capitão Henrique Galvão, eu era tripulante desse navio, mas não tenciono aqui encetar os meus “Testemunhos da Memória” a esse respeito, só vim ajudar o General Catedrático a não meter mais água.
Se, no Santa Maria, depois de ter sido controlado pelas autoridades portuguesas, eu tivesse recebido essa ordem imaginada pelo General Catedrático de içar a bandeira portuguesa, não sei como havia de esquivar-me, nem livrar-me de perder o emprego e de outras consequências, que talvez me tivessem levado ao Tarrafal, Cabo Verde em vez de desembarcar em Casablanca, Marrocos, mais tarde, e travar conhecimento com o grumete da CONCP, Sérgio Vieira. Logicamente não recebi ordem nenhuma, fora das minhas competências e atribuições. Içar e arrear bandeiras só compete aos oficiais da ponte. Eu trabalhava na câmara sob as ordens do comissariado do navio. Fica por esclarecer como é que tais imaginados acontecimentos, como eu a içar bandeiras no Santa Maria, fora da “parte limitada do todo”, que possui o General Catedrático, não estando presente naquele navio, tenham ido parar ao primeiro bosquejo dos seus “Testemunhos da Memória”.
Estive em Argel, apoiando o irmão João Munguambe, até Setembro de 1964, data em que fui estudar para Leipzig, na antiga República Democrática Alemã, com uma bolsa de estudos da UGEAN, cuja sede tinha sido transferida para Argel. Não voltei a ver o futuro General Catedrático na África do Norte. Ele seguiu para Argel, quando eu já estava na Alemanha.
Tornei a cruzá-lo, mais tarde e pela última vez, em Lourenço Marques, como ainda se chamava a cidade de Maputo, alguns dias depois das festas da independência. Fui cumprimentar o camarada Chissano e estava à espera de ser recebido. Apareceu Sérgio Vieira e disse-me para esperar, que o camarada Chissano me recebesse, enquanto ia a toda a pressa chamar uma patrulha de cerca de quinze militares armados, que vieram a pé, para me prender: “O camarada está dêtádo.”, disse-me o comandante da patrulha, com o seu sotaque característico. Eu regressava da República Democrática Alemã, com uma delegação chefiada pelo Vice-Primeiro Ministro daquele país e outros estudantes moçambicanos. Trazia os meus diplomas e conhecimentos, para trabalhar para o desenvolvimento de Moçambique e fui, desta maneira, recebido, por Sérgio Vieira.
Deus escreve certo por linhas tortas, Sérgio Vieira chegou a General. Se ele tivesse chegado a Almirante, depois de meter tanta água, com estes três grandes rombos no casco do seu navio, já tinha ido ao fundo.
Artur Janeiro da Fonseca
23 de Janeiro de 2005”
Eis então a resposta de Fonseca. Por engano, Fonseca escreveu “23 de Janeiro de 2005”. Na verdade queria dizer 2006. A despeito desta falha de datas, não deixa de ser espantoso ficar a saber que Sérgio Vieira nem sempre morreu de amores por Eduardo Mondlane; e que por essa e outras coisas até choramingava no canto depois dumas sovas.
Certamente que Vieira dirá que é tudo mentira; mas fica sempre a palavra dele contra a de Fonseca, e um sorriso sarcástico do leitor ao tentar descobrir quem dos dois mente mais!...
Uma outra “mentira” que Sérgio Vieira não poderá negar foi a sua decisão, após ter mandado deter Artur da Fonseca, de enviá-lo para Ruarua, o tal centro de reeducação que o próprio Samora Machel afirmou, durante a famigerada “ofensiva na frente da legalidade” fazer-lhe sentir “palha no estômago” em face da tragédia lá ocorrida em termos de violações dos mais elementares direitos humanos. Tal como vários outros “centros de reeducação”, Ruarua funcionava sob a jurisdição do Departamento de Segurança da Frelimo, operando posteriormente sob a alçada do Ministério da Segurança-Snasp. Vieira esteve à testa destas duas sinistras instituições. Ruarua estava integrado num complexo de antigas bases militares da Frelimo em Cabo Delgado. Se Machel admitiu não conseguir “digerir” a realidade ruaruense, imagine-se o que não seriam os outros redutos das ditas zonas libertadas que Uria Simango já havia denunciado em Situação Triste na Frelimo. Desta face da moeda “zona libertada” nada nos diz o autor de “Participei, por isso testemunho”.
Fonseca conseguiu fugir desse antro da morte que chegou a ter como homens fortes Zacarias Zacarias, mais conhecido por “Zacarias²” e o próprio Salésio Teodoro Nalyambipano, mais tarde vice-ministro da segurança-Snasp e co-autor moral e material dos fuzilamentos sumários de M’telela. Na fuga, Fonseca foi acompanhado de Fanuel Malhuza, Atanásio Kantelu e pelo Diácono Sithole. O grupo que fugia de Ruarua conseguiu depois transpor a “barreira Tanzânia”, em que Mahluza por diversas vezes ludibriou a vigilância do regime de Nyerere, afirmando-se, ele e os restantes, como refugiados malawianos, fugidos do terror de Banda, expressando-se para tal em ciNyanja. O grupo conseguiu dinheiro para custear a viagem de machimbombo em direcção ao Quénia através da venda de um rádio portátil oferecido a Fonseca por um cidadão alemão em Dar-es-Salam. Fonseca travara conversa com o alemão, que estava sentado a seu lado quando ambos assistiam a uma partida de futebol num estádio da capital tanzaniana. Posto ao corrente do dilema de Fonseca e dos seus compatriotas, o cidadão alemão ofereceu o rádio pois era tudo o que tinha de valor em sua posse.

Em liberdade, Artur Janeiro da Fonseca viria a denunciar na imprensa alemã a experiência por que tinha passado, e a vivida pelos restantes e por vários outros antigos estudantes moçambicanos sumariamente presos à chegada aos aeroportos moçambicanos, vindos do exílio logo a seguir à independência e que o regime da Frelimo havia encorajado a regressar com a promessa de que as disputas do passado eram para esquecer. O autor de “Participei, por isso testemunho” escamoteia esta realidade amarga no capítulo dedicado à “União Nacional dos Estudantes Moçambicanos (UNEMO) e a luta patriótica” (pp 165-176).
In: Canal de Moçambique n° 868, pp.18, 19 – 31.03.2010