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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

16 novembro 2012

MUKHERO, A ARTE DO CONTRABANDO EM MOÇAMBIQUE


MUKHERO, A ARTE DO CONTRABANDO EM MOÇAMBIQUE
Muitas mulheres moçambicanas ainda recorrem ao contrabando de produtos dos estados vizinhos para sustentarem as famílias. Comércio informal transfronteiriço – assim se designa o seu trabalho – ou simplesmente mukhero. Emília vai hoje à Suazilândia buscar carne de porco. Acácio – o amigo – também vai e Janine – a vizinha que aproveita a boleia para se iniciar no negócio da carne. Na viagem de Maputo até à fronteira de Namaacha, e para lá da linha que separa Moçambique da Suazilândia, os três encontram ainda Humberto, o homem que lhes troca meticais moçambicanos por rands sul-africanos, que, como moeda forte na região, são necessários para as compras; Sandra, a mukherista profissional; e Raimundo, que diz ser bandido há já dez anos. É ele quem carrega a carne pela fronteira e paga aos funcionários da alfândega para que estes fechem os olhos ao que por lá se passa. O contrabando de bens dos países da região terá começado em força no período que se seguiu à independência de Moçambique, em 1975, e sobretudo durante a guerra civil, a partir de 1976. Como nessa altura a população que vivia junto da fronteira não podia deslocar-se até Maputo para se abastecer devido aos riscos que correria, importava bens alimentares da Suazilândia. Mais tarde, juntaram-se mulheres que chegavam da capital, Maputo. Eram viúvas, divorciadas ou mães solteiras e até mesmo mulheres casadas. Ainda hoje, são estas mulheres e outras mais jovens nas mesmas condições que encontram no comércio informal transfronteiriço, o mukhero, uma alternativa para começar a sua vida ou garantir o aumento de renda das famílias. Tudo com a ajuda de homens como Raimundo. Marta Barroso numa viagem de Maputo até à Suazilândia.Escuta  a reportagem: 9131BE69_1-podcast-3058-6497116.mp3 

15 novembro 2012

FRELIMO ANUNCIA EQUIPA QUE VAI NEGOCIAR COM DHLAKAMA


FRELIMO ANUNCIA EQUIPA QUE VAI NEGOCIAR COM DHLAKAMA

Um comunicado da comissão política do partido Frelimo, enviado ao Canalmoz, anuncia que este partido criou uma comissão que irá negociar com a Renamo para chegar a um consenso sobre as reivindicações que levaram Afonso Dhlakama a se mudar de Nampula para as matas de Gorongosa.
“Tendo a Renamo manifestado interesse no diálogo, a FRELIMO decidiu criar uma Comissão para debater as questões que aquele partido apresentar. A Comissão é constituída pelos seguintes camaradas: Afonso Meneses Camba; Manuela Mapungue; Yolanda Matsinhe; Renato Mazivila”, é o que se pode encontrar de essencial no comunicado da Frelimo que também, “exorta o povo moçambicano, a continuar a participar activamente na consolidação da Unidade Nacional, da Paz e da Harmonia, factores fundamentais na Luta Contra a Pobreza”. 

In: http://www.frelimo.org.mz/
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RENAMO DESVALORIZA COMISSÃO NEGOCIAL DA FRELIMO


COMPOSTA POR QUATRO ILUSTRES DESCONHECIDOS DO PARTIDO GOVERNAMENTAL
A Renamo estará a desvalorizar a comissão recentemente anunciada pela Frelimo para diligenciar em torno do dossier Gorongosa e parece já estar a elevar a reivindicação, reclamando agora contacto com uma representação do Governo e não do partido governamental, alegadamente para evitar a repetição de “rasteiras” anteriores. A Frelimo anunciou esta semana a criação de uma comissão composta por quatro elementos – Afonso Meneses Camba, Manuel Mapungue, Yolanda Matsinhe e Renato Mazivila, num aparente esforço para tratar das reivindicações apresentadas pela Renamo. “Ainda não há contactos com esse grupo e provavelmente não vai haver porque nós não queremos falar com o partido Frelimo, mas sim com o Governo. Já nos pregaram partidas anteriormente e não queremos repetir isso”, afiançou-nos a fonte, reclamando anonimato, depois de referenciar os nomes das pessoas envolvidas nos contactos em representação de ambas partes.Fonte do partido de Afonso Dhlakama disse ao Correio da manhã estarem em marcha contactos com organizações regionais e internacionais, designadamente a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Contactos em JHB
O nosso informante precisou terem ocorrido contactos com o Secretário Executivo da SADC numa das salas VIP do Aeroporto Internacional ORTambo, em Joanesburgo (África do Sul) “há sensivelmenteduas semanas”, tendo como contra-parte três quadros séniores da Renamo.Revelou ainda haver diligências do Conselho Cristão de Moçambique, “ao mais alto nível”, que pretende deslocar-se a Gorongosa, para interagir com Afonso Dhlakama, o que “deverá acontecer dentro em breve”.
Queima de tempo?
Observadores acreditam não existir vontade séria das duas partes em dialogar, mas simples “queima de tempo” para se preparar para a luta.Do lado da Renamo constam relatos da ida às bases “espalhadas um pouco por todo o país” de “centenas de jovens” e antigos guerrilheiros interessados em combater debaixo da bandeira da perdiz, enquanto do lado do Governo também se diz que está a concentrar forças e meios letais próximo do local onde se crê estar Dhlakama e seus principais comandos.Na Europa circularam no início desta semana informações que carecem de verificação de que o Governo moçambicano estaria a negociar com a Rússua a compra de seis helicópteros tipo ANSAT, supostamente para equipar um tal “Destacamento Aéreo Presidencial”.

