MOÇAMBIQUE:
GUEBUZA VERSUS DHLAKAMA
Raúl M. Braga Pires
Moçambique tem Eleições Autárquicas
marcadas para 20 de Novembro e Legislativas e Presidenciais marcadas para
Outubro de 2014
O recente ataque da FRELIMO à base RENAMO em
Satungira, Distrito da Gorongosa, na Província de Sofala, é o culminar de cerca
de 3 ou 4 meses de tensão entre ambos os partidos, por via de reiterados
ataques armados a postos de controlo e viaturas que circulam na principal
estrada que atravessa a Província e que liga o Maputo ao Rovuma. A
RENAMO culpa a FRELIMO pelos mesmos, enquanto que a FRELIMO culpa a RENAMO. Um
clássico, com mortos envergando a farda de quem se quer acusar.
De forma resumida, pode-se dizer que o Presidente
Armando Guebuza se fartou das constantes ameaças do rival Afonso
Dhlakama, as quais surgem constantemente em anos eleitorais, o que aliás se
trata duma estratégia pessoal do líder da RENAMO, para continuar à frente dos
destinos do partido.
Caso queiramos ser mais profundos na análise, é pegar
precisamente nesta eternização de Dhlakama à frente da RENAMO. O momento ideal
para este passar a pasta, teria sido durante as Autárquicas de 2008, para o
jovem Daviz Simango que aderira ao partido em 2003, ganha oMunicípio
da Beira no mesmo ano e, em 2006, é galardoado como oMelhor
Presidente de Município no Moçambique, pela Professional Management
Review-Africa! O ego de Dhlakama não aguentou tal competência, nem a
possibilidade da RENAMO se renovar e ver a"Geração da Paz" fazer
melhor que a "Geração de Guerra", à qual pertence e,
impede a recandidatura deste jovem promissor nas Autárquicas de 2008, o que
cria uma enorme ruptura no "Partido da Perdiz".
Quanto a Simango, movido por uma vaga de fundo que
obedece a uma série de cisões e expulsões no seio da RENAMO, candidata-se comoIndependente,
ganhando a Cidade da Beira por expressivos 61,6%, com a
agravante de a RENAMO ter perdido nestas eleições de 2008, os restantes
municípios que detinha, para a FRELIMO. Ou seja, 5 anos depois e com eleições
Autárquicas marcadas para o próximo dia 20 de Novembro, o líder da RENAMO
vê-se confrontado com a cruel realidade de uma mais que certa nova razia
eleitoral. Por isso mesmo, o partido propositadamente não entregou as listas de
candidatos às próximas autárquicas até à data limite, o passado dia 06 de
Agosto, querendo agora negociar com a FRELIMO novas regras de jogo(entretanto
já disseram que não participarão, na sequência deste ataque).
Pior, a dinâmica que Dhlakama desencadeou de forma
involuntária ao eliminar Simango das suas opções políticas, reforçando assim a
vitória deste, teve como resultado a criação do Movimento Democrático
de Moçambique (MDM) em 2009, o qual é sobretudo constituido por
dissidentes da RENAMO e por jovens "independentes", que nunca se
reviram na habitual bipolaridade política moçambicana.
O MDM, liderado por Daviz Simango, orfão de
Celina e do Reverendo Urias Simango (dissidentes da FRELIMO executados
extra-judicialmente pelo partido, nas purgas que se seguiram à independência),
ao apresentar-se como uma Terceira Via no Moçambique do Século
XXI, meteu medo a toda a gente durante as Legislativas e Presidenciais de 2009,
sobretudo ao "Partido-Estado", o qual apenas lhe permitiu
concorrer a 4 de um total de 13 círculos eleitorais. Apenas conseguiram eleger
8 deputados, contra 51 da RENAMO e 191 da FRELIMO.
Ou seja, tendo a possibilidade de concorrer à totalidade
dos 13 círculos eleitorais nas legislativas programadas para
Outubro de 2014, o MDM poderá passar a ser o novo maior partido da
oposição, reduzindo a RENAMO a um grupo armado sem financiamento e militarmente
obsoleto.
Perante este cenário, compreendem-se as fugas para a
frente sempre efectuadas por Afonso Dhlakama, as quais aliás têm
agradado à FRELIMO, já que uma RENAMO afonsina tem
sido sinónimo dumMoçambique frelimista. Os "Empresários de Sucesso" agradecem!
FRELIMO
O "Partido-Estado" está
tranquilo e por cima, nesta contenda. OPresidente Guebuza encontra-se
aliás em campanha eleitoral precisamente por Sofala, podendo aqui facturar o
crédito de aparecer perante as populações como garante de tranquilidade e
segurança. Nem mesmo o facto de a RENAMO ter denunciado o Acordo Geral
de Paz de 1992, para o qual Guebuza foi um dos pricipais negociadores, o
preocupa. Sem financiamento nem potenciais financiadores, muito
provavelmente com o mesmo material bélico e de comunicações dos tempos da
Guerra Cívil, mais o cenário político acima descrito, a opção do
Estado-Maior moçambicano em atacar a base da RENAMO, entra naquilo que
poderemos considerar de lógico e racional em termos militares
e políticos.
Mais, do ponto de vista internacional, ninguém tem
interesse em apoiar a própria FRELIMO numa escalada militar, o que iria ser
profundamente disruptivo para a "Nova Angola", conforme
referiu Rui Newmann, jornalista da Portuguese News
Network (PNN), atento e experimentado observador das realidades
lusófonas, em contacto telefónico efectuado. Sobretudo agora com gás e petróleo
à vista.
Por último e, o que deverá ser o verdadeiro sumo
a retirar no futurodeste cenário de escaramuças e posterior negociação,
poderá ser o deuma alteração constitucional, que permita ao PR Armando
Guebuza a possibilidade de um 3º mandato. O assunto não é novo, tem-se
aventado a gosto para o debate público durante os últimos 2/3 anos, no sentido
de se sentir a temperatura popular.
Porquê? Porque os males da FRELIMO são exactamente os
mesmos da RENAMO.
Ou seja, a inevitavel crise geracional. A sucessão na FRELIMO assume-se como o
actual grande desafio do partido, dividido entre a velha guarda
legitimada pelos cabelos grisalhos da luta pela independência e a
chamada "Geração da Paz". Seus filhos e netos, portanto.
Uns mais competentes e outros mais mimados, mas todos com o sentimento de que a
sua hora continua a ser adiada.
Movimento Democrático de Moçambique
O MDM continua assim a marcar a diferença, ao
apresentar-se como um partido jovem e homogénio do ponto de vista
geracional, formado por civis e não por ex-militares, cujos quadros
anteriormente viram a criatividade ser constrangida pelo ideológico, quer
pertencessem a partido político, ou não. Por outro lado, Simango vale
votos como candidato presidencial (8,6% em 2009) e mais valerá
caso Dhlakama, ou outro qualquer candidato RENAMO, decidir não aparecer a jogo.
Um cenário de ausência da RENAMO nas Presidenciais de 2014, até poderá ser
propositado, como forma de dificultar a vida ao rival FRELIMO e ajudar Daviz
Simango a vingar a execução dos pais.
Quanto à guerra, parece-me não haver condições, nem
interesse maior na existência duma escalada, sobretudo por uma rejeição
total da população face a tal cenário. Quanto a escaramuças, irão
certamente continuar, o que provocando um clima de tensão e de alguma
insegurança, beneficiará a FRELIMO, ajudando a confirmar a necessidade de um Guebuza
III até 2019.
EXPRESSO(Lisboa) – 29.10.2013