22 agosto 2013

ACORDO GERAL DE PAZ: A ESSÊNCIA DA PAZ EM MOÇAMBIQUE

 

 O Jornal “O País” traz-lhe alguns protocolos e leis que foram o garante do entendimento entre o Governo da República de Moçambique e a Renamo.
O Acordo Geral de Paz (AGP), aprovado pela Lei n.º 13/92 de 14 de Outubro, é o instrumento legal que garante a execução do entendimento entre o Governo de Moçambique e a Renamo, desde o cessar-fogo no conflito que durou 16 anos, bem como o estabelecimento de uma democracia multipartidária no país.
Na verdade, este instrumento legal constitui o cerne da paz no país, desde que foi implementado.
Dentre os documentos que compõem o acordo constam sete protocolos, um comunicado conjunto de 10 de Julho de 1990; o acordo de 1 de Dezembro do mesmo ano; a Declaração do Governo de Moçambique e da Renamo sobre os princípios orientadores da ajuda humanitária, assinada em Roma, a 16 de Julho de 1992; bem como a Declaração Conjunta, também assinada em Roma, em Agosto de 1992.
Para a sua implementação, as partes acordaram, em Roma, Itália, a criação de várias instituições entre elas a Comissão de Supervisão e Controlo do Cumprimento do mesmo; a Comissão Conjunta de Formação das Forças Armadas; a Comissão do Cessar-fogo; a Comissão Nacional de Informação (supervisora das actuações do SISE); a Comissão Nacional dos Assuntos Policiais (fiscalizadora da actuação da PRM); bem como a Comissão de Reintegração.
O AGP foi e continua a ser implementado através de leis específicas sobre as matérias acordadas, desde que estas não contrariarem os acordos.
A essência do AGP
Num dos protocolos, as duas partes comprometeram-se a fazer de tudo para alcançar a paz através do calar das armas e da não adopção ou aplicação de leis ou medidas que contrariem o acordo.
Num outro protocolo, o Governo e a Renamo acordaram os, não menos importantes, critérios para a formação e reconhecimento dos partidos políticos no país. Na verdade, estes constituíram uma das grandes exigências da Renamo que defendia uma democracia multipartidária, com liberdade para difundir, sem interferências, as suas ideologias.
Assim, a alínea e) do número 3 do protocolo II refere que nenhum cidadão pode ser perseguido ou discriminado em razão da sua filiação partidária ou das suas convicções políticas.
No capítulo dos deveres, o acordo estipula não só que os partidos não devem pôr em causa a integridade territorial e a unidade nacional, assim como determina a obrigatoriedade de estes submeterem e publicar, anualmente, os balanços de contas bem como a proveniência dos seus fundos.
O mesmo instrumento aprovou algumas liberdades fundamentais, constantes hoje da Constituição da República, tais como a liberdade de imprensa, o acesso à informação e o direito à informação; a liberdade de associação, expressão e propaganda política; a de circulação e de domicílio, para além de garantir o regresso dos moçambicanos refugiados devido à guerra e a sua reintegração.
Este capítulo do protocolo veio impor as regras fundamentais para a realização de eleições no país, determinando, igualmente, a criação da Comissão Nacional de Eleições, seu funcionamento e as modalidades de eleição do presidente e Assembleia da República.
A questão militar consta do Acordo no protocolo IV e foi um dos pontos da discórdia durante os dois anos das negociações de paz em Roma.

