22 julho 2013

LEI DE PROIBIDADE PÚBLICA (LPP) ABRE ESPAÇO PARA ACUMULAÇÃO DE REMUNERAÇÕES E DELAPIDAÇÃO DO ERÁRIO PÚBLICO

O Estado moçambicano não tem mostrado capacidade para fazer uma gestão eficiente das diversas formas de remunerações que confere a determinados titulares ou membros de órgãos públicos, que estando na reforma são chamados ao ativo para exercer determinadas funções públicas, acumulando por isso diversos rendimentos da mesma fonte que é o erário público e a legislação que tem sido produzida sobre a matéria, não tem tido o mérito de efetivar a transparência na sua atribuição. Em anexo o texto na íntegra.

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10 julho 2013

LITERATURA - ARQUEOLOGIA DA PALAVRA EM ANTOLOGIA POÉTICA

É LANÇADO esta sexta-feira em Maputo a antologia poética “Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua”.

A antologia reúne poetas como Mia Couto, Eduardo White, Mbate Pedro, Sangare Okapi, Mauro Brito, Adelino Timóteo, Luís Carlos Patraquim, Emmy Xyx (Moçambique), Luís Kandjimbo, João Maimona, João Melo, Victor Burity da Silva, José Luis Mendonça, Lopito Feijóo (Angola), José Luis Hopffer Almada, Danny Spínola, Vera Duarte, Mario Lúcio Sousa, Filinto Elisío (Cabo Verde), Conceição Lima ( São Tomé e Princípe), Frederico Matos Cabral ( Guiné-Bissau), Maria Teresa Horta, João Rasteiro, Maria João Cantinho, Jorge Melicías, Gisela Ramos Rosa ( Portugal), Affonso Romano de Santa’Anna, Claudio Daniel, Micheliny Verunshk, Barbara Lia, Marcelo Ariel, Camila Vardarac, Edson Cruz ( Brasil), Yao Jingming, Carlos Marreiros, Alberto Estima de Oliveira, Rolando Chagas Alves (Macau) Alberte Moman, Miguel Alonso (Espanha), Victor Sosa (México) Rita Dahl (Finlândia) entre outros.
Contará com a apresentação de Aurélio Ginja, escritor, ensaísta, docente de literatura na Universidade Eduardo Mondlane, e crítico literário e docente de literatura na Universidade Politécnica.
Esta obra é a primeira do projecto Esculpindo a Palavra com a Língua e que conta com o prefácio de Susanna Busato, UNESP-São José do Rio Preto, e posfácio de Paulo Seben-Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O livro foi editado pela Revista Literatas-revista de literatura moçambicana e lusofóna, organizada pelo poeta e director da Revista Literatas Amosse Mucavele.

Em contacto com a língua de Camões
No seu Posfácio, Paulo Seben explica que, o projeto "Esculpindo a Palavra com a língua", coordenado pelo jovem e talentoso Amosse Mucavele, trata de pôr as nossas línguas em contato com A Língua de Camões, e roçando, modelando, modulando, erguer um monumento novo, agora coletivo (não que a obra de Camões não implicasse diálogo com os seus contemporâneos, com a tradição literária ocidental), uma literatura universal em língua portuguesa, construída, como bem anuncia o título desta antologia, por intermédio da arqueologia da palavra — a intertextualidade com a tradição literária comum e com os desdobramentos dela nas diversas circunstâncias que encontrou em terras e oceanos variegados — e daanatomia da Língua — o estudo da riqueza fonológica, morfológica, sintática, semântica, poética do Português contemporâneo.
“Ousado projeto, grandioso, como compete a quem empunha a pena do "Luís de Ouro" (Carlos Drummond de Andrade), "Camões, grande Camões" (Manoel du Bocage) e quer dizer ao mundo as novas armas e os novos varões assinalados que da ocidental praia lusitana; da americana praia brasileira; das africanas praias guineenses; cabo-verdianas, são-tomé-e-principenses, angolanas e moçambicanas; das indianas praias goenses; das chinesas praias macauenses; e das oceânicas praias timorenses; por mares, ares, sites navegados à exaustão, passaram ainda "além da mágoa" e "em esforços e guerras" — com a palavra — "conquistaram" novas formas de expressão”, escreve.
Sublinha que, no livro o leitor encontrará as vogais de Camões, preservadas pelas ex-colônias, e o silêncio átono das vogais dos herdeiros europeus do maior poeta épico da Era Moderna. Encontrará a intrincadíssima sintaxe dos poetas livrescos, a par da diretíssima linearidade da literatura oral. Encontrará, ainda, a casticíssima herança portuguesa, mas também a mescla da língua comum aos substratos locais, e mesmo a — antes tida como deletéria — influência das línguas da moda — em séculos anteriores o Francês, e ultimamente o Inglês. Porque esta antologia apanha a língua viva, ou seja, velha-nova, pura-mescla, pura mescla das vozes de milhões de falantes nativos ou não do Português.
Presente régio, que segue cultivada pelos reis modernos — presidentes tão díspares como o saudoso revolucionário Agostinho Neto, de Angola, e o contra-revolucionário José Sarney, do Brasil —, aqui virá plasmada por Ministros de Estado e deputados, democraticamente igualados aos neófitos estudantes. Jovem de menos de mil anos, aqui virá esculpida por velhos e por jovens, por bibliografias-humanas com dezenas de livros publicados, e por bibliófilos inéditos. Sensual e prolífica, aqui virá tocada, roçada, fecundada por homens e por mulheres, sem fazer distinção de orientação sexual. Moldada pelo contato com outras línguas e culturas, aqui virá transmutada pela presença de tradutores de sua poesia para outras línguas, cujas produções poéticas nesses vernáculos comparecerá traduzida para o Português.
Trata-se de uma antologia desigual porque desiguais são as experiências vividas pelos autores nela reunidos, assim como desiguais foram as circunstâncias históricas em que foram escritos os poemas e forjadas as literaturas nacionais.
Por exemplo, se o autoritarismo político se constitui em um antepassado comum, as ditaduras salazarista, em Portugal, e militar, no Brasil, em que pese terem sido contemporâneas por uma década, nasceram em momentos diversos e tiveram causas diferentes; da mesma forma, o salazarismo não tinha o mesmo impacto na Metrópole e nas Colônias; e estas, uma vez conquistada a independência, nem todas passaram por golpes e por regimes de exceção, por guerras civis e por conflitos armados contra países limítrofes. A desigualdade na linguagem, inclusive, não vem só da geografia (que, por si só, já se manifesta pujantemente): as formas do autoritarismo e a duração e o alcance da democracia nas diversas nações de língua portuguesa determinaram que em Portugal e no Brasil, nos quais a cultura letrada se disseminou antes e mais universalmente, houvesse um predomínio paulatino da sintaxe escrita sobre a sintaxe oral, ocorrendo o contrário nas nações africanas, longamente submetidas a um estatuto colonial que vedava a alfabetização das populações autóctones. Empenhados na busca de ouvintes tanto quanto de leitores, muitos poetas africanos e timorenses exploram os limites da oralidade, enquanto que outros, seja por se terem transferido para países de capitalismo mais desenvolvido, seja por terem tido a sorte — ou o infortúnio — de pertencerem às elites locais com acesso à educação formal, se veem enfronhados no diálogo do cânone luso-brasileiro com o cânone ocidental, com as vanguardas estéticas europeias, americanas e orientais, diálogo este — aparentemente — tão natural aos poetas brasileiros e portugueses presentes na antologia.
O vanguardismo e o experimentalismo estético, até mesmo a poesia visual, portanto, dividem espaço nesta antologia com expressões tradicionais e com um coloquialismo que, a um observador desavisado, poderia parecer influência do programático coloquialismo da literatura cubana oficialista (sem que se faça aqui qualquer juízo de valor, qualquer crítica política a uns ou a outros). A escritora Jane Tutikian, professora de Literatura Africana e atual diretora do Instituto de Letras da UFRGS explica, contudo, em suas aulas, tratar-se mesmo da influência da oralidade, da busca da expressão da fala do povo.
Bem, o leitor tem diante de si uma oportunidade de conhecer algumas das inúmeras vozes desses povos falantes do Português. A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua oferece uma visão de conjunto da poesia em língua portuguesa produzida na Contemporaneidade. Encontrará aqui muitas certezas — autores e autoras de repercussão internacional, cujas obras já fazem parte das bibliografias das universidades e escolas —; também encontrará surpresas, causadas tanto pelo primeiro contato com autores de terras distantes (da casa do leitor), quanto pela novidade formal ou temática, pela súbita eclosão de uma profunda dor particular que ecoa nos corações de todo ser humano, ou de uma entusiástica alegria pelo gozo do corpo, do sexo, da liberdade, da vida, enfim.
Os grandes temas da literatura em Português desde que Camões levou à maioridade a língua literária iniciada pelos reis trovadores — ou seja, o mar, a saudade, a pátria e o erotismo — são ainda os mais constantes temas de nossos poetas de todos os continentes, a julgar pela amostragem aqui contida. Os mais constantes, mas longe de serem os únicos. Como nas páginas de Literatas, a revista que dá origem a esta antologia, coube aqui quase tudo que a consciência humana precisa dizer poeticamente, assim como couberam dezenas de poetas, como vimos, das mais diversificadas experiências, tendências e afetos.

