ANGOLA: UMA NAÇÃO DOMINADA POR UMA
ELITE RICA
(Parte
de uma longa reportagem especial publicada no Financial Times na edição de 18
de Julho de 2012).
No hall de entrada com
piso de mármore da sede da Sonangol, emissários do leste e oeste vêm em busca
de acesso a uma indústria de energia que luta por ser a maior de África. O
arranha-céus de vinte e três andares, propriedade do Estado, paira sobre
Luanda, um monumento para uma empresa – e para um país – que está à procura do
seu lugar no palco mundial.
A história da Sonangol é a história de Angola-ou, pelo menos, de
uma Angola. Durante a guerra civil, que começou com a independência em 1975 e
só terminou há dez anos, a empresa forneceu o Movimento Popular para a
Libertação de Angola (MPLA) com seus cofres de guerra. Em tempos de paz,
dirigiu a bonança do petróleo para tornar a economia de Angola a terceira maior
de África a do Sahara, depois da África do Sul e Nigéria. Ainda assim, como a
Sonangol de Angola domina a vida comercial, com interesses bancários abrangendo
imóveis, uma carteira de investimentos internacionais, uma companhia aérea e
uma equipa de futebol, a elite tem um controlo apertado que lhe permite
acumular uma fortuna fabulosa.
A maioria dos 20 milhões de habitantes do país só testemunha a
partir de uma posição de penúria que o dinheiro do petróleo não está a
ajudá-los.
“Um dos grandes desafios, e que se refere a mim e à minha geração,
é realmente o de diversificar a fonte de renda”, indica Manuel Vicente, que
dirigiu a Sonangol durante 12 anos até à sua transferência em Janeiro, para se
tornar o ministro de Estado para o desenvolvimento económico de coordenação.
"Até agora, o petróleo é o principal pilar, mas é um recurso
não renovável e temos que aproveitar esse recurso para promover outras
actividades."
A economia de Angola tem sido uma das que mais cresceu no mundo
durante a última década da recuperação pós-guerra. Mas, apesar da agitação
entre investidores estrangeiros sobre o seu enorme potencial, contínua a ser a
economia menos diversificada do continente, de acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
Os preços do petróleo elevados forneceram uma taxa média de
crescimento de 11 por cento entre 2003 e o ano passado, mas a indústria
incentiva a corrupção e sufoca os sectores que poderiam criar emprego em massa,
tais como a indústria e a agricultura. O petróleo pode fornecer 97 por cento da
receita de exportação e três quartos da receita do governo, mas emprega apenas
1 por cento da mão-de-obra. Um país que já foi um produtor próspero, com terras
suficientes para cobrir toda a Bélgica, importa pelo menos 70 por cento dos
bens que consome.
"O nosso medo é que, em 10 anos, se não fizermos um bom
trabalho na diversificação da economia, atingiremos os limites do crescimento
económico em Angola", avisa Manuel Alves da Rocha, economista da Universidade
Católica de Angola.
O governo investiu cerca de USD 150 biliões na última década,
lançando as bases para uma economia mais ampla: ferrovias, pontes e estradas
suficientes que dariam meia volta ao equador. Os doadores têm contribuído para
remover minas terrestres, mesmo que o progresso tenha abrandado quando entregaram
a tarefa ao governo.
Mais dinheiro de petróleo vem a caminho. Descobertas recentes
levam o Sr. Vicente a prever que a produção de petróleo vai dobrar de 1,8
milhão de barris por dia no ano passado para 3,5 milhões de barris por dia até ao final da década.
"Angola é para nós uma terra de sucesso", informa
Jacques des Grottes Marraud, director de exploração de produção Africana para a
Total, o maior produtor do país. "É um dos melhores lugares para nós em
termos de crescimento."
A floresta tropical de guindastes amarelos e azuis que se eleva
acima de Luanda tem engrossado nos últimos anos; as empresas de construção
chinesas, brasileiras e locais erguem torres e hotéis de cinco estrelas e
blocos de apartamentos de luxo elevam-se por cima das favelas onde,
provavelmente, três quartos dos moradores da capital vivem.