POLÉMICA DESMILITARIZAÇÃO TEM BARBA-RIJA


O desaguisado entre o governo/Frelimo e a Renamo, em matéria da desmilitarização da antiga guerrilha, data dos anos 90, concretamente no pós Roma, intensificado depois das primeiras eleições globalmente financiadas e vigiadas pelas Nações Unidas.
Ainda nas discussões que antecederam Roma’92, a questão da desmilitarização mereceu uma atenção especial por parte dos negociadores. Até que se chegou à conclusão de que alguns elementos da Renamo ficariam para a guarda pessoal de Afonso Dhlakama, munidos de armas de fogo.
Os restantes deviam ser desmilitarizados à medida que iam sendo desmobilizados. Quem fez a monitoria ao processo de desmobilização foram as Nações Unidas, através da ONUMOZ.
Embora a desmobilização tenha sido sob a égide da ONUMOZ, a Frelimo esteve infiltrada nas zonas de acantonamento reservadas aos elementos da Renamo. Sob a capa de ‘capacetes-azuis’ em representação da Guiné-Bissau, os militares moçambicanos foram abanando a cabeça sempre que, da fila, aparecessem elementos alegadamente guerrilheiros da Renamo, visivelmente enfraquecidos e a entregar armas caducas.
Aí começava a estar claro de que a Renamo não estava a proceder à entrega de armas que foi utilizando durante os 16 anos de guerra, muito menos homens que verdadeiramente colocaram de joelhos os seus adversários das Forças Armadas de Moçambique (FAM), forçando a Frelimo a negociar.
O argumento inicial posto à mesa de debate, era de que a Renamo não podia  ter  um  efectivo considerável, comparativamente ao das FAM. De resto, foi por isso que para as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), as FAM tenham sido obrigadas a desmobilizar centenas para permitir a paridade dos 15 mil homens, totalizando 30 mil para o novo exército.
Para onde colocara, a Renamo, as armas em uso durante a guerra?
Uma boa parte, incluíndo um moderno sistema de comunicações, permaneceu sob custódia da Renamo, e a antiga base de Marínguè era o epicentro desse equipamento bélico, em cujo acesso é tido como sendo impossível.
O sistema das comunicações viria, consta, a ser entregue, após uma dura batalha de palavras entre as partes. Mas as armas, essas, muitas delas pesadas e ligeiras, continuaram (continuam nas mãos da Renamo).
Não vai, Dhlakama, ser traído pelos rivais da Frelimo.
Antes e depois das eleições iniciais, Moçambique registou incidentes com o recurso a armas de fogo. É que muitas armas estavam espalhadas um pouco por todo o lado, muitas delas utilizadas pelos chamados ‘bandos errantes’ que tanto podiam ser oriundos das antigas FAM’s como da Renamo. Os ‘capacetes azuis’  trataram de controlar a situação, a esforço.
Por isso é que o primeiro governo eleito, chamou a sí a responsabilidade de desmilitarizar a Renamo, algo que já nessa altura era visto como sendo de difícil realização.
Atravez dos seus informadores, a Renamo foi se apercebendo de que não era chegado o momento para entregar totalmente as armas, à medida que foi mantendo algumas células nas matas que controlavam o equipamento bélico que eventualmente continuava sob a sua alçada.
A desconfiança esteve sempre na mó de cima no seio da Renamo. Ainda na era-Chissano.
Quanto mais agora, com Guebuza na Ponta Vermelha, a quem Dhlakama não nutre nenhuma simpatia…
Por estas e outras razões, não se vislumbra qualquer possibilidade de a Renamo entregar as armas que estarão sob a sua posse. Do mesmo modo que dificilmente teremos os elementos da Renamo encorporados na Polícia da República de Moçambique (PRM).
Aliás, a questão dos elementos da Renamo na PRM, em devido momento foi colocada, entretanto chumbada porque Afonso Dhlakama entende que não se identificava com esta corporação frelimizada. Mesmo a proposta de a segurança do líder guerrilheiro envergarem uniforme policial, foi de imediata reprovada pela Renamo.
EXPRESSO – 22.08.2013


19 agosto 2013


“EM MOÇAMBIQUE SÓ HÁ PARTIDOS DE DIREITA”
Michel Cahen

Entrevista com Michel Cahen realizada por Victor Miguel Castillo de Macedo e Joaquim Maloa

Michel Cahen é pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) no Centre “Les Afriques dans le Monde” (“As Áfricas no mundo”), do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordeaux, na França. Esteve à frente da organização da revista Lusotopie, de 1992 a 2009, uma das principais publicações acadêmicas a abordar temas relativos aos desdobramentos da experiência colonial lusitana na África e no Brasil.
Além de ser um dos grandes nomes contemporâneos da história social e política da África Colonial Portuguesa, é autor de alguns clássicos da produção historiográfica sobre colonização e vida pós-colonial nos países da África Portuguesa, tais como: Mozambique, la révolution implosée. Études sur 12 ans d’indépendance (1975-1987), lançado em 1987 (Paris, L’Harmattan), e Os outros: um historiador em Moçambique, 1994, publicado em francês em 2002 (Paris, Fondation Calouste Gulbenkian) e em português em 2003 (Basileia, P. Schlettwein Publishing).
Também publicou um livro sobre a única minoria linguística de Portugal, a comunidade mirandesa: Le Portugal bilingue. Histoire et droits politiques d’une minorité linguistique: la communauté mirandaise, em 2009 (Rennes, Presses Universitaires de Rennes). Recentemente, em 2012, o pesquisador lançou o livro organizado juntamente com Éric Morier-Genoud, Imperial migrations: colonial communities and Diaspora in the Portuguese world. (Basingstoke, Palgrave MacMillan).
No primeiro semestre deste ano, o professor Cahen ministrou o curso “História social e política da África Portuguesa (1885-1975)”, para o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (PPGS/USP), em que abordou questões e embates teórico-historiográficos que suas perspectivas trazem.
Os estudantes/entrevistadores conformam parte do conjunto de interessados na obra desse pensador, que ultrapassa as preocupações e os métodos da disciplina histórica e alcança também sociólogos, antropólogos e demais interessados nas dinâmicas passadas e contemporâneas do continente africano.