Ampla e rica, A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua será decerto uma ferramenta útil para o ensino em todos os níveis  — e em todos os ambientes. Das universidades às classes de alfabetização e de ensino de Português como segunda língua (uma realidade de vários de nossos países, nos quais a língua de Camões divide espaço com crioulos e com idiomas autóctones), os professores terão à sua disposição um corpus formidável para discutir a Literatura, a Língua, a História, a Sociologia... Quem sabe na audaciosa iniciativa da Literatas não começa a nascer um novo cânone, gerado a partir de uma inédita e ainda necessária (diria sempre urgente) discussão da poesia, da literatura em língua portuguesa não como um tronco lusitano do qual nascem brotos ultramarinos, mas, sim, como um tronco universal com raízes em cinco continentes, nascido, isto sim, de uma semente uma vez germinada em terra europeia?
In: Notícias , Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013:: 

"HANNAH ARENDT" EM DOCUMENTÁRIO: AS POLÉMICAS DA PENSADORA ALEMÃ


ALIANDO-SE, mais uma vez, a Barbara Sukowa, intérprete habitual de seus filmes, como os premiados "Rosa Luxemburgo" (1986) e "Os Anos de Chumbo" (1981), a realizadora Margarethe Von Trotta entrega-se ao desafio de retratar uma das pensadoras políticas mais importantes e influentes do século XX, autora de clássicos como "As Origens do Totalitarismo" ou “Da Violência”.

Escapando ao risco de comprometer a narrativa com um excesso de teorias, escolhe como foco um episódio crucial na vida de Hannah Arendt. Em 1961, a filósofa alemã, já radicada nos EUA, viaja a Israel para acompanhar um dos julgamentos mais bombásticos de todos os tempos, do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado pelos serviços secretos israelitas na Argentina.
Partindo de uma peça da norte-americana Pam Katz, co-guionista do filme ao lado de Von Trotta, a história humaniza por todos a sua protagonista, sem banalizar o seu pensamento nem a sua actividade. Hannah é vista a discutir com os seus alunos na universidade, e também com os seus amigos intelectuais, em concorridas festas no seu apartamento, em que, ao lado de temas polémicos, nunca faltavam piadas, nem bebida ou cigarros.
O nazismo está no centro das discussões.
Primeiro, na actuação de Hannah, ao cobrir o julgamento de Eichmann para a revista "The New Yorker", que lhe permitiu criar uma das teses mais polémicas de toda a sua obra, sobre a "banalidade do mal".
O segundo, menos abordado no filme, lembra o seu relacionamento com o mestre e ex-amante Martin Heidegger (Klaus Pohl), filósofo que se filiou ao Partido Nazi em 1933 e nunca se retratou da atitude após o fim da II Guerra Mundial – para o desgosto de Hannah, que era judia alemã e fugiu do país natal após a ascensão de Hitler ao poder.
Vendo em Eichmann apenas um burocrata medíocre, cumpridor cego de ordens, recusando-se a ver um monstro de índole diabólica, e não se omitindo em apontar o que considerava como cumplicidade dos chamados Conselhos Judaicos na destruição da sua própria comunidade, Hannah atraiu a fúria dos próprios amigos e dos círculos judaicos. Muitos nunca a perdoaram pela ousadia. Para eles, ela estaria "a defender" o carrasco, o que sempre negou.
Nada disso abalou a filósofa, que publicou os seus artigos na "The New Yorker" - onde também sofreu pressões - e, dois anos depois, um livro que teve grande repercussão, "Eichmann em Jerusalém".
Vendeu na época mais de 100 mil exemplares e, ao longo dos anos, serviu como ferramenta para que jovens alemães contestassem os seus pais, por terem conhecimento dos desmandos nazis e se omitirem, e também em revoltas contra a guerra do Vietname e o uso da energia atómica.
O filme ressalta a coragem de Hannah que, apoiada por amigos como a escritora Mary McCarthy (Janet McTeer), resistiu, mantendo a sua independência de pensamento, ainda que a um alto custo pessoal. Os ataques sofridos, para ela, equivaleram a um "novo exílio", como salientou a realizadora Margarethe Von Trotta em entrevista ao jornal "The New York Times".
Procurando não tomar partido da tese defendida por Hannah nos artigos e livro sobre Eichmann, o filme sem dúvida abraça a integridade pessoal e intelectual da sua fascinante protagonista.
E permite aos espectadores participarem numa envolvente discussão de ideias, apesar de um filme não ser o veículo ideal para esgotar temas tão profundos. Mas, certamente, pode despertar uma saudável curiosidade sobre as obras da autora alemã.
A judia e o nazi

O romance de Arendt com Heidegger gerou manchetes e até hoje fornece material para estudos biográficos. Os dois contam como um dos mais famosos casais de intelectuais, ao lado de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Porém, o mestre era casado, facto que fez a jovem decidir mudar-se para Heidelberg, onde completou o seu doutorado em 1928, sob a assistência da Karl Jaspers. Entretanto, a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha alterou radicalmente a vida da filósofa de origem judaica.
"Na época, repetia-se sem cessar uma frase que evoco agora: 'Se você é atacado como judeu, é preciso defender-se como judeu'. Não como alemão, ou cidadão do mundo ou em nome dos direitos humanos, algo assim. Mas sim, bem concretamente: o que eu posso fazer?", declarou durante uma entrevista em Outubro de 1964.
Quando Martin Heidegger tornou-se no primeiro reitor nacional-socialista da Universidade de Freiburg, Hannah Arendt afastou-se da filosofia para engajar-se na resistência anti-nazi. Em meados de 1933, foi presa pela Gestapo, porém conseguiu escapar.

Profissão: teoria política


Pouco mais tarde, Arendt fugiu para Paris. Lá conheceu o seu futuro marido, o também filósofo Heinrich Blücher, com quem emigraria para os Estados Unidos em 1941. Em Nova Iorque, ela inicia a sua grande carreira: escreveu para revistas, trabalhou como revisora, professora universitária e em diversas organizações judaicas.
Em 1951, Arendt publicou o seu revolucionário estudo “As Origens do Totalitarismo”. Seguem-se outros escritos, entre os quais “Vita activa”, uma teoria da actividade política. Em “Sobre a Revolução”, ela examina as reviravoltas políticas radicais.
Certa vez, Arendt classificou a sua profissão como "teoria política, se é que se pode falar em profissão". Os seus livros colocaram-na na capa de revistas importantes, aclamada como uma das grandes filósofas do século.
Em 1963 publicou “Eichmann em Jerusalém”, sobre o processo contra o criminoso nazi e em que cunhou a famosa expressão "a banalidade do mal". Entre outros argumentos, a filósofa foi acusada de, com a sua teoria da banalidade, minimizar os crimes nazis e o sofrimento dos judeus. Em resposta, Arendt disse, de certa maneira, compreender a reacção indignada ao facto de ela ainda poder rir.

In:  Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013::


09 julho 2013

PRESIDÊNCIA SUL-AFRICANA DISTANCIA-SE DAS DISPUTAS NA FAMÍLIA MANDELA

   




A Presidência da África do Sul distanciou-se na sexta-feira das disputas que envolvem a família do antigo presidente  Nelson Mandela, que considerou “lamentáveis”.
 “É lamentável que haja uma disputa entre os membros da família e gostaríamos que fos-se resolvida de forma amigável e tão rápido quanto possível”, disse o porta-voz da Presidência, Mac Maharaj, em entrevista à France Presse-TV.
 “Mas não estamos envolvidos e não podemos ser responsabilizados”, acrescentou.
 Quinze membros da família do antigo presidente, que continua hospitalizado em estado crítico, recorreram à justiça  contra o neto mais velho de Mandela, Mandla, por causa da transladação dos restos mortais de três elementos da família.
 Mandla decidiu unilateralmente, em 2011, transferir os restos mortais do seu pai, de um tio e de uma tia do talhão familiar de Qunu, vila natal de Nelson Mandela e onde este deseja ser enterrado, para o cemitério de Mvezo.
 Chefe tradicional desta localidade, Mandla pretende aí desenvolver um grande projecto turístico.
 Dando razão aos queixosos, um tribunal ordenou na quarta-feira o retorno a Qunu dos corpos dos três filhos de Nelson Mandela, que foram aí sepultados na quinta-feira.
 Em documentos apresentados à justiça para justificar a urgência de uma decisão, pode ler-se que Nelson Mandela “está em estado vegetativo
permanente” e que, a conselho dos médicos, a família equaciona desligar as máqui-nas que o mantêm vivo.
 “Não tenho que divulgar documentos judiciais”, disse Mac Maharaj. “Não divulgámos nenhuns documentos e não temos que dizer se são falsos ou verdadeiros”, acrescentou.
 “Verificámos com a equipa médica e estes médicos negaram que ele esteja em estado vegetativo” actualmente, disse, sem se alongar sobre o estado de saúde de Nelson Mandela na semana passada.
 Os documentos têm a data de 26 de junho, o mesmo dia em que o presidente sul-africano, Jacob Zuma, decidiu cancelar uma viagem ao esTrangeiro após uma visita a Nelson Mandela.
 Herói da liberdade e da reconciliação na África do Sul, Nelson Mandela, que completa 95 anos a 18 de julho, está hospitalizado desde 8 de Junho devido a uma infecção pulmonar recorrente.

MÁQUINAS SÓ SÃO DESLIGADAS EM CASOS DE MORTE CEREBRAL  - ESPECIALISTA PORTUGUÊS
 O neurologista português Francisco Sales lembrou na quinta-feira que os aparelhos que mantêm vivo Nelson Mandela só podem ser desligados quando houver “critérios de morte cerebral”.
 “Só é possível desligar os aparelhos quando houver critérios de morte cerebral, enquanto isso não acontecer os aparelhos não podem ser desligados”, afirmou à agência Lusa o especialista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
 Instado a comentar a situação clínica do histórico líder sul-africano, Francisco Sales lembrou que “há várias degradações nos estados de coma” e que um estado vegetativo é “uma forma avançada e grave de coma, que muitas vezes antecede o estado de morte cerebral”.
 Contudo, o neurologista português sustentou que uma pessoa em estado vegetativo “ainda não pode ser considerada morta”, já que “em alguns doentes é possível manter esse estado durante alguns meses ou mesmos anos”.
 “É o que chamamos estado vegetativo persistente”, precisou Francisco Sales, acrescentando, contudo, que essa situação “não é muito frequente - é uma excepção”.