In: CORREIO DA MANHÃ – 16.11.2012



13 novembro 2012

ENTREVISTA - CINEASTA JOSÉ CARDOSO: PARA FAZER CINEMA É PRECISO VER


ENTREVISTA - CINEASTA JOSÉ CARDOSO: PARA FAZER CINEMA É PRECISO VER
Cineasta Jose Cardoso

Fascínio e curiosidade moveram-me durante meses, até que, em Outubro, me sentei diante desse homem de 82 anos, cuja obra tem sido várias vezes relembrada nos últimos tempos. Chama-se José Cardoso e o seu nome está para sempre ligado à história de Moçambique, como o mais antigo cineasta, o 1º a internacionalizar o nome do país através da imagem e a granjear-lhe reconhecimento e prémios.

-“Sou uma pessoa muito íntegra. O que à minha volta se apresenta como uma injustiça flagrante revolta-me!”
Foi assim que iniciámos uma conversa franca, recheada de memórias e sorrisos, numa manhã fresca de Maputo. Rodeava-nos o seu ambiente familiar, o aconchego do seu dia-a-dia feito de recantos e objectos que contam uma vida, presenças e vozes que denotam intimidade, espírito de união e ternura, ingredientes que garantem a qualquer ser, longevidade e espaço para pensar e criar.
Cada uma das suas frases desenhou desde logo os contornos do cidadão atento e alerta, que transpôs para a tela, com cuidadoso sentido cinematográfico, mensagens humanas límpidas e sem artifícios estéticos, nem retóricos. Mas, mais do que da obra, era do homem e do seu percurso que eu queria falar. Conhecer o de hoje, para reconhecer o de ontem. Mapear a vida para assinar a obra.
Por isso, avancei com uma 1ª questão que o fez sorrir:
- Como vê a sua carreira, assim, nesta fase da vida?
-Olhando para trás, para a minha carreira de cineasta, vejo-a com certa nostalgia. Pelo que me deu, e pelo que sonhei com ela e não consegui concretizar. Mas também com uma certa revolta. Não pelo sonho do cinema, mas pelo que esperava que me desse e não deu. As dificuldades financeiras de hoje são resultado disso. Cheguei a esta idade, esperei 20 anos por uma reforma, e ainda não está resolvida. O cinema deu-me muitas alegrias, mas no final também desencanto, tristeza e raiva.
- Como imagina que seria, se fosse hoje?
-Se tivesse autonomia financeira, queria que fosse brilhante, porque são inúmeras as ideias para filmes, que queria fazer. Naquele tempo, fi-los no cinema amador. Se fosse hoje, sem financiamento, fazer um filme seria difícil, até porque eu não aceitaria pressões políticas, nem que o dinheiro viesse de ONG’s para fazer temas de encomenda. Quero dizer, os meus pensamentos são livres e sem sujeição a pressões.
- Como é chegar até aqui e não parar de ter ideias e projectos sempre novos?
-Mais do que anos de idade, o que tenho são ideias e energia mental. O que eu queria era continuar agarrado a uma máquina de filmar e fazer filmes. Mas é um trabalho cansativo e, por isso, hoje ponho essas ideias no papel. Há anos que o faço. E, apesar de alguns problemas me desanimarem ultimamente, luto contra isso, e essa luta ajuda-me.
- O reconhecimento de então e o que recebe hoje são diferentes?
-O reconhecimento do público naquele tempo era muito bom. ‘O vento sopra do norte’, por exemplo, creio que foi o filme que maior audiência teve, em Moçambique, 100 mil espectadores em ano e meio de exibição.


Públicos e políticas culturais públicas

- O público dessa época e o de hoje são diferentes. Agora parece mais ausente e desinteressado?
-Naquela altura, mesmo assim, havia sempre público. Hoje, não tenho como aferir, mas pelo que me parece, talvez haja menos mas mais selectivo. O resto não vai ao cinema e isso é muito preocupante. Parece haver uma apatia geral. Ora, como os jovens são os futuros dirigentes deste país, parece que o futuro está hipotecado.
- Os cineclubes tinham uma função social agregadora, por que será que hoje não vingam?
-Os cineclubes fazem falta para cultivar o gosto pelo cinema e pôr o público a debater, despertando-lhe a capacidade de análise crítica. Naquele tempo, um cineclube era uma escola, aqui como em muitos países. É uma actividade que precisa ser revitalizada. Em Moçambique, o 1º a surgir foi o Cineclube da Beira, que até foi considerado o 2º mais importante do mundo português, quer em qualidade de filmes exibidos, quer em número de sócios.
- Já noutra época, o Kuxa Kanema teve uma função que foi muito bem aceite. Mas hoje, a sua réplica parece ter menos adesão. Estará o público cansado?
-O Kuxa Kanema era uma jornal de actualidades, mas nasceu e cresceu numa época revolucionária, levando às pessoas a notícia do que se passava no país, mas também uma boa dose de propaganda política do partido único, e era bem aceite porque toda a gente estava grata pela mudança verificada, e havia esperança no ar. Embora houvesse dificuldades em se ver Moçambique como um país uno, havia muita aceitação e, portanto, teve sucesso.
- O que faria para educar e criar novos públicos?
-A quebra na existência de público está assente na pobreza e na preguiça mental. Por isso, tem de haver projectos de formação relativamente à imagem. É urgente fazer-se formação e preparação das pessoas. Aliás, devia ser feita em todas as áreas e começar logo na escola. Deviam ser expostos ao cinema desde cedo, em ambiente escolar. Mas, ao contrário, as pessoas estão a ser contaminadas pelas novelas, que não exigem raciocinar.

