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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

22 fevereiro 2013

Líderes tradicionais influenciam resultados eleitorais – estudo

Líderes tradicionais influenciam resultados eleitorais – estudo

Os líderes tradicionais em Moçambique influenciam o sentido do voto e a participação eleitoral nas zonas onde se encontram, indica um estudo do investigador português João Morgado.
“A influência das Autoridades tradicionais no processo eleitoral em Moçambique” é uma investigação de João Morgado que conclui que os líderes exercem uma “forma de poder muito relevante” e capaz de influenciar os resultados eleitorais e mesmo a afluência às urnas durante processos eleitorais.
“O meu estudo indica o impacto que estas autoridades tradicionais têm nas áreas de influência da Frelimo, mas é muito provável que a mesma coisa se passe em áreas de influência da Renamo. São pessoas que são muitas vezes a única autoridade em muitas localidades”, disse à Lusa o economista João Morgado, da Universidade Nova de Lisboa.
A investigação incide sobre 161 localidades nas regiões de Gaza, Maputo, Cabo Delgado e Zambeze, e estudou 1.154 líderes tradicionais com “poder muito significante em áreas onde não há estradas nem serviços públicos”. A Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), depois da independência, em 1975, decidiu banir as autoridades tradicionais porque considerava estarem ligadas às autoridades coloniais portuguesas que as utilizavam, nas áreas rurais, para a coleta de impostos e para o recrutamento de mão-de-obra. “Por esse motivo, a Frelimo decidiu ilegalizá-los e substitui-los por uma entidade mais integrada no espírito de Estado socialista que eles queriam montar e que se chamavam Grupos Dinamizadores”.
“Isto não resultou bem e os líderes tradicionais nunca deixaram de existir e quando começa a guerra civil, a Renamo começa a utilizar, nas áreas que começa a controlar, os líderes tradicionais, partindo do descontentamento por terem sido ilegalizados como base de apoio”, explica o investigador.
Depois dos acordos de Roma, em 1992, a Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) ainda estava bastante associada aos líderes tradicionais, mas a Frelimo acaba por mudar de posição sobre os líderes tradicionais em 1995, adianta o investigador. “O então presidente Chissano, após uma reunião com líderes tradicionais, diz à imprensa que os líderes tradicionais existem e logo depois é aprovado um decreto-lei que restitui parte dos poderes com a atribuição de um subsídio pela ajuda na coleta de impostos”, diz João Morgado. O estudo indica também os poderes de facto dos líderes tradicionais em localidades isoladas, onde, entre outros, existe inclusivamente a possibilidade de alocação de terras. “No contexto atual, o líder tradicional pode ser um ex-combatente, quer da luta pela libertação quer da guerra civil, e o sistema de nomeação pode variar de região para região, mas, na maior parte das vezes, é dinástico. Noutras regiões, são simplesmente apontados por serem uma pessoa com mais idade, um veterano, e às vezes pode até dar-se o caso de serem apontados por influência política, quer pela Frelimo quer pela Renamo”, refere o autor do estudo, que sublinha que em Moçambique não há partidos étnicos mas sim formações políticas nacionais. A tese de João Morgado vai ser apresentada na quinta-feira na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. As eleições autárquicas em Moçambique realizam-se este ano e as eleições gerais em 2014.
LUSA – 21.02.2013

Diamantes de Sangue: Carta ao presidente de Angola

Diamantes de Sangue: Carta ao presidente de Angola
Pretória (Canalmoz) – O defensor dos direitos humanos Rafael Marques endereçou, a 15 de Fevereiro passado, uma carta ao Presidente da República, José Eduardo dos Santos, denunciando a denegação de justiça por parte da Procuradoria-Geral da República em investigar os casos de assassinatos e tortura nas zonas diamantíferas das Lundas.
Nove generais encontram-se entre os denunciados como os autores morais de centenas de crimes de tortura e homicídio. Os generais são accionistas da Sociedade Mineira do Cuango e da empresa privada de segurança Teleservice.
O general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, lidera o grupo de oficiais generais. Do grupo constam o inspector-geral do Estado-Maior General das FAA, Carlos Alberto Hendrick Vaal da Silva; o chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino das FAA , Adriano Makevela Mackenzie; o governador de Benguela, Armando da Cruz Neto; o deputado do MPLA, António dos Santos França “Ndalu”; bem como os generais inactivos João Baptista de Matos, Luís Pereira Faceira; António Pereira Faceira, António Emílio Faceira e Paulo Pfluger Barreto Lara.
A petição, dirigida a José Eduardo dos Santos, na qualidade de mais alto magistrado da Nação, apela à investigação imparcial dos casos denunciados, e lembra que os casos de crime de homicídio, à luz da legislação angolana, nunca se encerram, “ficando sempre pendente de investigação ou a aguardar melhor prova.”
Os casos denunciados fazem parte do livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, de Rafael Marques, publicado em Portugal, em 2011. Dois meses após o seu lançamento, o autor apresentou, em Novembro de 2011, uma queixa-crime contra os generais.
A Procuradoria-Geral da República arquivou o caso após uma investigação preliminar, em que ouviu apenas quatro vítimas e testemunhas, das dezenas que deveria ter ouvido.
Recentemente, o Ministério Público português arquivou um processo de difamação e injúria contra Rafael Marques e a editora do livro, Tinta da China, interposto pelos referidos generais. As autoridades portuguesas consideraram que a publicação da obra se encontra protegida pelos direitos de liberdade de expressão e informação.
A carta entregue a José Eduardo dos Santos a semana passada é apenas a última de várias tentativas para levar as autoridades angolanas a investigar as graves violações de direitos humanos nas Lundas. A 9 de Janeiro, uma delegação de altas autoridades tradicionais das Lundas deslocou-se a Luanda, para entregar uma petição ao Procurador-Geral da República, General João Maria Moreira de Sousa, denunciando a violação sistemática dos direitos humanos nas suas comunidades e apelando à reabertura do inquérito preliminar.
De forma extraordinária, o gabinete do Procurador-Geral recorreu a uma falsa notícia, publicada no semanário O Continente, para emitir um comunicado contra Rafael Marques e publicamente revelar que não reabriria o inquérito, apesar da diligência dos sobas.
“Quando a Procuradoria-Geral da República, um órgão com a função de zelar pela legalidade usa um ardil tão baixo, como o de uma falsa notícia, para se pronunciar através da comunicação social do Estado, bem podemos aferir a falta de responsabilidade e sensatez de quem a dirige. É simplesmente ridículo”, disse Rafael Marques. (Maka Angola , Fevereiro 21, 2013)



19 fevereiro 2013

ARTES - "NA MÃO DE DEUS" DE PAULINA CHIZIANE ADAPTADA PARA O CINEMA


ARTES - "NA MÃO DE DEUS" DE PAULINA CHIZIANE ADAPTADA PARA O CINEMA
Paulina Chiziane


Um documentário sobre a vida e obra da escritora moçambicana, Paulina Chiziane vai ser rodado em Maputo, numa iniciativa do jovem cineasta, Aldino Languana.