GRAÇA MACHEL AGRADECE MENSAGENS E DIZ QUE MADIBA ESTÁ BEM EMBORA COM DORES
 A mulher do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela disse a semana passada que Madiba está bem, embora «às vezes sinta dores», e agradeceu o apoio e as mensagens recebidas de todo mundo a propósito do estado crítico do marido.
 «Madiba às vezes sente-se desconfortável, sente-se com dor, mas está bem», disse Graça Machel no Centro de Memória de Nelson Mandela, durante a apresentação dos jogos de futebol e de râguebi que farão parte de um tributo a Nelson Mandela, no dia 17 de julho, um dia antes de completar 95 anos.
«Obrigado, obrigado, obrigado», agradeceu Graça Machel na apresentação da mais recente série de eventos em memória de Mandela, numa altura em que o seu marido está internado em estado crítico no hospital de Pretória.
A também viúva do antigo Presidente moçambicano Samora Machel destacou «o amor eterno de Madiba pelas crianças» e sugeriu aos sul-africanos que, além de honrar Mandela com presentes deixados à frente do hospital ou na sua casa, devem fazer doações a projectos de caridade patrocinados pelo Pré-mio Nobel sul-africano.
 «As demonstrações de amor, de caridade, de apoio e de esperança são tomadas nos nossos corações todos os dias», acrescentou.
     
DEDICAÇÃO E DIGNIDADE DE GRAÇA MACHEL DESTACADAS PELA IMPRENSA SUL-AFRICANA
Sob o título “A vigília de amor de Graça”, o semanário “City Press” de Joanesburgo destacou ontem, domingo, em primeira página na sua peça principal o amor e dedicação de Graça Machel ao ex-presidente Nelson Mandela, que se mantém em estado crítico num hospital de Pretória.
 À semelhança de outros artigos, publicados na última semana na Imprensa sul-africana, a peça do “City Press” realça não só o amor incondicional que Graça Machel tem dedicado a Madiba, como também a dignidade pela qual a activista moçambicana tem pautado as suas acções desde que o marido foi admitido, a 8 de junho, no hospital, com uma infecção pulmonar.
 Em contraste, a comunicação social, amigos e um número crescente de sul-africanos anónimos têm condenado em uníssono as acções recentes de membros da família de Nelson Mandela, que na semana passada esgrimiram mesmo em tribunal argumentos sobre quem tem direito a ditar o local onde Madiba será sepultado um dia.
 Poucas semanas antes, algumas das filhas do Prémio Nobel da Paz e primeiro presidente negro da História sul-africana tinham já recorrido aos tribunais pedindo acesso a uma parte da sua fortuna pessoal.
 Madiba havia-lhes negado tal direito em 2008 quando despediu um advogado que alegadamente facilitava o acesso às suas contas às filhas, substituindo na condução da fundação com o seu nome e das suas finanças por dois homens de confiança, o advogado George Bizos e um actual membro do governo, Tokyo Sexwale.
 “A África do Sul tem com Graça Machel uma tremenda dívida de gratidão pela alegria que ela deu à vida de Nelson Mandela desde o seu casamento. Ela não emprestou apenas alegria a Madiba como tentou com todas as suas forças unir a família Mandela”, refere num testemunho recolhido pelo “City Press” o arcebispo emérito Desmond Tutu.
 Faz precisamente 15 anos que Nelson Mandela e Graça Machel casaram.
 Segundo fontes contactadas pelo jornal, Graça Machel dorme numa cadeira, ao lado da cama de Mandela no Mediclinic - Heart Hospital desde que o ícone da luta anti-”apartheid” foi admitido no hospital há um mês, e nunca se ausentou por períodos superiores a três horas desde então.
 Para a ex-assistente pessoal de Nelson Mandela, Zelda la Grange, a presença de Graça é vital para o ex-presidente, que celebra 95 anos no dia 18 deste mês.
 “Madiba quer sempre saber se Graça está por perto. Ela dá estabilidade emocional não só a ele, mas também a muitos de nós”, disse La Grande ao jornal.
 Pumla Mogodo-Madikizela, uma académica e investigadora da Universidade do Free State (UFS), assinou no início da semana um artigo de opinião no “Mercury” de Durban, no qual enalteceu as virtudes de Graça Machel e a dignidade com que ela sempre conduziu a sua relação com o herói da luta de libertação dos sul-africanos.
 “Quando Madiba necessitou de apoio físico porque não podia andar sem ajuda, Graça sempre esteve ao seu lado, nunca negando desempenhar o papel de apoio físico. Sempre de forma gentil e elegante - um toque aqui, um olhar apaixonado ali, uma mão para ele se apoiar ou um abraço amoroso. Nenhuma memória do amor inconfundível de Machel pelo nosso Madiba ressalta de forma tão vívida como a sua última aparição pública no início do Mundial de futebol de 2010. Ambos impecavelmente vestidos para o frio intenso das noites de Junho. Graça Machel e Madi-ba a juntarem-se com a multidão, o seu amor tão visível nos gestos mais subtis, nos toques entre ambos, tornados ainda mais visíveis à distância pelos gestos de ternura de Machel com as suas mãos imaculadamente tratadas”, escreveu aquela académica.
 Pumla Mogodo-Madikizela destaca que “Graça Machel partilha com Madiba um dom especial de amor e que continua a dar-lhe a dignidade e os cuidados de qualidade que ele não teria na sua ausência”.

In:  O Século de Joanesburgo, 8 de Julho de 2013

03 julho 2013

ENCONTRO COM PR: DHLAKAMA DISPONÍVEL MAS EXIGE GARANTIAS

 
Dhlakama falando a jornalistas em Satungira (Gorongosa) no dia 2 de Julho de 2013

O LÍDER da Renamo, Afonso Dhlakama, reafirmou ontem estar disponível para um encontro aberto  e produtivo com o Chefe do Estado, Armando Guebuza, mas colocou duas condições.

A primeira, que o encontro poderá ter lugar em Maputo se houver garantias de segurança que passam pela retirada da Força de Intervenção Rápida (FIR)  no perímetro de Satungira onde se encontra aquartelado. A segunda, que o encontro se realizaria em Gorongosa, se as garantias da primeira condição não fossem concretizadas.
Dhlakama fez estes pronunciamentos, em Satungira, na serra de Gorongosa, Sofala, onde se encontra a viver desde 15 de Outubro do ano passado, depois de receber, no final da manhã de ontem, uma delegação do Observatório Eleitoral, uma plataforma de organizações da sociedade civil de carácter religioso, da área dos direitos humanos e de promoção de cidadania.
No encontro, de cerca de duas horas que manteve com a delegação do Observatório Eleitoral, chefiada pelo respectivo presidente, o bispo Dinis Matsolo, foi tornado público que ainda neste sábado  uma delegação da sociedade civil constituída por Dom Dinis Sengulane e o Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU), Lourenço do Rosário, que ele designou de facilitadores, vai se encontrar com o líder da Renamo para também buscarem formas de aproximação de posições entre Dhlakama e o Presidente Guebuza.
Falando a jornalistas,  Dinis Matsolo, disse que o importante é que há abertura para um diálogo construtivo entre ambas as partes. "Tivemos uma conversa totalmente aberta que nos mostra que há vontade de diálogo e temos que avançar para encontrar os melhores caminhos para a paz. Como moçambicanos, temos que nos articular mais num diálogo aberto. Encontramos uma abertura total em qualquer que seja a possibilidade de achar formas de ultrapassar o impasse e estamos bastantes satisfeitos com isso", sublinhou.
Aquele prelado referiu que o Observatório Eleitoral ainda vai, igualmente, articular com o Chefe do Estado, porque não há tempo para parar  e que o impasse não leve mais tempo. "O importante é que as pessoas falem honestamente sobre os assuntos e com respeito mútuo num processo de diálogo, que não é propriamente uma confrontação, mas uma oportunidade de ouvir-se a outra parte".
Fundamentalmente, Dhlakama considera que o problema essencial desta instabilidade deve-se à Lei Eleitoral que, no caso de sua revogação, a Renamo irá participar imediatamente no pleito autárquico  de 20 de Novembro, sendo que os outros assuntos na mesa do diálogo com o Governo podem ir sendo gradualmente resolvidos como forma de garantir a manutenção da paz duradoira.
Entretanto, o líder da Renamo voltou a dizer que não mais haverá guerra em Moçambique, sublinhando que “quero tranquilizar a todos, mas quero convidar o Governo, em particular ao Presidente Guebuza, que eu não tenho problema”.
“Já dei esta garantia depois da guerra dos 16 anos e o Presidente Chissano pode testemunhar isso. Não é hoje que vai ser difícil”, disse.
Na conferência de Imprensa, Dhlakama assumiu a autoria dos recentes ataques registados ao longo da Estrada Nacional Número Um e que resultaram no assassinato de civis e destruição de seus bens. Ele disse que mandou os seus homens atacarem como forma de eliminar a logística da aproximação do Exército e que o alvo  eram os soldados governamentais. Porém, indicou que as imagens chocantes e confrangedoras  das vítimas civis e indefesas, sobretudo a de uma mulher desesperada e o seu bebé a chorar depois de cair na emboscada da Renamo, levou-o a mandar parar com as incursões armadas.
Todavia, declinou responsabilidade da Renamo quanto ao assassinato dos elementos das FADM e do ataque ao paiol de Dondo, ao mesmo tempo que minimizava o impacto sobre este assunto pelo facto de no local do assalto não viverem crianças, mas sim forças militares.
Recordou que os louros sobre o ambiente de paz que o país desfruta depois dos 16 anos da guerra de desestabilização promovida pela Renamo também lhe pertencem, pois que tal se deveu muito à sua postura política.
“Aquelas medalhas que os outros ganham também me pertencem. Nunca as pedi, porque reconheço o meu papel. Não tenho que fazer “lobbies” para isso. Gostaria, por isso, que a Imprensa transmitisse correctamente que não à guerra no país e que no dia em que Guebuza mandar retiras as forças que cercam Satungira e Gorongosa eu vou imediatamente a Maputo. Pode ser já amanhã”, concluiu. 
  • Rogério Sitoe e Horácio João
In: Notícias,  Maputo, Quinta-Feira, 4 de Julho de 2013:: 


02 julho 2013

“SINTO QUE HÁ UMA ESPÉCIE DE DESAMPARO DAS PESSOAS”


Em entrevista ao “O País”, Mia Couto fala da sua relação com as palavras, da literatura e da política. Uma visão acutilante de quem fez da escrita a sua arma de combate.