Cineastas e fazedores de cinema

- Naquela época, os cineastas eram uma geração unida. Agora, é o salve-se quem puder. O que considera que motivou isso?
-Quando temos a barriga cheia, temos facilidade de agir, mas quando passamos dificuldades, tudo é mais difícil. As pessoas passam a olhar mais para o seu umbigo, procurando soluções para os próprios problemas. Nesse tempo, havia rivalidade, mas era uma rivalidade saudável - entre Beira e Lourenço Marques, por exemplo. Porque a maioria dos cineastas tinha uma certa cultura intelectual e havia alguma preocupação com o que se passava no mundo. Hoje, impera o egoísmo, as pessoas são pouco solidárias com o que se passa à sua volta e no mundo, e isso é muito mau. Os cineastas estão dispersos pela televisão, ou com suas empresas. Cada um tem um universo para gerir e ideias que não partilha. Procuram as coisas ao seu modo. A unidade que havia à roda de um projecto nacional, morreu.
- Parece-lhe que fazer filmes por encomenda faz sentido?
-Creio que não é só por ser mais fácil. Os que o fazem também têm sonhos como eu, mas fazem-no porque é o modo mais simples e o único de ‘ir fazendo’. É melhor que nada. Submetem-se. Têm um pouco a sensação de estar a fazer cinema. Mesmo numa temática obrigatória pode-se sempre pôr o nosso cunho pessoal e a nossa sensibilidade.
- Como vai, então, ser o caminho? Pela encomenda temática?
-Não é fácil. Se houvesse uma política de apoio, os cineastas podiam, pelo menos, voar!
- Que tipo de apoios?
-Criar-se, por exemplo, um Fundo de apoio ao cinema e aplicarem-se verbas oficiais a propostas de projectos candidatos.
- E a selecção, quem a faria?
-Um júri formado por cineastas não no activo e por cineastas em actividade mas que não concorressem, além de intelectuais, escritores e outros.
- O apreço do público, existente aqui em Moçambique, pelo género documentário, parece estar a decair um pouco, em benefício da ficção, coisa que não sucede no resto do mundo, onde os festivais de documentário proliferam. Por que será?
-O documentário, mesmo que se limite a imagens reais, obriga a pensar e, aqui em Moçambique, há tendência para não se apreciar esse exercício mental. Essa é a causa de vingar a ficção, com a qual é só fruir e tirar algum benefício emocional com isso. O mesmo se passa com a leitura. É através dela que conhecemos o mundo e a nós próprios, mas aqui não se lê…

O campeão de xadrez

José Cardoso é um homem multifacetado, arguto e perspicaz. Isso explica, em parte, que seja tão exímio no xadrez, modalidade de que foi campeão e que continua a praticar. Diz ele que lhe dá calma e distanciamento.
- Ser cineasta e campeão de xadrez. Ambas as funções jogam com o raciocínio do outro. Qual é que o estimula mais?
-As duas me estimulam. O cinema permite-me voar, enquanto o xadrez é mais dirigido, mas exige muita perícia. Hoje, como saio menos de casa para encontrar parceiros, jogo no computador, e jogo com o nível 10, mas é um nível fraco para mim. Quando estou cansado, uso o xadrez para me distanciar e distrair. Dá-me tranquilidade. Uma partida pode durar 4 horas – é uma luta estratégica, um grande exercício de memória. É preciso analisar o outro e ter muita calma e disciplina mental. Quando vivia na Beira, o xadrez tinha outra função, é que nós encontrávamo-nos num clube para discutir a situação política, e a capa era o xadrez. A PIDE pôs lá um ‘fraquezas’ para nos espiar, mas nós ali fazíamos uma espécie de laboratório para se ‘analisar’ e recrutar pessoas. Foi lá que acabei por me apaixonar pelo xadrez.  






Um ávido escritor

- O cinema é uma forma de intervir, mas o José Cardoso também escrevia. Essa vontade de ‘dizer’, por imagens e palavras, ainda o domina. O que o motivava a isso? O que o motiva agora?
-Sim, intervinha muito! Este livro que estou a terminar agora é muito político. Preocupo-me e critico em relação ao passado. É um conjunto de 3 contos. Mas tenho um romance que está pronto, intitulado ‘Butterfly, o guerrilheiro’ e estou a acabar de escrever as minhas memórias ‘Memorandos da Vida-memórias e reflexões’, que é uma autobiografia crítica. Mas tenho outros livros já publicados.
- O que gostava de ter feito se não tivesse feito nada disto?
-Teria bisado. Gostava de ter feito exactamente o mesmo. As motivações não mudaram.
“Como vê a sociedade e a arte em Moçambique, e o percurso que o país tem feito?”
-Antigamente era um país muito intelectualizado, mas uma elite. Depois da Independência ficou mais generalizado, embora com alguma preocupação de usar as artes para a revolução, em detrimento da ‘arte pensada’. Depois começou um certo amadurecimento em termos artísticos. Surgiram outros valores que nunca foram recusados. Hoje há uma melhoria, uma nova postura. Há mais atenção aos problemas sociais, em denunciar o que está mal.
- Se fosse político o que faria para mudar o estado de coisas?
-Varria todos os políticos e abria uma escola para formar bons e novos políticos.
- Os novos cineastas lutam com os mesmos dilemas de antes – falta de recursos; não apoio oficial; onde exibir; pouco reconhecimento do mérito. Apesar disso, eles não se unem, e quase se prejudicam deliberadamente uns aos outros, por um lugar ao sol. Acredita que isto é alterável?
-Acho que a Amocine devia ter uma postura mais enérgica, dinâmica e crítica, para agitar as poeiras e tirar delas algo de bom. A tendência é entrar-se com força, mas a força acaba acomodatícia. A associação e os próprios cineastas devem ser mais pró activos e também mais críticos. O bajulamento é um hábito que se está a instalar. A formação pode contrariar o estado de coisas. Mas tem de ser coberta e debruçar-se sobre essas questões. Formação só pelo papel, não leva a nada. Mas, se mudar os valores, então sim.
- Que filme faria hoje, se a oportunidade surgisse?
- Um filme de denúncia. Acreditou-se num projecto que nos foi proposto e o que se vive está longe disso. O filme seria de denúncia da mentira, baseado em algumas pequenas histórias dos livros de contos. Eu escrevo da mesma maneira com que faço os filmes.
- Por que parou de fazer filmes?
-Deixei de ter forças e substituí-o pela imagem escrita. O computador é agora a minha câmara.
- Como vê a recente onda de reconhecimento que lhe têm prestado? Que sensação?
-A sensação é de que estão a despertar, quando já estou no final da vida. Esse reconhecimento de agora não aconteceu antes. Nessa altura, havia tanto de apoio por parte de alguns colegas, como inveja de outros.
- A sua homenagem pelo KUGOMA e pela FLCS-UEM, de que modo as viu?
-Foram muito agradáveis. Serviram para acordar as cabeças para coisas que devem ser feitas e para agitar os jovens criando-lhes a capacidade de pensar no passado e projectar o futuro.
- Veio da Beira para Maputo? Que mudança foi essa? Tem saudades da Beira?
-Em 1970, o então director do INC, Américo Soares, que me conhecia pelos meus filmes e o sucesso por eles obtido, e porque o INC não tinha quadros, convidou-me para o INC. Aceitei e vim com a família para Maputo. Mas, a verdade é que tenho muitas saudades da Beira.
- É um homem de muitas habilidades. Chegou mesmo a ser cantor lírico?
-Sim. Poucos se lembrarão, mas eu era tenor. Fui solista no Orfeão da Beira. Tinha entrado 1º no Grupo Coral do Rádio Clube de Moçambique, depois na Emissora do Aeroclube da Beira e, finalmente, solista do Orfeão, com o maestro Tomás Firmino.