O documentário terá como base a mais recente obra literária da escritora, intitulada “Na mão de Deus”, editado ano passado, na qual aborda a questão de espiritismo.
"Na mão de Deus", evoca a experiência da autora durante um internamento numa psiquiatria.
Através do relato da personagem Alice, a autora descreve o que lhe aconteceu durante a semana em que esteve internada numa ala psiquiátrica, em 2010, evocando todo o drama que diz ter vivido, desde as perturbações físicas e psíquicas, a “visões e vozes de entidades espirituais que se manifestavam de diferentes formas”.
O facto, segundo a própria escritora descreve numa entrevista que recentemente concedeu à agência Lusa, despertou-lhe para a mediunidade.
"Não existe margem nenhuma entre a Alice e a Paulina Chiziane porque fui eu que fiquei doente, tive um transtorno mental, baixei na psiquiatria uma semana", disse a escritora à Lusa.
A família, que a acompanhou no tratamento da doença, diz, nunca percebeu que se tratava do "despertar da mediunidade", fenómeno que é descrito à Lusa como "a capacidade de se estar num meio entre os planos físicos e extra físico", pela co-autora da obra, Maria do Carmo da Silva, uma médium e estudante de espiritismo.
"A minha família está ligada à cultura ocidental e como todas as famílias julga-se superior. Entretanto, elas não têm capacidade para gerir o invisível que é muito bem gerido pelas tradições africanas e asiáticas, algumas delas, e pelo espiritismo", defende Paulina Chiziane.
"O que pude constatar é que, com a minha doença, eu encontrei respostas muito positivas tanto na esfera tradicional, como tive assistência também do espiritismo", afirma.
Mas durante dois anos, a mulher escritora mais lida e traduzida de Moçambique optou pelo silêncio.
"A omissão tem a ver com o estigma social, que vem da religião cristã. Das tradições africanas nem tanto, porque sabem como lidar com este tipo de problemas. As tradições cristãs, a cultura ocidental onde tudo é palpável, tem que ser visível. Então, quando aparece uma doença causada pelo invisível, então a igreja vem dizer que não", afirma.
De resto, a autora de obras como "A balada de Amor ao Vento" ou "O Alegre Canto da Perdiz", acredita que, neste campo "não há mais esclarecidos".
"Acho que a cultura ocidental é menos esclarecida do que a africana neste campo. Quando um padre, por exemplo, diz que ele sabe, abençoa e que faz, o que é que ele está a fazer? Será que o que ele faz é superior ao que os nossos antepassados faziam?", questiona.
Paulina Chiziane acredita que "o caso da doença levanta todos os aspectos de cultura e tradição desde os tempos mais antigos: se foi o próprio Deus que criou a multiplicidade, porque a expressão divina não pode ser múltipla? Eu sou negra, sou africana, de uma terra lá de Manjacaze (sul de Moçambique). Eu para chegar a Deus não preciso da cultura de outro, porque Deus está em mim".
E, defende, "cada indivíduo deve ter a sua maneira individual, cultural de encontrar o supremo".
"Por que é que tenho que ficar presa a dogmas criados por tantas outras culturas? Temos que nos libertar. Eu rejeito a ideia de um Deus que vem da mão do ocidente. E a minha descrição toda caminha nesse sentido", afirma.


SAMORA O PROFETA” EM PREPARAÇÃO

Entretanto, Aldino Languana vencedor em 2010 do programa DOCTV CPLP com o filme “Timbila e Marimba Chope”, têm no prelo o documentário “Samora o Profeta”, o qual revive as ideias e a visão do primeiro Presidente de Moçambique.
A película reacende as ideias e a visão de Samora Machel sobre o futuro de Moçambique, procurando fazer a ponte entre o passado, presente e futuro do país.
“Samora Machel era um visionário e nalgum momento da sua vida e de governação falou das coisas que hoje estão a acontecer no país”, recorda Aldino Languana.
O documentário também vai revisitar a participação de Samora Machel no processo de luta de libertação nacional.
Para a produção do documentário, Aldino Languana recorreu a vários arquivos, entrevistas a individualidades da vida política, académicos, e cidadãos anónimos para deles obter testemunhos sobre a figura de Samora Machel. Nestes testemunhos recorreu também a algumas imagens do jornal cinematográfico Kuxa Kanema, produzido nos primórdios da independência do país pelo Instituto Nacional do Cinema (INC), incluindo algumas gravações de discursos.
Maputo, Quarta-Feira, 20 de Fevereiro de 2013:: Notícias


"OPERAÇÃO ALBATRÓS" - CAPACETES AZUIS ITALIANOS EM MOÇAMBIQUE(1993/4) (VIDEO)




VEJA AQUI ESTE DOCUMENTÁRIO DA RAI SOBRE A PRESENÇA ITALIANA EM MOÇAMBIQUE NA SEQUÊNCIA DO ACORDO GERAL  DE PAZ EM 1992.


CLICK NA FIGURA PARA INICIAR O VIDEO.


18 fevereiro 2013

MALI: ANÁLISE DE SAMIR AMIN


MALI: ANÁLISE DE SAMIR AMIN
A intervenção francesa no Mali suscitou entre progressistas e anti-imperialistas posições, por vezes, contraditórias. Este texto, vindo de um militante anti-imperialista e terceiro-mundista incontestável, constitui um contributo importante para o debate. Coloca a intervenção francesa no quadro da geopolítica mundial.

Eu sou daqueles que, por princípio, condenam qualquer intervenção militar das potências ocidentais nos países do Sul, dado que estas intervenções estão, por natureza, submetidas às exigências da alargamento do controlo do Planeta pelo capital dos monopólios que dominam o sistema.
A intervenção francesa no Mali é uma exceção à regra?
Sim e não.
É por essa razão que eu apelo a que seja apoiada, sem  minimamente pensar, todavia, que ela irá trazer a resposta necessária à contínua degradação das condições políticas, sociais e económicas não apenas do Mali, mas do conjunto dos países da região, que é ela própria o produto das políticas de extensão do capitalismo dos monopólios da tríade imperialista (Estados Unidos, Europa, Japão), sempre em ação, tal como é ela que está na origem da implantação do Islão político na região.

