31 outubro 2013

O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO
 VIOLÊNCIAS LUSÓFONAS: ANGOLA, MOÇAMBIQUE

Presente desde o século XV nas costas africanas, Portugal só tardiamente empreendeu a colonização do imenso império (vinte e cinco vezes a sua super­fície...) que as rivalidades europeias lhe permitiram talhar no continente negro. Esta tardia e superficial ocupação do espaço não facilitou certamente a difusão de um sentimento de dependência homogénea no interior dos terri­tórios. As organizações que se lançaram na luta armada no início dos anos sessenta tiveram de apoiar-se, no seio das populações não brancas, num senti­mento anticolonial certamente mais virulento do que as suas eventuais aspira­ções nacionais47. Conscientes dos obstáculos com os que se deparava o seu jacobinismo, as direcções nacionalistas concederam rapidamente uma forte atenção aoinimigo interno48 — chefes tradicionais, colaboradores do coloni­zador, dissidentes políticos — acusado de prejudicar a pátria em perigo. Estes traços característicos de uma cultura política que o duplo código genético salazarista e estalinista não predispunha ao culto da democracia representa­tiva iam acentuar-se a despeito da partida precipitada da potência tutelar.
Leia aqui este capítulo dedicado a Angola e a Moçambique:  Download Violencias lusofonas

* Edição portuguesa da Quetzal Editores(1999)

LUTA PELO PODER?


Guebuza e Dhlakama: luta pelo poder?

A mudança de Afonso Dhlakama para Sathunjira, há um ano, representou sempre um barril de pólvora para a estabilidade política no país. A sua estadia foi, por essa altura, diabolizada e apontada como contraproducente por uma extensa lista de riscos para a democracia. Desde então, o país registou uma inusitada entrada de material bélico, uma demonstração inequívoca de que poderia ser resolvido pelas armas o entrave que o diálogo se mostrou incapaz de ultrapassar...
“O que pensas da ocupação de Sathunjira pelas forças governamentais?” Na esfera pública, a pergunta é como apresentar o Bilhete de Identidade. A resposta diz quem és, dá ou tira inimigos, coloca uma etiqueta num país “dividido” em dois por razões políticas. Não pronunciar uma opinião rotunda sobre os últimos episódios na antiga base da Renamo resulta quase suspeitoso. Somos pró Guebuza ou anti-Guebuza, lambe-botas ou revolucionários a favor ou contra Dhlakama.
O meio-termo não está na moda em Moçambique. Guebuza, por mais que se negue, é um animal político superdotado, avivou este desgarro na opinião pública e desde sempre gerou uma idolatria desmedida ou uma repulsa visceral. Dhlakama, ao contrário, é compreendido como um político instável ou até uma corda entre líder militar e político.No entanto, é uma figura incontornável no actual cenário político moçambicano. A fuga dos cérebros da Renamo, por exemplo, é apontada como um dos grandes males de Afonso Dhlakama pelo facto de, por um lado, ter centrado o poder nas suas mãos e, por outro, ter contribuído para afastar do partido a possibilidade de se apresentar como uma alternativa aos moçambicanos.
Portanto, reconhecer hoje, com lucidez, a responsabilidade de um e de outro na situação de conflito armado na qual o país parece ter mergulhado resulta uma tarefa impossível para boa parte da opinião pública esclarecida. Como é Moçambique em 2013? É um país mais livre e mais justo e um dos pilares da integração regional ou uma sociedade dependente de doadores e megaprojectos, acossada de males crónicos como a terrível insegurança alimentar e com uma economia estancada?
“A mim Guebuza fez pessoa”, faz o seu balanço Eleutério Castro. A frase impressiona, sobretudo quando brota sem fanatismo, com uma certeza sem fissuras e um agradecimento profundo. Analfabeto e pobre, este ancião de Angónia considerou-se sempre uma cidadão de segunda até que, passados os 60 anos de idade, criou um negócio com o famigerado Fundo dos Sete Milhões, graças ao Governo. Guebuza pôs, com acerto, no centro do seu discurso, estes moçambicanos esquecidos por governos anteriores e tornou-lhes conscientes da possibilidade de prosperar fora dos grandes centros urbanos. As maiores vitórias do guebusismo são as dezenas de milhares de moçambicanos com nome e apelido aos quais a Presidência Aberta deu voz.
“Neste sentido, creio que olhar para os distritos era uma necessidade histórica”, dizia numa entrevista Joaquim Chissano, antigo estadista moçambicano. Um país não via o outro país, o meio urbano e o rural não dançavam a mesma música e nem falavam da mesma maneira e os líderes políticos e económicos ignoravam a existência e as necessidades da parte mais frágil da sociedade até que o guebusismo deu um sonoro murro na porta e disse: “Estamos aqui”. Esta mudança é irreversível, até a oposição mais recalcitrante o sabe, e qualquer Governo futuro não pode passar por alto esta realidade.
Contudo, Guebuza, com os anos, foi deixando também de fora do seu projecto de país uma parte importante dos cidadãos. Comigo ou contra mim. E assim a exclusão política substitui a exclusão social. Segundo a Instituto Nacional de Estatística, o número de moçambicanos pobres tem vindo a aumentar, enquanto a economia cresce cerca de 7 porcento ao ano. Para os adversários de Guebuza, ao impulsionar estes programas de renda ou alimentação, o Presidente não procurava o bem-estar nem a justiça social, mas sim os votos para perpetuar o seu partido no poder.
A pergunta, agora, é se as promessas de projectos sociais que concederam tanta popularidade ao Presidente da República nos distritos tem estrutura necessária para sobreviver. Desde 2010, o distanciamento de Guebuza em relação aos projectos como Revolução Verde acentuou-se e até o combate ao deixa-andar, que se tinha convertido no seu cavalo de batalha, foi literalmente relegado para segundo plano. A reversão da Hidroélectrica de CahoraBassa e os mega-projectos marcaram uma nova era no discurso de Guebuza.
Na verdade, a economia moçambicana bateu recordes de crescimento, mas milhões de moçambicanos sentem-se hoje desgastados por um projecto político que não se parece em quase nada com o que votaram em 2004 e 2009. Houve em Moçambique uma verdadeira revolução verde e um acirrado combate ao clientelismo e deixa-andar?
Em muitos casos, a desilusão e a impotência são tão fanáticas porque o Presidente contava com apoio e recursos necessários para ter transformado o país e resolvido os seus problemas mais prementes. Começando pelo crescente aumento de custo de vida que culminou com os tumultos de 5 de Fevereiro de 2008 e 1 Setembro de 2010. É difícil saber até que ponto Guebuza é consciente dos seus fracassos, de que o combate ao deixa-andar e a luta contra a pobreza que impregnou nos seus discursos não calaram no fundo de um povo que precisava de novos rumos.
Com o tempo, o Presidente da República cedeu à tentação de um narcisismo extremo que parecia cegá-lo e que o impeliu, inclusive, a institucionalizar o guebusismo para lhe dar continuidade para além da sua pessoa. O líder moçambicano criou condições para que nada lhe fizesse sombra nas suas fileiras enquanto a oposição, totalmente desorientada e dividida, necessitou de anos para encontrar um projecto construtivo e um candidato capaz de se medir com a Frelimo nos pleitos eleitorais. A verdade é que Guebuza foi durante muito tempo líder do Governo e da oposição.
É, portanto, nesta óptica de líder incontestável que o país degenerou na situação de conflito armado. Convencido da importância de eliminar Dhlakama fisicamente para governar sem fissuras, Guebuza deu ordens para que Sathunjira fosse ocupada e o líder da Renamo morto, de acordo com a percepção da opinião pública. Exactamente na semana em que os membros daquela formação política celebravam o desaparecimento físico de André Matsangaíssa. Finalmente, o único adversário de peso de Guebuza acabou por ser um elemento inesperado com que ninguém, e muito menos ele, pareceria haver contado: Dhlakama foi informado do plano, saiu antes do ataque do local e está vivo.
Dhlakama afirmou que não vai retaliar e que não pretende a guerra. Porém, através do porta- -voz do seu partido, Fernando Mazanga, anunciou que tinha perdido o controlo dos seus homens. O que se pode depreender desta volte-face discursiva, passados dois dias, é que existe um espaço para o diálogo ou que o líder da Renamo pretende ganhar tempo para se refazer da humilhação de Sathunijira e, ao mesmo tempo, distancia-se de qualquer ataque que possa ocorrer.

