BRICS
EM ÁFRICA: NEOCOLONIZAÇÃO OU COOPERAÇÃO?
Uns dizem que é uma nova linha de
colonização, outros preferem chamar de cooperação.
Teorias à parte, África é o único
lugar onde há matéria-prima para a indústria dos BRICS e, ao mesmo tempo, só
eles têm força para investir no continente. O caminho está aberto, mas o
destino depende das escolhas políticas.
O grupo dos países emergentes denominado
BRICS, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, terminou, esta
quarta-feira (27 de Março de 2013), a sua reunião em Durban, na África de Sul,
com a decisão de criar um banco de desenvolvimento para apoiar infra-estruturas
(portos, rodovias, aeroportos) e desenvolvimento sustentável (energia,
irrigação, agricultura) nas suas potências e nos países em desenvolvimento.
Uma outra decisão tomada na V Cimeira
dos BRICS foi a criação de um fundo de reservas, de 100 biliões de dólares, que
deverá ser usado em caso de crise financeira internacional. O fundo anti-crise
é denominado Arranjo de Contingente de Reservas.
A China vai entrar com 41 biliões de
dólares, Brasil, Rússia e Índia com 18 biliões cada e a África do Sul, menor
economia do grupo, vai ingressar com 5 biliões de dólares.
Estas decisões surgem numa altura em
que se verifica uma corrida em massa destes países para África, onde disputam
os recursos naturais e mercados para venda dos seus produtos.
Alguns analistas internacionais não
acreditam que este apoio dos BRICS a infra-estruturas dos países em
desenvolvimento traga algum benefício às comunidades, isto porque até mesmo os
chineses, que são os maiores investidores do grupo em África, têm importado
matéria-prima e até trabalhadores da China, para levantar infra-estruturas,
deixando de criar emprego no continente.
Não será esta entrada dos países
emergentes em África uma forma de fortificar a sua presença no continente, no
sentido de aproveitarem as grandes jazidas de minérios, petróleo e outros recursos
naturais valiosos existentes em abundância?
Analistas consideram que a ideia dos
BRICS, de apoiar os projectos de construção de infra-estruturas nos países em
desenvolvimento, pode ter surgido também para melhorar as condições de
manuseamento e logística dos recursos explorados pelas empresas que fazem parte
do seu bloco.
A África do Sul tinha esperança de
sediar a nova entidade bancária, para acelerar o ciclo de desenvolvimento
criado nos últimos anos pelos investimentos chineses e brasileiros e irradiar
optimismo a todo o continente. Mas as negociações emperaram com a resistência
da Rússia. Moscovo não vê utilidade no banco de fomento dos BRICS.
A Rússia tem menos necessidades em
infra-estruturas e, além disso, os emergentes já têm bancos de desenvolvimento
nacionais consolidados, que podem tocar os projectos intra-Brics.
Foram convidados a participar no
encontro os presidentes em exercício das oito comunidades económicas regionais
africanas, nomeadamente da SADC, da Comunidade da África Oriental, da Comunidade
Económica dos Estados da África Central, da Autoridade Intergovernamental para
o Desenvolvimento, do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), da
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da União Árabe
do Magrebe (UAM), e ainda o Presidente da União Africana.
BRICS COMPETEM
PARA GANHAR TERRENO NA ÁFRICA
Para
os habitantes da cidade de Durban (local da reunião dos Brics) consideram que
quando se pensa na reunião de cúpula
entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os Brics – um
empreendimento vem à mente quando o assunto é o aumento da presença dos países
emergentes na África do Sul: o "Shopping Center China".
Com
40 mil metros quadrados e mais de 400 lojas, esse megacentro comercial
inaugurado há sete anos (e expandido três vezes) fica aberto sete dias por
semana para vender os mais variados tipos de produtos com apenas dois aspectos
em comum - preços acessíveis e a etiqueta que informa: "Made in China".