Escritor moçambicano, Mia Couto


No seu livro “O gato e o escuro”, o Mia agracia-nos com uma história sobre nossos medos e sobre o universo infantil que, na verdade, nada mais é do que o nosso próprio universo. Temos muitos medos, fantasmas não resolvidos e que são um factor de permanente perturbação?
O medo! bem, agora vou recorrer ao meu lado de biólogo. o medo é uma espécie de grande conselheiro que nos avisa dos perigos. Há uma força tão poderosa dentro de nós e eu acho que toda a nossa vida é orientada em função do medo e de superação dos mesmos. A história que eu conto é a maneira de como um gato poderia ser uma criatura qualquer, enfrentando esse receio, tratando aquilo que é o objecto do medo, que seria o escuro, como um familiar, um parente, ou alguém que é parecido com ele.

A guerra será um desses medos? Uma espécie de caixa de demónios que temos medo de abrir?
É sem dúvida. Eu acho que o maior medo dos moçambicanos é que se reinstale o clima de guerra. Havia uma apreciação de que tudo isso era frágil, porque, se nos lembrarmos bem, as pessoas não queriam muito lembrar-se do tempo da guerra. Não fizeram como os sul-africanos, que criaram comissões que apurassem a verdade, para se saber quem foi o culpado, que responsabilidades existiram, etc. uma das coisas que trazem alguma aflição é estarmos perante uma possibilidade de se reinstalar um clima de violência e de guerra. O que eu sinto é que há uma espécie de um sentimento de desamparo e as pessoas precisariam - não é só a Estrada Nacional Número Um que precisa de ser protegida, mas há também uma estrada que passa por dentro de nós - da estrada da esperança, que também precisa ser protegida. Precisamos de vozes que assegurem que alguém está a tomar conta da situação.

Como é que Mia Couto vê a actual situação do país? O expectro de retorno à guerra. Por que ao fim de 21 anos de paz, estamos perigosamente a regressar à guerra?
Mais do que o silêncio, eu acho que nós não avaliamos exactamente por que é que aquela guerra nasceu. Eu acho que nós não entendemos a guerra. Não era só nesse sentido que me estava a perguntar, de entender quem foi o responsável e de se prestar contas. Nós percebemos e temos uma certa análise que não devia ser feita apenas por via do discurso político e ideológico. Quer dizer, para a Frelimo, a razão da guerra é razão clara, simples e quase simplista, e para a Renamo também. É como se estivéssemos perante uma disputa ideológica, na presença duma proposta comunista, como diria a Renamo, e terrorista, como diria a Frelimo. Eu acho que perdemos uma possibilidade de ir ao fundo da questão, porque é preciso falar da política num sentido profundo, para entendermos que erros é que cometemos, para melhor administrarmos o país. Penso que o problema da actual situação que se vive no país não está só na Renamo (...), é todo um país que está em pânico, que está receoso e precisa que garantam essa viabilidade, aquilo que eu chamei “estrada da esperança que passa por nós”. Continuo a pensar que a África no seu conjunto, apesar de dar um passo em frente e outro atrás, regista uma evolução. Hoje, há países que são democráticos, mesmo que seja nessa democracia representativa, digamos, mas se compararmos com aquilo que havia há 10/15 anos, a situação alterou-se. Entretanto, é preciso ser verdadeiro. O que me parece é que se criaram, olhe para o nosso próprio caso, discursos triunfalistas e cor-de-rosa e que, de repente, não é aquela surpresa que tem problemas básicos, mas também problemas de saber para onde é que aqueles recursos vão. Sozinho, esse discurso cria riqueza perante um cenário de pobreza.
Numa entrevista, numa escola em São Paulo, com meninos do ensino secundário, Mia é citado a dizer o seguinte sobre a sua participação política, como militante da Frelimo, num certo contexto da história: “É a grande lição que tiro, que também me ajuda hoje a estar longe desse movimento de libertação, que se conformou e se transformou naquilo que era o seu próprio contrário”.

Mantém a ideia de que a Frelimo se desvirtuou?
Mantenho, embora eu ache que dentro da Frelimo exista, obviamente, linhas. Sinto que a Frelimo já aceitou, quer dizer, esta é mais uma prova da democracia. Acho que ainda existe ali, não pretendo diabolizar, não faço esse tipo de discurso de aproximação, mas de facto o que há ali é uma grande procura. Por exemplo, quem são os grandes militantes que vejo entrar? São os empresários de pequenas, médias e grandes empresas, que procuram na política uma bengala ou um apoio para fazer negócios. Há ali uma espécie de cumplicidade entre a política e o poder.
Disse, noutra entrevista, que a Frelimo de hoje se esqueceu de que não é a mesma de ontem e que continua a estar apegada a este poder do termo da palavra Frelimo...
A Frelimo tinha tantos lemas e um deles é que não se tratava agora de substituir, fazer uma mudança de turnos daquilo que se chamava, na altura, “os exploradores do povo”. portanto, acho que essa mensagem permanece válida. A mim não importa se é homem ou mulher, negro ou branco, o dono dos meios de produção e quem estará a estruturar a força de trabalho do outro. Tentamos fazer uma ruptura, e penso que essa ruptura foi feita. Lembre-se que havia um lema que era “escangalhar o aparelho do Estado colonial”. Acho que não é o quanto fomos capazes de criar e que fosse inclusiva, sobretudo porque vivemos isto em África, que é a independência e,  a seguir, os mesmos que foram afastados e excluídos durante o período colonial criam uma elite que, por estar mais próxima da cultura, da formação académica e de intelectuais, produz muito esse modelo. Já não está na sua vontade, querer ir ou não, mas a verdade é que aquele modelo, o modelo que nós aceitamos seguir, é um modelo que produz pobreza.
Em “O último voo do flamingo”, o personagem diz: “Na minha vila, havia agora tanta injustiça quanto no tempo colonial. Parecia de outro modo que esse tempo não terminara. Estava  era sendo gerido por pessoas de outra raça”. As nossas elites estarão a fazer reprodução de um modelo do passado, não é? Porque isso mudou a mão, mudou a raça de quem fazia, mas na essência o que era feito está sendo feito por igual.
Eu acho que é uma elite que se constrói por imitação daquilo que são os sinais de poder que chegam a partir de fora. Há um apelo para a auto-estima, é um discurso que eu acho positivo, pois nos orgulhamos de ser quem somos e que encontramos, nessas diferenças que temos com os outros, alguma coisa que não usamos para confrontar, para saber se somos maiores ou menores que os outros, mas construir aquilo que é o nosso próprio orgulho nacional. Acho também que essa elite é aquela que corresponde e que, quando eu me juntei à revolução nacional, era como se fazia no tempo colonial a exibição.

Elites: as económicas fazem ostentação; e as intelectuais, que papel? Aniquilamento?
Omitiram-se! Eu penso que este regime fez uma coisa: tornar o intelectual não funcional. Hoje eu questiono-me: Onde é que eles estão? São poucos, e talvez fazem propaganda de discursos feitos de uma outra corrente filosófica. Agora, a económica, não me parece que o país esteja a produzir e a incentivar esse pensamento independente. Porque, para se estar independente, tem que se ter também uma reflexão soberana sobre si próprio, e nós continuamos a reproduzir um discurso que é fundamental apontar, que se cinge em atirar culpas a alguém ou ao passado.
Penso que é uma falsidade pensarmos que é simplesmente construindo escolas e criando todas as condições materiais que se pode resolver um problema de fundo, que hipoteca todo o nosso futuro. Isso porque nós sabemos e estamos a acompanhar todo esse filme, como é que a qualidade do ensino está degradada e a escola passou a ser um local onde se ensina aquilo que será a grande “punhoca” deste país. A necessidade de aniquilar pessoas é uma espécie de assassinato simbólico de algumas pessoas que se destacaram na sociedade, ou tenham algo forte na cultura e outros sectores e que, imediatamente, são tidas como uma ameaça. Penso que cada país tem que inventar os seus heróis. Há um discurso que existe que não é verdadeiramente baseado na história, mas é baseado naquilo que é a intenção política. Todos os países fizeram isto. Se pegarmos no caso de Ngungunhane, havemos de encontrar ali uma figura mística, e penso que esta mistificação é importante, mas precisa ser feita com alguma verdade. É preciso percebermos que em relação à parte desses heróis - não estou a falar dos heróis de libertação nacional, pois esses são mais consensuais -, há aqui uma dificuldade da nossa parte de dizer às novas gerações que os heróis são pessoas humanas. Portanto, têm falhas, têm deficiências e que não devemos procurar endeuzá-los.
Num artigo seu intitulado “Os sete sapatos sujos”, escreveu que “mais do que uma geração tecnicamente capaz, necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica, de repensar o país.

Como vê o papel da nossa Educação?
Essa resposta é óbvia. A partir do momento em que se banalizou o facto de que os alunos passam porque compram professores e compram provas, essa banalização de um clima passou a ser tamanha, quer dizer, o professor ensinou-nos a fazer isso no sentido de reproduzir valores.
Em os “Sete sapatos sujos”, escreve que temos dificuldades de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho. Que o maior problema de Moçambique está na sua incapacidade de gerar um pensamento produtivo, ousado e inovador.

