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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

24 maio 2012

História de Moçambique: Fragmentos de uma imaginação nacional


História de Moçambique: Fragmentos de uma imaginação nacional*

Lorenzo Macagno



RESUMO

Desde o início da luta armada contra a presença de Portugal (1964) até a independência de Moçambique (25 de junho de 1975), os debates no seio da Frente de Libertação de Moçambique – Fremilo transitaram pelo dilema "nacionalismo anticolonial" versus "socialismo". Tais debates trazem para o centro da discussão os dilemas que oscilavam entre o postulado de ser a Frelimo uma simples frente de libertação nacional e, no outro extremo, um Estado/Partido, que mais tarde se autodenominaria "marxista-leninista", o que possibilitaria, na visão de seus porta-vozes, a modernização e o desenvolvimento do país. Este artigo reconstrói esses debates sob o horizonte das contribuições de Benedict Anderson e analisa as representações em torno da figura "mítica" do líder nacionalista Samora Machel.

Palavras-chave: Imaginação nacional; Moçambique; Socialismo; Frelimo; Samora Machel.





Em 1970, depois do assassinato de Eduardo Mondlane1 em 1969, o Comitê Central da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) decide nomear Samora Machel como seu sucessor. Na qualidade de presidente da Frelimo e do Moçambique independente, Samora, como informalmente era chamado pelos moçambicanos, teve um papel central no processo de construção da nação. Desde o início da luta armada em 1964, contra a presença de Portugal, até a independência do país, em 25 de junho de 1975, os debates no seio da Frelimo transitaram pelo dilema "nacionalismo anticolonial" versus "socialismo". Neste artigo, reconstruo, sob o horizonte das contribuições de Benedict Anderson, alguns dos marcos fundamentais desse debate, bem como suas implicações na construção de uma imaginação nacional para o Moçambique pós-colonial. No centro da discussão os dilemas oscilavam entre o postulado de ser a Frelimo uma simples frente de libertação nacional e, no outro extremo, um Partido-Estado que mais tarde se autodenominaria "marxista-leninista"2 capaz de trazer, na visão de seus porta-vozes, a modernização e o desenvolvimento ao país.

Morto em 1986, na queda do avião oficial, em Mbuzini, no qual viajava – as crônicas apontam que se tratou de um atentado planejado pelo regime do apartheid na África do Sul3 –, Samora Machel é, até hoje, objeto de admiração e motivo de disputas e desencontros. A partir do seu trágico desaparecimento, as narrativas a seu respeito entrelaçam, indefinidamente, o mito com a história. Esse entrelaçamento acabou produzindo um emaranhado de versões e contraversões, do qual confluem múltiplas vozes à procura de uma comunidade imaginada – a nação –, cuja genealogia é, ainda, alvo das mais variadas disputas.

A primeira vez que "vi" e "ouvi" Samora Machel foi em 1996, quando cheguei ao sul de Moçambique para realizar um trabalho de campo, cujo objetivo era, a princípio, indagar acerca da influência da "cultura" portuguesa nos dilemas identitários contemporâneos daquele país. Durante seis meses travei contato com uma geração de pessoas que vivenciou a passagem da condição de indígena à de assimilado: duas categorias que o sistema jurídico colonial contribuíra para criar. Um dos meus objetivos era, portanto, entender as conseqüências contemporâneas do chamado Sistema do Indigenato.4 Naquele momento comemorava-se, precisamente, o décimo aniversário da morte de Machel e inúmeros eventos se realizavam para lembrar essa data. Nelson Mandela foi convidado por Joaquim Chissano, sucessor de Samora Machel, para homenagear quem, junto com ele, fora um lutador contra o regime do apartheid e um amigo incondicional do povo sul-africano. Na Universidade Eduardo Mondlane, intelectuais e líderes históricos da Frelimo – tais como Sérgio Vieira e Marcelino dos Santos – reuniam-se para evocar o pai da nação. A televisão moçambicana apresentou, naqueles dias, um documentário sob o eloqüente título Samora e o povo, que começava com um efusivo discurso de Samora Machel, pronunciado por volta de 1980, durante o período da chamada Ofensiva Política e Organizacional. Tamanho foi meu impacto com as imagens veiculadas pela emissão que, poucos dias depois, recorri à Televisão de Moçambique (TVM) para obter uma cópia do documentário. Assim começava o discurso inicial de Samora Machel:

A nossa luta é contra os saboteadores; a nossa luta é contra os preguiçosos; a nossa luta é contra os ladrões; a nossa luta é contra os drogados; a nossa luta é contra os marginais; a nossa luta é contra os especuladores. A nossa luta é contra aqueles que querem oprimir e explorar o povo, roubam os produtos, escondem e depois especulam. É, ou não é?

Essas palavras eram pronunciadas com histrionismo e teatralidade. Tratava-se, sem dúvidas, do que mais tarde alguns analistas qualificaram como o "estilo", a "essência" e o "brilho carismático de Samora".5 A partir das evocações provocadas pelo documentário – e da minha própria pesquisa no terreno – este artigo indaga sobre a relação, aparentemente indissolúvel e irredutível, entre "Samora e o Povo" e, portanto, sobre as relações entre o Partido-Estado (Frelimo) e os fragmentos – vinculados à evocação mítica da figura de Samora – de uma certa imaginação nacional.

Uma versão historiográfica mais ou menos consagrada6 explica a formação da Frelimo a partir da união no exílio de três grupos nacionalistas moçambicanos (Udenamo, Manu e Unami). Em 25 de junho de 1962, os três grupos, reunidos em Dar es-Salam, concordam em formar a Frente, realizando os preparativos para definir um programa de ação para o mês seguinte (Mondlane, 1976, p. 128). O processo por meio do qual a Frelimo passou de uma frente nacionalista a um partido "marxista-leninista" foi explicado, com certo detalhe, no estudo de Sonia Kruks (1987). Seu argumento procura evidenciar, entre outras questões, que a adoção dos postulados "marxistas-leninistas" obedecia a um processo intrínseco vinculado à singularidade e às especificidades da "luta de libertação nacional". Ou seja, por mais que esses postulados fossem explicitados e sistematicamente formulados no III Congresso da Frelimo ocorrido em 1977, já existia um "marxismo tácito" que podia ser detectado, sobretudo, desde 1968. As conclusões de Kruks contestam os argumentos "anticomunistas" veiculados pela administração colonial portuguesa durante a ditadura do Estado Novo, que explicavam a "opção marxista" da Frelimo em termos de uma simples condição de dependência em relação à União Soviética ou China.7

Um sintoma indicativo de que a orientação da Frelimo cairia, cedo ou tarde, nos postulados teóricos do "marxismo-leninismo" pode ser rastreado em uma famosa entrevista que Aquino de Bragança8 realizou com Eduardo Mondlane em 1969, pouco antes do seu assassinato. Nela o fundador da Frelimo admite não existir alternativa que não a adoção do "marxismo-leninismo", declarando que uma coalescência de pensamento que atuara durante os últimos seis anos

[...] autoriza a concluir que a Frelimo realmente agora é muito mais socialista, revolucionária e progressista do que nunca. E é a linha, agora, a tendência, mais e mais em direção ao socialismo do tipo marxista-leninista. Porque as condições de vida de Moçambique, o tipo de inimigo que nós temos, não admite qualquer outra alternativa (Mondlane, apud Christie, 1996, p. 190).9

Após o assassinato de Mondlane, a direção da Frelimo sofreu um processo de mudanças radicais. Passou-se a discutir, no interior da organização, um conjunto de problemas derivados da "questão racial" como critério de pertencimento e lealdade ao grupo. Aqueles que seguiam o legado de Mondlane rejeitavam esse critério, argumentando sobre o seu caráter politicamente reacionário e primário. Entretanto, o grupo próximo a Uria Simango desconfiava da minoria branca que participava ao lado da Frelimo na luta anticolonial. Finalmente, em maio de 1970, durante uma reunião do Comitê Central, Simango foi expulso – e mais tarde fuzilado – sob a acusação de estar ligado à conspiração secessionista de Lázaro Ncavandame.10 O sucessor de Mondlane seria, pois, um jovem e ativo militante que, até então, desempenhara um importante papel no comando militar: Samora Machel.

Como depositário desse desafio, Machel é erigido o novo porta-voz da nação, mostrando-se um entusiástico formulador de uma espécie de "marxismo caseiro", adaptado às singularidades da experiência moçambicana. Nessa formulação, uma das preocupações dos novos porta-vozes da nação seria a de educar, produzir e criar o novo homem moçambicano. Foi, de fato, no campo da educação onde se desenvolveram as grandes batalhas ideológicas de Moçambique independente.