Timbila, patrimonio mundial da humanidade

MOÇAMBIQUE ratificou em 2006 as convenções 2003 e 2005 da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) respeitantes à “Salvaguarda do Património Cultural” e à “Promoção da Diversidade das Expressões Culturais” respectivamente. No entanto, o país continua a marcar passo, uma vez que, volvido cerca de sete anos, ainda não dispõe de políticas, legislação e estratégia para a respectiva implementação.
A situação torna-se preocupante quando se sabe que o país tem inscrito na lista do património universal duas expressões culturais, nomeadamente a Timbila e o Nyau, que a devem ou deviam estar protegidas dentro dos princípios da Convenção 2003 sobre a salvaguarda do património cultural e imaterial.
Aliás, por falta de instrumentos de implementação daquelas convenções o país tem perdido muitos fundos, segundo revelou Ofélia da Silva, oficial do Programa da Cultura na UNESCO-Moçambique.
Segundo ela, a UNESCO tem fundos que vão até 100 mil dólares americanos para apoiar actividades relativas a salvaguarda do património imaterial, por exemplo, 25 mil dólares americanos para proclamar uma determinada expressão como património imaterial. Entretanto, segundo disse, muitos países ou Estados parte das Convenções não têm solicitado os fundos ou não tem feito uma aplicação satisfatória, pelas razões acima descritas ou por falta de capacidade técnica e de recursos humanos.
Em face dessa situação aquele organismo do sistema das Nações Unidas, fez um levantamento em várias partes e concluiu que ao invés de continuar a dar fundos para actividades cujos resultados não eram visíveis, devia potenciar os Estados membros e parte das convenções para ter capacidade de implementa-las.
Neste contexto, foi definido uma estratégia global de capacitação dos países membros sobre como implementar as convenções. De referir que a UNESCO tem sete convenções, das quais Moçambique apenas ratificou três. A Convenção 1972, sobre “Protecção e Promoção do Património Natural e Cultural”, a 2003 (Salvaguarda do Património Cultural) e 2005 (Promoção da Diversidade das Expressões Culturais).
Com efeito, sob os auspícios do Instituto Nacional de Investigação Sócio - Cultural (ARPAC), em coordenação com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), iniciou na última semana em Maputo, um processo de formação de pessoal técnico em torno da implementação da Convenção de 2003 sobre salvaguarda do património cultural.
Depois da formação teórica, o mesmo grupo iniciou esta segunda-feira, no distrito de Manica, província do mesmo nome, um treinamento prático que inclui princípios e métodos de inventário do património imaterial baseados na comunidade.
A intenção é que alguns dos participantes venham tornar-se facilitadores em formações similares a serem realizadas futuramente no país e em outros países africanos de língua portuguesa.
NA LIDERANÇA DOS PALOP
No quadro da estratégia global de capacitação institucional que esta a ser desenvolvida pela UNESCO, o nosso país foi escolhido para liderar o processo a nível dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
A escolha do nosso país, segundo Ofélia da Silva é porque se apresenta relativamente mais avançado que os restantes PALOP.
Trata-se do projecto de fortalecimento das capacidades dos oficiais da Cultura nos PALOP, o qual visa melhorar as capacidades de funcionários da Cultura na implementação e gestão eficaz da Convenção de 2003.
Para garantir a materialização do projecto, dos técnicos que estão a ser formados desde semana, três serão seleccionados para replicar os conhecimentos adquiridos nos restantes países dos PALOP.


12 agosto 2013


TERRITORIALIZAÇÃO DE MOÇAMBIQUE COLONIAL: “AVANT TOUT” UMA LUTA PELA TRANSPOSIÇÃO DE CONTRARIEDADES ENDOGENÉTICAS PRESENTES NO SISTEMA PORTUGUÊS EM MONTAGEM