Zeca Afonso – um amigo e um activista cívico e cultural

José Afonso, o conhecido compositor e cantor de baladas de intervenção é uma referência como cidadão, política e socialmente, não apenas em Portugal. Ele viveu em Moçambique antes e após a exibição do 1º filme do José Cardoso – ‘O Anúncio’, e é autor da canção ‘Vejam bem’, que abre e fecha o filme. Ela parafraseia bem a história, com as suas sequências cheias de originalidade e conteúdo dramático, a que a voz límpida do Zeca transmite bem um sentimento de fraternidade que o filme também clamava.
Em 1971, o Nº 332 do semanário ‘A voz de Moçambique’, relatava que o Zeca vivera aqui e tinha sido muito marcado por essa vivência, ao ponto de quase todas as canções, de alguns dos seus LP’s (discos de vinyl da época), terem sido compostas aqui no país e gravadas em 1ª mão, em casa de amigos.
- Como foi que aconteceu essa canção para o seu filme?
-O Zeca tinha um irmão na Beira, que era membro do cineclube. Ele tornou-se sócio e numa sessão descobriu o meu filme e entusiasmou-se com ele. Quando o filme ficou pronto perguntou-me se podia fazer uma canção. Eu concordei, claro. E ele escreveu e compôs a música numa noite. Em Portugal, houve críticos que pensaram que o filme tinha sido feito sobre a história da canção, mas a verdade é que, ela é que foi composta à medida do filme. E a montagem foi feita logo directamente.
- Ele estava integrado no círculo local?
-Para além do cineclube, a convivência era enorme em casa do Álvaro Simões, que hoje vive na Matola. Faziam-se tertúlias de poesia, música, cantigas. As músicas dele eram muito fortes e causavam muita confusão. Iam para a censura e o censor só aprovava se alterassem certas palavras.
O próprio Zeca dizia: “Em 64-65 estava no meu início de cantor nos meios académicos, infiltrei-me em alguns meios e ia conseguindo dar os meus recados, passar as minhas mensagens. Na Beira, de 65 a 67, fui protegido pelo cineclube local. Ali convivi numa enorme camaradagem e solidariedade. Aquilo era uma ’colónia’ dentro da colónia e percebi a intensa actividade que eles desenvolviam”. E recordava uma cena relativa ao censor de serviço – “Havíamos planeado representar Bertold Brecht e até incluía fados e guitarradas de Coimbra. O censor, que também fazia parte da representação, resolveu ‘cortar’ o texto de Brecht e até reescreveu à margem, modificando o texto. Então eu declarei que sem o texto do Brecht não cantaria fados nenhuns. Como o censor era também actor, acabou cedendo”.
Foi assim, que Brecht foi representado pela 1ª vez no ‘império colonial’, musicado pelo Zeca Afonso, que compôs 5 canções para a representação da peça “A excepção e a regra”. O Zeca foi impedido de permanecer em Moçambique quando, em 1972, tentou visitar o país. 
  • Gabriela Moreira - Colaboração

notícias Maputo, Quarta-Feira, 14 de Novembro de 2012




IDEIAS - LIVRO CRENDICE OU CRENÇA DE JUVENAL BUCUANE: QUANDO OS MANES ANCESTRAIS SE TORNAM DEUSES


IDEIAS - LIVRO CRENDICE OU CRENÇA DE JUVENAL BUCUANE: QUANDO OS MANES ANCESTRAIS SE TORNAM DEUSES
Juvenal Bucuane, escritor moçambicano
O respeitável e amigo, Juvenal Bucuane, perguntou-me se teria disponibilidade para ler histórias suas, que pretendia publicar em livro. Sem hesitar, respondi afirmativamente, pois, ser um dos primeiros leitores constitui um privilégio.