Nos anos posteriores à independência, era comum encontrar entre as novas elites nacionalistas o argumento de que as dificuldades que emperravam o desenvolvimento da educação tinham como causa a herança colonial. Por outro lado, qualquer relato das realizações da Frelimo nesse âmbito teve como ponto de partida obrigatório a experiência realizada nas chamadas zonas libertadas,11 consideradas um antecedente ineludível da ação educativa anticolonial da Frelimo. Isto fica evidente nos discursos Samora Machel, para quem a luta armada foi a "escola", a "grande universidade" na qual se formaram os militantes da Frelimo.

Nas zonas libertadas nascia "o primeiro sistema de educação nacional, que já em 1972-1973 compreendia mais de duzentas escolas primárias (para uma população de cerca de um milhão de habitantes e com dez mil alunos só na província de Cabo Delgado), um ensino secundário até a 8ª classe, um curso de enfermagem, curso de formação de professores primários, além de infantários" (Nascimento, 1980, p. 33), bem como as chamadas escolas de treino político-militar em Nachingwea e Tunduru, na Tanzânia.

Na II Conferência do Departamento de Educação e Cultura em 1973, Samora volta a sublinhar o fato de que os quadros surgem no próprio processo de luta, não sendo preciso esperar a formação de generais para se travar batalha. Daí sua famosa palavra de ordem: "aprender a fazer fazendo". Nas zonas libertadas, essa palavra de ordem pretendia ser uma realidade.

Cabe lembrar que, imediatamente após a independência, foram criados os Grupos Dinamizadores (GD), cujo objetivo era mobilizar as populações ao redor das políticas do novo governo. Além de funções políticas e administrativas, os GD tinham como tarefa estimular as atividades educativas nos lugares de trabalho e no âmbito das comunidades. Eles abriam espaços de discussão e de formação, procurando romper tanto com as "sobrevivências" do passado colonial, como com o "tradicionalismo" e o "obscurantismo", duas preocupações recorrentes no jargão frelimista. Onde os GD atuavam, muitas das formas de relação entre os chefes tradicionais – régulos – e a população começaram a desaparecer. Porém, aparentemente, eles não conseguiram penetrar em alguns sistemas de práticas e crenças africanas mais arraigadas, como determinadas cerimônias consideradas "retrógradas": rituais fúnebres, ritos de iniciação, invocação dos antepassados, lobolo12 (Fry,2005). Contudo, o português foi mantido como língua de unidade nacional, pois, segundo os porta-vozes da Frelimo, esta era uma maneira de neutralizar as ameaças divisionistas do "tribalismo" e, assim, poder construir a moçambicanidade.

Não é meu objetivo traçar aqui uma história social ou política da Frelimo,13 mas simplesmente ressaltar que esse ato inaugural foi sucedido por um tortuoso processo de traições, purgas e violentas disputas. Nesse sentido, não é possível aludir à história da Frelimo sem nos referirmos à sua contrapartida política: a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Esse grupo surgiu em 1976 de uma iniciativa contra-revolucionária no país vizinho, Rodésia (atual Zimbábue), governado, naquela ocasião, por uma minoria branca. Segundo William Minter (1994, p. 7), está plenamente comprovado que a MNR (Mozambique National Resistence, tal como foi inicialmente conhecida a Renamo) foi fundada pela Organização de Inteligência Central Rodesiana e, a partir dos anos de 1980, de um pequeno grupo transformou-se em uma potente máquina militar. Assim, quando Zimbábue obtém a independência em 1980, a Renamo passa a ser apoiada pela África do Sul. O que começou como uma guerra de desestabilização se transformou em uma das guerras civis mais sangrentas da África.14 Mais uma vez, a Frelimo teve que reforçar seu discurso de "unidade nacional", sobretudo quando a Renamo pretendeu "limpar" sua imagem internacional, a de "bandidos armados", tal como eram conhecidos, assumindo uma linguagem politicamente "etnicista" em suas reivindicações. De fato, a principal base de apoio da Renamo estava constituída por grupos lingüísticos Shona, e o subgrupo Ndau, presentes no centro do país.15 As negociações para um acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo iniciaram-se em 1990 com as "conversações de Roma" e se estenderam até 1992, quando Joaquim Chissano (presidente da Frelimo e, naquela altura, presidente também do país) e Afonso Dhlakama (presidente da Renamo) firmaram, finalmente, o Acordo Geral de Paz. Na primeira etapa dessa negociação teve importância a mediação do Vaticano, por intermédio da Comunidade de Santo Egídio e do governo italiano; na sua segunda etapa, esse processo foi mediado pelas Nações Unidas.16

A "morte da tribo" e a construção do homem novo

Segundo o Dictionary of political thought, elaborado por Roger Scruton, a expressão "homem novo", "novo homem comunista" ou "novo homem socialista" foi usado desde a década de 1920 tanto por seguidores como por críticos do comunismo soviético, com o intuito de descrever certa transformação não só na ordem econômica, mas também no nível da personalidade individual. Essa transformação ocorreria, ou deveria ocorrer, tanto sob o socialismo como sob a "plenitude do comunismo" para aonde o socialismo supostamente caminharia. Conforme essa lógica, ao possuir uma essência histórica, o homem passa a ser, em algum sentido, uma criatura diferente sob uma nova ordem econômica, de modo que os valores e as aspirações que o motivavam previamente já não podem ser nem compreendidas, nem reconhecidas.17

Em Moçambique, a genealogia da noção de homem novo remonta ao período da luta armada e reconhece, ademais, seus próprios textos canônicos por meio dos quais procurou se impor. Em algum sentido, a luta entre a "nova" e a "velha" ordem é a chave para compreender a idéia de homem novo. Em trabalho recente, José Luis Cabaço defende que a proposta do homem novo teve seu "laboratório experimental", precisamente, nos campos de treino que a Frelimo tinha em Nachingwea, visitados por ele em 1974. Foi ali, nos primórdios da luta armada, que a preparação militar era complementada por uma ideologia que, por sua vez, veiculava novos valores para a construção de uma sociedade "justa, solidária, altruísta, coesa, socialmente disciplinada, com uma visão econômica fundada no princípio da auto-suficiência e dependente essencialmente das 'próprias forças' e da 'imaginação criativa do homem'" (Cabaço, 2007, p. 412).

Em dezembro de 1977, Sérgio Vieira,18 membro do Comitê Central da Frelimo, pronunciou um discurso na II Conferência do Ministério de Educação e Cultura, publicado no ano seguinte na revista Tempo, com o título "O homem novo é um processo". "A revolução triunfa ou fracassa na medida em que emerge ou não emerge o homem novo", diz Vieira no início do discurso (1978, p. 27). A construção do homem novo passa a ser, decisivamente, um dispositivo mobilizador, uma idéia força, um objetivo fundamental a ser alcançado.

Segundo Sérgio Vieira, a primeira vez que Samora Machel abordou de forma central e sistemática a idéia de homem novo foi em 1970, em um discurso pronunciado na II Conferência do DEC (Departamento de Educação e Cultura) em Tunduru. Nessa ocasião, afirmava a necessidade de "Educar o homem para vencer a guerra, criar uma sociedade nova e desenvolver a pátria",19 sendo imperioso, "depois de demonstrar-nos a nocividade, quer da educação tradicional, quer da educação colonial, explicar os objetivos educacionais que nos propomos atingir, em função da nova sociedade pela qual lutamos" (Machel, 1978a, p. 8).

Samora Machel distinguia, naquele discurso fundacional, três tipos de sistemas de educação antagônicos, dois dos quais refletiam as sociedades que, supostamente, deveriam desaparecer e um terceiro orientado para o futuro, para a nova sociedade. O primeiro sistema que identifica é o da educação tradicional, no qual a superstição ocuparia o lugar da ciência. Nesse contexto, a educação visaria transmitir a tradição, erigida em dogma que se perpetuaria através dos sistemas de classe, dos grupos de idade (opondo jovens e velhos), dos ritos de iniciação, da poligamia (que condenaria a mulher a um papel subordinado).

O segundo sistema (que já estaria desaparecendo com o tradicional) é o da educação colonial, que condenaria o moçambicano a ser um "pequeno português de pele preta", um instrumento dócil do colonialismo, cuja ambição máxima seria viver como o colono, a cuja imagem fora criado (Idem, p. 10). Aqui, Samora seguramente tem em mente a figura do assimilado, ou seja, um africano que, conforme o vocabulário jurídico-colonial, tinha conseguido se emancipar de seus "usos e costumes" adquirindo, assim, valores culturais portugueses. A categoria de assimilado deixou de ser utilizada sobretudo após a abolição do Sistema do Indigenato, em 1961. Neste caso, Samora está apenas fazendo uma evocação irônica – "pequeno português de pele preta" – dessa categoria.20 Finalmente, o terceiro tipo é a "educação revolucionária para a criação do homem novo". Aquela que visa implantar a solidariedade entre os homens e é capaz de desenvolver um trabalho coletivo. Seria necessário, além disso, implantar as bases de uma economia próspera e avançada, fazendo com que a "ciência vença a superstição". O tribalismo, a superstição, a tradição atentariam contra a tentativa de construir a nação moçambicana. Esses elementos operariam no sentido de uma fragmentação, de modo que: "Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação" (Idem, p. 11). Seria impossível imaginar semelhante operação de engenharia social e moral sem uma parcela de tortuosidade e violência. Esse processo de união foi levado a cabo, mais tarde, pelo Estado/Partido Frelimo que assumiu o papel dirigente e de vanguarda denunciando os "desvios" doutrinais promovidos pelos "inimigos" da nação.