 Acha que nos limitamos a aplicar fórmulas pensadas por outros?
Eu receio bem que, sim, e penso que, neste momento, estamos na maior pobreza. Não só pobreza material, mas de procura de um bom caminho. Penso que a forma como se repetem fórmulas, a maneira como se dá espaço àquilo que eu chamo “papagaios políticos” e que repetem até ao infinito, até aquelas que são as palavras-chave, deixam-nos com saudades de um momento em que apareciam outras vozes. Recorde-se, há uma escritora nigeriana que diz “no período da história única, há apenas uma voz”, e nós corremos o perigo de termos uma única voz e que vai dialogando connosco. Não posso ter nenhuma simpatia por esse tipo de atitude. E parece -me que há uma coisa que está associada ao emblema e, a partir do momento em que o fulano tem um poder político, tem que mostrar através desses sinais. Tem uma pequena cultura por parte de quase toda a gente. Eu quando vou comprar um carro, por exemplo, perguntam-me: “mas essa marca? Essa marca não é compatível com o seu estatuto”. É quase uma relação comparada a nível da sexualidade essa figuração do carro que eu acho que vale a pena questionar.

A dinâmica produtiva do Mia nada tem a ver com o panorama geral da literatura moçambicana. Em termos práticos, são poucos os escritores em Moçambique que publicam com regularidade. O que está a acontecer com a literatura moçambicana?
Sabe o que é que faz produzir ideias? São ideias. Se você viu os grandes momentos em que este país teve criatividade, o Rui Nogar, Craveirinha e outros, é porque havia nessa altura núcleos de pessoas que se encontravam em cafés e restaurantes, ali na baixa, nos clubes, nas associações, etc. - e eu acho que a Associação dos Escritores cumpriu com o seu papel - que produziam ideias e debatiam. Penso que houve, nos últimos tempos, algum relaxamento, acabamo-nos vergando para aquilo que são os valores do mercado, que eram vivos e que produziam vida. É preciso perceber que um jovem que queira trilhar este caminho depara com um monte de dificuldades, sem o apoio nem da família, nem do governo.  E uma outra coisa é a “morte” da escola, é preciso perceber que este jovem se comunica na sua língua materna. Às vezes, tem sim alma de escritor, mas a dificuldade está em transmitir as suas ideias para o papel.
Espero que apareça uma nova corrente. É preciso que o Estado não se demita de certas coisas.


In: O PAÍS – 27.06.2013

LIVRO DE AURÉLIO FURDELA: A OUTRA FACE D’AS HIENAS TAMBÉM SORRIEM

Por José dos Remédios

Ao David Bamo e ao Sangare Okapi


Se cometem um erro grosseiro os que admitem, ou postulam, uma relação de estrita fidelidade especular, de imediata dependência analógica entre o texto literário e um concreto contexto empírico, atribuindo portanto ao discurso literário o funcionamento referencial que se verifica noutros tipos de discurso, homólogo erro, embora inverso, praticam os que concebem o texto literário como uma entidade puramente automórfica e autotélica, como se a pseudo-referencialidade implicasse necessariamente uma ruptura semântica total com o mundo empírico (…). 