Dias depois do contacto, recebi o exemplar intitulado Crendice ou Crença – Quando os manes ancestrais se tornam deuses. Impelido pela curiosidade, que é congénita no Homem, pus-me me a folhear o volume. A seguir à ficha técnica, deparei-me com a palavra Prefácio, estampada no topo da página. Na página seguinte, estava gravado o meu nome, o que deixava bem clara a minha segunda missão: prefaciar o livro. Confesso que, a partir desse momento, invadiu-me um misto de sensações: ora o fascínio pela eleição para leitor de um inédito, ora o nervosismo face aos desafios que me impõe a tarefa de “parir” um prefácio. É, sim, um parto, por requer caminhos tortuosos. Trata-se, sobretudo, de encontrar o que dizer, o Inventio, como sabiamente ensina Aristóteles. A resposta a esta preocupação veio-me sob a forma de duas questões inquietantes: um Prefácio, o que é? Para que serve? Perante as interrogações, não resisti ao prazer de citar o venerado professor e estudioso da Literatura, Francisco Noa: “os títulos, os subtítulos, as epígrafes, as advertências, os glossários, os prefácios são unidades discursivas paratextuais que, enquanto verdadeiros adjuvantes leiturais, impõem-se como chaves para a descodificação da mensagem, remetendo para a significação global do texto.” (Noa, 2002: 369-378).
Uma vez resolvida a inquietação em torno do termo prefácio, tomei os paratextos (títulos e subtítulos) como elementos estruturantes deste adjuvante leitural de Crendice ou Crença – Quando os manes ancestrais se tornam deuses.
1. O título: Crendice ou Crença – remete para o domínio psicológico oscilatório de Nfezi e Tonina, protagonistas da acção. Oscilação entre o absurdo e o verdadeiro, um misto de sensações, filtradas quer nos diálogos e/ou monólogos, quer no discurso do narrador. No título está sintetizada a actualização de um imaginário sócio cultural híbrido, fruto de séculos de contacto e de contaminação mútua entre povos diversos. 
2. Os subtítulos: Quando os manes ancestrais se tornam deuses – os manes, essas almas dos mortos considerados como divindades entre os romanos, esses deuses infernais do paganismo, dominam o subconsciente de Nfezi e Tonina.  Com efeito, as sucessivas investidas do  casal Mbelele, com vista à explicação e solução dos problemas que abalam a sua família, passam pela referência aos espíritos ancestrais, seja sob a forma de crendice (crença absurda ou ridícula) seja por força da convicção e fé religiosa (crença). A incontornabilidade dos manes, na vida e destino dos Mbeleles, atinge os píncaros da transcendência quando aqueles se transformam em autênticos deuses, esses seres  superiores ao Homem que, num reconhecimento tácito de politeísmo, tanto os venera. Isto é, os manes comandam a visão do mundo do casal Tonina e Nfezi. Porém, uma visão fissurada, pois, deixa passar marcas de outras mundividências. Eis, por exemplo, a resistência, numa fase inicial,  de Nfezi  em consultar os adivinhos: “ – Foste a uma mungoma! Que mungoma?! Sabes que não gosto dessas coisas, isso não faz parte da minha vida. – indignou-se, Nfezi”.
3. Outros títulos e subtítulos: a história é contada em sete capítulos, numerados e encimados por títulos. Exemplos: 1) “Tonina surpreende Nfezi Mbelele”. Um título ou a prenunciação do retrato de uma mulher detentora do pulso de liderança familiar? “Tonina, uma mulher batalhadora quando a causa era seu reduto familiar.”  É, sem dúvida, uma nova realidade em que uma mulher, valendo-se do poder da palavra, coloca em causa a hegemonia tirânica do homem, convencendo Nfezi, seu esposo, a consultar os magos. Desta forma, Juvenal Bucuane surpreende ao trazer uma focagem virada para o presente, ao invés do resgate do passado distante, que se tornou lugar comum, na escrita literária moçambicana. 2) “Blindagem ou a inexpugnabilidade do corpo e do espírito”. Assim apresentado, o título acentua o carácter oscilatório que domina o universo psicológico das personagens. Ou seja: por um lado, a crendice na magia dos magos, por outro lado, a crença verdadeira na invencibilidade do corpo e da alma. 3) “Os tambores rufaram noite adentro”; “Kufemba – o exorcismo dos espíritos”; “A evasão do xipoko”; “A sucessão dos rituais”; “Como se transmite vuloyi”. Seleccionei estes títulos, por duas razões: a primeira tem a ver com o facto de todos e cada um deles sumariar o relato que se lhe segue, ao mesmo tempo que cumpre uma função instigativa para o leitor. A segunda decorre da vertente interpretativa. Com efeito, os títulos em apreço, ao abrigo do tom neutral e por vezes irónico e indagatório em que aparecem, fazem um apelo a uma reflexão sobre questões ligadas aos espíritos dos mortos (?), feitiçaria e curandeirismo. São, pois, indagações que ora se verificam no quotidiano empírico-social das comunidades, ora elaboradas nas histórias contadas à volta da fogueira, ora recriadas através da sagrada escrita por escribas como Edgar Nasi Pereira, em Mitos, Feitiços e Gente de Moçambique: Narrativas e Contos; Aldino Muianga, em Mitos (histórias de espiritualidade); Aníbal Aleluia, em Contos Fantásticos; Ungulani ba ka Khosa, em “Exorcismo”, só para citar alguns nomes, da extensa lista de participantes (alguns anónimos) na (re)invenção da nossa mbenga cultural.  
  • Aurélio Cuna

notícias Maputo, Quarta-Feira, 14 de Novembro de 2012

DOCUMENTÁRIO SOBRE A MACONHA ( COM LEGENDA EM PORTUGUÊS)