O
Shopping Center China – com filial em Johanesburgo – é a face mais visível do
fenômeno que ganha força e tornou-se um dos principais temas da cúpula dos
Brics: a corrida da China e dos outros países do clube de emergentes para
"fincar o pé" na África, ocupando espaços que tradicionalmente pertenciam
a potências coloniais europeias.
Se
no passado os europeus brigavam pelo direito de explorar terras e jazidas
minerais do continente, agora, cada vez mais, são os Brics que disputam os
recursos naturais e os mercados africanos.
"É
natural haver um acirramento na disputa por alguns filões de negócios entre os
países emergentes, conforme os investimentos na África cresçam", disse à
BBC Brasil Wayne Morris, diretor da consultoria africana GSEC e membro do
conselho da Brand South Africa, entidade que cuida da imagem e promoção de
negócios da Africa do Sul.
"Os
indianos e os chineses são os que têm presença mais forte na África do Sul, por
exemplo – e entre eles já há disputa. O Brasil e a Rússia também estão
ampliando sua presença em outros lugares. Mas a competição entre esses países
têm tudo para ser saudável – para eles e, principalmente, para a África que
terá mais opções de investimentos", acredita.
Harry
Shmelzer, presidente da WEG - empresa brasileira líder do mercado de motores
elétricos que há três anos tem uma fábrica com 600 funcionários na África do
Sul (embora faça negócios com o país há mais de três décadas)- , disse à BBC
Brasil que a concorrência com os chineses em sua área já é acirrada.
"Os
chineses oferecem uma concorrência agressiva aqui e em outros lugares – mas já
sabemos que precisamos estar preparados para isso", diz ele.
Presença dos Brics
Segundo
um estudo do sul-africano Standard Bank (banco no qual hoje os chineses têm uma
participação de 20%), na última década o volume de trocas comerciais dos Brics
com a África aumentou dez vezes, chegando a US$ 340 bilhões – mais que o
comércio entre os demais países do grupo (de US$ 310 bilhões)
A
China é sem dúvida o país dos Brics cujos negócios mais avançaram no continente
africano nos últimos anos, principalmente em função do interesse chinês por
recursos naturais. Só o comércio com a África aumentou 20 vezes de 2002 a 2012,
passando dos US$ 200 bilhões – o que em parte explica o sucesso do Shopping
Center China e outros empreendimentos similares. Segundo estimativas do governo
chinês, o país teria um estoque de investimento na África de US$ 20 a US$ 40
bilhões.
A
Índia também teve um aumento substancial dos investimentos na região nos
últimos anos, apostando em áreas como agricultura, telecomunicações e o setor
automobilístico, principalmente no sul e no sudeste sul-africanos. A Rússia tem
investimentos na Tunísia, Nigéria, Uganda e África do Sul. Já o Brasil, tem uma
presença cada vez mais forte na África lusófona – Moçambique e Angola – embora
empresas como a Marcopolo, a Weg e a Camargo Correa também estejam presentes na
África do Sul.
Moçambique
abriga empreendimentos da Vale e da Odebrecht, uma das maiores empregadoras
locais, e Angola é o maior receptor dos investimentos brasileiros no continente
(seriam R$ 7 bilhões, segundo estimativas de 2011 da Associação de Empresários
e Executivos Brasileiros em Angola). Empresas como Petrobras e as construtoras
Odebrecht e Andrade Gutierrez têm operações sólidas no país há muitos anos.
Além
disso, Angola é também a principal receptora de investimentos da China na
África – então já é natural que brasileiros e chineses tenham de competir para
ganhar a licitação de projetos de infra-estrutura e exploração de recursos
naturais.
"Nossos
investimentos ainda estão muitos concentrados nesses dois países. Comparando
com os indianos e chineses, acho que os brasileiros estão perdendo
oportunidades no continente africano em função de um certo receio dos
empresários em explorar o continente", acredita Roberto Paranhos do
Riobranco, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Índia que está na África do
Sul para participar do encontro de empresários que acompanha a cúpula dos
Brics.