In: Jornal A Verdade, 24/10/2013
RISCOS DE NOVO CONFLITO INTERNO
 Pesquisa e análise
1. As previsões de evolução da situação interna em Moçambique, após a “escalada” da tomada por forças especiais do Exército/FIR da localidade de Sadjundira, onde Afonso Dhlakama se encontrava acantonado há 1 ano, apontam em geral para cenários de reacendimento de um conflito civil.
Factores chave em que as previsões se apoiam:
-  A Dhlakama e partidários retiraram a 19.Out, à noite, de forma reportada como voluntária e controlada; a área é considerada principal base de apoio e recrutamento da Renamo; a população que nos últimos meses se internara em Sadjundira, fora antes aconselhada a voltar às suas origens – o que aconteceu.
-  As forças do Exército/FIR que entraram na localidade, 21.Out, à tarde, encontraram-na deserta; apenas duas viaturas, uma das quais do SG, Manuel Bissopo.
-  Por meio de telefonemas do próprio a jornalistas, bem como de um comunicado da Renamo, foi disseminada a informação segundo a qual A. Dhlakama estava “a salvo e de boa saúde”; gesto aparentemente destinado a evitar fenómenos de esmorecimento na base de apoio da Renamo; segue-se a necessidade de “marcar presença”, no novo quadro de desvinculação de compromissos com o Governo.
Em 17/18.Outa “cabeça” da coluna motorizada Exército/FIR encontrava-se já num ponto próximo de Sadjundira. A “espera” até 21.Outpara se pôr em marcha terá sido ditada pela intenção de pressionar previamente A. Dhlakama a retirar, entrando só depois disso, de modo a evitar contacto directo.
A ordem para a entrada da coluna em Sadjundira foi dada apenas em 19. Ou pelo CEMG, Gen. Graça Chongo. Há indicações de que o momento escolhido se destinou a fazê-lo coincidir como início de uma “presidência aberta” do Presidente Armando Guebuza à província de Sofala. G Chongo é muito próximo (AM 771) do Presidente.
A ocupação da Sadjundira pelas forças governamentais, independentemente das circunstâncias em que ocorreu, deu à Renamo pretexto/oportunidade para recorrer à força como via para tentar fazer valer as exigências políticas que faz ao Governo e manter o respeito e lealdade da sua base de apoio.
O método que aparentemente está ao alcance das suas capacidades, acções de desgaste e usura que as forças governamentais terão grande dificuldade em prevenir/controlar devido a factores como a vastidão do território/descontentamento da população, alastrará a instabilidade a todo o país.
2 . Em meios diplomáticos e de intelligence atentos à situação prevalece a ideia de que o regime da Frelimo, embora agindo sempre de forma a culpar a Renamo, foi a parte que, de facto, desejou a presente ruptura, por associar à mesma virtualidades capazes de servir ocultos desígnios e interesses e políticos.
Na esteira de eventuais medidas de excepção justificadas pela necessidade de “lidar” com a emergência da instabilidade, a ala predominante do regime, conotada com A. Guebuza, pode, p. exemplo:
-  Restringir a democracia com o fito de apertar o controlo da sociedade; limitar direitos, liberdades e garantias.
-  Alterar a relação interna de forças na Frelimo, de modo a isolar/enfraquecer a influente ala histórica, que lhe é adversa.
- Impôr uma “solução presidencial” do interesse de A. Guebuza; alterar a constituição, aproveitando para tal uma revisão ainda em curso; adiar as eleições para além da data prevista de Out.2014 ou impôr um candidato de conveniência.
Análises anteriores (AM 779) acerca da crise política associavam o silêncio de A. Guebuza no que toca às eleições presidenciais (AM 784) a uma posição do próprio que consistia em condicionar uma decisão final sobre o assunto ao desfecho que a crise com a Renamo viesse a ter – não se sabendo ainda qual seria.
Várias passagens de um comunicado da embaixada dos EUA em Maputo, cuja tónica é a condenação do recurso à violência como via de resolução da crise, sugerem que o Governo é considerado principal responsável da presente situação. Países da União Europeia mais atentos à situação também perfilham esta ideia.
3. Na gestão política que o regime da Frelimo fez de toda a crise, está identificada uma “determinação firme” de não chegar a nenhum compromisso com a Renamo. Foi igualmente notado um esforço constante no sentido de fazer proliferar manifestações de boa vontade e compreensão – consideradas ilusórias.
Uma revisão da legislação eleitoral, nos termos propostos pela Renamo nas negociações com o Governo, equivaleria à perda por parte do regime do controlo que sempre teve da máquina eleitoral, expondo-se assim a riscos de desaires eleitorais, até agora evitados/mitigados com o recurso a fraudulências.
Os adversários internos de A. Guebuza criticaram-no especialmente pela “rigidez” identificada na sua atitude face às reclamações da Renamo. Associaram a essa linha a uma análise de A. Guebuza segundo a qual atender as reclamações da Renamo implicaria a sua fragilização perante a mesma, a sociedade em geral e eles próprios.
4. Num cenário de “deriva” militar, convincentemente remetida para a responsabilidade da Renamo, o regime julga que dispõe de condições (o poder do Estado, sob forma de influências e apoios) para gerir tal contingência à medida dos seus interesses. As novas perspectivas de exploração de recursos também reforçaram a sua capacidade de acção.
Há conhecimento de pontos de vista individuais, emitidos em meios da elite política local, segundo os quais uma eventual deterioração da actual situação não afectaria os planos de exploração do gás natural, cujo mercado natural é a Ásia (AM 758), devido ao facto de a mesma estar concentrada no mar, Bacia do Rovuma.
Este ponto de vista, descrito como mera “racionalização de desejos” inspirada numa realidade similar, Angola, é contrariado por advertências que se sabe estarem a ser feitas às autoridades moçambicanas tais como a de que, nas circunstâncias actuais, ninguém investiria num país que no passado esteve em guerra para a ela voltar.