Vítor Manuel de Aguiar e Silva


Incomoda-nos o título do quarto livro de Aurélio Furdela, como se sabe, publicado depois de O Golo que Meteu o Árbitro (2006), Gatsi Lucere (2005) e De Medo Morreu o Susto (2003). O incómodo a que nos referimos não deve ser confundido com o vedete (1) convencionado nos dicionários de língua portuguesa, no seu sentido literal, mas no seu sentido literário, caso exista algum. Na verdade, o que pretendemos nesses dois sinuosos períodos é justificar a razão de, entre várias obras pertencentes à literatura moçambicana, termos escolhido esta, e, entre vários títulos que se poderiam forjar, termos escolhido aquele, aparentemente subjectivo, sobretudo aos que se dignam deixar embalar pela letargia – passemos então para o próximo parágrafo, pois neste parecem esgotadas todas as possibilidades de clarificarmos as nossas escolhas: da obra e do título desta intervenção.
Tivemos o primeiro contacto com esta obra já havia sido lançada há uma semana. Nessa altura, uma irritação causada pelo nojo e aversão que temos das hienas, que num ápice se transformou em incómodo, envolveu-nos num interesse (dez)necessário(2) de obtermos os sentidos subjacentes no título – longo como o primeiro e o terceiro livro do autor –, na capa do livro e nos enredos dos oito (8) contos da obra.  Portanto, tivemos de ler o livro às pressas a fim de que assim compreendêssemos os devaneios da(s) entidade(s) encarregue(s) pelo título e pelas histórias da colectânea. Mesmo assim, a irritação, já transformada em incómodo, não se esvaiu antes que déssemos um full stop, quiçá intermitente, a estas linhas que se esgotam numa árdua tentativa introdutória.
A Outra Face d’As Hienas Também Sorriem, de Aurélio Furdela, emerge no mesmo instante em que depois de lido o livro brotam alguns raciocínios: não é de hienas que se está a falar, as hienas não sorriem coisíssima nenhuma. Se é verdade que não se está a falar de hienas e as hienas não sorriem, resta-nos o advérbio “também”, quer dizer, mesmo que as hienas sorrissem, não nos escapava uma questão óbvia: que outro ser sorri, para que se legitime o uso do advérbio “também” no título da obra? A resposta a esta pergunta é escusável, por isso iremos nos centrar nos raciocínios – os tais incómodos impulsionadores desta reflexão – há pouco referidos.
A hiena "Tiger wolf (Inglês) ou Hyène (Francês)" é um mamífero carnívoro, da família Hyaenidae. Quando adulta, uma hiena mede cerca de 1,5m de comprimento, 80cm de altura e chega a pesar 70kg. Sua pelagem tem cor castanha escura. Diferente dos outros predadores, não é um animal tão rápido (a sua velocidade não ultrapassa os 60 km/h). A hiena é capaz de emitir um grito áspero, parecido com uma gargalhada (será por isso que Aurélio Furdela “assume” que As Hienas Também Sorriem?), que os antigos acreditavam ser de um homem mau, que colocava armadilhas para capturar os viajantes. Seus hábitos são nocturnos, embora possa desenvolver actividades durante o dia. Geralmente ataca em grupo (por não possuir uma sagacidade necessária para agir individualmente) e é famosa por se alimentar dos restos dos animais que os outros predadores deixam (3). Para além de possuir uma boa capacidade de adaptação, quer nas savanas quer nas florestas, a hiena, em muitas culturas, é tida como um animal que transporta espíritos maus.
Com efeito, em nenhum momento deste excerto apropriado de Pacievitch (s/d), nos é dito que as hienas sorriem ou que também sorriem. Emitem um grito – preferimos assumir que se trata de um som – parecido a uma gargalhada, mas é apenas isso, parecido, gargalhada/sorriso são coisas diferentes. Bem analisada a lógica natural dos seres vivos, o sorriso é exclusivo do Homem. A existir um outro ser que sorri, ou melhor, que parece sorrir, não se deve acreditar que o faça consciente e em momentos apropriados, ou não, como o homem. Aliás, não é pelo facto de o papagaio imitar algumas falas humanas que se deve assumir que o papagaio (também) fala. Do mesmo jeito, assumir que As Hienas Também Sorriem é qualquer coisa de inquietante ou, se quisermos, incómoda.
Melhor dizendo, sendo o sorriso um traço tipicamente humano, realmente não é de hienas comuns, as que caracterizamos a dois parágrafos, que se está a falar, mas sim do Homem, não o comum também, e sim aquele que age de um certo modo – começamos a revelar o que só depois de mergulharmos na obra se tornará mais evidente. Logo, recorrendo aos processos de transferência de significados peculiares à metáfora, Furdela transfere os atributos do Homem para as hienas, porém pretendendo o contrário. Como diz Mário Benedetti, citado por Mbate Pedro, autor do prefácio do livro, “Há sempre um modo de ocultar a porcaria e enterrar a denúncia e o denunciante”. Claro está. Mas ocultar porcarias não é intenção do escritor, e ao ocultar alguma coisa pretende salvaguardar o que Mbate Pedro chama de “(…) cómica imagem, a metáfora cruel, do mundo amorfo em que vivemos, em que, quando a justiça não consegue condenar os seus ladrões e corruptos, defende-os e eleva-os à categoria de Doutores deputados” (p. 13).
Ao se ler a obra, em primeira instância fica-se com a ideia de que os Doutores deputados é que são as hienas. Essa impressão até é verosímil, sobretudo se se tomar em conta que hiena, (do grego hýaina do latim hyaena) para além de ser um “mamífero carnívoro, da família dos Hienídeos, feroz e devorador de carne putrefacta, que vive na África e na Ásia”, é, no sentido figurado, “pessoa cruel e traiçoeira” (Costa e Melo, 1999: 871). Todavia, há na obra outras entidades que sem serem Doutores deputados tornam-se hienas pelo facto de possuir atitudes a elas semelhantes: desprezíveis. É o caso dos políticos, no consciente do narrador autodiegético de “O Homem com 33 Andares na Cabeça”, primeiro conto da colectânea, evidenciada na seguinte passagem: “Tio João, homem de palavra, não igual a salamandra, ou os políticos com duas línguas, cada a falar a sua própria coisa sobre o mesmo assunto (4), nas férias de fim-de-ano seguintes, mandou uma carta e dinheiro para a minha passagem de avião (p. 19) ou, em “O Homem Espinha de Peixe”, “Devias saber, os que nos fazem gritar essas coisas nos comícios (abaixo o obscurantismo!), são os primeiros a sacrificar cabritos nos gabinetes” (p. 82).
Há ali uma intenção de ao se desenrolar os eventos diegéticos o narrador aproveitar-se das circunstâncias para denunciar um facto que lhe parece inquestionável e sem meios-termos: inferiorizar as hienas humanas através da ridicularização. Tal situação não só sucede no primeiro conto, no terceiro, “Pescando o Meu Filho”, num episódio, no mínimo prosaico, a voz do narrador enuncia: “A rádio transmitia nesse mesmo instante, uma notícia de louvores a um grupo de deputados, que apoiavam, algures, nos subúrbios da cidade, outras vítimas das enxurradas, distribuindo pacotes de bolachas e rebuçados às crianças” (p. 35).
Havendo enxurradas, oferecer bolachas e rebuçados às vítimas parece uma troça quando as pessoas (inclusive as crianças) precisam de abrigo, assistência médica, produtos alimentares e higiénicos indispensáveis ao ser humano.
Numa outra perspectiva, esses políticos/Doutores deputados tornam-se hienas na medida em que, à semelhança do animal, aproveitam-se até dos restos das suas presas. No segundo caso os restos são as peles, os ossos, as patas ou cabeças de outros animais e no primeiro caso os restos são, por exemplo, uma porção de terreno que o deputado Costa – personagem de “As Visitas do Barbudo” – arranca veemente do seu vizinho por pretender alargar a entrada da casa de sua mãe a fim de que o seu Nissan Navara 2.5 tivesse acesso ao átrio maternal; o salário miserável que um patrão não paga ao seu segurança, José, restando-lhe ter de roubar uma pele de Zebra pendurada algures na sala de visitas do patrão na expectativa de que ao deixar de molho durante algum tempo permitir-lhe-ia preparar um tocossado para a amada grávida; os restos é a honra que o secretário do bairro de Phatarata – espaço imaginário comum a quase todos os contos, quanto a nós inventado para que assim se ocultassem os sentidos que descortinamos – , outra hiena, retira de dona Joana, mãe do Deputado Costa, quando lhe obriga a deitar-se consigo ao ameaçar fazer os (im)possíveis para enviar o marido a Niassa, na então afamada Operação e Produção, caso não cedesse às suas pretensões. Esses são os restos porque aquelas personagens nada têm além do que lhes é arrancado pelos políticos/Doutores deputados: as hienas da obra.
Do mesmo jeito que poetas como José Craveirinha usaram nos seus poemas (“Lustro”, por exemplo) o substantivo hiena/quizumba (“Velha quizumba/ de olhos raiados de sangue”(5) ou “tem o paladar da baba das hienas uivando”) para se referirem a um regime, o colonial português, por ser tão nojento, carnívoro, covarde e áspero como o animal, ao dar tal título a esta sua quarta aparição em livro, Furdela também parece pretender atingir um regime: o político vigente. Assim, se é verdade que a escrita de Aurélio Furdela não pauta, volvendo ao excerto de Aguiar e Silva, por uma relação de estrita fidelidade especular, de imediata dependência analógica entre o texto literário e um concreto contexto empírico, os universos instaurados nos seus contos através da ficcionalidade muito se relacionam com o mundo empírico a que o escritor faz parte como um ser também empírico. Por isso nota-se uma crítica clara – disfarçada pela ficção – às mediocridades quotidianas protagonizadas por individualidades moçambicanas de há trinta (30) e da actualidade.
As Hienas Também Sorriem, portanto, deixam de ser apenas uma obra literária pertencente aos contos para passar a ser – numa classificação ou tanto ou quanto ondulante dada a subversão dos cânones que tipificam uma colectânea de contos – uma criação oscilante entre o conto, a crónica e a fábula, pois ao mesmo tempo que “Doutor Seringas e a Burra que Sabia” é sem dúvida alguma um conto com características do “modelo tradicional moçambicano”, o já citado “As Visitas do Barbudo” parece oscilar entre o conto e a crónica já que ao se narrar a trama revela-se uma tendência de se informar o receptor sobre as manhas protagonizadas pelos Doutores deputados/políticos/hienas do seu contexto social. Em terceiro plano, a ideia desta obra tender também a fábula ganha relevo quando através da personificação as personagens antropomórficas, ao nível do raciocínio, de “A Fábula do Búfalo Africano” (os búfalos, os carrapatos e as aves), portando-se como seres racionais com capacidades astutas e opondo-se às ordens de seres hierarquicamente superiores (as feras/os carrapatos em relação às aves e ao búfalos), não deixam de ser isso mesmo: búfalos, carrapatos e aves.
Teixeira (2013) parece atento ao facto de a escrita de Aurélio Furdela ser produto, por exemplo, de suas experiências cronistas. Talvez, por isso, o autor assume que a já citada obra O Golo que Meteu o Árbitro é “(…) constituída por cruzamentos de episódios, onde (Furdela) transpirava a sua actividade como cronista do mundo do desporto, avisadamente tomando este como um palco da vida quotidiana, seus desenlaces e desmandos” (Teixeira, 2013: 6). Pode ser esta uma razão válida para que “As Visitas do Barbudo” e mesmo “A Fábula do Búfalo Africano” apresentarem o carácter informativo da crónica sem deixarem de ser contos. Esta diversidade resultante da complexidade semântica dos enredos cuidadosamente projectados faz com que a obra de Furdela atinja o que Roberto Pontes, ao tratar do fenómeno literário atinente ao circuito afrobrasiluso (6), do qual na época em que o artigo é publicado a escrita de Aurélio Furdela ainda não fazia parte, designa esplendor poético, por estar (…) a fazer-se numa dimensão mais rica, significante e bela, do que pode ter sonhado Luiz Vaz de Camões” (Pontes, 1999: 164).
Já identificados alguns tipos de hienas na obra, colocamo-nos as seguintes perguntas: do que é que As Hienas Também Sorriem? O que Aurélio Furdela pretende com este As Hienas Também Sorriem (se é que realmente há alguma pretensão)? Respondidas estas questões, talvez esfume-se o incómodo ocasionalmente referido.
Na capa deste quarto livro de Furdela, as doze (12) hienas existentes rodeiam, como se a caçar ou a vigiar um homem que sentado numa cadeira de uma praça pública, de um jardim ou algo parecido, cose, aparentemente, um dos seus sapatos. A imagem em causa, pela sua relação, faz-nos citar a seguinte passagem de O Arquipélago de Sangue (7): “O Homem nasce livre e em toda a parte está a ferros.”. Se nos deixarmos levar pela sua indumentária e pelos estereótipos sócias podemos chegar à conclusão (talvez errónea) de que se trata ou de funcionário público/privado ou de um cidadão com um estatuto social considerável. Esta última ideia cai em terra porque o facto de estar a coser o sapato, pessoalmente, revela que não tem condições financeiras para comprar uns tantos pares de sapato ou para pagar um sapateiro de modo que o cosa por si. É uma imagem curiosa, que nos faz pensar em que miséria esse homem, modelo da sociedade a que pertence, está mergulhado. A imagem representa duas situações: miséria e uma espécie de “prisão domiciliária”. As hienas também sorriem disto: do facto de o Homem estar a ferros e ser incapaz de se desembaraçar da miséria que lhe envolve.
Em “As Visitas do Barbudo”, como já dissemos, as hienas sorriem da aflição do José ao roubar a pele de zebra para preparar um tocossado para a esposa grávida e da dona Joana quando o secretário do bairro arranca-lhe a sua honra. No conto seguinte, “Ratos Milionários”, mais uma vez as hienas também sorriem da miséria das personagens pelo facto delas fazerem de uma caixa vazia de cerveja mesa ou cadeira, devido à falta dos dois tipos de mobiliários e sorriem ainda dos que depois de muitos anos de trabalho árduo e expectativas construídas, como Guidione, vêem os seus sonhos desvanecerem-se num repente horroroso.
No conto “Doutor Seringa e a Burra que Sabia” as hienas sorriem da “cómica imagem” em que o Doutor Seringa, aflito em envolver-se sexualmente com uma mulher numa região em que, por causa da guerra, as mulheres ficavam escondidas na outra margem do rio, precipitando-se a obedecer um raciocínio falsamente lógico, possui a burra que os homens usavam para atravessar o rio rumo ao encontro das mulheres.
Em a “Fábula do Búfalo Africano” as hienas sorriem quando os carrapatos, outras hienas, mas numa escala inferior, conseguem calar as aves, seres que no conto/fábula representam gente lúcida, embora sem a intrepidez necessária para a preservação da sua emancipação.
No conto “Pescando Meu Filho”, título que pretende inferiorizar Zidrito, o filho em causa, por estar mergulhado numa calamidade natural, as cheias, e o pai, por ser incapaz de zelar pelo bem-estar do filho como se espera de quem ostenta esse substantivo masculino, as hienas humanas sorriem do episódio em que a mãe de Zidrito vai dormir numa linha férrea, pois lá a água da chuva e os dejectos a escaparem das latrinas nunca atingiam os carris e sorriem ainda da passagem em que o pai, usando uma rede mosquiteira que se colocada sobre cama, pesca o filho depois deste ter sido engolido pelas águas da chuva.
No “Vagão Fornalha” as hienas também sorriem do instinto de sobrevivência que leva um pai a traçar um plano de maneira que a sua família, no tempo da guerra dos 16 anos, pudesse colher vantagens dos diferentes lados. Neste contexto, um dos filhos do homem (João) alinharia para o exército da Frelimo, o outro (Acácio) alinharia para o exército dos matsangas, o terceiro (Jorge) iria se tornar padre no seminário e o pai, distribuidor de tarefas, cuidaria do gado bovino e enterraria os cadáveres da guerra. Além disso, as hienas também sorriem de Matate quando se suicida por não suportar a ideia de vir a trabalhar sob as ordens de um comandante cruel, Morteiro, o qual, por teimosia, levara à morte 141 rapazes na emboscada implantada pelos matsangas numa ferrovia.