MARTINHO PEDRO
Departamento de Antropologia e Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Pedagógica, Maputo,
Moçambique
marpmatos@gmail.com
Resumo
Os primeiros momentos da sistematização de possessões ultramarinas parece terem se constituído, para Portugal, uma empresa fácil, se aferirmos o processo a partir da relativa audácia demonstrada, fundamentalmente nos primeiros cem anos da sua epopeia expansionista. Esta ideia é corroborada pela imposição, juntamente com a sua jumelle ibérica, de uma comunicabilidade com zonas bem distanciadas da península, da aplicação da teoria do mare clausum, bem como, da posse jurídica da metade oriental do Planeta Terra, por Portugal, marcando, em termos geopolíticos, o início de uma abordagem global da teoria do poder. Entretanto, tal realidade desvaneceu-se desde cedo, pela integração de novas potências no cenário expansionista, acompanhada pela reclamação da liberdade de navegação nos mares/oceanos (mare liberum).
Base de disputas abertas, o encontro entre as potências ibéricas e as novas, no cenário colonial, obrigou a definição de espaços concretos, transformando, consequentemente, a posse de territórios num dos projectos mais titânicos para Portugal. A necessidade de defesa dos seus territórios da África Oriental dos holandeses, suíços e mais tarde dos ingleses e alemães constituem-se exemplos concretos. Daí advém a explicação da sistematização dos territórios e formação das colónias definitivas em função da correlação de poderes eurocêntricos que actuaram nas distintas zonas geográficas do continente africano, agregada ao confronto, nos espaços coloniais em construção, entre cada um dos diferentes poderes hegemónicos e os diferentes poderes representativos das estruturas sociais locais. Ademais, os estudos até aqui desenvolvidos têm apontado que a natureza do avanço dos poderes em incrustação no terreno foi proporcional ao vigor humano, diplomático, material, financeiro, estratégico de cada uma das potências, incluindo Portugal. Entretanto, na análise dos fundamentos definidores da incrustação do poder eurocêntrico em Moçambique, o caso português parece orientar-nos para uma nova directriz, situada longe da disputa territorial entre as potências, por um lado, ou da luta entre aquelas e as estruturas africanas pré-existentes, por outro lado. De facto, para o congresso procuraremos discutir a ideia segundo a qual a definição do espaço colonial português em Moçambique, isto é, a territorialização definitiva, não foi retardada por esses dois opositores tradicionais: os grupos sociais endógenos cuja frontalidade vinha da necessidade destes de manterem a sua reprodução existencial, e os concorrentes europeus que procuravam estabelecer possessões coloniais no período e nos mesmos espaços cobiçados por Portugal. Para nós, o processo da definição do espaço colonial português em Moçambique resultou de contrariedades endogenéticas de carácter intersubjectivo, que demarcaram territórios, fronteiras, colonialismos paralelos e concorrentes no interior do espaço concorrido pelo capital internacional, que, em última instância, dificultaram a circunscrição de um espaço colonial definitivo em Moçambique, pelo menos até aos anos 40 do século XX.

Palavras-chave: Portugal, colonização, territorialidade, Moçambique colonial.


PARA  AMPLIAR  AS  EPISTEMOLOGIAS  DO  SUL: E  SE A HISTÓRIA FOSSE TAMBÉM UMA NARRATIVA DE LUTAS  TRASLADADAS  POR  PALADARES?

MARIA PAULA MENESES
CES - Universidade de Coimbra
menesesp@ces.uc.pt
Resumo
Nesta apresentação procurar-se-á discutir o papel das memórias, arquivos e da(s) história(s), ampliando o tema para integrar a complexidade associada à colonização e aos processos migratórios no espaço do Índico. Nos processos identitários uma parte importante e menos trabalhada assenta nos sabores e como os alimentos estão ligados à memória; de facto, as pessoas partilham bens e ideias, participando em processos sociais tão diversos como os dos mercados ou outros mais privados como são as cozinhas. As receitas e os saberes que lhe estão na base uma parte importante dos processos de memórias e de construção de referências amplas; neste sentido, o vasto espaço do Índico permite ampliar esta discussão, através de um estudo mais preciso das trocas de alimentos, e de como estes produtos se foram indigeneizando.

Palavras-chave: Circuitos do Índico, processos identitários, memórias de/e sabores