O Islão político reacionário, inimigo dos povos concernentes e aliado maior das estratégias da tríade imperialista
O Islão político - para lá da variedade aparente das suas expressões - não é um «movimento de renascimento da fé religiosa» (quer esta agrade ou não), mas uma força política arqui-reacionária que condena os povos que são vítimas eventuais do exercício do seu poder, à regressão em todos os planos, tornando-os por essa via incapazes de responder positivamente aos desafios com que são confrontados.  Este poder não constitui um travão à prossecução do processo de degradação e de empobrecimento em curso há três décadas. Pelo contrário, acentua-lhe o movimento de que ele próprio se alimenta.
Essa é a razão fundamental pela qual as potências da tríade - tal como são e permanecem - veem nele um aliado estratégico. O apoio sistemático dado por essas potências ao Islão político reacionário foi e continua a ser uma das principais razões dos «sucessos» que ele registou: os Talibãs do Afeganistão, o FIS (Frente Islâmica de Salvação) na Argélia, os «Islamitas» na Somália e no Sudão, os da Turquia, do Egito, da Tunísia e, além disso, beneficiaram todos deste apoio num momento decisivo da sua tomada do poder local. Nenhuma das componentes ditas moderadas do Islão político se demarcou nunca verdadeiramente dos autores de atos terroristas das suas componentes ditas «salafistas». Todas beneficiaram e continuam a beneficiar do «exílio» nos países do Golfo, quando é necessário. Ontem na Líbia, na Síria ainda hoje, elas continuam a ser apoiados por estas mesmas potências da tríade.  Ao mesmo tempo, as extorsões e os crimes que cometem estão perfeitamente integrados no discurso de acompanhamento da estratégia fundada no seu apoio: permitem dar credibilidade à tese de «uma guerra de civilizações» que facilita  a união «consensual» dos povos da tríade ao projeto global do capitalismo dos monopólios. Os dois discursos - a democracia e a guerra terrorista - completam-se mutuamente nesta estratégia.
É preciso uma boa dose de ingenuidade para acreditar que o Islão político de alguns - qualificado de «moderado» - poderia ser dissolvido na democracia. É verdade que há partilha de tarefas entre estes e os «salafistas» que os ultrapassariam, diz-se, com uma falsa ingenuidade pelos seus excessos fanáticos, criminosos, até mesmo terroristas. Mas o seu projeto é comum - uma teocracia arcaica por definição nos antípodas da democracia mesmo minimal.

O Sahelistão, um projeto ao serviço de que interesses ?
De Gaulle tinha acariciado o projeto de um «Grande Sahara francês». Mas a tenacidade da “Frente de libertação nacional” (FLN) argelina e a radicalização do Mali e da União Sudanesa de Modibo Keita fez falhar definitivamente o projeto a partir de 1962-1963. Se porventura existem ainda em Paris alguns nostálgicos do projeto, creio que não estão em condições de convencer os políticos dotados de uma inteligência normal da possibilidade de o ressuscitar.
De facto, o projeto do Sahelistão não é o da França - apesar de Sarkozy se lhe ter juntado. É eventualmente o da nebulosa constituída pelo Islão político em questão e beneficia do olhar eventualmente favorável dos Estados Unidos e, na sua senda, dos seus apoiantes na União europeia (que não existe) - a Grã-Bretanha e a Alemanha.
O Sahelistão « islâmico » permitiria a criação de um grande  Estado que cobriria uma boa parte do Sahara maliano, mauritano nigeriano e argelino dotado de grandes recursos minerais: urânio, petróleo e gás. Este recursos não seriam abertos principalmente à França, mas em primeiro lugar às potências dominantes da tríade. Este «reino» à imagem do que é a Arábia saudita e os Emirados do Golfo, poderia facilmente «comprar» o apoio da sua escassa população e os seus emires podiam transformar em fabulosas fortunas pessoais, a fração da renda que lhes seria deixada.  O Golfo, continua a ser, para as potências da tríade, o modelo de melhor aliado/servidor útil, apesar do caráter ferozmente arcaico e esclavagista da sua gestão social - eu diria, graças a esse caráter. Os poderes estabelecidos no Sahelistão abster-se-iam de prosseguir ações terroristas no seu território sem, no entanto, se coibirem de as apoiar eventualmente noutros lugares.
A França, que tinha conseguido salvaguardar do projeto do « Grande Sahara » o controlo do Níger e do seu  urânio, passaria a ocupar apenas um lugar secundária no Sahelistão.
E acontece que F. Hollande – honra lhe seja feita – o compreendeu  e recusou. Não devíamos admirar-nos de ver que a intervenção que ele decidiu foi imediatamente apoiada por Argel e alguns outros países não classificados, no entanto, por Paris como «amigos». O poder argelino demonstrou a sua perfeita lucidez: ele sabe que o objetivo do Sahelistão visa também o Sul da Argélia e não apenas o Norte do Mali. Aliás, não nos deveríamos espantar que «os aliados da França» - os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha, para já não falar da Arábia Saudita e do Qatar - que são, na verdade, hostis a esta intervenção - tenham aparentemente aceitado a decisão de F. Hollande, só porque foram postos perante o facto consumado.  Mas não ficariam nada descontentes se vissem a operação estagnar e falhar. Isso dar-lhes-ia força para retomar o projeto do Sahelistão.

Ganhar a guerra do Sahara
Por isso, eu sou daqueles que desejam e esperam que a guerra do Sahara seja ganha, que estes Islamitas sejam erradicados da região (do Mali e da Argélia em particular) e que as fronteiras do Mali sejam restabelecidas. Esta vitória é a condição necessária incontornável, mas está longe de ser a condição suficiente, para uma posterior reconstrução  do Estado e da sociedade do Mali.
Esta guerra será longa, dispendiosa e penosa e o seu fim continua incerto. A vitória exige que se reúnam certas condições. Seria, efetivamente, necessário que as forças armadas francesas não abandonassem o terreno antes da vitória, mas também que um exército maliano digno deste nome seja rapidamente reconstituído. Porque é preciso garantir que não é a intervenção militar dos outros países africanos a garantir a vitória.
A reconstrução do exército maliano é, no entanto, possível. O Mali de Modibo tinha conseguido formar um exército competente e dedicado à nação, suficiente para dissuadir os agressores como são hoje os Islamitas de AQMI (Al Qaeda no Magrebe Islâmico). Este exército foi sistematicamente destruído pela ditadura de Moussa Traoré e não foi reconstruído pelos seus sucessores. Mas como o povo maliano tem plena consciência de que o seu país tem o dever de estar armado, a reconstrução do exército beneficia de um terreno favorável. O obstáculo é financeiro: recrutar milhares de soldados e equipá-los não está ao alcance dos atuais meios do país e nem os Estados africanos nem a ONU consentirão em ultrapassar esta miséria.  A França tem que entender que o único meio que permitirá a vitória obriga-a a fazer isso. A estagnação o e a derrota não seriam apenas uma catástrofe para os povos africanos, mas sê-lo-iam também para a França. A vitória constituiria um meio importante para restaurar o lugar da França no concerto das nações, até para além da Europa.

Não há muito a esperar dos países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). Os guardas pretorianos da maior parte destes países têm um exército apenas de nome. É verdade que a Nigéria dispõe de forças numerosas e equipadas, mas infelizmente pouco disciplinadas, é o mínimo que se pode dizer; e muitos dos seus oficiais superiores perseguem como único objectivo a pilhagem das regiões em que intervêm. O Senegal também dispõe de uma força militar competente e além disso disciplinada, mas pequena, à escala do país. Mais longe, em África, Angola e a África do Sul podiam dar alguns apoios eficazes; mas o seu afastamento geográfico, e talvez outras considerações, fazem correr o risco de não verem interesse nisso. Um empenhamento da França, firme, determinado e com a duração necessária, implica que a diplomacia de Paris entenda que é necessário tomar as devidas distâncias dos seus parceiros da NATO e da Europa. Esta partida está longe de estar ganha e nada indica, de momento, que  o governo de F. Hollande seja capaz de o ousar.