Uma nova imaginação nacional

A construção da nação moçambicana como uma entidade homogênea só é compreensível sob a lógica do enfrentamento a uma outra entidade que se apresentava igualmente homogênea: a nação portuguesa e suas pretendidas províncias de ultramar. A tão desejada morte da tribo não passava, então, de um desejo de união, de uma forma de conjurar a herança colonial. Sob essa lógica, a nação seria, na imaginação de seus porta-vozes, compacta, singular, unificada. Porém, esse unitarismo reproduzirá, mesmo que com conteúdos inversos, a mesma gramática assimilacionista e intolerante em face dos particularismos culturais, veiculada pelo discurso colonial português. Com efeito, tal como afirma Michel Cahen "a tradição, não só de unidade do Estado, mas de sua unicidade (isto é, de homogeneidade obrigatória), não provém do 25 de Junho de 1975, mas das próprias estruturas coloniais" (1999, p. 86). Portanto, os problemas do período do pós-guerra estariam diretamente vinculados àquelas estruturas. Seguindo esse percurso e na busca de homologias assimilacionistas entre um período e outro, Peter Fry arrisca:

Do ponto de vista estrutural, havia pouca diferença entre um estado capitalista autoritário, governado por um pequeno grupo de portugueses "esclarecidos" e de "assimilados", e um estado socialista autoritário, governado por um partido de vanguarda igualmente diminuto e igualmente esclarecido (2005, p. 67).

Se, no período colonial, os chamados indígenas deveriam abandonar – conforme as categorizações da administração colonial – os "usos e costumes" para passar à categoria de assimilados, no período independente, as "populações" deveriam abandonar o "obscurantismo" para se integrarem ao Povo moçambicano.

A luta pela unidade constitui um aspecto central na construção da nova sociedade e da educação do homem novo. O depositário e beneficiário desse processo seria uma entidade homogênea, o Povo,21 cuja experiência comum de "exploração" nasceu durante o colonialismo. Nesse processo, a unidade deve eclipsar e neutralizar toda tentativa particularista, localista e tribalista. Essa preocupação aparece formulada, também, em Sérgio Vieira, para quem a unidade surge como um valor:

Eu deixei de desprezar aquele porque é Changana, porque é Maconde, porque é Ajawa, porque é Nhungué ou porque é Sena... Começa-se a entrar nesta noção de que do Rovuma ao Maputo somos um só povo. E não há tribo grande nem pequena. Não há tribo, somos o povo moçambicano (1978, p. 34).

Samora Machel fala em nome do povo e, ao mesmo tempo, cria-o, compondo, em seu discurso enérgico e histriônico, uma espécie de alquimia na qual heterogêneo se transforma em homogêneo. Um só povo, uma só nação, uma só cultura de Rovuma a Maputo, tal como rezava a recorrente metáfora geográfica da unidade nacional,22 mil e uma vezes repetida. "Somos nós que temos esse privilégio, de decidir sobre milhões e milhões de moçambicanos", discursava, em 1977, para uma imensa platéia de alunos e professores; "o que nós queremos é o que todos querem. O que nós diremos aqui irá significar a aceitação do povo inteiro do Rovuma ao Maputo. Neste encontro diremos: não é o que eu quero, não é o que tu queres, mas sim o que todos nós queremos" (Samora, 1977, p. 3).

Mas o vanguardismo será amortecido por algumas instituições locais de participação política: os já referidos Grupos Dinamizadores, estabelecidos basicamente em todos os lugares de emprego formal (fábricas, escolas, hospitais, ministérios governamentais) e nas áreas residenciais das regiões rurais. Os membros dos GD não eram, necessariamente, membros da Frelimo, mas eleitos em reuniões de massa de trabalhadores ou residentes, Contudo os GD acabavam funcionando como uma corrente de transmissão das determinações do Estado/Partido à população.

Esses grupos procuravam, supostamente, construir o chamado "Poder Popular". Para tanto, foi criada uma rede capaz de prover a base organizacional de células do partido, quando a Frelimo se tornou um "partido de vanguarda", iniciando-se um processo de educação e formação política que, mais tarde, poderia prover os recrutas (Kruks, 1987, p. 250). Segundo Egerö (1992),23 o "Poder Popular" teria a vantagem de ser um termo pouco eurocêntrico. Ao que parece, essa noção surgiu na mesma época em Cuba e na África. Na luta da Frelimo, diz Egerö, o termo tem uma conotação bastante difusa:

[...] por um lado, foi usado para denotar democracia, como um objetivo ou princípio da luta. Por outro, referia-se às formas emergentes de organização político-administrativa nas zonas libertadas, incluindo métodos (democráticos) de tomada de decisões e eleição de cargos [...] o Poder Popular permanece como um conceito orientador geral, designando ao mesmo tempo uma série de instituições para a participação popular (1992, p. 44).

Contudo, apesar dos anúncios grandiloqüentes e esperançosos sobre a implementação do "Poder Popular", a experiência não foi bem-sucedida, não passando, de acordo com Cahen (1987, p. 141), de uma completa ficção ideológica: o poder "operário" e "camponês" continuou sendo definido somente por sua representação no Partido único.24

Era preciso, contudo, criar o Povo, atribuindo-lhe uma cultura mais ou menos compacta. A "cultura" moçambicana teve, pois, que se reinventar por meio de um processo de reagregação de retalhos regionais, hibridismos e misturas que não reconhecem, necessariamente, uma herança comum. Em todo caso, supõe-se que o resultado final desse processo deva ser um novo agregado singular, irredutível aos componentes da herança portuguesa.

A nação, para poder existir, deveria operar sob uma configuração cultural sui generis, uma síntese híbrida que representasse todos os moçambicanos. Em determinadas instâncias, esse processo foi caracterizado pela tentativa de compor um autêntico collage ou bricolage cultural. Em uma entrevista, o escritor Raul Honwana25 descreve a forma singular pela qual essa espécie de operação de engenharia cultural atuava:

Após a independência, tenta-se recriar um novo quadro folclórico, no qual se incorpora, por exemplo, uma dança tipicamente daqui do sul, mistura-se com elementos do centro, do norte e, assim, fazem-se várias misturas. Mas este é um trabalho feito de propósito por pessoas conhecedoras, por pessoas que foram preparadas como coreógrafos na União Soviética e na República Democrática Alemã. Então eles faziam todo este arranjo. Misturavam aquilo que constituía o folclore típico de uma região, misturavam com o folclore de outra região de modo a constituir aquilo que queriam que fosse cultura moçambicana.26

A chamada "moçambicanidade cultural" deveria, portanto, ser criada e recriada em contraposição à herança cultural portuguesa. "Muitos não sabiam que nós tínhamos cultura", afirma o enérgico Samora Machel, "mas que a cultura só a tinha o povo português. O que nós tínhamos eram "usos e costumes gentílicos dos indígenas" (Machel, 1977, p. 9). Os usos e costumes, às vezes tolerados, quase sempre estigmatizados, constituíram o dispositivo que mobilizou e justificou a empresa assimilacionista portuguesa, diante da qual a "cultura" moçambicana, como substantivo singular, constrói-se e inventa-se numa relação de enfrentamento a esse elemento luso-centrista. Seja sob a forma de uma cultura portuguesa, seja sob a forma de uma cultura burguesa, essa entidade homogênea contra a qual se deveria lutar reproduz, sempre, os valores "decadentes" e "reacionários".

Não há homem novo sem uma nova cultura: é o que Sérgio Vieira argumenta, sem ambigüidades, ao operar a noção de cultura como visão de mundo (cultura num sentido holístico), mais próxima do conceito antropológico do que da concepção iluminista de cultura. Portanto, Vieira afasta-se, ainda que timidamente, da idéia de cultura veiculada pela narrativa de Honwana.

Eu falo de cultura e não de folclore. [...] Por vezes reduz-se a cultura a um folclore... Mas a cultura ultrapassa tudo isso. A cultura é a dança, mas não só a dança. A cultura é uma concepção do Mundo, é uma maneira de agir sobre o Mundo. É também a arte. Mas não só a arte. A cultura é um conceito total e é um conceito de inovação. É uma tensão para o progresso (Vieira, 1978, p. 38).