DOCUMENTÁRIO SOBRE A MACONHA ( COM LEGENDA EM PORTUGUÊS)

O vídeo mostra-nos uma breve história da maconha

UMA FOTOGRAFIA COM HISTÓRIA


UMA FOTOGRAFIA COM HISTÓRIA

Presidente Joaquim Chissano e Vladimir Novoselov (mecânico de bordo do Tupolev 134-A que despenhou em Mbuzini)


A imagem que aqui se reproduz foi publicada na primeira página do diário «Notícias» de Maputo. A edição é de 6 de Novembro de 1986. Como se lê na legenda, o Presidente Joaquim Chissano está sentado ao lado de Vladimir Novoselov, Mecânico de Bordo do Tupolev 134-A, que se despenhara em Mbuzini cerca de duas semanas antes, com o Presidente Samora Machel a bordo. Segundo a reportagem do «Notícias», Chissano havia-se deslocado à Missão Comercial soviética em Moçambique para apresentar cumprimentos de despedida a Novoselov no mesmo dia em que este partiu para Moscovo.
Para a maioria dos leitores, a partida de Novoselov, a 5 de Novembro, não tinha significado especial. À primeira vista, tratava-se do regresso de um cooperante ao país de origem, se bem que em circunstâncias diferentes dos demais.
Cerca de 10 anos mais tarde, porém, a saída de Novoselov adquiria outros contornos.
Em 2007, Jacinto Veloso, ex-ministro da segurança e ex-membro do Bureau Político do Partido Frelimo, publicou em Maputo «Memórias em Voo Rasante». No livro, Veloso revela que quando elementos da comissão moçambicana de inquérito quiseram interrogar Novoselov, o pessoal da segurança da embaixada da URSS impediu-os.
Foram alegadas razões médicas óbvias e até houve a promessa de que, quando o tripulante estivesse recuperado e fora do estado de choque, a parte moçambicana poderia entrevistá-lo.”
Veloso, que era membro da Comissão de Inquérito nomeada pelo governo moçambicano para investigar as causas do acidente de Mbuzini, acrescenta que “dois ou três dias depois, um dos membros da comissão de inquérito foi ao hospital para saber como estava o tripulante.
Com enorme espanto, constatou que o pessoal da embaixada já o havia evacuado para Moscovo.
A Comissão de Inquérito de Moçambique protestou e pediu para ir a Moscovo falar com o tripulante, mas a embaixada informou que isso não era aconselhável e que as autoridades soviéticas iriam fazer o inquérito e transmitir as respostas às questões colocadas pela parte moçambicana.”
A concluir, Jacinto Veloso afirma que “até hoje, pelo que sei, a parte ex-soviética não transmitiu qualquer informação sobre o assunto. Haveria algo a esconder ou tratou-se de simples negligência?”
Nos finais de Novembro e princípios de Dezembro de 1986, encontravam-se em Moscovo, como parte das investigações do acidente de Mbuzini, peritos moçambicanos e sul-africanos. Apresentaram à parte soviética um pedido formal em nome das delegações do Estado de Registo da aeronave sinistrada (Moçambique) e do Estado de Ocorrência do acidente (África do Sul) para que fosse organizada uma entrevista com Vladimir Novoselov.
Os soviéticos impediram uma vez mais que Novoselov prestasse declarações, alegando não haver meios para levar os investigadores a Leninegrado, a cerca de 400 km de Moscovo.
Não era a primeira vez que Moscovo escondia provas no âmbito de investigações de acidentes aéreos. Três anos antes do acidente de Mbuzini, um Boeing 747 das Linhas Aéreas Coreanas (KAL), que seguia de Nova Iorque para Seul, era abatido por um Su-15 soviético por ter penetrado uma zona proibida do espaço aéreo da União Soviética.
De início, as autoridades de Moscovo negaram ter conhecimento do caso, mas mais tarde admitiram ter abatido o avião por alegadamente encontrar-se em missão de espionagem.
Não foi possível aos investigadores da ICAO determinar com exactidão as circunstâncias do desastre pois não haviam conseguido encontrar as caixas negras do Boeing 747 sul-coreano. Estas já haviam sido recolhidas pela marinha de guerra soviética no fundo do Mar da Japão, mas disso as autoridades da URSS não informaram a ICAO, nem o país de registo do avião abatido.
Nove anos mais tarde, já depois do colapso da União Soviética, o presidente russo, Boris Yeltsin, entregou ao governo da Coreia do Sul as caixas negras do avião. Na altura, Yeltsin divulgou cinco memorandos, com a classificação de «Muito Secretos», contendo comunicações do chefe da KGB, Viktor Chebrikov, e do Ministro da Defesa, Dmitriy Ustinov, para o secretário-geral do PCUS, Yury Andropov. Os memorandos recomendavam que a descoberta das caixas negras fosse mantida secreta uma vez que os dados delas extraídos não corroboravam a alegação soviética de que o Boeing 747 da KAL encontrava-se em missão de espionagem no momento em que havia sido abatido.
A decisão do governo soviético de não permitir que Vladimir Novoselov prestasse declarações a membros das comissões de inquérito moçambicana e sul-africana, tem uma explicação: Novoselov era a testemunha inconveniente, a testemunha idónea dos erros flagrantes cometidos por ele e pelos colegas que tripulavam o avião e que viriam a causar o desastre de Mbuzini; uma testemunha que não podia corroborar a existência do VOR falso, desde o início inventada pela União Soviética como forma de lavar as mãos de um acidente da exclusiva responsabilidade de uma tripulação que Moscovo havia fornecido ao Estado moçambicano.
Uma tese que nem sequer conjugava com as constatações dos investigadores da comissão de inquérito moçambicana, mas que seria avalizada pelo poder político em Moçambique: esse mesmo poder que foi cúmplice na ocultação de provas, permitindo que uma testemunha chave do acidente – o Mecânico de Bordo – partisse de Maputo para Moscovo quando sabia de antemão que ela era solicitada a prestar declarações à Comissão de Inquérito que ele próprio havia nomeado.
Está-se, pois, perante uma cabala envolvendo, ao mais alto nível, o poder político em Maputo, incluindo o actual Presidente da República, Armando
Guebuza, indigitado em Outubro de 1986 para encabeçar a Comissão de Inquérito moçambicana.
Uma cabala que o regime tem vindo a promover desde a primeira hora através da AIM, que segundo uma tese académica de Yvonne Clayburn (Soviet disinformation strategy as applied to Samora Machel death crash), agindo em consonância com o aparelho de propaganda soviético. Para melhor entender os contornos da cabala, é imprescindível a leitura de um outro livro de memórias, este da autoria de Sérgio Vieira, igualmente membro dessa Comissão de Inquérito e que à altura do acidente de Mbuzini era ministro da Segurança (SNASP).
A páginas 49 do livro, «Participei, por isso testemunho», fazendo tábua rasa da prova documental da saída de Novoselov de Maputo para Moscovo, tal como vem estampada na primeira página do «Notícias», diz o autor ao referir-se ao Mecânico de Bordo que havia sobrevivido ao acidente:
“Na saída do tripulante soviético para a URSS directamente da África do Sul, onde esteve hospitalizado, em nada houve envolvimento moçambicano, acordou-se entre as autoridades médicas soviéticas e sul-africanas.” E a rematar o exercício de desinformação, pergunta Sérgio Vieira: “Estariam os dirigentes de Pretória em conivência com Moscovo?”
Segundo o jornal «The Star» de Joanesburgo, edição da tarde de 29 de Outubro de 1986, Vladimir Novoselov, acompanhado da esposa, Nadejna Novoselov, e de um médico, seguiu para Maputo num voo regular da LAM que partiu do Aeroporto Internacional de Jan Smuts pelas 10h15 da manhã do mesmo dia.
A chegada de Novoselov a Maputo foi confirmada pelo «Notícias» na edição do dia seguinte.
A esposa de Novoselov havia chegado a Pretória no dia 22 de Outubro, tendo aparecido em público acompanhada de Nikolai Karpenko, segundo secretário da Embaixada da União Soviética em Maputo.
Funcionários desta embaixada, enviados a Pretória, impediram que membros da Comissão de Inquérito sul-africana entrevistassem, livremente, o tripulante soviético. 