11 agosto 2013

O PROJECTO PESSOAL E POLÍTICO DE EDUARDO MONDLANE



PEDRO BORGES GRAÇA

Centro de Estudos Africanos e Brasileiros. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Universidade Técnica de Lisboa
bgraca@iscsp.utl.pt
Resumo
Eduardo Mondlane foi pastor, "muleque", estudante, catequista, emigrante, operário, professor, funcionário das Nações Unidas e finalmente guerrilheiro e diplomata, "pai fundador" do projecto nacional moçambicano. A sua biografia não é contudo suficientemente conhecida. Quem não o confunde com um antropólogo? Ou com um sociólogo? Na verdade, toda a sua formação académica e investigação se centrou na área da Psicologia Social, em questões de percepções sociais, conscientemente preocupado com o problema do impacto da modernidade e da mudança cultural no comportamento dos indivíduos agregados em comunidades. Quem não o toma por um revolucionário marxista-leninista? Na verdade nunca se posicionou claramente como tal e defendia que os africanos tinham de desenvolver os seus próprios e específicos modelos de sociedade. Eduardo Mondlane foi sem dúvida um grande líder nacionalista africano, culto, homem de pensamento e de acção, singular, como nos revelam as palavras que deixou escritas e o virtual projecto político para Moçambique que podemos vislumbrar com actualidade. Essa foi a razão pela qual em Moçambique, durante o longo período revolucionário após a Independência, a sua figura foi sobretudo exaltada sob a forma estética e simbólica. Por exemplo, o seu primeiro livro, “Chitlango, Filho de Chefe”, escrito com cerca de 25 anos, só seria publicado em Moçambique quinze anos após a Independência, pela inoportunidade do seu trajecto heterodoxo e nada revolucionário, simples e essencialmente humanista, bebendo directamente das suas profundas raízes africanas e rurais. Ainda hoje se encontra pois aberto o debate sobre o futuro que Moçambique teria tido com Mondlane.
Inconclusivo para uns, muito claro para outros. Porventura a História não deixará de ver ressurgir recorrentemente o seu pensamento e acção, o seu exemplo, estudado pelos jovens moçambicanos no afã generoso de darem o seu contributo para o desenvolvimento do seu país. Ele, Eduardo Mondlane, que queria ser, mais que tudo, “um professor universitário”, seguramente rejubilaria por ver o seu nome na Universidade, talvez a maior invenção da Humanidade e com certeza factor estratégico de desenvolvimento económico e social.
Palavras-chave: Eduardo Mondlane, Projeto Nacional Moçambicano


10 agosto 2013

A CRISE DE 1968 NO “INSTITUTO MOÇAMBICANO” NA TANZANIA


A História de Moçambique tem outras versões diferentes das que conta a Frelimo
O Dr. Eduardo Mondlane reconheceu que a maior parte dos dirigentes era do Sul. Defendeu-se, contudo, dizendo o seguinte: “Quando nós nomeamos indivíduos para cargos de chefia não reparamos para tribo ou região mas para a competência de cada um”. Com essas palavras o Dr. Mondlane enfureceu ainda mais os estudantes por dar a entender que as pessoas do Centro e do Norte não eram competentes. A reunião teve que ser interrompida.

Leia tudo aqui

"SALAZAR RECUSOU OFERTA MILIONÁRIA PELA COMPRA DOS TERRITÓRIOS DE PORTUGAL"





Na década de 60, os Estados Unidos fizeram uma proposta de centenas de milhares de dólares a Portugal, a troco da independência das províncias ultramarinas. 
A resposta do Presidente do Conselho Prof. Dr. António de Oliveira Salazar foi: 
"Portugal não está à venda". 
Esta como muitas outras ‘revelações’ foram feitas por Witney Schneider, ex-responsável norte-americano pelos Assuntos Africanos, no seu livro ‘Engaging Africa: Washington and The Fall of Portugal’s Colonial Empire’. 
O caso remonta a 1963, quando o ex-Presidente do Conselho rejeitou a referida oferta, num encontro com um enviado americano – relata Witney Schneider, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos na administração Clinton. 
O livro foi elaborado com base em documentos oficiais e dezenas de entrevistas com personalidades americanas e portuguesas. 
Segundo Schneider, Paul Sakwa, assistente do vice-director de planeamento da CIA elaborou em 1962 o 'Plano Commonwealth’, que defendia nomeadamente uma autodeterminação para Angola e de Moçambique, após um período de transição de oito anos, durante o qual Portugal seria compensado com cerca de 500 milhões de dólares. 
Em Agosto de 1963, o diplomata americano Chester Bowles encontrou-se com Salazar e duplicou a proposta: durante cinco anos, os EUA depositariam nos cofres portugueses cerca de mil milhões de dólares. Porém, a oferta esbarrou na intransigência de Salazar na defesa de Portugal. 
Schneider adiantou ainda que tanto Eduardo Mondlane, Moçambique, como Holden Roberto, Angola (FNLA), foram durante anos apoiados financeiramente pela CIA. 
No período em questão, o governo americano apoiou financeiramente e lidou estes movimentos destas duas províncias ultramarinas portuguesas, ao mesmo tempo que mantinha relações diplomáticas com Portugal. 