"O problema neste país é a diferença entre os que têm e os
que não têm", lamenta um funcionário internacional. "E parece estar a
aumentar em vez de diminuir".
Para os angolanos mais velhos, a paz é tudo. A maioria está
preparada para engolir as suas dúvidas sobre os mil milhões de dólares que
passaram dos cofres do Estado para os bolsos privados, temendo que a dissidência
fosse cortejar novos conflitos. Mas Angola tem uma das populações mais jovens
do mundo, sendo que quarenta e sete por cento tem menos de quinze anos. O
desemprego, que é de vinte e seis por cento no geral, atingiu cinquenta por
cento entre os jovens. A maioria tem apenas cinco anos de escolaridade.
Ainda assim, habituados já à ausência de guerra, os jovens, como
aqueles que jogam dados num domingo de manhã na estrada em N'dalatando, uma
cidade no interior a duzentos quilómetros de Luanda, exasperam com a ausência de oportunidades. Xavier Baptista, um
aluno de dezassete anos de idade, matriculado no décimo primeiro ano, diz que
sonha com uma carreira na indústria de petróleo ou bancária, mas não sabe como
lá chegar. Seguir o caminho dos seus pais e trabalhar para o governo, ganhando pouco,
não é o suficiente. O cinismo sobre o grupo dos governantes de Angola é
palpável. "Eles trabalham em primeiro lugar para si, para que possam ficar
muito ricos", diz Xavier. "Então,depois, talvez pensem um pouco sobre
o resto da população".
A corrupção está a espalhar-se para fora de um círculo em torno da
presidência cuja maioria dos membros já deve ser várias vezes multimilionária.
"Está-se a tornar uma cultura", remata Maria Lúcia da
Silveira da Associação de Justiça, Paz e Democracia. "[As pessoas] já nem
sequer escondem esse facto." Cita um estudo feito à construção pública encomendada
pelo CMI (Chr. Michelsen Institute) da Noruega, fundação de pesquisa, que
constatou que a corrupção acrescenta vinte e cinco a trinta por cento ao custo
final da construção.
Inquéritos do Banco Mundial encontraram um grande salto de 2006 a
2010 no número de empresas a informar que o principal obstáculo à realização de
negócios é a corrupção. Entre eles a elite, o Estado, interesses pessoais e
particulares, campos de diamantes controlados por generais e pelos parceiros
locais que, secretamente, são propriedade de altos funcionários e atribuídos às
empresas de petróleo de grupos estrangeiros.
Edward George, especialista em Angola, informa que o estilo do
regime é de "criptocracia", no qual as alavancas do poder estão
escondidas. O Fundo Monetário Internacional estima que USD4,2 mil milhões estão
ainda a faltar das contas de 2007-10. Os detalhes dos chamados "bónus de
assinatura" para direitos sobre o petróleo são descurados, bem como os
vastos projectos de infra-estruturas que a China International Fund realiza,
propriedade de um grupo pouco conhecido de investidores de Hong Kong.
A frustração aumentada vem pela primeira vez transformando-se em
protestos generalizados. Alguns foram recebidos com violência esporádica. No
entanto, existe pouca dúvida de que José Eduardo dos Santos, Presidente desde
1979, triunfará nas eleições marcadas para 31 de Agosto.
Independentemente da realização das eleições, é improvável que
Angola tenha pretendentes em falta.
Angola tem-se posicionado atractivamente para investimento das
nações dos Bric, liderada pela China com o seu pacto de USD10 biliões de
petróleo em troca de infra-estrutura.
Potências ocidentais querem Luanda como um aliado, sejam quais
forem as preocupações de Direitos Humanos. Agindo como um fundo soberano, a
Sonangol projecta a riqueza petrolífera do país no exterior, reforçando a sua
influência internacional.
Manuel Vicente diz: "Não há nenhuma intenção de ser uma
potência em ascensão, para desempenhar um grande papel em África, para ser
forte e tentar fazer tudo isso. É só para tentar gozar de paz, para desfrutar
de desenvolvimento, isso é o que nós queremos."
Alguns, especialmente aqueles com conexões ao palácio
presidencial, certamente estão a desfrutar da paz. Xavier e a sua geração ainda
estão à espera.