Canal de Moçambique – 07.11.2012


“QUEREMOS DIZER A GUEBUZA VOCÊ COME BEM, NÓS TAMBÉM QUEREMOS COMER BEM”


- Afonso Dhlakama em entrevista à Agência France Press (AFP)

Maputo (Canalmoz) – A partir de Gorongosa, Afonso Dhlakama concedeu entrevista à uma das maiores agências de notícias do mundo, a AFP (Agence France Press) onde pela primeira vez desde que recolheu para as matas de Gorongosa, disse que está disposto a retornar a guerra.
“Eu preparo homens e, se for preciso, sairemos daqui e destruiremos Moçambique”, disse Afonso Dhlakama na entrevista que concedeu “em exclusivo” à AFP.
Na mesma notícia, Dhlakama é citado a dizer que “nós queremos dizer a Guebuza que você come bem. Nós também queremos comer bem”, numa alusão à partilha equilibrada da riqueza.
Aliás, a notícia da AFP, cujo título é “Ex-líder guerrilheiro ameaça voltar a pegar em armas em Moçambique”, inicia destacando que Dhlakama quer lutar pela partilha da riqueza do País que está a ser abocanhada pela Frelimo.
“O ex-comandante da guerrilha moçambicana Afonso Dhlakama ameaçou nesta segunda-feira retomar a luta armada para combater o governo da Frelimo, acusando a formação de se apoderar de todas as riquezas do país”, é assim como inicia a notícia.
Recorde-se que há duas semanas, um dos mais temidos estrategas de guerra ainda vivo em Moçambique, o general Hermínio Morais, concedeu entrevista o semanário Canal de Moçambique onde afirmou que a decisão de Dhlakama ir se alojar em Gorongosa não é uma decisão política, mas sim uma decisão militar tomada pelos ex-guerrilheiros da Renamo. (Redacçao/AFP - http://www.afp.com/pt/node/672347)


12 novembro 2012

OS ESQUEMAS DAS EMPRESAS FANTASMAS DAS ELITES DA FRELIMO*


OS ESQUEMAS DAS EMPRESAS FANTASMAS DAS ELITES DA FRELIMO*

Por Centro da Integridade Pública


Maputo (Canalmoz) - A corrida ao empreendedorismo por parte da elite política e económica nacional encontra-se no seu auge: diariamente acedemos a informações dando conta do surgimento de mais um empreendimento ou possível investimento económico por parte deste grupo privilegiado.
Recorrendo à Base de Dados de Interesses Empresariais como uma ferramenta útil da divulgação dos interesses empresariais da elite política, o Centro de Integridade Pública (CIP) saiu à rua ao encontro dos endereços físicos de algumas das empresas que constam na mesma e que possuem as suas sedes sociais devidamente identificadas no Boletim da República (BR) no acto da sua publicitação, como também procuramos estabelecer contacto telefónico recorrendo à lista telefónica da Empresa Telecomunicações de Moçambique, EP.