Ganhar a batalha diplomática
O conflito visível entre os honrosos objetivos da intervenção francesa no Mali e a prossecução da atual linha diplomática de Paris acabará rapidamente por ser intolerável. A França não pode combater os «Islamitas» em Tomboctu e apoiá-los em Alep!
A diplomacia francesa, ligada à NATO e à União europeia, partilha a responsabilidade dos seus aliados nos sucessos do Islão político reacionário. Ela provou-o de forma evidente na aventura líbia cujo resultado foi (e isso era previsível e certamente desejado, pelo menos por Washington) não para libertar o povo líbio de Kadhafi (um palhaço mais que um ditador), mas destruir a Líbia, que se tornou terra de operação dos senhores da guerra, diretamente na origem do reforço de AQMI no Mali.
Esta hidra do Islão político reacionário tanto recruta nos meios do grande banditismo como nos fanáticos de Deus. Para lá da «Jihad», os seus emires - que se autoproclamam defensores intransigentes da fé - enriquecem com o tráfico de droga (os Talibãs, o AQMI), de armas (os senhores da guerra líbios), da prostituição (os Kosovars).
Ora a diplomacia até hoje tem apoiado os mesmos, na Síria, por exemplo. Os media franceses dão crédito aos comunicados do pretenso Observatório Sírio dos Direitos do Homem, um laboratório conhecido por ser o da Irmandade  Muçulmana, fundado por Ryad El Maleh, apoiado pela CIA e pelos serviços britânicos. O mesmo é dar crédito aos comunicados de Ansar Eddine!  A França tolera que a designada «Coligação Nacional das Forças da Oposição e da Revolução» seja presidida pelo Cheikh Ahmad El Khatib escolhido por Washington, Irmão Muçulmano e autor do incêndio do bairro Douma em Damasco.
Eu ficaria surpreendido (mas a surpresa seria agradável) se F. Hollande ousasse dar um murro na mesa, como De Gaulle o tinha feito (sair da NATO, praticar na Europa a política da cadeira vazia). Não se lhe pede para fazer tanto, mas apenas para infletir as suas relações diplomáticas no sentido exigido para prosseguir a ação no Mali, para compreender que a França conta com mais adversários no campo dos seus «aliados» que no dos seus «inimigos»! Não seria a primeira vez que isso acontecia quando dois campos se confrontam no terreno diplomático.

Reconstruir o Mali
A reconstrução do Mali não pode ser obra apenas dos Malianos. Mais uma vez seria desejável ajudá-los em vez de erguer barreiras que tornam impossível essa reconstrução.
As ambições «coloniais» francesas - fazer do Mali um Estado cliente à imagem de alguns outros na região - talvez não estejam ausentes de certos responsáveis pela política maliana de Paris. A Françáfrica encontra sempre os seus porta-vozes, mas não constituem um perigo real, ainda menos maior. Um Mali reconstruído saberá também afirmar - ou reafirmar - rapidamente a sua independência. Em contrapartida, um Mali saqueado pelo Islão político reacionário seria incapaz, antes que passasse muito tempo, de conseguir um lugar honroso no tabuleiro regional e mundial. Como a Somália, arriscar-se-ia a ser riscado da lista dos estados soberanos dignos desse nome. 
O Mali tinha feito, na época de Modibo, avanços no sentido do progresso económico e social bem como da sua afirmação independente e da unidade das suas componentes étnicas.
A União Sudanesa tinha conseguido unificar numa mesma nação os Bambara do Sul, os pescadores Bozo, os camponeses Songhai e os Bella do vale do Níger, desde Mopti até Ansongo (esquece-se hoje que a maioria dos habitantes do Mali não é constituída pelos Tuaregues), e até fazer aceitar aos Tuaregues a libertação dos seus servos Bella. Acontece que por falta de meios - e de vontade após a queda de Modibo - os governos de Bamako, a seguir, sacrificaram  os projetos de desenvolvimento do Norte. Algumas reivindicações dos Tuaregues são, por este facto, perfeitamente legítimas.  Argel, que preconiza distinguir na rebelião dos Tuaregues (doravante marginalizados), com os quais é preciso discutir, Jihadistas vindos de outros lados - muitas vezes perfeitamente racistas relativamente aos «Negros» - dá prova de lucidez neste aspeto.
Os limites das realizações do Mali de Modibo, mas também a hostilidade das potências ocidentais (e da França em particular), estão na origem da deriva do projeto e finalmente do sucesso do odioso  golpe de estado de Moussa Traoré (apoiado até ao fim por Paris) cuja ditadura é responsável pela decomposição da sociedade maliana, do seu empobrecimento e da sua impotência. O poderoso movimento de revolta do povo maliano que surgiu, à custa de dezenas de milhar de vítimas, para derrubar a ditadura, tinha alimentado grandes esperanças de renascimento do país. estas esperanças foram defraudadas. Porquê?

O povo do Mali beneficia, desde a queda de Moussa Traoré, de liberdades democráticas sem paralelo. Contudo isso parece não ter servido para nada: centenas de partidos fantasma sem programa, parlamentares impotentes, corrupção generalizada. Analistas de espírito nem sempre livre de preconceitos racistas apressam-se a concluir que este povo (como os Africanos em geral) não está maduro para a democracia! Finge-se ignorar que a vitória das lutas do povo do Mali coincidiu com a ofensiva «neoliberal» que impôs a este país extremamente fragilizado um modelo de lumpen-desenvolvimento preconizado pelo Banco mundial e apoiado pela Europa e a França, gerador da regressão social e económica e do empobrecimento sem limites. São estas políticas as responsáveis máximas da falência da democracia, descredibilizada. Esta involução criou aqui, como noutros lugares, um terreno favorável ao crescimento da influência do Islão político reacionário (financiado pelo Golfo) não apenas no Norte capturado a seguir pelo AQMI, mas também em Bamako
A decrepitude do Estado maliano que daí resultou está na origem da crise que conduziu à destituição do presidente Amani Toumni Touré (refugiado depois no Senegal), ao golpe de Estado irrefletido de Sanogho e depois à tutela do Mali pela «nomeação» de um Presidente «provisório» - dito de transição- pela CEDEAO, cuja presidência é exercida pelo presidente da Costa de Marfim A. Ouattara que nunca foi senão um funcionário do FMI e do Ministério francês da cooperação.
É este Presidente cuja legitimidade aparece aos olhos dos malianos como nula, que faz apelo à intervenção francesa. Este facto enfraquece consideravelmente a força do argumento de Paris embora seja diplomaticamente impecável: que Paris respondeu ao apelo do Chefe de Estado «legítimo» de um país amigo. Mas então em que é que o apelo do chefe de Estado Sírio - incontestavelmente não menos legítimo - ao apoio do Irão e da Rússia é «inaceitável»? Cabe a Paris corrigir esta tirada e rever a sua linguagem.
Mas sobretudo a reconstrução do Mali passa doravante pela rejeição pura e simples das «soluções « liberais que estão na origem de todos os seus problemas. Ora, neste ponto, é fundamental que os conceitos de Paris permaneçam os mesmos que correm em Washington, Londres e Berlim. Os conceitos de «ajuda ao desenvolvimento» de Paris não saem das litanias liberais dominantes  [4].  Nada mais. A França, mesmo que ganhe a batalha do Sahara - o que eu desejo - fica mal colocada para contribuir para a reconstrução do Mali. O fracasso, certamente, permitiria então que os falsos amigos da França se vingassem.
Visite os sites do Forum do Tiers Monde:
·         http://thirdworldforum.net
·         http://forumtiersmonde.net
·         http://samiramin.org
NOTAS
Com a preocupação de conservar, neste artigo, a sua brevidade e a sua centralidade apenas sobre a questão do Mali, afastei desenvolvimentos  das questões maiores adjacentes, reduzidas a indicações em nota de rodapé, evitando assim longas digressões.
O artigo não trata da agressão d’In Amenas.
Os Argelinos sabiam que, se ganharam a guerra maior contra o projeto do Estado Islamita do FIS (na altura, apoiado pelas potências ocidentais em nome da «democracia»!), o combate contra a hidra continua permanente, a travar em duas frentes: a segurança, a prossecução do progresso social que é o único meio de estancar o terreno de recrutamento dos movimentos ditos islamitas. Evidentemente que o assassinato de reféns americanos e britânicos obriga Washington e Londres a compreender melhor  que Argel agiu como precisava: nenhuma negociação é possível com matadores.  Infelizmente não creio que, a longo prazo,  este «erro» dos terrorista faça infletir o apoio dos Estados Unidos e da Inglaterra para o que eles continuam a chamar o Islão político «moderado».
Tradução:  Maria José Cartaxo