09 agosto 2013

CONFIRMADO: CIA APOIOU MONDLANE


Eduardo Mondlane, primeiro presidente do movimento da FRELIMO (o principal movimento libertador de Moçambique)

Documento revela discussão com o Presidente John Kennedy para se iniciar apoio da CIA ao primeiro presidente da FRELIMO.
Ouça aqui 

Em 1963 o Presidente John Kennedy concordou com um programa de apoio secreto através dos serviços de espionagem CIA ao primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane.
A confirmação é dada na transcrição de uma conversa telefónica do presidente com o seu irmão Robert Kennedy que na altura era  conselheiro presidencial para além de ocupar o cargo de procurado geral e que  confirma também as tensões internas da administração americana sobre a posição a adoptar face aos movimentos de libertação africanos.
O presidente John Kennedy tinha instalado no seu gabinete um sistema de gravações de reuniões de questões sensíveis e de conversas telefónicas.
Um documento da biblioteca presidencial John Kennedy, obtido pela Voz da América,  relata que a 8 de Maio de 1963 Robert Kennedy, lhe telefonou para o  informar de uma conversa que tinha tido com Eduardo Mondlane.

Robert Kennedy informa o presidente que Mondlane está a receber apoio de países comunistas e que precisa de ajuda dos Estados Unidos  para poder indicar aos seus apoiantes “ que há pessoas no ocidente que simpatizam para com os seus esforços” e também por uma questão meramente económica, para “lhe permitir continuar”.
A quantia que Mondlane precisa, diz Robert Kennedy são 100.000 dólares o que ele descreve de “muito razoável”, sendo cinquenta mil para “as suas próprias operações” e outros 50.000 para “ajudar refugiados”.
A quantia de 100.000 dólares em 1963 é o equivalente a cerca de 750.000 dólares actualmente.
Na conversa Robert Kennedy diz que cinquenta mil dólares poderão ser concedidos pela Fundação Ford uma organização privada que tem entre os seus objectivos o “fortalecimento da democracia e a redução da pobreza e injustiça”.
Mas diz Robert Kennedy os outros 50.000 terão que vir do governo  e que o então vice conselheiro de segurança nacional Carl Kaysen “ está a trabalhar nisso”.
Mas há um problema. Robert Kennedy informa o presidente que o então secretário de estado Dean Rusk “ quer ter a capacidade de se sentar com os portugueses e dizer –lhes que nenhuma dessas pessoas esta a receber dinheiro” dos americanos.
Robert Kennedy sugere então que a questão pode ser entregue a Averral Harriman, sub secretário de estado para questões politicas e  John McCone, director da CIA para usarem “ o seu próprio julgamento” na questão.
Sabe-se que Averral Harriman se tinha já reunido com Mondlane, num encontro que durou duas horas e que segundo  informações anteriormente divulgados tinha resultado em que Mondlane e Harriman saíssem do mesmo com “enorme respeito mútuo”.
Dean Rusk no entanto ter-se-ia recusado a reunir-se com Mondlane.
Sabe-se também que Robert Kennedy se reuniu com Mondlane durante cerca de uma hora tendo na altura estabelecido uma forte relação baseada numa visão comum sobre o futuro em Moçambique. Nesse encontro, dizem essas informações,  Kennedy entrou um cheque pessoal de 500 dólares (cerca de 3.700 dólares em valor actual) a Eduardo Mondlane.
No telefonema ao presidente, Robert Kennedy avisa o seu irmão que Eduardo Mondlane se vai reunir com dirigentes africanos em breve ao que o presidente John Kennedy comenta que os Estados Unidos não querem que Mondlane informe esses dirigentes que está a receber ajuda dos Estados Unidos.
Robert Kennedy  volta então a reiterar que os fundos poderão ser entregues por uma fundação privada e que o director da CIA John  McCone poderá lidar com essa questão de modo a aparecer que os fundos não são da CIA.
Robert Kennedy sugere ao presidente que discuta a questão com Averrel Harriman  que ele diz apoiar fortemente o apoio financeiro e acrescenta que o secretário de estado Dean Rusk terá que ser informado que ele não tem que saber nada sobre o assunto directamente.
Fonte: VOA – 09.08.2013


EDUARDO MONDLANE E HOLDEN ROBERTO FORAM FINANCIADOS PELA CIA

Holder Roberto do FNLA de Angola
Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente do movimento nacionalista moçambicano FRELIMO, foi durante anos apoiado financeiramente pelos serviços de espionagem norte-americanos, CIA, revela um livro acabado de publicar nos Estados Unidos.

O livro "Engaging Africa: Washington and the Fall of Portugal+s Colonial Empire" (Envolvimento em Africa: Washington e a Queda do Imperio Colonial de Portugal) é de autoria de Witney Schneidman, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos na administração Clinton.