Não é possível conceber uma cultura "nova" sem a existência de uma cultura anterior à qual se opor; não é possível conceber o homem novo sem antes saber em que consiste o homem velho, cujos vestígios devem ser erradicados. O processo é sempre relacional. A "fabricação" da nova identidade, homogênea, compacta, ocorre mediante o confronto com a velha identidade. Porém, se no âmbito da teoria o homem novo deve representar uma ruptura qualitativa com os valores da cultura burguesa, da cultura colonial e da cultura tradicional, factualmente esse processo atua sobre os indivíduos de maneira complexa. O homem novo é, em última instância, um produto, cuja pureza nunca se termina totalmente de alcançar.

Descarta-se nessa lógica binária e excludente qualquer metáfora religiosa, segundo a qual o homem novo é o resultado de uma espécie de conversão individual de consciência. Não há homem novo sem a modificação das bases "objetivas", "materiais"'; não é possível que ele emirja da simples modificação das superestruturas mentais ou ideológicas. Há, no entanto, entre o homem novo pensado e o homem novo "real" um viés que só pode ser salvo quando este ser genérico, universal se torna concreto.

A apropriação sui generis do marxismo

Por trás da noção de homem novo existe uma concepção da natureza humana e da sociedade que se funda, indubitavelmente, em alguns princípios elementares27 que Marx e Engels estabeleceram a partir da segunda metade do século XIX, os quais, na apropriação dos porta-vozes de Frelimo, assumem a forma de uma autêntica vulgata revolucionária. No entanto, importa ressaltar que quando Samora Machel era interpelado acerca da apropriação desses princípios, bem como sobre sua adequada aplicação à sociedade moçambicana, sua resposta era dirigida no sentido de sublinhar que a teoria, no caso da Frelimo, surgira da experiência colonial e da própria "prática revolucionária".

Nascimento (1980) reproduz uma entrevista a Samora Machel realizada por Iain Christie28 e Allen Isaacman29 em 1979, na qual lhe foi perguntado sobre como divulgar o marxismo e construir o socialismo numa sociedade formada por uma imensa maioria de analfabetos. A resposta de Samora Machel:

Esta questão reflete uma concepção errada do marxismo. Ela sugere que o marxismo é como uma bíblia. "Como eles podem aprender o catecismo se eles não sabem ler" [...]. Quem faz o marxismo? O cientista fechado com os seus livros? Uma ciência pertence ao seu criador. Quem é o criador do marxismo-leninismo? [...]. Seu criador é o povo na sua luta secular contra os diferentes sistemas de exploração... A guerra popular de libertação, nossa ciência militar [...] foi elaborada e desenvolvida pelo nosso povo analfabeto. O marxismo-leninismo não fez sua aparição em nossa pátria como produto importado ou resultado da simples leitura dos clássicos. Nosso partido não é um grupo de estudo composto de cientistas especializados na leitura e interpretação de Marx, Engels e Lênin (apud Nascimento, 1980, p. 25).

Para muitos intelectuais estrangeiros fascinados com a possibilidade da construção do socialismo em um remoto país da África, essa resposta não fazia mais que alimentar um imaginário, cujo contexto era, sem dúvida, mais global. A possibilidade de um "marxismo caseiro", para utilizar um adjetivo cunhado pelo próprio Iain Christie, questionava, até certo ponto, certezas e idéias preconcebidas dos que haviam aprendido um marxismo de gabinete na Europa ou nos Estados Unidos.

Uma resposta semelhante à anterior foi a que recebeu o sociólogo suíço Jean Ziegler, no início da década de 1980. Ziegler visitou Moçambique como simpatizante da Frelimo e seu objetivo, entre outros, era identificar a origem das raízes "marxistas" do Partido. Christie, em sua biografia sobre Samora Machel, reproduz o diálogo entre Ziegler e o presidente da Frelimo. "Quando foi a primeira vez que leu Marx?" foi a pergunta do sociólogo:

"Bem", disse o Presidente, "quando era jovem costumava ajudar o meu pai, que era camponês". E continuou descrevendo como os camponeses africanos recebiam preços muito mais baixos pelos seus produtos que os colonos portugueses, e falou das várias facetas da exploração que testemunhou em criança. Ziegler, começando a ficar impaciente, disse: "Sim, senhor Presidente, mas quando leu Marx pela primeira vez?" "Bem", disse Samora, "mas tarde na vida juntei-me à Frelimo e tomei parte na luta armada". E continuou falando dos conflitos políticos dentro do movimento, como a história de Ncavandame e dos novos exploradores. Não querendo ser metido no bolso com esta evasiva bem clara, o sociólogo insistiu: "Sim, sim, mas ainda não me disse quando foi a primeira vez que leu Marx" "Ah, isso", disse Samora. "Durante a luta de libertação alguém me deu um livro de Marx. À medida que o lia, apercebi-me que estava a ler Marx pela segunda vez (Christie, 1996, p. 188).

Na base desta concepção, encontra-se a idéia de práxis. A teoria, neste caso, nasce da prática, da "prática revolucionária" fundada na "luta de classes" e na própria experiência de luta. Essa problemática foi evocada à exaustão: o homem não é somente um produto, ele também produz sua própria história em condições determinadas. Assim, o determinismo convive, de forma complexa, com o voluntarismo político, cujo fundamento é a própria experiência revolucionária: aquela experiência, segundo a qual, Samora Machel, ao ler Marx, estava-o fazendo "pela segunda vez".

O processo de construção do homem novo seria, sem dúvida, tortuoso e complexo. A escola cumpriria, portanto, o papel de ser, nas palavras de Samora Machel, um "centro de combate e de produção da nova mentalidade, do homem novo" (1981, p. 38), o que também implicaria a necessidade de instaurar uma "luta ideológica" contra os desvios e as corrupções, provenientes do "homem velho". O corolário desta luta foi a teoria do inimigo interno.

A teoria do "inimigo interno"

As versões sobre uma conspiração que ameaçaria as "realizações revolucionárias" tornaram-se mais evidentes por volta de 1977. Segundo Samora Machel, é nesse ano que ocorre uma "ofensiva reacionária nas escolas". Na ocasião, a Frelimo já se autoproclamava um Partido marxista-leninista, denominação cunhada, sobretudo, a partir do III Congresso. Entretanto, encontrava-se nas escolas, segundo Samora Machel, uma grande dificuldade para implantar as diretrizes do Partido.

Em fevereiro de 1978, Machel pronunciou um candente e enérgico discurso contra aqueles que dificultavam o processo de construção do homem novo nas escolas. Contra quem ele dirigia este discurso? Os adjetivos para se referir a esses "inimigos" eram recorrentes: "reacionários", "infiltrados", "agentes desestabilizadores", "lacaios do inimigo" e assim sucessivamente. "O inimigo", dizia, "lançou-se abertamente nas escolas para ocupar posições favoráveis, para injetar o seu veneno" (1978a, p. 6).

Havia, portanto, um conjunto de atitudes que era preciso desterrar: a indisciplina, o racismo, o elitismo, o regionalismo, o chauvinismo. Aqueles denominados "veteranos" encarnavam nas escolas essas atitudes. "É preciso terminar com o veteranismo. É preciso terminar com a atitude dos alunos mais velhos, que se recusam a enquadrar nas escolas", afirmava, e em tom de ameaça, continuava: "Eles constituem o foco de indisciplina, o modelo de indisciplina. Se nós quisermos descrever o que é a indisciplina, o liberalismo e libertinagem, apresentaríamos esses alunos. Encontramos neles o foco" (Idem, p. 19). "E por que é que ficaram velhos sem freqüentar a escola?", indagava e interpelava. "Por que é que ficaram velhos e não tiraram o sétimo ano no tempo colonial?". Nesse discurso, proferido no Pavilhão do Clube Sporting em Maputo, a platéia se manteve em silêncio. Era o habitual "estilo samoriano" de interpelar seus ouvintes e, a seguir, arremeter com a resposta: "Sabem responder esses velhos que estão aí? Viviam onde? Nem conheciam a porta do Liceu Salazar, nem o machimbombo30 que transportava os alunos para a Escola Comercial. Nós trouxemos-os aqui, para o estudo, e agora trazem o barulho". Essa moral revolucionária não admite meias palavras. Quando Samora Machel falava, falava também o Estado/Partido. É uma moral excludente, a lógica binária do eles ou nós. "Vamos tomar medidas breves em relação a esses velhos", e afirmava contundentemente e sem ambigüidades:

Serão expulsos e enviados para o campo de reeducação.31 São esses alunos velhos que tentam isolar os alunos mais novos que revelam consciência e responsabilidade na sua tarefa de estudar. Esses alunos velhos reprovam sistematicamente, fomentam os vícios e a corrupção na escola, mantêm como tipo de relação aluno-aluna a falta de respeito para com a mulher, falta de respeito pela colega da escola. Espírito de veterano, veterano de reprovações... Expulsaremos esses. São maus. Devem ir para a atividade produtiva de outro tipo. Mas não é só expulsar. Primeiro é preciso punir. Temos o poder, o nosso poder é para criar o homem novo, a nova mentalidade, novo tipo de relações, de respeito e admiração pelos nossos professores, porque eles são os nossos responsáveis (Idem, p. 20).