15 fevereiro 2013

ZECA CALIATE RESPONDE, QUASE 30 ANOS DEPOIS, A JOSÉ MOIANE


ZECA CALIATE RESPONDE, QUASE 30 ANOS DEPOIS, A JOSÉ MOIANE

Pela sua importância destaco este comentário.
Homens cruéis como o Major General de Campo Sr. José Moiane
Este é um homem que odeia as suas vítimas mesmo após estas encontrarem-se inactivas ou mortas. Na sua entrevista (1984) sobre o Direito e Justiça nas chamadas Zonas Libertadas da FRELIMO, José Moiane, afirma e aponta-me e torna-me a mim Zeca Caliate, como um exemplo, mas esqueceu-se de falar de si sobre os muitos massacres por si perpetrados aos Nyanjas, o povo mártir de Catur no Niassa, quando ali se instalou a mando do chefe da Seita, Samora Machel, juntamente com Sebastião Marcos Mabote e quando assassinaram a sangue frio o comandante da Zona, Luís Arrancatudo.
Também não nos esquecemos de como assassinou, com as suas próprias mãos, a sua esposa Salomé Moiane, em plena cidade de Maputo, quando Moçambique acabava de se tornar um país Independente. Eu fui um dos visados a ser assassinado. Mas quando descobri o Plano e as pessoas envolvidas no meu possível assassinio, além de José Moiane e Sebastião M. Mabote, Chefe das Operações Nacional, estavam os seguintes elementos envolvidos: João Fascitela Phelembe, Comissário Politico da Província, Tomé Eduardo (OmarJuma), Chefe de Segurança Provincial, bem como os seus informadores António Hama Thai, Armando Mfumo e Sesínio Mbaga, Chefe das Transmissões. Mas escapei antes que os 7 mencionados pudessem deitar-me a mão e executar-me.
Ao descobrir este plano de assassinio, um qualquer ser humano, teria que agir desta ou de outra forma para se escapar da morte anunciada, ou cruzar os braços para ser morto. O Senhor José Moiane,está preocupado com a minha fuga e quer saber como foi? O Comandante Zeca Calíate abandonou o Comando do 4º Sector; pois os cinco homens seus mensageiros com ordem para matar, infelizmente, para eles, não eram suficientes para me dominarem, pois todos eles adormeceram e esqueceram-se da missão, parecendo hipnotizados, cada um na sua palhota ressonando profundamente naquela base central do Sector, pertencente ao comandante Henrique João Ataíde.
Se eu fosse assassino como eles, matava-os antes de abandonar a base. Não estou arrependido, por não o ter feito, pois não sou como eles, felizmente. Eu já tinha toda a informação sobre o dia e hora da minha morte. Por isso antes do amanhecer do dia, antecipei a minha fuga, e às 04 horas levantei e preparei-me e de seguida fui acordar os meus guarda-costas e eles, que bem sabiam o que ia acontecer comigo, retirámo-nos da base sem ninguém se aperceber,rumando em direcção à base do povo que se localizava junto ao rio Luia,onde fui bem recebido por populares e milícias. Ali passei um dia para dizer adeus aos meus guerrilheiros daquela pequena base. Ao pôr-do-sol, recebi informação vinda da base central, pois quando acordaram de manhã e se aperceberam da minha falta naquela base, sem conhecimento de ninguém, claro que todos entraram em pânico e em debandada, e rapidamente empossaram António HamaThai, para substituição do comandante Zeca Caliate, do comando do 4º Sector, recomendando este a mudar imediatamente a base para outro local com o medo de represália por parte do Zeca Caliate.
Eles não se despediram, fugiram rapidamente rumando para norte do rio Zambeze para o 1º sector. Eu, no dia seguinte,dispedi-me da população e dos guerrilheiros e prossegui calmamente a minha viagem com os meus guarda-costas para o 3º Destacamento, que se situava no Mocumbura, e era comandado por Fackson Sandramo Banda( Kalulu-Sapezeka ), homem da minha confiança, e que sabia que não ia trair-me com os seus guerrilheiros, onde fui calorosamente recebido.
Quando os informei sobre o plano de José Moiane e outros para me assassinarem, houve revolta e gritavam “vamos comandante atacar a base central e punir os assassinos”, mas eu não aceitei, pois não queria o derrame de sangue entre camaradas, Por isso, ele seguiu-me e apresentou-se um mês depois às tropas portuguesas. De seguida, fui-me instalar na base do povo onde estava a Violeta a viver com a minha filha que acabava de nascer. O comandante F. Banda, deu-me todo apoio e enviou-me um reforço de guerrilheiros para a minha protecção. Ali fiquei 8 dias na companhia da Violeta e filha, promovendo festas populares com abate de três cabeças de bois pelo nascimento da minha filha e também pela minha estadia ali. Ninguém do povo veio incomodar-me como o José Moiane o diz.
Durante a minha estadia naquele local, o António Hama Thai, tentou enviar três grupos de guerrilheiros para me convencer a regressar à base Central para dialogarmos, e eu recusei e a última vez mandou um pelotão comandado pelo camarada Waite, para me prender ou matar. Este não teve coragem para tal, pois bem sabia não ser tarefa fácil prender ou matar o Comandante Caliate. Durante a minha estadia naquela base do povo, não tive plano de rendição, embora indirectamente em conversa com a minha ex.-mulher quando ela perguntava a chorar o que eu tencionava fazer, lhe dizia sempre “se me acontecer alguma coisa do pior, levas a nossa filha e atravessam a fronteira para a Rodésia”, isto no tempo de lan Smith. Sabe-se lá se um dia era capaz de eu aparecer por lá. Também conversava com o comandante Frackson Banda, na hipótese de algum dia procurarmos um aliado que apoiasse a nossa luta contra os usurpadores e criminosos dentro da Frelimo.