A obra confirma também anteriores alegações de que o dirigente nacionalista angolano Holden Roberto(na foto), presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) também foi financiado directamente pela CIA, durante vários anos.

O livro, de 280 páginas detalha minuciosamente e com base em documentos oficiais e dezenas de entrevistas com personalidades norte-americanas e portuguesas, as relações dos Estados Unidos com Portugal e com os movimentos independentistas das ex-colónias portuguesas, particularmente Angola e Moçambique, desde o início dos anos 60 até à independência de Angola (Novembro de 1975).

Schneidman refere que o primeiro encontro de Eduardo Mondlane com um membro da administração norte-americana foi estabelecido durante o governo do presidente John Kennedy, quando o dirigente nacionalista se reuniu, no início de 1963, com o irmão do presidente (Robert Kennedy), então Procurador-Geral dos Estados Unidos da América.

De acordo com a descrição do encontro, obtida através de memorandos e entrevistas com alguns dos participantes, o encontro começou mal, com Robert Kennedy a interromper Mondlane quando este começou a criticar a política norte-americana no Vietname, dizendo ao líder nacionalista que estava "mais interessado em ouvir os problemas de Moçambique".

Mondlane teria depois explicado a situação em Moçambique, afirmando que seria "trágico" se "a indiferença e ignorância" e a necessidade de "agradar" a Portugal impedissem os Estados Unidos de estar "na frente do combate pela liberdade".

"No final do encontro de uma hora, Mondlane e Kennedy tinham estabelecido uma relação forte, baseada numa visão comum sobre o futuro em África e Moçambique," lê-se no livro.

"Embora o Procurador-Geral não se tenha comprometido sobre o apoio oficial americano, disse a Mondlane que queria pessoalmente ajudá-lo e à sua família," acrescenta Schneidman, destacando que, no final do encontro, Kennedy entregou um cheque pessoal de 500 dólares a Mondlane.

Poucos dias depois deste encontro, Mondlane reuniu-se em Washington durante duas horas com Averrel Harriman, sub-secretário de Estado para questões políticas.

"Os dois saíram da sua conversa de duas horas com um respeito mútuo profundo", afirma o livro, que cita como fonte para os pormenores do encontro um dos seus intervenientes.

Porém, tanto o secretário de Estado Dean Rusk como o sub-secretário de Estado George Ball recusaram-se a reunir-se com Mondlane, reflectindo o início do que seria uma longa luta entre várias facções governamentais americanas sobre como lidar com os movimentos nacionalistas e, ao mesmo tempo, manter boas relações com Portugal.

Enquanto Ball afirmou que o encontro "não serviria para nada" e Dan Rusk manifestou reservas sobre a actuação de Mondlane, outros continuaram a pressionar para que fosse concedida ajuda ao nacionalista moçambicano descrito num documento por um outro funcionário como "muito determinado, directo e inteligente".

O livro relata que, em Abril de 1963, foi feita a primeira proposta de ajuda clandestina a Eduardo Mondlane. Um documento garante ao sub-secretário de Estado George Ball que "a Agência (a CIA) está absolutamente confiante que o podem fazer pela calada".

Uma carta entregue ao influente Procurador-Geral Robert Kennedy afirma, no entanto, que "o dinheiro não deve ser dado partindo do princípio que se pode controlar Mondlane".

"De facto seria uma idiotice tentar controlá-lo, porque essa tentativa iria prejudicar a sua utilidade para nós. A verdade é que nós não podemos controlá-lo; podemos apenas confiar neleÓ Apoiar Mondlane será um bom investimento para nós, porque o seu programa representa a melhor e única esperança para uma solução relativamente pacífica para o problema moçambicano," diz o documento.

Nessa Primavera, a CIA entregou um "subsídio" de 60.000 dólares a Mondlane, que foram canalizados através do Instituto Afro-Norte-Americano, em Nova Iorque.

Ao discutir, mais adiante, a política do governo do presidente Lyndon Johnson o livro refere que, quatro anos mais tarde, em 1967, "o apoio financeiro" a Mondlane continuava, "mas sem aumento dos desembolsos".

Por essa altura, as relações entre os Estados Unidos e Mondlane estavam já a deteriorar-se e o último contacto oficial entre o líder nacionalista moçambicano e entidades norte-americanas decorreu em Nairobi (Quénia), em Setembro de 1968, quando num encontro privado com "influentes" personalidades americanas, Mondlane teria mostrado a sua irritação pela "incapacidade" e "falta de vontade" do governo dos Estados Unidos em ser mais agressivo e eficaz nas suas pressões sobre Portugal".

O encontro deu-se numa altura em que a FRELIMO estava também a atravessar uma grave crise interna e, segundo intervenientes, Mondlane estava "tenso e preocupado" devido a isso.

