ACORDO
GERAL DE PAZ: A ESSÊNCIA DA PAZ EM MOÇAMBIQUE
O Jornal “O País” traz-lhe alguns protocolos e leis que
foram o garante do entendimento entre o Governo da República de Moçambique e a
Renamo.
O
Acordo Geral de Paz (AGP), aprovado pela Lei n.º 13/92 de 14 de Outubro, é o
instrumento legal que garante a execução do entendimento entre o Governo de
Moçambique e a Renamo, desde o cessar-fogo no conflito que durou 16 anos, bem
como o estabelecimento de uma democracia multipartidária no país.
Na
verdade, este instrumento legal constitui o cerne da paz no país, desde que foi
implementado.
Dentre
os documentos que compõem o acordo constam sete protocolos, um comunicado
conjunto de 10 de Julho de 1990; o acordo de 1 de Dezembro do mesmo ano; a
Declaração do Governo de Moçambique e da Renamo sobre os princípios
orientadores da ajuda humanitária, assinada em Roma, a 16 de Julho de 1992; bem
como a Declaração Conjunta, também assinada em Roma, em Agosto de 1992.
Para
a sua implementação, as partes acordaram, em Roma, Itália, a criação de várias
instituições entre elas a Comissão de Supervisão e Controlo do Cumprimento do
mesmo; a Comissão Conjunta de Formação das Forças Armadas; a Comissão do
Cessar-fogo; a Comissão Nacional de Informação (supervisora das actuações do
SISE); a Comissão Nacional dos Assuntos Policiais (fiscalizadora da actuação da
PRM); bem como a Comissão de Reintegração.
O
AGP foi e continua a ser implementado através de leis específicas sobre as
matérias acordadas, desde que estas não contrariarem os acordos.
A essência do AGP
Num
dos protocolos, as duas partes comprometeram-se a fazer de tudo para alcançar a
paz através do calar das armas e da não adopção ou aplicação de leis ou medidas
que contrariem o acordo.
Num
outro protocolo, o Governo e a Renamo acordaram os, não menos importantes,
critérios para a formação e reconhecimento dos partidos políticos no país. Na
verdade, estes constituíram uma das grandes exigências da Renamo que defendia uma
democracia multipartidária, com liberdade para difundir, sem interferências, as
suas ideologias.
Assim,
a alínea e) do número 3 do protocolo II refere que nenhum cidadão pode ser
perseguido ou discriminado em razão da sua filiação partidária ou das suas
convicções políticas.
No
capítulo dos deveres, o acordo estipula não só que os partidos não devem pôr em
causa a integridade territorial e a unidade nacional, assim como determina a
obrigatoriedade de estes submeterem e publicar, anualmente, os balanços de
contas bem como a proveniência dos seus fundos.
O
mesmo instrumento aprovou algumas liberdades fundamentais, constantes hoje da
Constituição da República, tais como a liberdade de imprensa, o acesso à
informação e o direito à informação; a liberdade de associação, expressão e
propaganda política; a de circulação e de domicílio, para além de garantir o
regresso dos moçambicanos refugiados devido à guerra e a sua reintegração.
Este
capítulo do protocolo veio impor as regras fundamentais para a realização de
eleições no país, determinando, igualmente, a criação da Comissão Nacional de
Eleições, seu funcionamento e as modalidades de eleição do presidente e
Assembleia da República.
A
questão militar consta do Acordo no protocolo IV e foi um dos pontos da discórdia
durante os dois anos das negociações de paz em Roma.
POLÉMICA DESMILITARIZAÇÃO TEM BARBA-RIJA
O desaguisado entre o governo/Frelimo e a Renamo, em matéria da
desmilitarização da antiga guerrilha, data dos anos 90, concretamente no pós
Roma, intensificado depois das primeiras eleições globalmente financiadas e
vigiadas pelas Nações Unidas.