A Violeta, com os meus guarda-costas bem como o próprio Comandante Frackson Banda, receavam que eu fosse capaz de me suicidar, garantindo-lhes que não ia cometer essa locura, pois isso era o que o José Moiane e seu grupo queriam que acontecesse. Naquela manhã muito cedo, despedi-me da minha filha e da minhaq mulher e disse-lhes que tinha chegado a hora de regressar à base central para enfrentar o grupo que queria a minha morte! Ela ficou a chorar, e foi a última vez que vi aquelas duas pessoas que muito eu amava. Parti para o 3º Destacamento e disse para o comandante F. Banda, que tinha chegado a hora de enfrentar os meus assassinos. Ele ficou alarmado a olhar para mim, e disse “conte comigo comandante Zeca”, onde quer que esteja, e também me perguntou se podia acompanhar-me, dizendo-lhe que não. Ficou a olhar para mim e saí com os meus guarda-costas na direcção da Central. Eu estava armado com a minha Kalashnikov, com 2 carregadores com 30 balas cada e 60 no total, 1 pistola Tocrov-fabric.soviético, com 2 carregadores com 7 balas cada, 14 no total, 2 granadas, 1 defensiva, 1 ofensiva.
Assim estava pronto para qualquer eventualidade, o que tornava mais difícil deitar a mão o comandante João Henrique Ataíde como era conhecido durante a guerra. A decisão de abandonar a FRELIMO,veio-me de repente quando caminhava para a Base Central, revoltei-me e decidi estar sozinho, afastando-me dos meus guarda-costas e comecei a caminhar para a direcção da fronteira Moçambique/Rodésia, até anoitecer. No seio da FRELIMO, existem muitas mentiras: afirmações sobre 8 de Março de 1968, data de abertura da frente de Tete, que dãao gratuitamente esse dia ao José Moiane, é pura sabujice, cegueira e mentira para enganar os inocentes. Quando indivíduos não sabem dos acontecimentos recorrem a métodos falsos para alcançar os objectivos impróprios.
Por isso eu estive lá e testemunho: a realização das acções nas zonas de Chimuala e Cassuende no vale do rio Capoche, deveram-se aos três chefes em 1968. A luta armada naquela frente, foi organizada por falecido Francisco Manhanga, Secretário Provincial da Defesa, Pascoal Nhampule (António Almeida), Chefe das Operaçoões e Alfredo Wassira, comissário político desta mesma província. Os comandantes das zonas em guerra, são António Kanhemba, Zeca Caliate, Miguel Ferrão, Héder Manuel Bongwe, António Monteiro Ernesto Selemane, Moyo, Adjunto comissário político e Jaime Rivas. Esta foi a equipa operacional que organizou a Luta Armada na frente de Tete. Não o José Moiane, pois este, em 1968 e até nos meados de 1969, encontrava-se a chassinar o povo de Catur Niassa em colaboração com o Sebastião Marcos Mabote. Os dois muito têm a haver com a politica retrógrada de terra queimada que obrigou o Samora Machel, a retirá-los dali. Apesar destes dois homens altamente corruptos e perigosos no Catur, Samora acaba por nomear o Mabote para chefe das Operações Nacionais e enviar o José Moiane para Tete, em substituição do Pascoal Nhampule em 1969.
Acho que as mentiras que foram espalhadas por toda parte, por causa da confusão que reina e existe no seio da própria cúpula da FRELIMO, onde todos vivem de mentiras para serem heróis da revolução, é o que se vê no seio daquela organização politica, que até nomearam pessoas sem qualidade ou capacidade para ocuparem postos extremamente importantes, apenas por serem próximos de fulano, sem um conhecimento mínimo da verdadeira história da Frelimo. É tudo feito por amizades, nomeando-se indivíduos para membros de Comité Centra! e Chefes de Quadros ,casos de Cara Alegre Thembe e António Hama Tai,promovidos Chefe dos Quadros das Forças Populares de Libertação de Moçambique. A nomeação destes que não estavam presentes nos primeiros confrontos da luta armada, é um absurdo e é desrespeito por aqueles verdadeiros heróis que tombaram pela causa de Independência na frente de Tete. Como o Moiane,são muitos os que andam por aí camuflados, mas que se não esqueçam de que um dia o poder acaba, mas a justiça permanece. Muitas vidas de Moçambicanos foram ceifadas a chumbo e balas das próprias armas da FRELIMO. Existiam no seio da organização FRELIMO indivíduos bem instalados nos seus gabinetes ou nas bases a planearem assassinatos políticos, sendo um deles o próprio José Moiane.
A maior parte dos mortos no seio da FRELlMO, são anunciados aos familiares como tendo morrido em combate contra as tropas colonialistas. É tudo mentira da FRELIMO que matou mais combatentes das suas próprias fileiras antes e depois da Independência, que as tropas portuguesas. Mas, cobardemente, chamaram-nos de heróis e mártires da Pátria, simplesmente para enganar o povo e a opinião pública Internacional.
Zeca Caliate, se se deixasse assassinar e nínguém o soubesse, no dia da Independência era colocado também na lista dos heróis mortos.
Zeca Caliate
Fevereiro de 2013 (Recebido em carta)
Ver http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2013/02/zeca-caliate-responde-quase-30-anos-depois-a-jos%C3%A9-moiane.html