UM DOS LUGARES COM MAIOR CRESCIMENTO NO
MUNDO
Os valores em causa podem fazer com que a Europa se torça de
inveja: onze por cento de crescimento médio anual na última década, um
excedente orçamental de dez por cento do produto interno bruto no ano passado,
exportações três vezes superiores se comparadas às importações e reservas
internacionais a duplicaram em três anos.
Mas existem outros indicadores que também fazem torcer de inveja
os angolanos. De acordo com o Instituto Oficial de Estatísticas, uma em cada
três pessoas com mais de quinze anos é incapaz de ler ou escrever, três quinto
da população não têm acesso à electricidade e apenas um em cada três tem um fornecimento
adequado de água potável e saneamento.
"Facilmente conseguimos ver o progresso, mas será que ele é
suficiente?" É a pergunta de um funcionário internacional em Luanda, que
acrescenta: "Não está a ser tão rápido e significativo quanto deveria."
Um dos rostos de Angola é a prova impetuosa da riqueza do petróleo
– construção em todos os lugares, as ruas entupidas de veículos 4x4, agências
bancárias proliferando e o primeiro Shopping Center de estilo brasileiro, o must-have de economias africanas emergentes.
O outro é um país que ainda sofre os efeitos de pós quarenta anos
de insurgência e guerra civil, e provavelmente com um quarto da população agora
concentrada em bairros pobres na capital.
As estatísticas são irregulares. O último censo foi em 1970,
quando a população era de 5,7 milhões.
Dentro de um ano, no novo censo, espera-se encontrar cerca de 20
milhões. O último inquérito oficial sobre o agregado familiar estima que a taxa
de pobreza seja de 36,6 por cento, metade do valor de2000_2001, antes de a
guerra civil terminar. Autoridades internacionais concordam com que a pobreza diminuiu, mas acham que a taxa real é maior do que 45 por cento.
Apesar dos seus defeitos, a economia sofreu uma mudança
extraordinária desde o fim da guerra,quando a inflação anual superava os cem
por cento, o governo não conseguia pagar as suas dívidas e o movimento de
pessoas e bens era obstruído por campos minados e estradas cortadas.
Angola tem tido um bom desempenho, acima da média africana,
tornando_se um dos lugares com maior crescimento no mundo. Está entre os países
africanos com menor dependência de ajudas. Como um sinal de confiança, o
governo estimulou a ideia de uma primeira emissão de obrigações internacionais –
um projecto que agora, aparentemente, está parado por causa da turbulência no
mercado da dívida.
No entanto, a economia é extremamente vulnerável aos preços do
petróleo, como ao impacto de uma desaceleração na China, o seu principal
cliente. Desde Maio que os preços fragilizados do petróleo bruto e a seca
generalizada já reduziram as expectativas para 2012. Depois de uma projecção
inicial do governo de crescimento mais do que triplicado a 12,8 por cento,
segundo algumas estimativas privadas, a taxa provável é colocada em cerca de 7
por cento.
Continua a ser uma economia desequilibrada, sofrendo de uma
escassez de competências, de má qualidade no ensino, serviços deficientes,
falta de capacidade empresarial e um acesso difícil do sector privado para
aceder aos financiamentos. Com uma certa fama de corrupção e gestão pública
opaca, o país mantém-se com um ranking baixo como lugar para fazer negócios.
O ritmo forçado de transição e a dependência quase total do
petróleo deram origem a anomalias. Um deles foi o poder exercido pela Sonangol,
a companhia estatal de petróleo e a máquina de gestão mais eficaz de Angola,
como um promotor para todos os fins e uma tesouraria substituta.
No ano passado, o Fundo Monetário Internacional descobriu
"grandes rubricas de financiamento residual" em contas públicas a
partir de 2007 a 2010 – uma incompatibilidade entre o saldo fiscal global e fontes
de financiamento identificadas.