AFRICA MONITOR – 22.10.2013

30 outubro 2013

PARA ALGUNS MOÇAMBICANOS INIMIGO DO MEU INIMIGO É MEU AMIGO

Um colega britânico, de nome John Huges, que há décadas tem acompanhado os desenvolvimentos sócio-economicos e militares moçambicanos, escreveu-me um e-mail, no passado dia 28, no qual dizia o seguinte: Coisas estranhas estão acontecendo em Moçambique. Figuras da Igreja defendendo gangs armados! E os Estados Unidos argumentando contra a acção militar (do governo) contra terroristas.
No segundo parágrafo, ele vinca que todos nós somos a favor das negociações, mas é a Renamo que necessita tomar a decisão de abandonar as suas armas.
Ele lamenta a existência de comentadores que agora defendem a tese de que o pomo da discórdia (entre o governo e a Renamo) esteja em torno do dinheiro.
É muito triste. O que se faz com a Lei e Ordem!, Escreve este jornalista britânico cujo pai, Lord Huges, apoiou muito a luta de libertação de Moçambique do colonialismo português no período entre 1962 a 1974, incluindo os 10 anos de luta armada.
Eis a transcrição da frase de Huges na sua versão em inglês: Strange things are happening in Mozambique. 
Church figures defending armed gangs! And the United States arguing against military action against terrorists. We are all in favour of negotiations, but it is Renamo that needs to make the decision to lay down its arms. Commentators are now coming to the view that it is all about money. Very sad. What about law and order!, sic.