Esse era, pois, o grupo que supostamente veiculava a mentalidade do "inimigo",32 sendo preciso então "reeducá-lo", extirpar os vestígios coloniais de sua cabeça. Samora Machel não economizava metáforas cirúrgicas. "Vestígios!", gritava em um famoso discurso de 1977, dirigido aos trabalhadores da educação. "Vestígios!", voltava a repetir. "A cabeça tornou-se base do inimigo", e arrematando: "É preciso o cirurgião abri-la e fazer uma raspagem para tirar os quistos que estão lá incrustados. Vestígios!" (Machel, 1977, p. 14).

Com o objetivo de impor uma autêntica campanha pedagógica e moralizadora, a propaganda da Frelimo chegou a idealizar e a popularizar um desenho, cuja personagem, Xiconhoca, era o portador de todos os predicados que definiam o "inimigo". Xiconhoca representava o paradigma do indivíduo preguiçoso, individualista, bêbado, corrupto e explorador, situando-se, portanto, nas antípodas do homem novo.

Com o tempo, aquele entusiasmo revolucionário foi amortecendo. Mais recentemente, ao consultarmos, por exemplo, um documento, publicado pelo Ministério da Educação em 1991, constatamos que o Sistema Nacional da Educação tem por finalidade não formar o homem novo, mas, simplesmente, "Contribuir para a formação do Homem moçambicano, com consciência patriótica, cientificamente qualificado, profissional, tecnicamente capacitado e culturalmente liberto" (MINED, 1991, p. 3).


O desencanto pós-colonial

A idéia de "pós-colonialidade", pensada apenas em termos diacrônicos, como se o sufixo "pós" estivesse autorizando somente uma sucessão temporal entre o "colonial" e o "pós-colonial", constitui-se numa armadilha freqüente. Contudo, numa perspectiva sincrônica e analítica, as discussões sobre a questão pós-colonial remetem mais ao contexto de um pessimismo teórico ou político (associado, também, a alguns debates "pós-modernos") do que ao período imediatamente posterior às independência. Segundo David Scott, uma das raízes do problema do pós-colonialismo reside no desencanto produzido pela queda do "socialismo" e pelo triunfo das "relações de mercado" (Scott, apud Robotham, 1997, p. 393). Em Moçambique, o desencanto pós-colonial tem seu próprio itinerário.

Passados mais de trinta anos do momento em que a idéia de "homem novo" começou a ser construída nos discursos de Samora Machel e de outros notáveis membros da Frelimo, é possível agora enxergar os fatos a partir de uma perspectiva distinta e de forma menos apaixonada. O analista contemporâneo encontra-se, sem dúvida, em vantagem após aqueles anos de efervescência revolucionária. Naquele tempo, as palavras de ordem pareciam criar imediatamente uma realidade sobre a qual não era possível duvidar.33 O entusiasmo para criar a nova sociedade neutralizava qualquer dúvida quanto à viabilidade daquele otimismo revolucionário. Hoje, o termo homem novo soa um tanto antiquado, não tanto pelas visões de messianismo salvacionista ou pelos ex-abruptos moralistas que evoca, mas sim porque a sociedade moçambicana foi se complexificando à medida que aquela fraseologia se tranformava, progressivamente, em uma cópia desgastada de si mesma.

Muitos intelectuais e militantes não-moçambicanos entusiasmaram-se com as mudanças que estariam sendo geradas em Moçambique. Militantes das mais diversas origens – Suécia, Canadá, Estados Unidos, Itália – igualmente se emocionavam ao ver um líder africano como Samora Machel falando com uma ênfase inusitada sobre a construção do homem novo. Alguns cooperantes italianos, no campo da educação, procuraram, inclusive, analisar aquele processo introduzindo categorias derivadas do pensamento de Antonio Gramsci.34 Todos eles cumpriram, em seus respectivos países, um significativo papel de divulgação da "experiência" moçambicana.

Diante dessa espécie de Babel cultural e lingüística, compartilhada por exilados latino-americanos, cooperantes e intelectuais europeus, era possível, no entanto, uma linguagem comum, uma mesma gramática constituída pela esperança de construir o socialismo naquele recanto da África.

No início dos anos de 1980, Moçambique encontrava-se numa guerra civil que parecia interminável. Foi quando Samora Machel lançou sua primeira ofensiva política e organizacional para derrotar, definitivamente, o "inimigo interno" e acabar com a corrupção nos locais de trabalho. Em 15 de março de 1983 a Lei 2/79 foi ampliada, passando a prever a pena capital contra quem atentasse contra a segurança do povo e do Estado; em 9 de abril realizou-se, no bairro da Liberdade, em Maputo, um comício de apoio à lei da chicotada, enquanto, em outro bairro, foram fuzilados publicamente seis indivíduos condenados pelo Tribunal Popular Revolucionário (Serra, 1997, p. 113). Nesse mesmo ano, começou a vigorar a chamada operação produção,35 formalmente destinada a evacuar os "improdutivos" das cidades, enviados, aos milhares, para o norte do país.36 No plano internacional, tal iniciativa de neutralização do inimigo interno e externo se consumou com a assinatura do Acordo de Incomati, em março de 1984. Formalmente, Moçambique e África do Sul passariam a assumir, a partir desse acordo, uma política de não-agressão e de boa vizinhança, o que significou para muitos moçambicanos simpatizantes da Frelimo um gesto de "traição", no qual o país se curvava aos desígnios de uma África do Sul ainda dominada pelo apartheid.37 De fato, a África do Sul acabou não cumprindo os termos "pacificadores" do acordo e continuou, portanto, prestando ajuda militar à Renamo.

Poucos meses antes da morte de Samora Machel, Moçambique inicia as negociações com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial do qual recebe, no início de 1985, um empréstimo de 45 milhões de dólares (Cahen, 1987, p. 132). No V Congresso de julho de 1989 (ou seja, alguns meses antes da queda do Muro de Berlim) a Frelimo abandona o "marxismo". Já a partir da década de 1990, o país experimenta algumas transformações fundamentais: fim da guerra civil, implantação da democracia multipartidária e reformas no campo socioeconômico. Entretanto, e diante das incertezas do presente, a imagem de Machel era evocada como uma garantia de segurança. Mas isso assumia muitas vezes a forma de uma narração mítica, que sublinhava sua sagacidade, sua capacidade de eloqüência, sua coragem para superar as dificuldades e enfrentar o inimigo externo ou interno e, claro, sua força retórica.

Considerações finais: narrativas da unidade

Não posso elidir da memória os comícios na Praça da
Independência. Então, a multidão formava o cinto à volta do Velho –
como chamavam, por respeito e afecto, ao Presidente Samora Machel.
De todas as lições, o seu daltonismo marcou-me para sempre. Talvez
a realidade nos tenha enganado. E devolvido, na sua crueldade, a
lembrança de que os homens, afinal, têm raças. Quero acreditar que
ele tinha razão: não havia brancos nem pretos, não havia mulatos nem
amarelos, e sim moçambicanos.

Nélson Saúte, "Bandeiras de papel em mastros de
caniço", Público Magazine, 277, p. 34, 25/6/95, Lisboa.

Ao longo dos diferentes momentos da minha estadia em Moçambique – entre 1996 e 2003 – ouvi inúmeros e diversos relatos sobre Samora Machel. Buscando, talvez, uma inspiração levistraussiana, seria útil tomar alguns deles como um conjunto narrativo único que envolve diferentes versões – ou seja, o mito como o conjunto das suas transformações, o qual, por sua vez, atua, para além dos conteúdos substanciais das suas "histórias", como o operador lógico de um tema recorrente: a unidade da nação. Não se trata aqui de averiguar o caráter supostamente autêntico ou falso dessa ou daquela narrativa sobre Samora, senão de indagar sobre como uma determinada imaginação nacional é atualizada e reatualizada, sem solução de continuidade, à medida que essas narrativas – "lembranças/esquecimentos" – são contadas e recontadas uma e outra vez. Talvez, um dos conjuntos mais reveladores – que ilustra, ao mesmo tempo, a natureza complexa da relação Samora e o "povo" – seja o que coletei no Norte do país, num trabalho de campo cujo objetivo era analisar a relação entre o Estado (e seus porta-vozes) e as comunidades muçulmanas da província de Nampula e da Ilha de Moçambique.