A discrepância corresponde essencialmente a despesas não
declaradas feitas directamente pela Sonangol, com os lucros do petróleo que
deveriam normalmente passar à tesouraria, chegou aos USD 31.4 biliões, cerca de
um ano inteiro de receita fiscal, o que em parte explica a falta de liquidez do
governo durante os anos com crescimento mais lento. A maioria do dinheiro,
desde então, já foi contabilizada.
Estes fundos geridos pela Sonangol serão transferidos
gradualmente, num processo orçamental ortodoxo. Outra questão é o custo de
subsidiar os preços baixos dos combustíveis nacionais, considerandos e que
tenham absorvido mais de 7 por cento do PIB no ano passado. Após a experiência
da Nigéria, onde o governo tentou retirar o subsídio aos combustíveis no início
do ano, a agitação popular forçou a voltar atrás na sua decisão, é improvável
que Angola tente a mesma coisa. A dependência do petróleo gera graves
distorções, bem como riscos. Já foi no passado o segundo país mais
industrializado no Sul de África, mas Angola tem pouca coisa para vender além
de diamantes, gás e alguns produtos refinados.
Com um fluxo de receita em dólares empurrando para cima o valor da
moeda kwanza, geralmente é mais barato importar do que produzir localmente.
"A economia angolana não é competitiva", informa Manuel Alves da
Rocha, professor de Economia da Universidade Católica de Angola. Salienta que o
governo está num beco sem saída e conta com uma elevada taxa de câmbio para
conter a inflação.
O governo indica que partes do PIB do sector industrial caíram de
24 a 26 por cento no final da colonização portuguesa, em 1975, para 4 por
cento, em 1990, e manteve-se nesse nível. Ainda assim, se não conseguir
resolver os problemas de electricidade e água, prevê atingir os limites de
crescimento nos próximos dez anos, mesmo havendo um grande potencial na
agricultura e noutros recursos.
Após dez anos de reconstrução, Angola está à procura de uma base
mais ampla de crescimento para se proteger do mercado volátil do petróleo. Mas,
como salienta um perito internacional, "vai demorar muitos anos para ver
uma economia florescente e diversificada".
Homem da Sonangol na estrutura de
liderança
Há apenas um adorno nas paredes da sala de reunião na vila do
período colonial que abriga o ministério de Manuel Vicente. Sobre a mesa de
reuniões, está um retrato de Manuel Vicente, que poderá vir a ser o sucessor de
José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola desde 1979.
Em Janeiro, Manuel Vicente foi recompensado por doze anos de casa
na Sonangol com uma promoção que o fez passar de um arranha-céus do grupo
estatal de petróleo, no centro da cidade, para um enclave presidencial. A sua nomeação
como ministro de Estado para coordenação económica colocou-o em pé de igualdade
com os dois membros mais antigos da estrutura do poder a seguir ao Presidente: o
general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, conhecido como Kopelipa, chefe do
departamento militar na presidência, e Carlos Feijó, o seu homólogo civil.
A promoção tem reforçado a crença nos círculos políticos e
diplomáticos de que Manuel Vicente é o herdeiro escolhido do Presidente. Numa
entrevista com o Financial Times, no início de Junho, Manuel Vicente não quis
descartar os rumores, dizendo: "Não é uma tarefa fácil, mas se for
escolhido pelo meu partido, como membro do Partido, terei de executar o
trabalho".
Observadores alertam os que assumem que o caminho de Manuel
Vicente para a Presidência é uma garantia. Mas José Eduardo dos Santos já no
passado posicionou potenciais sucessores e depois pô-los de lado. Duas semanas depois
de Manuel Vicente falar com o Financial Times, o MPLA publicou a sua lista de
candidatos para as eleições de Agosto, com o genial tecnocrata como Número Dois.
Dado o domínio do MPLA e as novas regras eleitorais, como as
coisas estão, Manuel Vicente está a caminho da vice-Presidência. Muitos prevêem
que uma transferência de poder se seguirá um ou dois anos depois.
Algumas pessoas que esperam por reformas estão animadas pela
ascensão de um tecnocrata que ajudou a transformar a Sonangol numa operação
internacional eficiente. Outros vêem-no como a cara de um regime que não mostra
sinais de abandonar o seu domínio autoritário sobre a Nação, além da sua
disponibilidade de manipular instituições para fins pessoais.