A MINHA RESPOSTA A HUGES

Em resposta a este seu e-mail, eu disse-lhe que não era para perceber a posição dos que agora tentam deitar todas as culpas ao Presidente Armando Guebuza, ou ao Exército moçambicano, pela captura do Quartel-General da Renamo em Santujira, na província central de Sofala, a 21 deste mês, que foi uma retaliação aos sucessivos ataques não provocados protagonizados pelos homens da Perdiz desde Abril último.
Nessa minha resposta, vinquei que encarava os que estavam contra a reacção do exército moçambicano como sendo pessoas que talvez não acompanharam os actos da Renamo ao longo deste ano. Disse ainda que poderiam ser pessoas que detestam a Frelimo, seu Governo e mesmo o próprio Guebuza, e que se guiam religiosamente pela tese de que inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Para essas pessoas, sendo a Renamo o pior inimigo da Frelimo e do seu Governo, assumem-no como seu amigo, porque está contra um inimigo comum que, para essas mesmas pessoas, é a Frelimo ou Guebuza.
As pessoas que agora estão contra a reacção das tropas moçambicanas sentiam muita satisfação, prazer e esperança de se verem livres da Frelimo, quando a Renamo vinha realizando impunemente ataques sistemáticos e mortíferos contra polícias, militares e civis.
A minha conclusão é partilhada por muitos outros analistas, e fica mais do que provado, quando em nenhum desses ataques da Renamo contra civis, polícias e militares, se ouviu essas pessoas protestarem, como o fazem agora que, finalmente, o Governo decidiu retaliar, tomando de assalto o Quartel-General da Renamo em Santujira, que também era a residência de guerra do seu líder, Afonso Dhlakama.
Ficou mais do que evidente que este assalto entristeceu os que encaravam os ataques da Renamo como uma contribuição para o desmoronamento do Governo de Guebuza e, por consequência, da Frelimo como partido que detém o poder há cerca de 40 anos.
Por incrível pareça, agora até alegam que o assalto e toda a acção defensiva e ofensiva das FADM contra a Renamo, é inconstitucional, como se não fosse dever e obrigação de um governo, defender os cidadãos que o elegeram quando são alvos de ataques de quem quer que seja!

OUTRO BRITÂNICO, UM ACADÉMICO DE RENOME MUNDIAL, CULPA A RENAMO

O jornalista John Huges não é o único que culpa a Renamo. Existem muitos outros analistas não eivados pelo interesse de ver a Frelimo e o seu Governo desmontados do poder, que culpam a Renamo de ter provocado o Executivo até obrigá-lo a reagir, assaltando Santunjira.
O conceituado jornalista e académico britânico, Joseph Hanlon, através de um artigo de leitura obrigatória que escreveu e distribuiu via Internet a 27 de Outubro corrente, intitulado History Matters, (História Conta, tradução em português) deixa claro que foi a Renamo quem desencadeou toda esta situação.
Aqui estão alguns dos extractos desse seu artigo: As recentes escaramuças entre os guerrilheiros da Renamo e militares do governo moçambicano, que tiveram como ponto mais alto o ataque de segunda-feira à sede de Afonso Dhlakama em Santunjira, precisam ser vistas num contexto mais amplo da história pós-guerra.
Depois de provar com factos que o problema da Renamo foi nunca ter conseguido transformar-se em partido político. Hanlon escreve que a Renamo agora volta a revelar-se como uma máquina de guerra sem quartel, tendo os civis como alvos predilectos.
Hanlon vinca que a Frelimo, pelo contrário, foi-se constituindo como um partido eficaz e numa máquina similar aos partidos políticos europeus, e o nível médio de liderança tem grande autonomia para trabalhar dentro das directrizes estabelecidas pela sua liderança.
As duas primeiras eleições parlamentares realizadas no final da década de 1990 são reveladoras. Armando Guebuza como chefe da bancada ligada à Frelimo no parlamento foi capaz de a transformar numa oposição à própria Frelimo em relação ao governo do Presidente Joaquim Chissano. Mas a Renamo nunca foi capaz de utilizar o parlamento como uma plataforma para apresentar-se como uma oposição com ideias alternativas e políticas, explica Hanlon.
Finalmente, diz ele, Dhlakama provou ser um mau negociador, insistindo em fazer exigências máximas, recorrendo a boicotes em vez de adoptar a negociação como sua principal táctica.
Em 2000, ele negou uma oferta para participar na nomeação dos governadores das províncias em que ele e o seu partido haviam ganho nas eleições de 1999, o que o teria dado uma oportunidade de aumentar de forma significativa o seu prestígio político; mas ele rejeitou isso, exigindo mais e mais, e no final, não recebeu nada.
Joseph Hanlon prossegue, abordando a questão das negociações em torno do pacote eleitoral, em que uma vez mais Dhlakama voltou a provar que é um péssimo negociador.
Da mesma forma, na redacção da lei nova eleitoral a liderança da Renamo não aproveitou as oportunidades para fazer alterações à lei eleitoral que teriam sido concebidas pela Renamo, tendo pautado pela tese dos ganhos máximos, como quando exige a chamada paridade na Comissão Nacional de Eleições (CNE), em que a oposição teria 10 dos 14 membros que a constituem, o que obviamente foi recusado pela Frelimo, porque é contra o que está regimentado pelo Parlamento.
Mas, em contrapartida, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o segundo maior partido da oposição, aceitou ser minoria nessa Comissão.

HANLON DIZ QUE RENAMO RECORRE AS ARMAS PORQUE PERDEU A FORÇA DA RAZÃO

Na sua análise, o conceituado jornalista e académico britânico deixa claro, para ambos pro e contra a Renamo, que Dhlakama e seus acólitos têm consciência de que já perderam parte considerável dos seus apoiantes, razão pela decidiram recorrer novamente a força das armas.
Ele aponta como prova o facto de nas eleições de 1994 e 1999 ter conquistado mais de 2 milhões de votos, mas que em 2004 e principalmente em 2009, o apoio a Dhlakama caiu para 650.000.
De facto, a Renamo teve em 1994, 112 deputados, contra 129 da Frelimo, e nas de 1999, teve 117 contra 133 da Frelimo, mas já nas de 2004, teve apenas 90 deputados, e mesmo assim, teve de coligar-se a mais partidos, e nas de 2009, teve apenas 51 deputados.
Hanlon aponta a retirada de Dhlakama de Maputo para Nampula e, em seguida, para as matas de Santunjira, como tendo acentuado a sua invisibilidade e, consequentemente, o seu esquecimento pelos que ainda o apoiavam.
Dhlakama é um bom estratega militar, e vários dos ataques realizados nos últimos meses (deste ano) foram bem planeados e eficazes. Mas ele é mau na táctica, porque não tem nenhuma visão clara do que ele espera conseguir, e limitou-se a apresentar uma lista de demandas máximas, vinca Hanlon.
Este académico diz que Dhlakama irá perder de novo esta guerra que recomeçou, porque desta vez está numa situação péssima, porque já não conta com a mesma base de apoios que tinha quando moveu a de 16 anos que culminou com o acordo de Roma em 1992. Nessa altura, a Renamo era massivamente apoiado pelo então regime do apartheid da África do Sul, e de forma indirecta, pelo Ocidente que via a Frelimo como um agente e aliado dos então regimes comunistas.

