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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

05 junho 2012


CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE POR URIA SIMANGO (NOVEMBRO, 1974)


Um alerta que o mundo desconheceu

Situação actual em Moçambique

De modo a informar todos aqueles que se interessam pelos acontecimentos em Moçambique, decidi escrever estas breves linhas na esperança de que elas possam vir dar uma visão geral da situação.

O golpe de estado de 25 de Abril em Portugal, foi seguido de promessas dadas pela junta militar dirigida pelo General Spínola de que às colónias iria ser conferida a liberdade de escolherem o seu futuro. Deste modo, a independência seria concedida após eleições gerais, nos princípios de 1975, em que todos os partidos políticos poderiam participar. Com efeito, foi concedida uma amnistia a todos os políticos e aos movimentos de libertação, autorizando-se o seu regresso aos seus respectivos países de forma a terem a oportunidade de expressar os seus ideais antes das eleições.

Porém, a preocupação imediata de Portugal foi a de criar uma atmosfera de paz como condição necessária para uma pacífica actividade política e elaborar os instrumentos necessários para as eleições e transferência de poderes para os povos colonizados. Por conseguinte, viu-se que as conversações para um cessar fogo eram prioritárias. Por esse motivo, as conversações começaram para Guiné Bissau.


Cessar fogo

Em telegrama endereçado ao governo zambiano, o governo provisório português indicou que uma delegação liderada pelo Dr. Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, deveria estabelecer conversações em Lusaka com ambas forças – Frelimo e Coremo. Essas conversações não incluiriam questões relacionadas com a independência dado que as mesmas careciam da participação de outras forças políticas no interior do país.

Por razões por nós desconhecidas, na véspera das primeiras conversações as tropas zambianas atacaram as bases militares do Coremo em Moçambique, tendo procedido à detenção dos nossos combatentes. Os dirigentes do partido que na altura se encontravam em Lusaka foram detidos e posteriormente encarcerados.

As informações que obtivemos junto das autoridades prisionais são de que esses dirigentes foram transferidos para a Tanzânia, não sendo possível obter directamente quaisquer notícias dos mesmos.

Não nos causará surpresa ouvir dizer que todos eles acabaram por ser entregues a Frelimo, às mãos de quem a morte é o destino certo.

No decurso do mês transacto, tropas da Zâmbia e guerrilheiros da Frelimo, numa acção combinada penetraram no distrito de Tete no encalço das nossas forças que não haviam sido destruídas durante a primeira operação.

Não restam dúvidas de que a eliminação física do COREMO foi planeada de modo a manter a FRELIMO como o único interlocutor nas negociações com o governo português. Não cremos que as autoridades zambianas tenham agido de forma prudente, independentemente das suas melhores intenções.


A exclusão

Talvez os arquitectos do plano de exclusão não estivessem cientes do seu acto. Todavia, ao procederem dessa forma, acabaram por dividir o povo que pretendiam unir, pois um sector da população representado por outros partidos não foi ouvido e consequentemente, alienado ao acordo de Lusaka. Não seria lógico e correcto afirmar-se que o acordo foi imposto ao Povo? Que obrigações terão eles num acordo de que não fizeram parte?

(...) Milhares de pessoas já deixaram o país com destino à África do Sul e Rodésia. Algumas dessas pessoas encontram-se armadas. O número de desempregados cresceu em flecha como resultado do encerramento de diversos estabelecimentos. A economia atingiu o seu nível mais baixo – não há dinheiro no país.

Confrontos entre a Frelimo e o povo são frequentes e já provocaram a morte de mais de 1000 pessoas, maioritariamente em Lourenço Marques. Outras 2000 pessoas foram detidas, muitas delas por não apoiarem a Frelimo. Três campos de trabalhos forçados foram abertos para essas pessoas. Este número inclui 4 membros do Partido de Coligação Nacional – PCN, nomeadamente o SG, Basílio Banda, a secretária para Educação, Dra. Joana Simião, Pedro Mondlane e José Vilankulos. Já há unidades de guerrilha a operar contra a Frelimo em vários pontos do país, tendo já causado morte a 500 guerrilheiros da Frelimo. No dia 5 de Novembro, guerrilheiros da Frelimo e tropas portuguesas atacaram a residência de dirigentes do PCN tendo causado um morto.

(...) O PCN considera que Portugal deve honrar a sua promessa de que todos os partidos políticos, e particularmente o PCN, devem tomar parte nas tarefas de reconstrução nacional. Por aquilo que nos é dado a observar, a tensão aumenta diariamente. (...) Tudo resulta da forma errada como o governo português conduziu o processo da independência, e da ideologia defendida por Lisboa em nome da qual deseja sacrificar tudo e todos.

Por um lado, o governo português julga ser necessário restaurar a democracia em Portugal. Mas por outro, as autoridades portuguesas não acham que o mesmo seja necessário para Moçambique. Resta-nos rezar para que a situação não piore, pois ainda é possível evitar o desastre. (...). (In Uria Simango - um homem uma causa).

N.R.: Este texto resulta de fragmentos de um documento de Uria Simango que em Novembro de 1974 ele dirigiu às diversas embaixadas e comunicação social. Na altura a comunicação social nacional já estava em mãos de elementos próximos da Frelimo e o documento não chegou a ser publicado como o seu autor esperava.


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