Foi por volta de 1975 que Samora Machel, recém-presidente, viajou ao Norte do país em sua primeira visita oficial. Na Ilha de Moçambique, Samora fez questão de se dirigir aos muçulmanos e ingressar na mesquita central. Esse ato ficou marcado na "memória" de muitos muçulmanos, produzindo uma espécie de incidente-metáfora que, no futuro, alimentaria um conjunto de narrativas sobre a relação de Samora com os muçulmanos do Norte.

Samora teria, supostamente, desrespeitado uma regra sagrada para os muçulmanos ao adentrar na mesquita central da Ilha de Moçambique: ele não teria tirado os sapatos antes de ingressar no recinto principal. Contudo, nas várias entrevistas que realizei com diversos muçulmanos, as versões sobre o incidente foram diversas e contraditórias. Algumas pessoas inclusive pareciam não se sentir completamente à vontade para comentar do assunto. A ausência de uma versão clara e convincente sobre o episódio mostra as tensões entre Samora Machel –porta-voz da jovem nação moçambicana – e as comunidades muçulmanas. Nesse sentido, a suposta atitude de Samora constitui um pretexto para pensar tanto os processos de construção de equívocos como de compatibilidades, e também para pensar as dinâmicas de atribuição de significados – polissêmicos – em relação à sua figura.

Todos os relatos sobre o episódio na mesquita podem ser classificados dentro de três ordens. A primeira é a do escândalo e indignação. Os muçulmanos de maioria macua, seguidores de alguns dos braços das Confrarias do Norte do país, não tiveram dúvida em se mostrar inconformados com semelhante atitude de desapreço por parte do primeiro presidente do país. A segunda, à qual poderíamos chamar de diplomática, reconhece a gravidade da falta, mas busca amenizar o incidente ao postular que nenhum dos assessores de Samora Machel lhe avisou acerca dos procedimentos de etiqueta para o ingresso na mesquita. Esta reação busca absolver Samora de qualquer culpa, depositando todo o peso da responsabilidade na falta cometida por seus assessores e acompanhantes imediatos. A terceira foi simplesmente a da negação: o imediato não reconhecimento do incidente, classificando-o como calúnia.

Também há outro conjunto de narrativas que ilustra a relação de Samora Machel com os muçulmanos, mas num momento histórico posterior. Trata-se da famosa reunião realizada em dezembro de 1982 entre a direção do partido Frelimo e do Estado moçambicano e os representantes das principais confissões religiosas existentes no país. Desta vez, não se trata de uma suspeita, rumor ou desconfiança. Ao contrário, é um momento no qual o Estado-nacional, após anos de implantação de uma política anti-religiosa, resultado do ideário "marxista-leninista", procura construir uma relação de cumplicidade com as diversas comunidades religiosas em nome do "amor à pátria" e da unidade nacional.

Era o momento da já mencionada Ofensiva Política Organizacional, iniciada em 1980, que provocou debates profundos no partido Frelimo acerca dos rumos futuros do país. Contra o que Samora chamava de "inimigo interno" haveria que se impor uma profunda moralização no seio do governo e, sobretudo, um forte controle no âmbito das administrações provinciais. Uma das palavras de ordem recorrentes era "organização" e foi precisamente isto que Samora Machel reclamou aos principais representantes das comunidades religiosas do país. Com igual veemência, clamava pela necessidade de fortalecer a unidade nacional entre todos os moçambicanos: "Moçambicanos de todas as crenças [...] esta Nação é patrimônio comum [...]. A Nação identifica-se pelos seus símbolos. Perante a história, perante a cultura, perante a Nação não há católicos, não há muçulmanos, não há protestantes, não há ateus – há moçambicanos patriotas ou antipatriotas" (1983, p. 20).

Daquele encontro participaram, entre outros líderes muçulmanos, o fundador do Conselho Islâmico de Moçambique, Abubacar Ismail Manshirá,38 conhecido como Maulana Abubacar. No seu discurso diante o presidente de Moçambique, Maulana Abubacar esboçou, de início, uma descrição dos motivos que, até aquele momento, dificultaram uma organização representativa dos muçulmanos "perante o governo, ou perante as organizações religiosas internacionais" (1983, p. 25). Logo em seguida, atribuiu tais dificuldades ao período colonial, que tolerou as confrarias muçulmanas – símbolos, na visão de Maulana Abubacar, de um Islã atrasado –, mas dificultou a criação de uma organização que comportasse todos os muçulmanos de Moçambique. Na segunda parte do seu discurso, Maulana utiliza-se de uma inconfundível linguagem samoriana num esforço nítido de ganhar a simpatia de Samora ou, pelo menos, sua aprovação. A religião muçulmana, diz Maulana "sempre recita uma citação do profeta Mohamed, que diz: 'Amar a Pátria faz parte da crença'" (Idem, p. 26).

A partir daquele momento abriram-se as portas para a existência de uma compatibilidade moral sob a qual seria possível detectar os componentes inequívocos do homem novo, mil e uma vezes esboçado pelo discurso de Samora

Nós, muçulmanos, pregamos sempre estas palavras nos nossos sermões nas mesquitas. Mas como amar a Pátria? Só fazer propaganda? Não. É preciso trabalhar, desenvolver a Pátria e para isso é necessário construir escolas, hospitais, estradas, poços, seminários, orfanatos, etc., e defender a Pátria contra os inimigos, os bandidos, os ladrões, e lutar contra a prostituição (Idem, p. 26).

Maulana Abubacar, sem dúvida, sabia como agradar Samora. A última parte do discurso, porém, compõe-se de reclamações e reivindicações dirigidas ao governo que, em traços gerais, apontam para o favorecimento do ensino do Islã e a capacitação educacional de jovens muçulmanos nascidos em Moçambique em países como Líbia, Iraque, Arábia Saudita e Egito.

No Norte de Moçambique – na província de Nampula – tive a oportunidade de coletar um relato instigante acerca desse discurso de Maulana Abubacar. Não contradizia o conteúdo substancial do discurso publicado pelos próprios órgãos de Frelimo, mas acrescentava uma suposta reação de admiração que Samora Machel tivera após ouvir o dirigente muçulmano. O relato me foi contado pelo então subdelegado provincial do Conselho Islâmico em Nampula:

Ele [Samora] gostou bastante da apresentação de Maulana Abubacar. Naquele encontro Maulana fez uma intervenção acerca da ideologia do Islã incorporando os temas que a Frelimo, nessa altura, tinha por lema: Unidade, Trabalho e Vigilância. Frelimo insistia com essas três consignas para que o povo estivesse organizado. Então, Maulana Abubacar retomou esses temas e apresentou-os, usando o Alcorão e os Hadiths. Samora gostou bastante e achou que havia uma certa afinidade entre a política oficial e a filosofia islâmica. Então, a partir dessa data ele [Samora] simpatizou muito com o Conselho Islâmico de Moçambique e houve maior abertura do governo para que o Conselho pudesse expandir em nível de todo o país.39

No contexto de um país multilingüe, plurireligioso e pluriétnico, essas lembranças – e narrativas de "unidade" – possuem uma força particular. Benedict Anderson (2005) ressaltou que para a nação existir como comunidade imaginada, é preciso que a recordação real seja substituída por uma recordação mítica. Em outras palavras, o surgimento de uma nova consciência nacional exige também uma nova forma de amnésia. A guerra entre Frelimo e Renamo, as violentas medidas "revolucionárias", como a implantação da Operação Produção e a construção de prisões, eufemisticamente denominadas Centros de Reeducação, entram nessa lógica de recordação/esquecimento. Sob tal premissa da imaginação nacional, a guerra ocorrera, no final das contas, entre "irmãos" que se consideravam inimigos – e não entre "proto-nações". Essa perpétua invocação – e evocação – da figura de Samora Machel contribui para criar e recriar a ilusão da confraternidade e a renovação indefinida do mito tranqüilizador do fratricídio.

Nos anos de 1990, Moçambique consolida sua política econômica sob os auspícios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (Bowen, 1992; Simpson, 1993). As "novas gerações" do Sul do país – funcionários, intelectuais, empresários, comerciantes – não parecem se incomodar com este novo rumo. Entretanto – e seguindo as palavras de Iraê Lundin (1995, p. 440) – o partido Frelimo resta polarizado entre os "velhos" políticos da Assembléia da República e os "novos" tecnocratas do governo. Apesar das idas e vindas da política local, a figura de Samora Machel continua a ser reinventada pelos porta-vozes da nação, por meio dos grandes rituais nacionais, das celebrações de culto aos mártires da pátria e, sobretudo, dos murmúrios que ecoam na cidade baixa (o centro de Maputo): "na época de Samora não havia corruptos, como hoje"; "se Samora vivesse não haveria tanta delinqüência em Moçambique"; "Samora sempre dizia 'cabrito come onde está amarrado', pois bem, temos que terminar com o cabritismo na política" (ou seja, com a corrupção). Eis algumas das frases que ouvi em 1996. O espectro do "camarada Samora" parecia, assim, estar mais vivo do que nunca. Sem dúvida, essas narrativas contribuem para nos fazer recordar que, apesar de tudo e uma vez mais, "de Rovuma a Maputo" há um só povo, uma nação, "todos moçambicanos". Entretanto, a comunidade imaginada continuará a exigir a sobreposição dessas lembranças – e ilusões de unidade – com outros esquecimentos, pois essa é a condição de existência que toda nação – de forma inconsciente, diria Benedict Anderson – reclama para si. Por fim, e voltando à epígrafe inicial, essa condição imaginativa está singularmente condensada nas próprias palavras, talvez um tanto melancólicas, do escritor moçambicano Nélson Saúte: "Quero acreditar que ele [Samora] tinha razão". Tal evocação veicula, mais uma vez, a constatação de que "vontade" e "crença" são, também, elementos constitutivos e intrínsecos da imaginação nacional.