Em “O Homem Espinha de Peixe de Peixe” a “cómica imagem” que também faz sorrir as hienas torna-se mais uma vez evidente: primeiro quando não compreendendo como uma espinha de peixe se encravara nas costas de Carlos Samananga, o protagonista da estória, Bawuti e Marta, Doutores do Hospital Central, mandam chamar um curandeiro para lhes ajudar a resolver o problema e segundo quando Punhetchev, no meio da cavaqueira que tinha com Samananga, afirma: “Vim aqui parar por ser acusado de masturba-me a pensar na mulher de um grande chefe… (…) Os gajos deram-me esse nome durante uma reunião no círculo. Apresentaram-me à população como um estuprador psicológico! (p. 84). 
Estes são apenas alguns exemplos flagrantes que fazem com que as hienas também sorriem. Com isto, a escrita de Aurélio Furdela esmera-se em denunciar e criticar a “passividade animal (8)” de todos aqueles que ocupando cargos políticos importantes ao nível de um Governo mostram-se insensíveis aos melodramas sociais. Por isso, a ridicularização dos Doutores deputados ou dos políticos em geral é um fenómeno permanente em (quase) todos os contos, pois eles, os políticos, à semelhança das hienas, operam em grupo por não possuírem a destreza e coragem necessárias para individualmente arrancarem dos miseráveis o que a eles pertence. 
Ao usar a hiena (no título e nos enredos) para substituir os dirigentes políticos, Furdela Fá-lo pelo facto de ambos os seres, neste contexto, possuírem características comuns: ambos têm uma pelagem de cor castanha escura (com isto não pretendemos excluir as excepções, pois existem hienas, sobretudo humanas, com um outro tipo de pelagem); ambos têm um grito áspero, no caso dos políticos são os discursos irritantes, redundantes, hipócritas, vazios e reveladores de pouca criatividade; ambos têm hábitos nocturnos, embora hajam durante a luz do dia (no caso das hienas humanas, tem a ver com as acções desenvolvidas nas sombras, as quais, algumas/muitas delas, resultam em “segredos de Estado”); ambas têm a capacidade de adaptação, o que, por exemplo, faz com que uma hiena concebida para operar como “servo da Agricultura” “opere sem quaisquer constrangimentos” numa “selva do Interior” e ambas são hienas vis, não possuem remorsos e não se importam com mais nada para além de satisfazer as suas ambições.
Teixeira (2013) parece atento ao facto de a escrita de Aurélio Furdela ser produto, por exemplo, de suas experiências cronistas. Talvez, por isso, o autor assume que a já citada obra O Golo que Meteu o Árbitro é “(…) constituída por cruzamentos de episódios, onde [Furdela] transpirava a sua actividade como cronista do mundo do desporto, avisadamente tomando este como um palco da vida quotidiana, seus desenlaces e desmandos” (Teixeira, 2013: 6). Pode ser esta uma razão válida para que “As Visitas do Barbudo” e mesmo “A Fábula do Búfalo Africano” apresentarem o carácter informativo da crónica sem deixarem de ser contos. Esta diversidade resultante da complexidade semântica dos enredos cuidadosamente projectados faz com que a obra de Furdela atinja o que Roberto Pontes, ao tratar do fenómeno literário atinente ao circuito afrobrasiluso[1], do qual na época em que o artigo é publicado a escrita de Aurélio Furdela ainda não fazia parte, designa esplendor poético, por estar (…) a fazer-se numa dimensão mais rica, significante e bela, do que pode ter sonhado Luiz Vaz de Camões” (Pontes, 1999: 164).
Já identificados alguns tipos de hienas na obra, colocamo-nos as seguintes perguntas: do que é que As Hienas Também Sorriem? O que Aurélio Furdela pretende com este As Hienas Também Sorriem (se é que realmente há alguma pretensão)? Respondidas estas questões, talvez esfume-se o incómodo ocasionalmente referido.
Na capa deste quarto livro de Furdela, as doze (12) hienas existentes rodeiam, como se a caçar ou a vigiar um homem que sentado numa cadeira de uma praça pública, de um jardim ou algo parecido, cose, aparentemente, um dos seus sapatos. A imagem em causa, pela sua relação, faz-nos citar a seguinte passagem de O Arquipélago de Sangue[2]: “O Homem nasce livre e em toda a parte está a ferros.”. Se nos deixarmos levar pela sua indumentária e pelos estereótipos sócias podemos chegar à conclusão (talvez errónea) de que se trata ou de funcionário público/privado ou de um cidadão com um estatuto social considerável. Esta última ideia cai em terra porque o facto de estar a coser o sapato, pessoalmente, revela que não tem condições financeiras para comprar uns tantos pares de sapato ou para pagar um sapateiro de modo que o cosa por si. É uma imagem curiosa, que nos faz pensar em que miséria esse homem, modelo da sociedade a que pertence, está mergulhado. A imagem representa duas situações: miséria e uma espécie de “prisão domiciliária”. As hienas também sorriem disto: do facto de o Homem estar a ferros e ser incapaz de se desembaraçar da miséria que lhe envolve.
Em “As Visitas do Barbudo”, como já dissemos, as hienas sorriem da aflição do José ao roubar a pele de zebra para preparar um tocossado para a esposa grávida e da dona Joana quando o secretário do bairro arranca-lhe a sua honra. No conto seguinte, “Ratos Milionários”, mais uma vez as hienas também sorriem da miséria das personagens pelo facto delas fazerem de uma caixa vazia de cerveja mesa ou cadeira, devido à falta dos dois tipos de mobiliários e sorriem ainda dos que depois de muitos anos de trabalho árduo e expectativas construídas, como Guidione, vêem os seus sonhos desvanecerem-se num repente horroroso.
No conto “Doutor Seringa e a Burra que Sabia” as hienas sorriem da “cómica imagem” em que o Doutor Seringa, aflito em envolver-se sexualmente com uma mulher numa região em que, por causa da guerra, as mulheres ficavam escondidas na outra margem do rio, precipitando-se a obedecer um raciocínio falsamente lógico, possui a burra que os homens usavam para atravessar o rio rumo ao encontro das mulheres.
Em a “Fábula do Búfalo Africano” as hienas sorriem quando os carrapatos, outras hienas, mas numa escala inferior, conseguem calar as aves, seres que no conto/fábula representam gente lúcida, embora sem a intrepidez necessária para a preservação da sua emancipação.
No conto “Pescando Meu Filho”, título que pretende inferiorizar Zidrito, o filho em causa, por estar mergulhado numa calamidade natural, as cheias, e o pai, por ser incapaz de zelar pelo bem-estar do filho como se espera de quem ostenta esse substantivo masculino, as hienas humanas sorriem do episódio em que a mãe de Zidrito vai dormir numa linha férrea, pois lá a água da chuva e os dejectos a escaparem das latrinas nunca atingiam os carris e sorriem ainda da passagem em que o pai, usando uma rede mosquiteira que se colocada sobre cama, pesca o filho depois deste ter sido engolido pelas águas da chuva.
No “Vagão Fornalha” as hienas também sorriem do instinto de sobrevivência que leva um pai a traçar um plano de maneira que a sua família, no tempo da guerra dos 16 anos, pudesse colher vantagens dos diferentes lados. Neste contexto, um dos filhos do homem (João) alinharia para o exército da Frelimo, o outro (Acácio) alinharia para o exército dos matsangas, o terceiro (Jorge) iria se tornar padre no seminário e o pai, distribuidor de tarefas, cuidaria do gado bovino e enterraria os cadáveres da guerra. Além disso, as hienas também sorriem de Matate quando se suicida por não suportar a ideia de vir a trabalhar sob as ordens de um comandante cruel, Morteiro, o qual, por teimosia, levara à morte 141 rapazes na emboscada implantada pelos matsangas numa ferrovia.
Em “O Homem Espinha de Peixe de Peixe” a “cómica imagem” que também faz sorrir as hienas torna-se mais uma vez evidente: primeiro quando não compreendendo como uma espinha de peixe se encravara nas costas de Carlos Samananga, o protagonista da estória, Bawuti e Marta, Doutores do Hospital Central, mandam chamar um curandeiro para lhes ajudar a resolver o problema e segundo quando Punhetchev, no meio da cavaqueira que tinha com Samananga, afirma: “Vim aqui parar por ser acusado de masturba-me a pensar na mulher de um grande chefe… (…) Os gajos deram-me esse nome durante uma reunião no círculo. Apresentaram-me à população como um estuprador psicológico! (p. 84). 
Estes são apenas alguns exemplos flagrantes que fazem com que as hienas também sorriem. Com isto, a escrita de Aurélio Furdela esmera-se em denunciar e criticar a “passividade animal[3]” de todos aqueles que ocupando cargos políticos importantes ao nível de um Governo mostram-se insensíveis aos melodramas sociais. Por isso, a ridicularização dos Doutores deputados ou dos políticos em geral é um fenómeno permanente em (quase) todos os contos, pois eles, os políticos, à semelhança das hienas, operam em grupo por não possuírem a destreza e coragem necessárias para individualmente arrancarem dos miseráveis o que a eles pertence. 
Ao usar a hiena (no título e nos enredos) para substituir os dirigentes políticos, Furdela Fá-lo pelo facto de ambos os seres, neste contexto, possuírem características comuns: ambos têm uma pelagem de cor castanha escura (com isto não pretendemos excluir as excepções, pois existem hienas, sobretudo humanas, com um outro tipo de pelagem); ambos têm um grito áspero, no caso dos políticos são os discursos irritantes, redundantes, hipócritas, vazios e reveladores de pouca criatividade; ambos têm hábitos nocturnos, embora hajam durante a luz do dia (no caso das hienas humanas, tem a ver com as acções desenvolvidas nas sombras, as quais, algumas/muitas delas, resultam em “segredos de Estado”); ambas têm a capacidade de adaptação, o que, por exemplo, faz com que uma hiena concebida para operar como “servo da Agricultura” “opere sem quaisquer constrangimentos” numa “selva do Interior” e ambas são hienas vis, não possuem remorsos e não se importam com mais nada para além de satisfazer as suas ambições. Teixeira (2013) parece atento ao facto de a escrita de Aurélio Furdela ser produto, por exemplo, de suas experiências cronistas. Talvez, por isso, o autor assume que a já citada obra O Golo que Meteu o Árbitro é “(…) constituída por cruzamentos de episódios, onde [Furdela] transpirava a sua actividade como cronista do mundo do desporto, avisadamente tomando este como um palco da vida quotidiana, seus desenlaces e desmandos” (Teixeira, 2013: 6). Pode ser esta uma razão válida para que “As Visitas do Barbudo” e mesmo “A Fábula do Búfalo Africano” apresentarem o carácter informativo da crónica sem deixarem de ser contos. Esta diversidade resultante da complexidade semântica dos enredos cuidadosamente projectados faz com que a obra de Furdela atinja o que Roberto Pontes, ao tratar do fenómeno literário atinente ao circuito afrobrasiluso[1], do qual na época em que o artigo é publicado a escrita de Aurélio Furdela ainda não fazia parte, designa esplendor poético, por estar (…) a fazer-se numa dimensão mais rica, significante e bela, do que pode ter sonhado Luiz Vaz de Camões” (Pontes, 1999: 164).
Já identificados alguns tipos de hienas na obra, colocamo-nos as seguintes perguntas: do que é que As Hienas Também Sorriem? O que Aurélio Furdela pretende com este As Hienas Também Sorriem (se é que realmente há alguma pretensão)? Respondidas estas questões, talvez esfume-se o incómodo ocasionalmente referido.
Na capa deste quarto livro de Furdela, as doze (12) hienas existentes rodeiam, como se a caçar ou a vigiar um homem que sentado numa cadeira de uma praça pública, de um jardim ou algo parecido, cose, aparentemente, um dos seus sapatos. A imagem em causa, pela sua relação, faz-nos citar a seguinte passagem de O Arquipélago de Sangue[2]: “O Homem nasce livre e em toda a parte está a ferros.”. Se nos deixarmos levar pela sua indumentária e pelos estereótipos sócias podemos chegar à conclusão (talvez errónea) de que se trata ou de funcionário público/privado ou de um cidadão com um estatuto social considerável. Esta última ideia cai em terra porque o facto de estar a coser o sapato, pessoalmente, revela que não tem condições financeiras para comprar uns tantos pares de sapato ou para pagar um sapateiro de modo que o cosa por si. É uma imagem curiosa, que nos faz pensar em que miséria esse homem, modelo da sociedade a que pertence, está mergulhado. A imagem representa duas situações: miséria e uma espécie de “prisão domiciliária”. As hienas também sorriem disto: do facto de o Homem estar a ferros e ser incapaz de se desembaraçar da miséria que lhe envolve.
Em “As Visitas do Barbudo”, como já dissemos, as hienas sorriem da aflição do José ao roubar a pele de zebra para preparar um tocossado para a esposa grávida e da dona Joana quando o secretário do bairro arranca-lhe a sua honra. No conto seguinte, “Ratos Milionários”, mais uma vez as hienas também sorriem da miséria das personagens pelo facto delas fazerem de uma caixa vazia de cerveja mesa ou cadeira, devido à falta dos dois tipos de mobiliários e sorriem ainda dos que depois de muitos anos de trabalho árduo e expectativas construídas, como Guidione, vêem os seus sonhos desvanecerem-se num repente horroroso.
No conto “Doutor Seringa e a Burra que Sabia” as hienas sorriem da “cómica imagem” em que o Doutor Seringa, aflito em envolver-se sexualmente com uma mulher numa região em que, por causa da guerra, as mulheres ficavam escondidas na outra margem do rio, precipitando-se a obedecer um raciocínio falsamente lógico, possui a burra que os homens usavam para atravessar o rio rumo ao encontro das mulheres.
Em a “Fábula do Búfalo Africano” as hienas sorriem quando os carrapatos, outras hienas, mas numa escala inferior, conseguem calar as aves, seres que no conto/fábula representam gente lúcida, embora sem a intrepidez necessária para a preservação da sua emancipação.
No conto “Pescando Meu Filho”, título que pretende inferiorizar Zidrito, o filho em causa, por estar mergulhado numa calamidade natural, as cheias, e o pai, por ser incapaz de zelar pelo bem-estar do filho como se espera de quem ostenta esse substantivo masculino, as hienas humanas sorriem do episódio em que a mãe de Zidrito vai dormir numa linha férrea, pois lá a água da chuva e os dejectos a escaparem das latrinas nunca atingiam os carris e sorriem ainda da passagem em que o pai, usando uma rede mosquiteira que se colocada sobre cama, pesca o filho depois deste ter sido engolido pelas águas da chuva.
No “Vagão Fornalha” as hienas também sorriem do instinto de sobrevivência que leva um pai a traçar um plano de maneira que a sua família, no tempo da guerra dos 16 anos, pudesse colher vantagens dos diferentes lados. Neste contexto, um dos filhos do homem (João) alinharia para o exército da Frelimo, o outro (Acácio) alinharia para o exército dos matsangas, o terceiro (Jorge) iria se tornar padre no seminário e o pai, distribuidor de tarefas, cuidaria do gado bovino e enterraria os cadáveres da guerra. Além disso, as hienas também sorriem de Matate quando se suicida por não suportar a ideia de vir a trabalhar sob as ordens de um comandante cruel, Morteiro, o qual, por teimosia, levara à morte 141 rapazes na emboscada implantada pelos matsangas numa ferrovia.
Em “O Homem Espinha de Peixe de Peixe” a “cómica imagem” que também faz sorrir as hienas torna-se mais uma vez evidente: primeiro quando não compreendendo como uma espinha de peixe se encravara nas costas de Carlos Samananga, o protagonista da estória, Bawuti e Marta, Doutores do Hospital Central, mandam chamar um curandeiro para lhes ajudar a resolver o problema e segundo quando Punhetchev, no meio da cavaqueira que tinha com Samananga, afirma: “Vim aqui parar por ser acusado de masturba-me a pensar na mulher de um grande chefe… (…) Os gajos deram-me esse nome durante uma reunião no círculo. Apresentaram-me à população como um estuprador psicológico! (p. 84). 
Estes são apenas alguns exemplos flagrantes que fazem com que as hienas também sorriem. Com isto, a escrita de Aurélio Furdela esmera-se em denunciar e criticar a “passividade animal[3]” de todos aqueles que ocupando cargos políticos importantes ao nível de um Governo mostram-se insensíveis aos melodramas sociais. Por isso, a ridicularização dos Doutores deputados ou dos políticos em geral é um fenómeno permanente em (quase) todos os contos, pois eles, os políticos, à semelhança das hienas, operam em grupo por não possuírem a destreza e coragem necessárias para individualmente arrancarem dos miseráveis o que a eles pertence. 