A sua carreira não poderia contrastar mais nitidamente com a de
José Eduardo dos Santos. Durante seis anos de formação como engenheiro de
petróleo no Azerbaijão, o Presidente alimentou as alianças soviéticas para
sustentá-lo no poder durante a guerra civil. Ele voltou a servir em primeiro
lugar na campanha do MPLA, guerrilha pela independência, antes de tomar o poder
em 1979. Manuel Vicente optou pelo Londons Imperial College. Educado,
inicialmente, como um engenheiro electrotécnico, entrou no Ministério do
Petróleo antes de mudar para a Sonangol, onde assumiu a liderança em 1999.
Enquanto José Eduardo dos Santos tem uma reputação de austeridade,
Manuel Vicente é afável, o seu inglês quase perfeito é pontuado com
gargalhadas. Compartilham uma paixão pelo futebol. No entanto, Manuel Vicente
não gosta da ribalta. "Não me vai ver em festas", diz ele. "Não
é o meu estilo."
Embora nunca tenha pegado em armas durante a guerra do MPLA,
Manuel Vicente manteve a Sonangol a funcionar.
Quando a paz chegou, foi o génio por detrás da transformação da
empresa, que é indiscutivelmente o grupo de energia de “topo” na África Subsaariana.
"Temos de dar crédito a Manuel Vicente por manter a Sonangol
como uma ilha de excelência", afirma um alto funcionário internacional.
"A minha esperança é que vá incutir o mesmo modo de gestão no
governo".
No entanto, Manuel Vicente é também sinónimo de fusão entre a
elite do Estado e os seus interesses privados e pessoais. O seu império de
negócios abrange a indústria bancária e imobiliária. Era até recentemente o
chefe da China Sonangol, uma empresa opaca, constituída pela empresa estatal de
petróleo e investidores de Hong-Kong, conhecidos por serem avessos a publicidade e como o Grupo Queensway 88. Em
Abril, o Financial Times revelou que o General Helder Viera Dias, “Kopelipa”, e
outro general de topo tinham tido anteriormente participações escondidas na
Nazaki Oil and Gaz, o parceiro local da Cobalt International Energy, um
explorador que foi dos primeiros a receber os direitos para procurar petróleo
na promissora região de águas profundas "do pré-sal", em 2010.
As participações foram dissolvidas no ano passado e tanto Manuel
Vicente como a Cobalt negam irregularidades.
Mas o caso Nazaki e Manuel Vicente chamaram a atenção das
autoridades norte-americanas, que têm vindo a investigar as operações angolanas
com a Cobalt.
Manuel Vicente afirma que está a tentar melhorar a sorte da
maioria dos angolanos que ainda têm de beneficiar da bonança do petróleo.
"Eu sou cristão. Não funciona se você estiver OK e as pessoas à sua volta
não tiverem nada para comer. Não me sinto confortável".
O futuro de Manuel Vicente e de Angola parecem estar interligados.
Por enquanto, porém, ele está reservado. "Ele é muito inteligente e muito
reservado", informa um ex-colega. "Se ele fizer alguma coisa sobre
isso, ninguém irá saber".
Momento decisivo para o Presidente
É com um certo mistério que o Presidente da República, José
Eduardo dos Santos, governa Angola. Nos últimos meses, observadores
internacionais têm analisado o terceiro governante mais antigo de África.
Declaram-no estar vulnerável como nunca antes, mas também tão forte quanto
sempre.
De qualquer maneira, o Presidente enfrenta nesta sexta-feira um
momento decisivo dos seus 32 anos de regime autoritário, quando procurar
afirmar, pela primeira vez, um mandato completo nas urnas.
A única vez que o Presidente angolano enfrentou o eleitorado foi
em 1992, treze anos depois de sua nomeação pelo MPLA para presidente e
comandante em chefe das Forças Armadas Angolanas.
Venceu Jonas Savimbi, líder da UNITA, que tinha lutado contra o
MPLA desde a Independência, em 1975. Foi uma vitória que por pouco não foi
absoluta.