Aires Ali

A primeira sociedade que procuramos contactar foi a “Futuro Investimentos, SA (FUI, SA) ” que tem na sua estrutura accionista o ex-Primeiro-Ministro Aires Ali, segundo o BR nº 49, III Série, 4º Supl. De 15 de Dezembro de 2009 – pág. 1106 –(88). Esta empresa, que tem a data da escritura no dia 4 de Dezembro de 2009, possui a sua sede social na Av. Mahomed Siad Barre nº 821 r/c. No endereço físico referenciado existe uma empresa denominada SERMUNDO cujos colaboradores afirmam estar naquele local há mais de 5 anos e nunca sequer ouviram falar da “Futuro Investimentos, SA”.

Inocêncio Matavel

O BR nº 18, III Série, 2º Supl. de 6 de Maio de 2011 – pág. 426 – (42) apresenta a constituição da sociedade “Imobiliária Pequenos Libombos, Lda.”. A empresa em questão tem como um dos sócios o ex-Presidente do Conselho de Administração (PCA) do Instituto Nacional de Segurança Social
(INSS), Inocêncio António Matavel e tem a sua sede social em Umpala, distrito de Boane, Província de Maputo.
O CIP procurou estabelecer o contacto telefónico com esta empresa, o que não foi possível pelo facto de os seus contactos não constarem da lista telefónica, o que nos obrigou a deslocarmo-nos ao distrito de Boane, mais concretamente à localidade de Umpala de modo a aferir como estão a decorrer as actividades da mesma. No local, ninguém soube informar a nossa equipa de pesquisa acerca da localização desta empresa, tendo as pessoas contactadas se pronunciado no sentido de nunca terem tomado contacto ou lido algo relacionado com a mesma. Um aspecto a tomar em consideração reside no facto de o INSS quando foi dirigido pelo Sr. Inocêncio Matavel ter negociado uma casa para o mesmo e nunca se ter sabido a designação da empresa imobiliária que liderou o processo.

John Kachamila

A sociedade “CCM General Mining, Lda.” cujo anúncio de constituição consta no BR nº 23, III Série, Supl., de 9 de Junho de 2011 – pág. 566 – (9), tem como um dos sócios o Sr. John William Kachamila, ex-ministro dos Recursos Minerais e actual PCA da Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH), empresa de direito privado, detida em 70 % pela companhia pública Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) e em 20 % pelo Estado Moçambicano. Esta sociedade apresenta no BR a sua sede social na Av. Vladimir Lénine nº 130/3. No entanto, a sociedade em causa, tal como as anteriormente mencionadas, não está no endereço físico mencionado e nunca ninguém ouviu falar dela.

Castigo Langa

Ainda na cidade de Maputo procuramos o endereço da “Mozouro Recursos, Lda.”, sociedade cuja data de escritura é de 19 de Abril de 2010, segundo o BR nº 21, III Série, 4 Supl. de 1 de Junho de 2010 – pág. 414 –(54), estando a sua sede social na Av. 24 de Julho nº 1391 R/C. Esta empresa tem na sua estrutura de sócios o ex-ministro dos Recursos Minerais, o Sr. Castigo José Correia Langa. Para não fugir à regra, a Mozouros também não é localizável no endereço físico constante no BR e muito menos na lista telefónica.
Compulsando a lista das empresas que constam da Base de Dados de Interesses Empresariais, poderíamos arrolar muito mais casos de sociedades ligadas a figuras da elite política e económica local que simplesmente são sociedades “James Bond(1)” ou de “mala posta”, não possuindo toda a organização de factores de produção para o exercício de uma actividade económica.

Sérgio Pantie

Um caso por demais elucidativo que pode ajudar a compreender toda uma lógica por detrás da formação destas sociedades pode ser encontrado na Base de Dados em referência, analisando o caso do recentemente eleito pelo 10° Congresso do Partido Frelimo como membro da Comissão Política o Sr. Sérgio José Camunga Pantie, este que no dia 10 de Maio de 2012 junto com mais dois sócios, Zahid Ahmedali Bandali e Fatimabay Amirali Kassamali Malú, constituíram 8 sociedades todas com interesses no sector mineiro, nomeadamente: Greenstone Geo Resources, Lda.; Golden
Globe Exploration, Lda.; Mozim Natural Resources, Lda.; Mozambique Minerals, Lda.; Mozambique Mines, Lda.; Manica Mining Corporation, Lda.; Golden Sands Minerals Lda.; Africa Exploration, Lda.
Na cidade de Nampula percorremos a Avenida Paulo Samuel Khamkhomba, endereço que consta no BR nº 21, III Série, de 23 de Maio de 2012, como sendo a sede social destas empresas. Como se afigurava impossível a localização das mesmas, deslocamo-nos à Direcção Provincial dos Recursos Minerais, mais concretamente aos serviços de cadastro mineiro, sendo que no local fomos informados que nenhuma destas empresas se encontrava registada, o que não poderia acontecer se elas já estivessem a operar, uma vez que, segundo a informação que nos foi possível recolher, é função desta direcção, após o registo e cadastro das empresas mineiras, conduzi-las ao local onde irão efectuar a prospecção de modo a apresentá-las à comunidade, procedimento realizado de forma a evitar conflitos entre as partes.
Os exemplos acima arrolados podem de certa forma mostrar o padrão de acumulação da elite política nacional, que se encontra intimamente ligada à detenção de licenças em sectores estratégicos para posterior leilão ou partilha com potenciais investidores estrangeiros numa clara estratégia de rent-seeking. (*Título da responsabilidade do Canalmoz)

(1) Sociedades cuja existência se resume na documentação oficial da sua constituição, não possuem escritórios, recursos humanos, materiais e muito menos financeiros para o exercício da actividade económico-empresarial.
Veja na integra o documento: www.cip.org.mz/cipdoc/171_Servi%C3%A7o%20de%20Partilha%20de%20Informa%C3%A7%C3%A3o%20n%C2%BA%2019_2012.pdf