'Representação'
Não
foi à toa que os investimentos dos Brics na África se tornaram um dos
principais temas do encontro do clube dos emergentes em Durban, como explicou à
BBC Brasil Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas que está na
África do Sul participando de uma série de debates acadêmicos paralelos ao
encontro.
A
África do Sul foi incluída nos Brics em 2010 - antes disso o grupo era chamado
de Bric. Stuenkel diz que o país obteve sucesso em sua candidatura ao clube dos
emergentes, apesar do tamanho de sua economia ser equivalente a de uma
Província chinesa, ao se apresentar como um "representante" ou um
"interlocutor" para a África frente aos outros quatro países.
"A
verdade é que se a África (continente) fosse um país, certamente seria um
Brics. O tamanho de sua classe média é comparável a indiana e está se
expandindo. Além disso, muitas partes do continente têm crescido em um ritmo
acelerado", diz Stuenkel. "Mas é difícil pensar que a África do Sul
possa falar por todos os países da região."
Três fatores tornam a África
atrativa para investimentos dos Brics. Primeiro, a presença de grandes jazidas
de minérios, petróleo e outros recursos naturais valiosos no continente.
Segundo, o grande crescimento da classe média africana – e aumento do consumo
provocado por tal enriquecimento. Por fim, a previsão de gastos bilionários no
setor de infraestrutura em países que recém adquiriram estabilidade política e
econômica, mas nos quais faltam estradas, portos, aeroportos, etc.
Segundo
o FMI, sete dos dez países que mais crescem no mundo estão na África. E ainda
que isso ocorra porque tais países partem de uma base muito baixa de
desenvolvimento econômico, para muitos empresários dos Brics tal crescimento
significa bons negócios e margens de lucro satisfatórias para compensar os
riscos africanos.
Novo colonialismo?
Durante
a cúpula em Durban, o presidente sul-africano Jacob Zuma irá mediar uma série
de encontros entre países do Brics e outros líderes africanos. Nas preparações
para o encontro, porém, o que chamou mais a atenção em seu discurso sobre os
investimentos do Brics foi uma aparente expectativa de que eles sejam
"cooperativos", diferente dos investimentos europeus – que segundo o
líder sul-africano seriam "colonialistas".
Uma
semana antes do encontro, durante uma conferência sobre temas educacionais,
Zuma prometeu: "Os Brics vão contribuir imensamente para satisfazer as
necessidades dos jovens da África do Sul de encontrarem trabalho."
A
promessa foi feita dias depois de o presidente sul-africano ter dado uma
entrevista ao jornal britânico Financial Times na qual exortou
as empresas europeias a mudarem seu "velho estilo colonialista na
África", lembrando que agora o continente tem a "alternativa"
dos Brics.
"Os
Brics pretendem apoiar os esforços da África para acelerar a diversificação e
modernização de suas economias através do desenvolvimento de infraestrutura,
troca de conhecimento, acesso a tecnologias, construção de novas capacidades e
investimento em capital humano", diz um documento oficial do encontro,
divulgado pelo governo sul-africano.
Para
alguns analistas, porém, as expectativas de Zuma podem não ser atendidas.
Marcos Troyjo, do laboratório sobre Brics da Universidade de Colúmbia, nos
Estados Unidos, por exemplo, lembra que os chineses são conhecidos por um
estilo "agressivo" de fazer investimentos – importando matéria prima
e até trabalhadores da China para levantar obras de infraestrutura em países
africanos.
Além
disso, seu interesse maior seria a extração de recursos naturais da África e a
venda de produtos chineses para o continente, atividades que não são conhecidas
por sua ampla geração de empregos qualificados (apesar de o Shopping Center
China dizer que emprega um total de 1.600 pessoas).
'Moderar otimismo'
Jim
O’Neill, economista conhecido por criar o termo Bric em 2001, concorda que é
preciso moderar o otimismo com os investimentos dos Brics: "Não há como
garantir que multinacionais desse ou daquele país vão se comportar de forma
diferente. Empresas globais enfrentam os mesmos desafios para se adaptar às
regras locais e ao final têm o mesmo objetivo, que é conseguir retorno para
seus investimentos", diz.