12 fevereiro 2013

PARA ACABAR DE VEZ COM A LUSOFONIA


PARA ACABAR DE VEZ COM A LUSOFONIA
A lusofonia é a última marca de um império que já não existe. E o último impedimento a um trabalho adulto sobre as múltiplas identidades dos países que falam português
Lusofonia é um conceito vago, demasiado vago - e uma versão kitsch de uma boa relação de Portugal com os países que foram colónias, que são ex-colónias. Alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império, a lusofonia tem uma história, balizada por alguns acontecimentos.
Num primeiro momento, surge a ilusão de unir o Atlântico ao Índico, Angola a Moçambique, através de um projecto político que reforçava a necessidade de encontrar recursos económicos extraordinários no momento em que começavam a sentir-se no país os efeitos da revolução industrial. (Note-se que hoje é novamente com este argumento, agora usando a terminologia do investimento empresarial e da cooperação económica, que se evoca a lusofonia.) O projecto foi apresentado no Congresso de Berlim (1884-85) e fundamentava-se no direito de ocupação daqueles territórios, direito esse que na verdade era falso - à época, nenhuma potência colonial ocupava mais do que franjas do território africano. Este projecto, designado como Mapa Cor-de-Rosa, foi inteiramente rejeitado pelos países que traçaram as fronteiras africanas, nomeadamente pela Inglaterra (que impôs o Ultimato de 1890).
Num segundo momento, dá-se a apropriação salazarista da tese do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987), tese essa que está presente na defesa política e diplomática do colonialismo, em particular entre 1933 e 1961: “A primeira data corresponde ao ano da publicação deCasa-grande & Senzala, obra em que são lançados os fundamentos da doutrina luso-tropicalista; a última, ao ano da publicação de O Luso e o Trópico, livro em que a doutrina surge em “estado acabado”” (O modo português de estar no mundo, Cláudia Castelo). O luso-tropicalismo, que se configurou como a essência da identidade dos portugueses, passou a ter como objectivo criar as bases de um império mítico construído sobre os afectos e o multi-racialismo (no qual o autor nunca vira sinais de tensão). Sem bases históricas, baseando a sua teoria na origem, também ela “mestiça”, do português face à influência de judeus e árabes, na sua capacidade de adaptação aos trópicos e no seu humanismo cristão, Gilberto Freyre, sociólogo com prestígio internacional, deu à sua tese uma cientificidade que assegurou a política do Estado (a partir da segunda metade dos anos 50) e produziu, no campo cultural, um conjunto vastíssimo de miríades que acabaram por estruturar o campo das mentalidades.
Depois do 25 de Abril, muito do trauma e do luto pela perda das últimas colónias foi feito através de uma relativização da violência dos portugueses sobre os africanos - a guerra colonial portuguesa teria sido mais branda do que as de outros países colonizadores. Como se os massacres das tropas portuguesas em Wiriyamu e Mihinjo não fossem a expressão da barbárie… Impôs-se aquilo que seria uma cultura comum, cuja matriz era a portuguesa - e para a qual a confusão entre língua e cultura era oportuna e baseada na relativização das dores.
Perdido o que restava do império, a crise da identidade nacional não foi superada por um trabalho de revisão das narrativas identitárias nem por um trabalho colectivo sobre as memórias na educação, na política, nas actividades culturais e artísticas. Demorou mais de 20 anos a aparecer uma literatura; algumas, muito poucas, artes performativas abeiraram-se do problema, e só a geração de cineastas que começou a filmar na década de 90 se confrontou com as narrativas míticas e com o presente das ex-colónias. “As contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa demais. A urgência política só na aparência suprimiu uma questão que também na aparência o país parece não se ter posto. Mas ele existe. Querendo-o ou não, somos agora outros, embora como é natural continuemos não só a pensar-nos como os mesmos, mas até a fabricar novos mitos para assegurar uma identidade que, se persiste, mudou de forma, estrutura e consistência” (Eduardo Lourenço).
Porém, a lusofonia, no logro de ser uma pátria de uma língua comum, uma forma torpe de neo-colonialismo, é também a prova da incapacidade de construção de um país pós-colonial que não consegue olhar as suas ex-colónias numa relação de confronto de interesses e de respeito pelas identidades que cada um desses países pretende construir. Com tudo isto há, por parte da esquerda conservadora, uma pretensa relação, baseada nos afectos e nos negócios; e, na direita, uma relação que se baseia na nostalgia, nos negócios e na defesa do uso da língua conforme à sua matriz lusitana.
Ora, para que esta pretensão neo-colonial exista, a RTP África, a RTP Internacional - e, de uma forma mais naïf, o JL- são os instrumentos adequados. Já o Acordo Ortográfico, por sua vez, é, sobretudo pela forma como foi feito, uma tentativa de resistir ao estilhaço da lusofonia. No entanto, também não saem bem aqueles que acusam o referido Acordo de cedência da língua a outros países - como se ela fosse uma propriedade dos portugueses. E não deixa de ser paradoxal que um Governo que tanto exige da lusofonia, como se ela fosse o campo ideal de negócios - e como se alguma vez o capital tivesse um país -, tenha feito desaparecer a cultura da missão do Instituto Camões na última Lei orgânica - e não tenha, neste momento, nenhum conselheiro cultural em nenhum dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Colonizar ou neo-colonizar e civilizar sempre estiveram juntos; por isso é recorrente encontrar, sob a forma de cooperação, a imposição de um assistencialismo em língua portuguesa que civilize sem “lhes” perguntar (a eles) - como reclama Appadurai - o que querem (o que quer o outro) e como querem (como quer esse outro) a cooperação.
Neste processo de reconstrução de identidades, o Brasil há muito começou com a investigação e a construção de narrativas das suas memórias - pese embora o trabalho sobre o passado índio ser muito menos relevante do que o africano -, e até se conseguiu construir como um país de glamour e terra de oportunidades, mito que o liberta definitivamente de Portugal e o transforma numa pátria de oportunidades míticas tanto para os europeus como para os chineses, para os antilhenses ou para os africanos. A responsabilidade desta construção mítica e aparentemente glamorosa não é, naturalmente, dos historiadores nem dos estudioso da cultura.Mais: em África, muitos africanos começaram também os seus trabalhos de reconstrução da identidade - de si mesmos enquanto sujeitos históricos e num dado contexto, e dos seus países. Disso são prova os trabalhos dos angolanos Victor Barros e António Tomás, dos moçambicanos Mia Couto e Eliso Macamo e, em Portugal, os pertinentes estudos de Joaquim Valentim, Cláudia Castelo, ou o trabalho da revista/sítio webBuala, entre outros. De facto, “se a lusofonia se mantém como um princípio organizador das representações sociais dos portugueses, não há concordância entre os portugueses e africanos a esse respeito: os portugueses valorizam-na, os africanos rejeitam-na. Dito de outro modo, a este nível, a valorização da lusofonia não encontra correspondência da parte dos africanos que são, em boa medida, interlocutores por excelência dessa lusofonia. Mais ainda, os africanos não só manifestam uma posição contrária à dos portugueses em relação à lusofonia, como a importância que atribuem à sua identidade étnico-nacional se encontra associada negativamente à valorização da dimensão lusófona nas representações das semelhanças dos portugueses com outros povos”. (Joaquim Valentim, Identidade e Lusofonia nas Representações Sociais de Portugueses e de Africanos).
É compreensível. E se é possível criar uma comunidade de países que têm como língua oficial o português, com todas as suas variantes, e cujo uso pelas populações pode ir dos 100% (em Portugal) aos 4% (em Timor) ou aos 40% (em Moçambique), não é possível entender uma pátria lusófona comum a países com outras diversidades linguísticas, economias tão diferentes, regimes políticos distinto e, em particular, histórias singulares.
Uma das maiores violências criadas pelo luso-tropicalismo não foi querer impor ao Brasil uma essência de ser luso. Foi, embora admitindo para o Brasil a herança índia e para Portugal a herança árabe, excluir das ex-colónias africanas a sua história pré-colonial. Ora, a expressão mais perversa da lusofonia é a amnésia sobre o passado pré-colonial dos países africanos ou de Timor e, de algum modo, a repetição dessa expressão do colonialismo que foi “a descoberta” destes povos - que só passaram a ter história no momento em que os “descobridores” os encontraram. A lusofonia é, pois, a última marca de um império que já não existe. É também um impedimento a um trabalho adulto sobre as múltiplas identidades de quem vive em Portugal.
Para lá dos seus contornos coloniais, a lusofonia tem o efeito de uma epistemologia negativa: impede que se entenda que a razão da criação de comunidades de países tem por base interesses políticos e económicos, bem como jogos de partilha territorial. É também assim com a francofonia, a Commonwealth, o G8 e o G20.
Foi por causa desta realpolitik que Lula da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu parcerias económicas Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta estratégia, a lusofonia pouco importou: o argumento cultural foi a africanidade comum (outro mito, naturalmente).
Quanto aos outros países cuja língua oficial é o português, não nos resta se não admitir que produzem as suas pesquisas e trabalhos sobre as suas identidades. Se a presença dos estudos portugueses e da literatura é quase residual nas universidades destes países, isso não ocorre por falta de lusofonia mas sim por haver um excesso dessa caricatura da produção cultural portuguesa exportada que tem o nome de “Cultura Lusófona”.
Os portugueses não têm nenhum atributo de excepcionalidade mítica. Não precisamos de uma diplomacia lusófona; do que precisamos é de uma diplomacia de direitos e de igualdades. Este é o momento de conhecer e dar visibilidade às produções culturais e artísticas, às literaturas e aos trabalhos científicos destes países por aquilo que valem, por serem incontornáveis no mundo global, por conterem, até, uma estranheza que é, porventura, consequência da morte dessa mesma lusofonia.