Notas

1 Eduardo Mondlane nasceu em 1920. Estudou com missionários suíços no sul de Moçambique. Em 1949, conseguiu, com ajuda do Conselho Cristão de Moçambique, matricular-se na Universidade de Witswatersrand, na África do Sul, sendo expulso pelo regime do apartheid alguns meses depois. Em 1950, permaneceu por um breve período na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. Em 1951, partiu para os Estados Unidos, onde concluiu o doutorado em 1957. Após trabalhar como professor universitário e como consultor das Nações Unidas sobre assuntos africanos, decidiu, com o apoio de Julius Nyerere, formar em 1962 a Frelimo. Para mais detalhes sobre a biografia de Eduardo Mondlane, ver os trabalhos de Teresa Cruz e Silva (1992, 1999, 2001).

2 As aspas são utilizadas no sentido de relativizar esta autocategorização processada no interior da própria Frelimo pelos seus porta-vozes. Do ponto de vista de uma análise externa, o assunto requereria uma longa reflexão acerca do tipo de apropriação prática e teórica que, de fato, fez a Frelimo desses princípios. Sobre o assunto, ver, entre outros, Darch e Hedges (1998); o estudo pioneiro de Thomas H. Henriksen (1978). Entre os trabalhos mais recentes, ver Simpson (1993); Kruks (1987); também a reveladora entrevista de Joe Slovo com Marcelino dos Santos: "Frelimo faces the future" (1973). Por último – e principalmente – ver o capítulo "Marxisme et mozambique" em Cahen (1987) e a tese de doutorado – ainda inédita – de Brito (1991).

3 Na ocasião, uma Comissão da Procuradoria Geral de República foi criada para apurar os fatos. Em 1996, o jornal Renascer de Maputo publicou uma polêmica entrevista com Humberto Casadei, um grande admirador de Samora Machel, cujo principal argumento, a partir de um inquérito "pessoal", veicula a idéia de que o "acidente" não poderia ter sido provocado sem o envolvimento interno, ou seja, sem a participação de "mãos moçambicanas" ("Quem matou Samora Machel?", Renascer, Maputo, out. 1996).

4 Mesmo que a divisão jurídica "indígenas" e "não indígenas" tenha começado a se cristalizar já no Código de Trabalho de 1899, foi em 1928 que o código do Indigenato adquiriu uma sistematização definitiva, sendo abolido apenas em 1961.

5 Ver, sobretudo, Serra (1997, pp. 39-44).

6 Um exemplo desta historiografia "consagrada" são os manuais História de Moçambique, elaborados e editados pelo Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane.

7 A esse respeito, ver também Depelchin (1983), Schneidman (1978) e Azzina (1985).

8 Aquino de Bragança foi jornalista, militante histórico da Frelimo e conselheiro particular de Samora Machel. Faleceu, junto com o presidente de Moçambique, no referido "acidente".

9 Não é meu objetivo neste artigo analisar pormenorizadamente as diversas fases pelas quais atravessou o pensamento político de Eduardo Mondlane. Em relação ao dilema entre a obtenção de uma independência negociada e uma independência obtida através da luta armada, podemos evocar as palavras de Sansão Mutemba: "Eduardo Mondlane... era uma pessoa contra a guerra e, portanto, contra todas as violências. Mesmo quando ele se conscientizou que o futuro de Moçambique teria de ser a independência, a idéia de alcançá-la apenas através de conversações com o Governo Português dominou-o durante anos seguidos. Só quando a luta armada surgiu como a única alternativa possível, só quando todas as outras possibilidades se frustraram é que ele aderiu e se engajou decididamente nessa via com o seu povo" (entrevista com Sansão Mutemba: "Mondlane, o homem e a revolução", com textos de Mota Lopes, Tempo, Maputo, 227, p. 7, 1975).

10 Lázaro Ncavandame era um comerciante maconde que tivera relativo sucesso com a organização da sua cooperativa – a Sociedade Africana Algodoeira Voluntária de Moçambique. Apesar das desconfianças de algumas lideranças da Frelimo em Dar-es-Salam, foi convidado, no final de 1962, para ocupar o lugar de regional "chairman" na província de Cabo Delgado. O ápice de seus conflitos com a Frelimo data de 1968, momento no qual Ncavandame cogita a possibilidade de uma independência somente para Cabo Delgado, província do norte do país. Acusado de oportunismo e traição, Ncavandame é expulso da organização.

11 Assim eram denominadas, durante a luta armada, as áreas que a Frelimo conseguia controlar e tornar "livres" da presença colonial portuguesa. Entre 1967 e 1969, já se encontrava "liberada" a faixa norte do país, na zona limite com a Tanzânia. Esse processo foi se estendendo a partir do norte até chegar à província de Tete, entre 1970 e 1972.

12 O lobolo é uma instituição amplamente difundida nas sociedades – patrilineares – bantus e consiste numa compensação nupcial que a família do noivo oferece à família da noiva no momento do casamento.

13 A bibliografia, sobre esse tema aumentou consideravelmente nos últimos anos. Entre as reflexões realizadas pelos próprios moçambicanos, ressaltamos o artigo de Brito (1988). Sobre o processo de gestação das idéias "protonacionalistas" e o surgimento de uma consciência política no sul de Moçambique, ver o livro de Teresa Cruz e Silva (2001). Entre os trabalhos recentes, ver o artigo de Cahen (2005).

14 Um dos trabalhos mais instigantes sobre essa guerra foi realizado pelo antropólogo Geffray (1990). Nesse livro, Geffray pretende demonstrar que, para além dos apoios externos à Renamo, havia, no norte de Moçambique, um descontentamento real das populações rurais em relação à Frelimo, que teria sido capitalizado pela estratégia desestabilizadora da Renamo. Para uma crítica ao livro de Geffray, ver o artigo de O'Laughlin (1992). Um artigo mais recente sobre esse marcante livro foi escrito por Florêncio (2002).

15 Para aprofundar esta questão, ver o artigo de Hall (1990). Michel Cahen (2004) retrata os bastidores da campanha eleitoral da Renamo nas primeiras eleições democráticas multipartidárias de Moçambique, em 1994.

16 Sobre o desenvolvimento do processo de pacificação e posterior implantação de um sistema democrático multipartidário, consultar o livro Moçambique. eleições, democracia e desenvolvimento, editado por Brazão Mazula, 1995, Maputo.

17 Ver a entrada correspondente a "new man" em Roger Scruton, A dictionary of political thought, Macmillan Press, Londres, 1982, p. 322.

18 Sérgio Vieira ingressou na Frelimo quando ainda era estudante universitário na Europa. Mais tarde, foi ministro de Segurança e diretor do Banco Central do governo Samora Machel. Nos anos de 1990, foi diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane e deputado pela Frelimo.

19 Esse discurso foi publicado em 1973 pelo Departamento de Informação e Propaganda da Frelimo no segundo Caderno da coleção "Estudos e Orientações". Foi republicado em 1978 pelo Departamento do Trabalho Ideológico da Frelimo. De acordo com o prefácio da segunda edição: "O estudo 'Educar o homem para vencer a guerra, criar uma sociedade nova e desenvolver a pátria' ocupa um lugar de particular importância [...]. Ele foi efetuado pelo Presidente Samora Machel com o objetivo de definir a natureza da Educação e da Cultura revolucionárias e suas características de ruptura com os sistemas de Educação das sociedades tradicional-feudal e colonialista" (1978, p. 3).

20 Alhures, analisei a complexa construção jurídica de "assimilado" em contraposição à noção de "indígena" (Macagno, 2001).

21 Tal como anuncia Verena Stolcke (2000), dos três elementos constitutivos do Estado moderno (um território, um governo, um povo), circunscrever o "povo" demonstrou ser a questão mais problemática. O mesmo processo foi detalhadamente abordado por Etienne Balibar (1991) nos termos, por ele denominados, "produção do povo".