HANLON APONTA O DINHEIRO COMO RAZÃO DA PRESENTE GUERRA DE DHLAKAMA

Hanlon cita o então representante da ONU em Moçambique entre 1993-1994, Aldo Ajello, como tendo reiterado que o que move Dhlakama a fazer exigências descabidas, é que ele quer cada vez mais dinheiro. Diz que Ajello sempre salientou que a Renamo estava mais interessada no dinheiro do que pelo poder político, e que para ganhar a sua adesão à paz e harmonia, foi-lhe oferecido esse dinheiro e grandes casas em Maputo, ao mesmo tempo que era permitia que os seus membros que viviam em hotéis, fizessem gastos à vontade ou na medida dos seus caprichos.
E a actual disputa tem no dinheiro a sua base, remata Hanlon, dizendo que alguns dirigentes da Renamo dizem em surdina que invejam o poder monetário e as grandes casas de alguns dos políticos da Frelimo, revela Hanlon, como que a secundar uma outra revelação de Alex Vines, um outro académico britânico também e de renome, de que mesmo para ir a Roma assinar o acordo de paz foi após ser pago pelo falecido milionário britânico, Tiny Rawlands.
Há também muita gente que defende que mesmo os que não sendo simpatizantes da Renamo, apoiam também este belicismo contra a Frelimo, na sua maioria são também movidos pela percepção de que os frelimistas comem sozinhos, ou seja, são movidos pela inveja que nutrem deles.
Os que defendem esta tese adiantam que tais pessoas deixam cair a sua máscara de inveja, quando usam os termos camaradas e frelimistas em tom pejorativo como se tivessem feito tanto mal ao País, e em contra-partida, revelando muita simpatia pela Renamo que na verdade nunca fez nada de vulto e útil para Moçambique, senão ter sido um instrumento de guerra do apartheid e de Ian Smith.

CRONOGRAMA DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS QUE DESENCADEARAM A PRESENTE SITUAÇÃO

1 de Fevereiro de 2013  A Renamo, através do seu delegado político em Manica, Sofrimento Matequenha, reitera que os seus militantes irão boicotar e inviabilizar as eleições municipais e gerais em todo o Pais.

20 de Fevereiro de 2013 - Governo reitera, no término de uma sessão do Conselho de Ministros, que as eleições terão lugar nas datas já anunciadas, apesar do boicote e das repetidas ameaças da Renamo.

13 de Março de 2013  A Chefe da Bancada da Frelimo, Margaret Talapa, reafirma também que as eleições terão lugar nas datas já indicadas, independentemente das ameaças da Renamo.

19 de Março de 2013 
 Outro dirigente da Renamo, desta vez seu delegado em Nacala, e que responde pelo nome de Benjamim Cortes, reitera também que o seu partido boicotará as eleições, bem como não permitirá a sua realização, em entrevista ao jornal electrónico Wamphula Fax, editado na cidade de Nampula.

20 de Março de 2013  A Renamo boicota a Comissão Ad-Hoc que iria seleccionar os membros que iriam constituir a nova Comissão Nacional de Eleições, deixando a Frelimo e o MDM, partido fundado pelo antigo membro da Renamo, Daviz Simango, a deliberar sozinhos.

25 de Março de 2013  A Renamo ordena os seus membros a não se recensearem para as próximas eleições municipais de 20 de Novembro, segundo o jornal 
O País, publicado em Maputo, cita o chefe da mobilização da Perdiz na Beira, Horácio Calavete, vincando estamos a dizer é que não só iremos boicotá-las, como os nossos membros não devem se registar, ao mesmo tempo que faremos tudo para que não tenham lugar sequer.

30 de Março de 2013 - O Secretário-geral da Renamo, Manuel Bissopo, profere um discurso bastante belicoso, através de uma entrevista ao Wamphula Fax, e que depois foi ecoada pelo porta-voz da Renamo, Fernando Mazanga, a agência noticiosa Lusa a 2 de Abril seguinte, com ambos vincando que estavam a afinar a sua maquinaria para acabar com o que descreveram como arrogância do governo. Eles vincaram que a Renamo estava a afinar a sua maquinaria para inviabilizar as eleições.

18 de Abril de 2013  Guebuza repudia ataques da Renamo, mais concretamente ao que foi protagonizado contra o Paiol de Savane, em que foram mortos seis soldados que a guarneciam e apelando a razão da liderança da Renamo.

19 de Junho de 2013  O Brigadeiro da Renamo, Jerónimo Malagueta, proclama em Maputo que as forças armadas da Renamo irão interditar a circulação de viaturas e pessoas no centro de Moçambique.

21 de Junho  A Renamo ataca de facto um camião e um autocarro em Muxúnguè, como prova de que o que Malagueta disse não era para o inglês ouvir.

21 de Junho de 2013  Malagueta é preso e encarcerado na cadeia por incitamento a guerra e ameaça a paz no País.