No
caso dos investimentos brasileiros, analistas e empresários costumam enfatizar
as diferenças de "estilo" em relação aos chineses. As empresas do
país seriam mais flexíveis e mais dispostas a se adaptar à cultura e realidade
local, contratando trabalhadores africanos, por exemplo. Mas em Durban alguns
empresários e executivos brasileiros que não quiseram se identificar também
expuseram para a BBC Brasil o receio de que o governo sul-africano esteja
esperando demais das empresas.
"Não
dá para querer que as companhias estrangeiras façam todo o trabalho para
desenvolver a África", disse um deles. "Os africanos também precisam
fazer suas obrigações e investir mais na formação de trabalhadores e
racionalização da burocracia de seus países para compensar os riscos e
contratempos de se investir no continente – que ainda existem e são
muitos."
Para
explica o consultor Wayne Morris, da Brand South Africa, "não há como
negar que existe um debate sobre os 'elementos colonialistas' dos investimentos
dos Brics, e em especial dos chineses."
"A
África do Sul e os outros países do continente estão plenamente cientes desses
riscos", diz. Ele lembra, porém, que por muito tempo países africanos
atraíram o interesse apenas de países desenvolvidos e que a aprovação de
empréstimos para projetos de infraestrutura por entidades como FMI e Banco
Mundial era condicionada à adoção de reformas neoliberais.
"A
grande novidade é que agora temos mais opções e ao menos podemos discutir as
condições dos investimentos e empréstimos com empresas e países de ‘igual para
igual’ – o que nos dá uma margem de manobra que não tínhamos no passado para
evitar esses riscos", opina.
Ruth Costas (Enviada especial da BBC Brasil a Durban (África do Sul- Atualizado
em 26 de março, 2013 - 07:18 (Brasília) 10:18 GMT)
BRICS
REJEITAM ACUSAÇÕES DE SEREM NOVOS IMPERIALISTAS
Brics rejeitam
acusações de serem "novos imperialistas" na África. "Brics,
não dividam a África" diz um cartaz no salão de uma igreja no centro
de Durban, onde ativistas da sociedade civil juntaram-se para lançar um olhar
crítico sobre a cúpula dos cinco poderes globais emergentes. Ativistas
anti-pobreza afirmam que as grandes empresas dos Brics que atuam na
África buscam o lucro, assim como as empresas do mundo rico. Os chineses e
outros líderes dos Brics rejeitam indignados às críticas de que o grupo
representa um tipo de "sub-imperialismo". A gigante brasileira da
mineração Vale, nomeada em 2012 pelo grupo suíço sem fins
lucrativos Public Eye como a empresa com o maior "desprezo para o meio
ambiente e os direitos humanos" no mundo. O presidente da Associação
Mato-Grossence dos Produtores de Algodão (Ampa) afirmou que “Moçambique é um
Mato Grosso no meio da África, com terra de graça, sem tanto
impedimento ambiental e frete mais barato para a China”. O ProSavana,
projecto para a produção de soja e outros alimentos para a exportação pelas
empresas brasileiras abrangerá uma área estimada em 14,5 milhões de hectares
nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia, onde cerca de 5 milhões
de camponeses vivem e produzem alimentos para o abastecimento local e
regional.
Jornais: A
Verdade e CanalMoz – 27/03/2013 e 25/03/2013.
Numa altura que se critica a
relação Norte Global com o Sul Global como sendo de dominação ou de hegemonia
da primeira sobre a segunda, hoje constata-se que mesmo nas relações entre os
países do Sul Global começam a aparecer novos grupos dominantes e hegemónicos- como é o caso da BRICS. É uma situação a ser refletida. Afinal o que pretendem os BRICS em
África?
Compilação de Jorge Fernando
Jairoce