22 Luis C. de Brito (1991), em sua tese de doutorado, aplica uma distinção entre o termo "nacionalismo", concernente ao que politicamente já é nacional, e a expressão – por ele cunhada – "nacionismo", que, no caso de Moçambique, traduz social e culturalmente um "nacionalismo do Estado", ou seja, o desejo de uma elite minoritária de proceder à rápida "fabricação da nação". Nesse sentido, segundo Cahen (1995, pp. 87-88), um dos motivos pelos quais essa elite minoritária foi capturada por um certo marxismo corresponde à sua "necessidade de criar um Estado forte, lugar da sua reprodução social, meio da criação rápida de uma nação moderna de tipo européia e jacobina, negadora da etnicidade", de modo que esse certo marxismo, "na sua versão staliniana, era operante para exprimir esse nacionalismo".

23 Bertil Egerö é uma cientista social de origem sueca, cujos primeiros contatos com a Frelimo datam da década de 1960. Colaborou como "cooperante" com o governo moçambicano entre 1978 e 1980, na Comissão Nacional de Plano. Sua tarefa inicial consistia em participar dos preparativos para o primeiro recenseamento da população em Moçambique independente, marcado para 1980, fato que lhe permitiu percorrer várias regiões do país.

24 Segundo Cahen, "O 'poder popular' é tão somente uma ficção ideológica e nunca foi definido de outro modo que por sua representação pelo partido. Com a exceção significativa de associações patronais e de pequenos produtores, nenhuma organização era independente do partido. Elas possuíam todos os seus dirigentes nomeados por ele e tinham como única tarefa transmitir sua linha neste ou naquele setor da população" (1987, pp. 73-74). Para um aprofundamento desta crítica, ver também Cahen (1985).

25 Raul Honwana Jr. é escritor e professor. Filho de Raul Bernardo Honwana e membro de uma família de várias personalidades que se destacaram na vida pública moçambicana. Aos 5 anos de idade, perdeu a visão em conseqüência de uma meningite. Aprendeu os primeiros rudimentos de Braile aos 13 anos e acabou por se formar em Filosofia na Universidade Clássica de Lisboa.

26 Entrevista pessoal a Raul Honwana, Maputo, out. 1996.

27 No caso dos discursos de Frelimo, esses princípios podem ser rastreados em alguns textos básicos, tais como A ideologia Alemã, A origem da família, a propriedade privada e o Estado e, sobretudo, o prefácio de Contribuição à crítica da economia política.

28 Iain Christie nasceu em 1943, em Edimburgo, Escócia. Trabalhou para jornais britânicos de 1958 a 1970, quando foi viver na Tanzânia, onde trabalhou como jornalista até 1975. Passou a viver em Moçambique a partir de 1975; trabalhou na agência de informação nacional, atuando, depois, na Rádio de Moçambique como chefe do serviço externo. Tornou-se cidadão moçambicano em 1996.

29 Historiador norte-americano e conhecido "moçambicólogo". Allen Isaacman escreveu, junto com Barbara Isaacman, The tradition of resistente in Mozambi que: anti-colonial activity in the Zambesi Valley, 1850-1921 e Mozambique: from colonialism to revolution, 1900-1982. Também realizou valiosa entrevista com Raúl Bernardo Honwana – pai de Raul Honwana – publicada em português sob o título: Raúl Bernardo Honwana: memórias.

30 Termo cotidiano usado em Moçambique para se referir aos ônibus.

31 A história e a sociologia daquilo que a Frelimo eufemisticamente denominava "campos de reeducação" era, ainda, uma tarefa a ser realizada.

32 Omar Ribeiro Thomaz (2004) analisou, com novas contribuições etnográficas, a construção da categoria de "inimigo" em Moçambique, mas, dessa vez, aplicada às comunidades de origem indiana, compostas na sua maioria por comerciantes bem-sucedidos, vulgarmente chamados de "monhés".

33 O livro pioneiro de Michel Cahen, publicado em 1987 talvez seja uma exceção a esse respeito. Nas vésperas de Moçambique reconhecer abertamente sua entrada numa "economia de mercado", o autor consegue demonstrar que, na verdade, a natureza "socialista" do regime da Frelimo era mais ideológica do que real. Apesar dos grandes discursos "rupturistas" de Samora Machel, a continuidade estrutural com o período colonial foi marcante, sobretudo no que concerne à relação com a África do Sul: "dependência em relação à África do Sul estava a tal ponto impressa nas estruturas mesmas do Moçambique colonial que a natureza das ligações a se estabelecer entre a República Popular independente e o país do apartheid estavam estreitamente ligadas à natureza de classe da independência de Moçambique (Cahen, 1987, p. 105).

34 É o caso paradigmático de Gasperini (1980, 1984) e Gasperini e Nascimento (1980).

35 Tal como explica José Luis Cabaço, a Operação Produção "consistiu no envio forçado de cidadãos considerados improdutivos da cidade para as áreas rurais, em particular, para a província do Niassa" (1995, p. 92). A Operação ocorreu entre julho e setembro de 1983. No entanto, Luis de Brito ressalta que a idéia dessa Operação vinha sendo discutida bem antes do ano da sua implementação, pois o desemprego e as migrações em direção a Maputo começavam a preocupar os dirigentes da Frelimo. Segundo Brito, essa degradante situação derivava, em grande medida, da "partida massiva dos colonos e a tensão das relações do Moçambique independente com a África do Sul e a Rodézia haviam provocado uma onda de desemprego em certos setores da economia [...] com a chegada de novos desempregados, a situação piora. O afluxo à Maputo de um grande número de trabalhadores rurais [Fr.: ruraux] originários das províncias do sul de Moçambique foi o resultado da súbita interrupção, no momento da independência, do recrutamento pelas minas sul-africanas. A partir de 1980, esse movimento foi ainda acelerado pelos efeitos da guerra conduzida pela Renamo nessas regiões" (1991, pp. 235-136), de modo que essa "questão foi abordada pela primeira vez quando da reunião nacional dos comitês dos distritos (Mocuba, 16-21 de fevereiro de 1975). As recomendações dessa reunião preconizavam a adoção de 'medidas políticas e administrativas' para enfrentar o problema" (Idem, pp. 234-235).

36 Segundo Brito, "no imaginário dos dirigentes da Frelimo, aqueles que eles consideravam 'improdutivos' (desempregados e outros) eram os preguiçosos, os bandidos, os criminosos. Assim [...] o objetivo foi também o de eliminar a 'ameaça' que representava, nas grandes cidades, uma camada social potencialmente perigosa e suscetível de apoiar a Renamo" (1991, pp. 242-243, n. 30).

37 Conforme a minuciosa análise que Michel Cahen realiza sobre as causas e as conseqüências do Acordo de Incomati, não foi ele, como muitos interpretaram apressadamente na época, um resultado extremo do "pragmatismo marxista" da Frelimo, mas, sim, uma conseqüência previsível da própria natureza da dependência de cunho capitalista de Moçambique em relação à África do Sul. "A Frelimo não mudou de linha após Incomati; apenas enfrentou uma situação resultante do colonialismo, que ele próprio [o partido Frelimo] não tinha conseguido destruir: o jogo clássico das leis do mercado" (Cahen, 1987, p. 94), que se traduziu num "processo crescente de liberalização da economia em bases neo-coloniais" (Idem, p. 35).

38 Nascido em Inhambane, Maulana Abubacar estudou durante onze anos na Arábia Saudita formando-se em direito islâmico (Sharia) pela Universidade Islâmica de Medina.

39 Entrevista com Habibo, subdelegado do Conselho Islâmico de Moçambique, Nampula, 24/7/2003.

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* Este artigo é uma versão ampliada e modificada de um trabalho intitulado "Lendo Marx 'pela segunda vez': experiência colonial e a construção da nação em Moçambique", apresentado numa mesa redonda coordenada por Armando Boito Jr. no IV Colóquio Marx e Engels, em novembro de 2005, na Unicamp. Agradeço a Angela Lazagna pela leitura, comentários e revisão, bem como pela sua disponibilidade para me colocar em contato com a tese de doutorado de Luis Cerqueira de Brito sobre o papel do "marxismo" na construção do Estado-nacional em Moçambique.




2 comentários:

Jorge Fernando Jairoce disse...

Vejam que neste artigo Eduardo Mondlane é considerado fundador da FRELIMO. Confronte esta tese com as entrevistas de Guidion Falhuza e Jaime Ghamba no Arquivo do Blog.

Unknown disse...

Prezado Jorge, apenas para felicitar sobre o escrito. Deveras impressionante e com muito aprendizado por resgatarmos e quiçá implementarmos na chamada nova era...
Proponho desde ja que apresente uma paper na Conferencia que a UP Nampula vai promover no dia 17 de Outubro - sobre as ideais Samorianas.
Qualquer coisa, disponha-se 846818290
Abraços...