12 Outubro de 2013 - Renamo ataca um posto de polícia em Samacueza, estação de caminhos-de-ferro, no distrito de Muanza em Sofala, não muito longe de Savane onde a mesma Renamo matou soldados em Junho, ou seja, cinco meses antes do assalto a 21 de Outubro corrente à base em que Dhlakama vivia em Santunjira que agora está sendo apontada como prova do belicismo do Governo de Guebuza.

16 / 19 Outubro de 2013 - Uma unidade de polícias e do exército cerca Santujira e corta o acesso a base em que vivia Dhlakama. Pelo menos três confrontos entre os homens armados da Renamo e do exército e da polícia de choque, causando a morte de pelo menos dois membros da Renamo. Neste mesmo período a Renamo celebra em Santunjira os 34 anos do primeiro comandante da Renamo, André Matsangaissa, morto a 17 de Outubro.

21 Outubro de 2013 - Base de Satunjira foi invadida pelo exército e polícia de choque. Dhlakama, Bissopo e outros fogem. A Renamo diz que Armindo Milaco foi morto durante o assalto.

22 Outubro de 2013 - Renamo retalia e ataca e ocupação a sua antiga base de Maringuè que serviu de como seu Quartel-General entre 1982-92. Há uma fuga em massa dos residentes daquela base.

24 Outubro de 2013 - Dhlakama é reportado em lugar incerto, tendo perdido o controle dos seus ex-guerrilheiros, conforme o seu porta-voz parlamentar, Arnaldo Chalaua, em entrevista ao semanário @Verdade.

26 Outubro de 2013  Novo ataque da Renamo na Estrada Nacional N1, em que causa um morto e 10 feridos.

FACTOS INDICAM QUE RENAMO É O ÚNICO RESPONSÁVEL PELO ESPECTRO DA GUERRA
Como estes dados o mostram, o único causador da tensão política e do espectro da guerra que prevalece em Moçambique, é a Renamo e não Guebuza ou a Frelimo a quem a liderança da Perdiz acusa de estar num casamento diabólico com o MDM.
Negar esta culpa A Renamo, e atribuí-la a Frelimo ou ao Guebuza, é ser mau juiz, e seria o mesmo que dizer que os aliados é que foram responsáveis pela III Guerra Mundial, só porque retaliaram aos ataques não provocados de Hitler.
Os agredidos têm todo o direito a legítima defesa como bem o diz o Presidente Guebuza, mesmo para um cidadão comum sem armas de fogo, muito mais para quem tenha armas como é o caso do exército moçambicano que vinha sendo dizimando há meses, com Dhlaklama vangloriando-se que estavam a matar os periquitos que agora o sacudiram de Santunjira. Já era tempo do exército moçambicano dizer basta, o suficiente é suficiente.
Para os que são contra este contra-ataque das FADMs, eu compreendo a sua mágoa, porque Balzac disse há muito que os interesses se sobrepõem aos sentimentos.
O seu interesse em ver a Frelimo ser destronada do poder os faz com que não sintam a matança dos civis, polícias e soldados pela Renamo, porque sendo esta inimiga de quem é seu inimigo também, acabam encarando a perdiz como sendo seu amigo e mais do que isso, seu aliado estratégico.
É uma aliança que se funda no interesse comum que é derrubar a Frelimo do poder. Tem a sua lógica se bem que peque por recorrer a métodos não só ilícitos como pior que isso, a todas as luzes criminosos.
GM/SG
gustavomavie@gmail.com
AIM – 30.10.2013


29 outubro 2013

MOÇAMBIQUE: GUEBUZA VERSUS DHLAKAMA

Raúl M. Braga Pires
Moçambique tem Eleições Autárquicas marcadas para 20 de Novembro e Legislativas e Presidenciais marcadas para Outubro de 2014
O recente ataque da FRELIMO à base RENAMO em Satungira, Distrito da Gorongosa, na Província de Sofala, é o culminar de cerca de 3 ou 4 meses de tensão entre ambos os partidos, por via de reiterados ataques armados a postos de controlo e viaturas que circulam na principal estrada que atravessa a Província e que liga o Maputo ao Rovuma. A RENAMO culpa a FRELIMO pelos mesmos, enquanto que a FRELIMO culpa a RENAMO. Um clássico, com mortos envergando a farda de quem se quer acusar.
De forma resumida, pode-se dizer que o Presidente Armando Guebuza se fartou das constantes ameaças do rival Afonso Dhlakama, as quais surgem constantemente em anos eleitorais, o que aliás se trata duma estratégia pessoal do líder da RENAMO, para continuar à frente dos destinos do partido.
Caso queiramos ser mais profundos na análise, é pegar precisamente nesta eternização de Dhlakama à frente da RENAMO. O momento ideal para este passar a pasta, teria sido durante as Autárquicas de 2008, para o jovem Daviz Simango que aderira ao partido em 2003, ganha oMunicípio da Beira no mesmo ano e, em 2006, é galardoado como oMelhor Presidente de Município no Moçambique, pela Professional Management Review-Africa! O ego de Dhlakama não aguentou tal competência, nem a possibilidade da RENAMO  se renovar e ver a"Geração da Paz" fazer melhor que a "Geração de Guerra", à qual pertence e, impede a recandidatura deste jovem promissor nas Autárquicas de 2008, o que cria uma enorme ruptura no "Partido da Perdiz".
Quanto a Simango, movido por uma vaga de fundo que obedece a uma série de cisões e expulsões no seio da RENAMO, candidata-se comoIndependente, ganhando a Cidade da Beira por expressivos 61,6%, com a agravante de a RENAMO ter perdido nestas eleições de 2008, os restantes municípios que detinha, para a FRELIMO. Ou seja, 5 anos depois e com eleições Autárquicas marcadas para o próximo dia 20 de Novembro, o líder da RENAMO vê-se confrontado com a cruel realidade de uma mais que certa nova razia eleitoral. Por isso mesmo, o partido propositadamente não entregou as listas de candidatos às próximas autárquicas até à data limite, o passado dia 06 de Agosto, querendo agora negociar com a FRELIMO novas regras de jogo(entretanto já disseram que não participarão, na sequência deste ataque).
Pior, a dinâmica que Dhlakama desencadeou de forma involuntária ao eliminar Simango das suas opções políticas, reforçando assim a vitória deste, teve como resultado a criação do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) em 2009, o qual é sobretudo constituido por dissidentes da RENAMO e por jovens "independentes", que nunca se reviram na habitual bipolaridade política moçambicana.
O MDM, liderado por Daviz Simango, orfão de Celina e do Reverendo Urias Simango (dissidentes da FRELIMO executados extra-judicialmente pelo partido, nas purgas que se seguiram à independência), ao apresentar-se como uma Terceira Via no Moçambique do Século XXI, meteu medo a toda a gente durante as Legislativas e Presidenciais de 2009, sobretudo ao "Partido-Estado", o qual apenas lhe permitiu concorrer a 4 de um total de 13 círculos eleitorais. Apenas conseguiram eleger 8 deputados, contra 51 da RENAMO e 191 da FRELIMO.
Ou seja, tendo a possibilidade de concorrer à totalidade dos 13 círculos eleitorais nas legislativas programadas para Outubro de 2014, o MDM poderá passar a ser o novo maior partido da oposição, reduzindo a RENAMO a um grupo armado sem financiamento e militarmente obsoleto.
Perante este cenário, compreendem-se as fugas para a frente sempre efectuadas por Afonso Dhlakama, as quais aliás têm agradado à FRELIMO, já que uma RENAMO afonsina tem sido sinónimo dumMoçambique frelimista. Os "Empresários de Sucesso" agradecem!