Desiludido e sentindo a derrota da segunda volta das eleições,
Jonas Savimbi retirou-se. A guerra civil foi retomada e só terminou com a morte
do líder da UNITA, uma década depois.
Com a oposição fragmentada e intimidada, José Eduardo dos Santos
não tem nenhum adversário que lhe faça frente. Em qualquer caso, as recentes
alterações da Constituição significam que esta não será uma eleição
presidencial directa. Em vez disso, os eleitores vão escolher um partido e o
primeiro nome na lista de vitoriosos – se for o MPLA, José Eduardo dos Santos
será o presidente. A julgar pelas eleições legislativas de 2008, o partido já
então implantado, assim como as instituições do Estado, garantiu uma vitória
esmagadora de 82 por cento. A partir daí o MPLA deixou pouco ao acaso.
No entanto, José Eduardo dos Santos enfrenta uma nova ameaça: o
povo. Pela primeira vez, os angolanos fizeram protestos generalizados contra o
governo. A UNITA, hoje um partido de oposição, tem coordenado vários milhares
de manifestantes em todo o país. Outros têm apenas um punhado de intelectuais e
rappers, uma vanguarda de dissidência com sede em Luanda.
Os líderes destes grupos pagaram caro. Em Maio, quinze homens
armados invadiram a casa em que estavam reunidos e espancaram-nos severamente
com barras de ferro. Rafael Marques de Morais, um activista de Direitos Humanos
e jornalista que documentou o ataque, diz que os agressores eram "milícias
pró-governo".
Philippe de Pontet, director em África do Eurasia Group, uma
consultoria de risco, escreveu em Maio. "A administração de José Eduardo
dos Santos provavelmente irá responder aos protestos em várias frentes para
beneficiar de uma vitória decisiva do MPLA."
"Isso vai incluir clientelismos políticos direccionados para
associar figuras da oposição, uma dose de repressão em pontos-chave potenciais,
incluindo Cabinda, rica em petróleo, e gastos pesados para a eleição."
Cabinda, o enclave do Norte, que sofreu décadas de conflito separatista,
deverá suportar o peso. O governo recusou qualquer oferta de paz de Henrique
Nzita Tiago, líder exilado, envelhecido, e da Frente para a Libertação do
Enclave de Cabinda, FLEC, o principal grupo dissidente. A capacidade dos
rebeldes foi diminuindo nos últimos anos, mas relatos de aumentos substanciais
no número de tropas angolanas no enclave antes das eleições sugere que Luanda
ainda prefere a força ao diálogo.
Com o triunfo de José Eduardo dos Santos, considerado quase certo,
resta saber quem vai suceder a um Presidente
que completa 70 anos três dias antes das eleições.
Manuel Vicente, nomeado como número dois na lista do MPLA nas
eleições, será a escolha acertada. A sua movimentação em Janeiro, para uma
posição superior ministerial, após doze anos de funcionamento estatal de
petróleo no grupo Sonangol, permitiu a sua entrada no santuário.
Os partidos que lutavam no mato enquanto Manuel Vicente
estabelecia acordos de petróleo e projectos de construção, criando um império
de negócios, têm resistido à sua ascensão. Ao promover Manuel Vicente, o
presidente também arriscou irritar altos escalões militares, que, segundo
analistas de segurança e diplomatas, não gostam de "generais de
negócios", alguns dos quais estão perto de Manuel Vicente.
O outro cenário é dinástico. José Filomeno dos Santos estudou na
Grã-Bretanha, antes de trabalhar em finanças e transportes. Mas seria pôr à
prova as competências de José Eduardo dos Santo sem legar a presidência ao seu
filho.
Para todos o seu autoritarismo, o que o Presidente parece mais
querer são credenciais democráticas que possam distingui-lo dos únicos líderes
que ainda estão no poder e que governaram por um maior período de tempo os seus
países: o sultão de Brunei, Muda Hassanal Bolkiake o autocrata da Guiné Equatorial,
Teodoro Obiang. Contra todas as especulações, uma pessoa próxima do regime informa que pensar em
sucessão é prematuro: "Ele não faz intenção nenhuma de deixar o
cargo".
Fonte: Savana, 31/08/2012