Ainda nas discussões que antecederam
Roma’92, a questão da desmilitarização mereceu uma atenção especial por parte
dos negociadores. Até que se chegou à conclusão de que alguns elementos da
Renamo ficariam para a guarda pessoal de Afonso Dhlakama, munidos de armas de
fogo.
Os restantes deviam ser desmilitarizados à
medida que iam sendo desmobilizados. Quem fez a monitoria ao processo de
desmobilização foram as Nações Unidas, através da ONUMOZ.
Embora a desmobilização tenha sido sob a
égide da ONUMOZ, a Frelimo esteve infiltrada nas zonas de acantonamento
reservadas aos elementos da Renamo. Sob a capa de ‘capacetes-azuis’ em
representação da Guiné-Bissau, os militares moçambicanos foram abanando a
cabeça sempre que, da fila, aparecessem elementos alegadamente guerrilheiros da
Renamo, visivelmente enfraquecidos e a entregar armas caducas.
Aí começava a estar claro de que a Renamo
não estava a proceder à entrega de armas que foi utilizando durante os 16 anos
de guerra, muito menos homens que verdadeiramente colocaram de joelhos os seus
adversários das Forças Armadas de Moçambique (FAM), forçando a Frelimo a
negociar.
O argumento inicial posto à mesa de debate,
era de que a Renamo não podia ter um efectivo considerável,
comparativamente ao das FAM. De resto, foi por isso que para as Forças Armadas
de Defesa de Moçambique (FADM), as FAM tenham sido obrigadas a desmobilizar
centenas para permitir a paridade dos 15 mil homens, totalizando 30 mil para o novo
exército.
Para onde colocara, a Renamo, as armas em
uso durante a guerra?
Uma boa parte, incluíndo um moderno sistema
de comunicações, permaneceu sob custódia da Renamo, e a antiga base de Marínguè
era o epicentro desse equipamento bélico, em cujo acesso é tido como sendo
impossível.
O sistema das comunicações viria, consta, a
ser entregue, após uma dura batalha de palavras entre as partes. Mas as armas,
essas, muitas delas pesadas e ligeiras, continuaram (continuam nas mãos da
Renamo).
Não vai, Dhlakama, ser traído pelos rivais
da Frelimo.
Antes e depois das eleições iniciais,
Moçambique registou incidentes com o recurso a armas de fogo. É que muitas
armas estavam espalhadas um pouco por todo o lado, muitas delas utilizadas
pelos chamados ‘bandos errantes’ que tanto podiam ser oriundos das antigas
FAM’s como da Renamo. Os ‘capacetes azuis’ trataram de controlar a situação, a
esforço.
Por isso é que o primeiro governo eleito,
chamou a sí a responsabilidade de desmilitarizar a Renamo, algo que já nessa altura
era visto como sendo de difícil realização.
Atravez dos seus informadores, a Renamo foi
se apercebendo de que não era chegado o momento para entregar totalmente as
armas, à medida que foi mantendo algumas células nas matas que controlavam o
equipamento bélico que eventualmente continuava sob a sua alçada.
A desconfiança esteve sempre na mó de cima
no seio da Renamo. Ainda na era-Chissano.
Quanto mais agora, com Guebuza na Ponta
Vermelha, a quem Dhlakama não nutre nenhuma simpatia…
Por estas e outras razões, não se vislumbra
qualquer possibilidade de a Renamo entregar as armas que estarão sob a sua
posse. Do mesmo modo que dificilmente teremos os elementos da Renamo
encorporados na Polícia da República de Moçambique (PRM).
Aliás, a questão dos elementos da Renamo na
PRM, em devido momento foi colocada, entretanto chumbada porque Afonso Dhlakama
entende que não se identificava com esta corporação frelimizada. Mesmo a
proposta de a segurança do líder guerrilheiro envergarem uniforme policial, foi
de imediata reprovada pela Renamo.
EXPRESSO – 22.08.2013