FRELIMO
"Partido-Estado" está tranquilo e por cima, nesta contenda. OPresidente Guebuza encontra-se aliás em campanha eleitoral precisamente por Sofala, podendo aqui facturar o crédito de aparecer perante as populações como garante de tranquilidade e segurança. Nem mesmo o facto de a RENAMO ter denunciado o Acordo Geral de Paz de 1992, para o qual Guebuza foi um dos pricipais negociadores, o preocupa. Sem financiamento nem potenciais financiadores, muito provavelmente com o mesmo material bélico e de comunicações dos tempos da Guerra Cívil, mais o cenário político acima descrito, a opção do Estado-Maior moçambicano em atacar a base da RENAMO, entra naquilo que poderemos considerar de lógico e racional em termos militares e políticos.
Mais, do ponto de vista internacional, ninguém tem interesse em apoiar a própria FRELIMO numa escalada militar, o que iria ser profundamente disruptivo para a "Nova Angola", conforme referiu Rui Newmann, jornalista da Portuguese News Network (PNN), atento e experimentado observador das realidades lusófonas, em contacto telefónico efectuado. Sobretudo agora com gás e petróleo à vista.
Por último e, o que deverá ser o verdadeiro sumo a retirar no futurodeste cenário de escaramuças e posterior negociação, poderá ser o deuma alteração constitucional, que permita ao PR Armando Guebuza a possibilidade de um 3º mandato. O assunto não é novo, tem-se aventado a gosto para o debate público durante os últimos 2/3 anos, no sentido de se sentir a temperatura popular.
Porquê? Porque os males da FRELIMO são exactamente os mesmos da RENAMO. Ou seja, a inevitavel crise geracional. A sucessão na FRELIMO assume-se como o actual grande desafio do partido, dividido entre a velha guarda legitimada pelos cabelos grisalhos da luta pela independência e a chamada "Geração da Paz". Seus filhos e netos, portanto. Uns mais competentes e outros mais mimados, mas todos com o sentimento de que a sua hora continua a ser adiada.

Movimento Democrático de Moçambique
O MDM continua assim a marcar a diferença, ao apresentar-se como um partido jovem e homogénio do ponto de vista geracional, formado por civis e não por ex-militares, cujos quadros anteriormente viram a criatividade ser constrangida pelo ideológico, quer pertencessem a partido político, ou não. Por outro lado, Simango vale votos como candidato presidencial (8,6% em 2009) e mais valerá caso Dhlakama, ou outro qualquer candidato RENAMO, decidir não aparecer a jogo. Um cenário de ausência da RENAMO nas Presidenciais de 2014, até poderá ser propositado, como forma de dificultar a vida ao rival FRELIMO e ajudar Daviz Simango a vingar a execução dos pais.
Quanto à guerra, parece-me não haver condições, nem interesse maior na existência duma escalada, sobretudo por uma rejeição total da população face a tal cenário. Quanto a escaramuças, irão certamente continuar, o que provocando um clima de tensão e de alguma insegurança, beneficiará a FRELIMO, ajudando a confirmar a necessidade de um Guebuza III até 2019.
EXPRESSO(Lisboa) – 29.10.2013