Artigo originalmente publicado no ipsílon, suplemento cultural do jornal  Público (18/1) por António Pinto Ribeiro

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Para acabar de vez com a lusofonia”?! Resposta a António Pinto Ribeiro

Arquivado sob: InternacionalRenato Epifânio | 
Renato Epifânio - A 18 de Janeiro de 2013, publicou António Pinto Ribeiro (APR), no Suplemento “Ípsilon” (pp. 38-39) do Jornal “Público”, um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, que, alegadamente, tem sido “alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império”.
No seu manifesto anti-lusófono, APR consegue até a proeza de apresentar o Ultimato Inglês de 1890 com um acto anti-colonialista – quando se tratou, tão-só, da afirmação (vitoriosa) do colonialismo inglês sobre o colonialismo português –, isto para além de caricaturar o pensamento de Gilberto Freyre (que, alegadamente, “nunca vira sinais de tensão no multi-racialismo”) e de diabolizar a colonização portuguesa, como se a “expressão da barbárie” tivesse sido a sua única face.
Tudo isto para concluir que a lusofonia é um “logro”, uma “forma torpe de neo-colonialismo”, a “última marca de um império que já não existe”. Tal virulência “argumentativa” só se destina, porém, aos portugueses – já que, alegadamente, “os portugueses valorizam-na [a lusofonia], os africanos rejeitam-na”. Na sua virulência sectária, APR acaba pois por atirar sobre si próprio, renegando-se como português.
Para o evitar, ainda que correndo o risco das generalizações, bastaria salvaguardar que “em geral…”. O problema é que nem sequer isso é verdade. Conforme pode ser confirmado por pessoas que sabem do que falam quando falam de lusofonia (como, por exemplo, o Embaixador Lauro Moreira, que trabalhou longos anos na Missão Brasileira da CPLP: Comunidades dos Países de Língua Portuguesa), esta é cada vez mais valorizada – não só pelos portugueses, mas também pelos africanos dos países de língua oficial portuguesa, não esquecendo o Brasil e Timor-Leste.
Timor-Leste, de resto, é, provavelmente, o país que mais valoriza, para desgosto de APR, a lusofonia. Por razões óbvias: se Timor-Leste conseguiu resistir à ocupação indonésia, mantendo a sua autonomia cultural, e, depois, aceder à independência política, foi, em grande medida, por causa de tão maldita palavra: lusofonia. Não decerto por acaso, as autoridades timorenses fizeram questão de consagrar o português como língua oficial do país, e não o inglês, como pretenderam (e pretendem) a Austrália e outros países anglófonos. A razão é simples: Timor-Leste sabe bem que a lusofonia é a melhor garantia do seu futuro político.
Bastaria o exemplo timorense para afirmar a lusofonia como factor de libertação e não de opressão, como pretende APR. Mas vamos aos PALOPs: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Se, como pretende APR, a língua portuguesa é a memória viva da “violência dos portugueses sobre os africanos”, por que estranha razão nenhum desses países renegou a língua portuguesa como língua oficial? – antes, pelo contrário, tudo têm feito para sedimentar a língua portuguesa em cada um desses países. Será porque continuam a ser “colonialistas”?? Ou serão apenas mosoquistas??? Decerto, não é porque valorizem a lusofonia – já que, não o esquecemos, por uma qualquer “excepcionalidade mítica” que nos transcende, “os africanos rejeitam a lusofonia”.
E passemos ao Brasil – segundo APR, “Lula da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu parcerias económicas Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta estratégia, a lusofonia pouco importou”. Para azar de APR, não há muito tempo, o Embaixador brasileiro Jerónimo Moscardo, na insuspeita Fundação Mário Soares, esclareceu precisamente que assim não é, na sua conferência “Agostinho da Silva e a política externa independente do Brasil”. De resto, como APR sabe ou, pelo menos, deveria saber (mas, estranhamente, não refere), Agostinho da Silva foi, em Portugal e no Brasil, onde foi assessor do Presidente Jânio Quadros, o grande prefigurador de uma comunidade de língua portuguesa[1].
Temos plena consciência que há muita gente que, no que concerne à lusofonia, apenas valoriza a dimensão económica. Mas isso, por si só, não desqualifica a lusofonia – também, entre nós, houve muita gente a valorizar a Europa por causa dos famosos “fundos”. Pertinente referência, esta – tanto mais porque APR, falando do “estilhaço da lusofonia”, não fala uma única vez da Europa, do Euro ou da União Europeia. Compreende-se bem porquê tão gritante omissão: é precisamente face ao estilhaço (este sim, real) da União Europeia que cada vez mais portugueses compreendem que foi um colossal erro estratégico termos, durante décadas, desprezado os laços com os restantes povos lusófonos. Isso fragilizou, em muito, a nossa posição no plano global e na própria União Europeia – onde estamos, cada vez mais, numa posição subalterna.
Face ao estilhaço (este sim, igualmente real) da globalização, o que acontecerá naturalmente, por mais que isso desgoste os arautos do pós-modernismo, é que os países se religarão com base naquilo que de historicamente há de mais sólido: as afinidades linguístico-culturais. Nessa medida, também para Portugal a lusofonia é a mais sólida garantia do seu futuro: cultural, económico e político. Não perceber isto é não perceber nada. A lusofonia não é pois uma excrescência do passado mais o fundamento maior do nosso futuro. Um fundamento firme: sem escamotear a violência da colonização portuguesa – não há colonizações não violentas –, a verdade, que pode ser confirmada todos os dias, é que a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos não é equiparável a relação que há entre outros povos ex-colonizadores e ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada.
De uma forma paternalista (para não dizer neo-colonialista), APR pretende aconselhar os outros povos lusófonos a renegarem a lusofonia, como se eles não pudessem escolher qual o melhor caminho para o seu próprio futuro – como até APR já percebeu, a lusofonia é, cada vez mais, essa escolha. Daí, de resto, o tom virulento do artigo – se a lusofonia fosse algo assim tão estilhaçado… Apenas num ponto damos razão a APR: “os portugueses não têm nenhum atributo de excepcionalidade mítica”. Ou seja, o nosso futuro enquanto país não está garantido. Mas isso, precisamente, só reforça a importância desse caminho que se cumprirá pela simples mas suficiente razão de que interessa a todos. Como aconteceu no caso timorense. Como, apesar de tudo, acontece com a Guiné-Bissau – se esta tem futuro, é porque há uma Comunidade Lusófona que está disposta a fazer algo (ainda que, até ao momento, não o suficiente). Como acontece também, enfim, com Portugal – no beco sem saída da troika, a Lusofonia é, cada vez mais, a nosso único caminho de futuro. Pena que APR não o perceba.
Renato Epifânio é presidente do MIL – Movimento Internacional Lusófono.