Ao usar a hiena (no título e nos enredos) para substituir os dirigentes políticos, Furdela Fá-lo pelo facto de ambos os seres, neste contexto, possuírem características comuns: ambos têm uma pelagem de cor castanha escura (com isto não pretendemos excluir as excepções, pois existem hienas, sobretudo humanas, com um outro tipo de pelagem); ambos têm um grito áspero, no caso dos políticos são os discursos irritantes, redundantes, hipócritas, vazios e reveladores de pouca criatividade; ambos têm hábitos nocturnos, embora hajam durante a luz do dia (no caso das hienas humanas, tem a ver com as acções desenvolvidas nas sombras, as quais, algumas/muitas delas, resultam em “segredos de Estado”); ambas têm a capacidade de adaptação, o que, por exemplo, faz com que uma hiena concebida para operar como “servo da Agricultura” “opere sem quaisquer constrangimentos” numa “selva do Interior” e ambas são hienas vis, não possuem remorsos e não se importam com mais nada para além de satisfazer as suas ambições.
Parece-nos ser esta A Outra Face d’As Hienas Também Sorriem, de Aurélio Furdela.  

Referência bibliográfica
Aguiar e Silva, V. (1984) Teoria da Literatura, 6ª Edição. Coimbra: Livraria Almedina.
Chomscky, N. e Herman, E. (1976) O Arquipélago de Sangue. S.L: Círculo de Leitores.
Costa, J. e Melo, A. (1999) Dicionário de Língua portuguesa, 8ª Edição. Porto: Porto Editora. 
Craveirinha, J. (1980) Cela 1. Maputo: Instituto Nacional do Livro e do Disco.
Craveirinha, J. (2008) Xigubo. Maputo: Alcance Editores.
Furdela, A. (2012) As Hienas Também Sorriem. Maputo: AEMO.
Teixeira, J. (2013) A Sambrowera em Aurélio Furdela. Suplemento Cultural do Jornal Notícias, 5 de Junho de 2013, p. 6.
Pontes, R. (1999) Poesia Insubmissa Afrobrasileira. Rio de Janeiro/Fortaleza: Oficina do Autor.
Outra fonte: Pacievitch, T. (s/d)  www.InfoEscola.com [acessed 6 de Junho de 2013].
(1) É a palavra que serve de entrada a um artigo de dicionário (Dubois et al, 1973: 610).
(2) Entenda-se, dez vezes necessário.
(3]) Por Thais Pacievitch, extraído de infoesccola.
(4) Os sublinhados são nossos.
(5) Versos do poema “Lustro”, de José Craveirinha, in Cela 1.
(6) Palavra formada por aglutinação. Deriva de África, Brasil e Luso.
(7) Chomscky, N. e Herman, E. (1976: 7).
(8) Alusão a um dos versos do poema de José Craveirinha, “Subida”, in Xigubo (p. 25), no qual o sujeito de enunciação manifesta o seu descontentamento pelo facto de as condições sociais no que respeita aos produtos de primeira necessidade, por exemplo, agravarem-se e os membros dessa sociedade [a nossa, logo se vê], manterem-se numa “passividade animal”. Tal é a passividade das hienas humanas, em Furdela, mas também dos que delas são vítimas.

In: Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 3 de Julho de 2013::