28 outubro 2013

ORDEM DE ATAQUE A 8 DE SETEMBRO DE 1974

O texto que se reproduz com vénia do Correio da Manhã (de Lisboa), edição de 21 de Outubro de 2013, é um depoimento de Pedro Silva, recolhido por Marta Martins Silva. Reporta-se aos eventos ocorridos após o anúncio, em Moçambique, numa emissão da Rádio Clube de Moçambique, do chamado Acordo de Lusaka, na noite do dia 7 de Setembro de 1974, um sábado. Nos termos desse documento, à meia-noite desse dia entraria finalmente em vigor um cessar-fogo entre a Frente de Libertação de Moçambique e as Forças Armadas portuguesas. E o poder de Estado seria entregue à Frelimo dali a uma semana. Maioritariamente nas cidades, maioritariamente brancos vieram para as ruas, expressaram repúdio pelos termos do Acordo e tomaram de assalto a Rádio Clube de Moçambique, a principal emissora de rádio do então Estado de Moçambique, de onde foram feitos alguns apelos à resistência, maioritariamente sem qualquer efeito prático. Samora Machel e a cúpula da Frelimo nunca perdoaram este acto de insolência, que foi rapidamente rotulado como "reaccionarismo colonialista e racista" e debelado maioritariamente pelas próprias forças armadas portuguesas. No espaço de um ano, a esmagadora maioria dos que puderam, a maior parte dos quais viveu quase toda a vida sob a ditadura de Salazar,  foram-se embora da nação nascente, que desceu numa espiral de recessão, de guerra e num invulgarmente radical experimento de opressão comunista.
O depoimento de Pedro Silva:
"Fomos homens da chefia e reconhecimento de transmissões, desconhecidos até agora, mas orgulhosos do nosso trabalho.
Completada a recruta, fui para a especialidade de radiotelegrafista e, depois da promoção a 1º cabo, fui enviado para o ex-BRT (Batalhão de Reconhecimento de Transmissões), passando a operador de segurança de transmissões. Passei alguns meses no Quartel General em S. Sebastião da Pedreira, Lisboa, na intercepção, escuta e gravação das rádios ao tempo consideradas anti-Estado Novo. Embarquei para a Região Militar de Moçambique a 19 de outubro de 1972 em rendição individual, dado que a nossa acção era estritamente confidencial."
A primeira página do folheto posto a circular aquando do anúncio público, em Moçambique, do acordo entre os militares portugueses e a guerrilha da Frelimo.
"Em Moçambique vivi o célebre 8 de setembro de 1974 [sic], e é aqui que começa uma história que para nós (eu e o 1º cabo Ferreira) ficou marcada nas nossas vidas.
Nesse dia fomos procurados por ordem do nosso comandante, Capitão António Melo de Carvalho, para, uma vez conhecedores das redes de transmissão da Frelimo, tentarmos estabelecer ligação, e posterior diálogo, com algumas das várias estações de onde emitiam os seus comunicados e informações.
O intuito era fazê-los compreender que, apesar da revolução incentivada por colonos em Lourenço Marques, Beira e Nampula, estava tudo sob controlo, pelo que o Acordo de Lusaca seria respeitado pelo MFA.
Isto depois de termos interceptado várias mensagens da Frelimo que diziam que, devido à revolta perpetrada pela população civil, o Acordo de Lusaca – que deveria entrar em vigor no dia 8 de setembro às 00h00 – não passava de um embuste. Samora Machel, numa mensagem interceptada por nós, deu ordens no sentido de atacar tudo e todos."
O verso do folheto.
"Estava portanto iminente um ataque sem precedentes às nossas tropas, praticamente desarmadas, e à espera de um regresso feliz. Eu e o meu camarada, Vítor Ferreira, sob as ordens do Capitão Melo de Carvalho, iniciámos, no comando de transmissões, tentativas para travar aquilo que seria, em nosso entender, uma chacina.
A primeira mensagem, emitida por mim, foi a seguinte: ‘Aqui Movimento das Forças Armadas em Moçambique. Para: Comandos da Frelimo. Concordamos com os Acordos de Lusaca. Pedimos que não ataquem posições tropas portuguesas. Pedimos vossa colaboração no sentido de eliminarmos grupos reaccionários. Saudações.’
Mensagem circulada no dia 8 de Setembro de 1974. Fonte: História das Transmissões Militares, Portugal.
"Numa primeira instância, os operadores da Frelimo ficaram desconfiados e não responderam logo. Mais tarde, disseram-me que não compreendiam. Para fazerem uma ideia, interceptávamos cerca de 120 letras por minuto. Insisti mais uma vez, e agora, com o mesmo remetente, MFA, mas como destinatário o ‘Camarada Presidente Samora Machel’.
Era o meu camarada Vítor Ferreira que ia registando todas as respostas dadas. O teor das nossas mensagens tinha como fim, única e simplesmente, evitar um ataque que já não era esperado e muitas outras foram enviadas neste nosso exaustivo trabalho. Foi depois das diligências efetuadas através da troca de mensagens que tudo começou a ficar mais claro, e se foi resolvendo sem recurso às armas."
Mensagem circulada na 3ª feira, dia 17 de Setembro de 1974, data de início do Ramadão muçulmano. Dali a três dias, em sessão solene em Maputo, o poder de Estado era entregue ao Governo de Transição, dominado pela Frelimo e liderado por Joaquim Chissano, então com 34 anos de idade (faria 35 anos de idade no dia 22 de Outubro desse ano) . Fonte: História das Transmissões Militares, Portugal.
"Conseguimos falar com os operadores da Frelimo e as nossas mensagens seguintes foram retransmitidas para todos os postos da Frelimo e para o seu Presidente. Após todas estas diligências, [o Acordo de] Lusaca foi em frente e um dos dirigentes da Frelimo, e futuro presidente de Moçambique, fez questão de nos conhecer pessoalmente, dizendo que os nossos nomes iriam ficar na história da independência do país. "

Nota: Pedro Silva, hoje com 63 anos de idade, prestou serviço militar em Moçambique entre 1972 e 1974 na Cheret (Chefia e Reconhecimento de Transmissões). Na altura dos eventos que descreve tinha 24 anos de idade.