O encontro de Nairobi "marcou o fim do contacto oficial dos Estados Unidos com os nacionalistas que estavam a lutar pela independência de Moçambique e também o fim de uma relação estreita".

Mondlane foi assassinado alguns meses depois, em Fevereiro de 1969, num acto que o livro culpa, sem dar pormenores, a polícia secreta portuguesa PIDE em associação "com dissidentes dentro da FRELIMO".

O livro confirma, por outro lado, que o dirigente nacionalista angolano Holden Roberto recebeu durante muitos anos financiamento por parte da CIA. Esse financiamento começou em 1961 quando Holden Roberto começou a receber 6.000 dólares anuais, o que "foi, posteriormente, aumentado para 10 mil dólares/ano". Em Julho de 1974, quando a guerra civil em Angola se avizinhava, o financiamento foi aumentado para 25.000 dólares.

No início de 1975 foi aprovada uma doação de 300 mil dólares a Holden Roberto, mas o encontro de alto nível que aprovou essa doação recusou uma outra proposta para doar 100 mil dólares "para se abrir uma janela a Jonas Savimbi" que, ironicamente, viria mais tarde a ser o principal aliado dos Estados Unidos em Angola.

Fonte: Lusa, 28/10/2004


06 agosto 2013

LANÇAMENTO DO LIVRO “ENTRE AS MEMÓRIAS SILENCIADAS”: UMA AMÁLGAMA DE CELEBRAÇÕES AO RITMO DA NARRATIVA UNGULANIANA

Fotografia de Ungulani Ba Khosa (sentado) no acto do lançamento no novo livro

O LANAÇAMENTO do livro “Entre as memórias silenciadas” foi um pretexto para o escritor Ungulani Ba Khosa juntar no mesmo espaço vários amigos e confrades, políticos e académicos. Amantes das artes e das letras. Boémios. Alguns dos quais já reformados.

Um acto com vários significados, pois no mesmo dia, 1 de Agosto, o autor completava 56 anos de idade, e escolheu um local – o Museu da História Natural – que este ano também assinala cem anos de sua criação. O lançamento da obra sublinha também a passagem dos 25 anos de carreira literária de Ungulani.
E tudo foi feito ao som da guitarra e voz do músico Roberto Chitsondzo, que emprestou alguns dos seus temas compostos à base dos contos da obra “Orgia dos Loucos”, um dos mais emblemáticos do escritor.
Neste romance o escritor nos oferece uma viagem ao mundo da primeira república, tendo a revolução como pano de fundo.
Mas também um livro de cujo “parto” Ungulani se queixa de ter sido bastante difícil. Até porque já estava quase abandonado.
E o escritor se explica: “Este livro é fruto de um incontornável impulso de consciência. Tive, em 2002, uma primeira tentativa, inteiramente fracassada, de abordagem ao tema. De lá para cá, os personagens foram perseguindo-me, exigindo, uma nova abordagem, uma outra entrega. E recusava-me a tal empreitada. Estava então em São Tomé, buscando dados sobre as mulheres de Ngungunhane, quando o tema se impôs e passou para o plano secundário as vozes de Namatuco, Fussi, Patchina, Muzamussi, Maxaxa, Uessipe e Dabondi, mulheres do imperador; e Pambone, Óxaca e Debeza, mulheres de Zilhalha. As mulheres do imperador, livro anunciado aos amigos, foi postergado ao segundo plano”.
Sublinha que, “para alguns, estas Memórias serão o avivar de páginas recentes e tristes da nossa história. Para outros, uma simples efabulação.
Mais do que retratar as pequenas e grandes misérias da primeira república, Ungulani afirma que o livro revela os desencontros de uma geração que já não se exalta com os feitos de uma revolução que não consegue renovar o seu discurso.
“Na verdade, a secura de António, em não aceitar outros paradigmas, outros discursos, tem a ver com a sua profunda solidão. Ao negar os pais, que retornaram às lusas terras, por questões meramente ideológicas, António perdeu o seu chão. No fundo, António, ante o eminente descalabro da revolução, teme em tornar-se, de novo, órfão, desse adoptivo pai que era a revolução em farrapos”, explica, avançando, por outro lado, que, os gémeos do romance, colocados em zonas totalmente distintas, não se reviam na sociedade em construção. Ao se oporem a certas práticas, não recusavam a Nação, queriam outras portas e janelas para o grande edifício da pátria.
Na sua visão, a cultura, que é o berço de toda a criação social, não teve a valorização necessária para a construção do Homem novo. Por isso não indigna que sem o tecido cultural este Homem facilmente se tenha tornado num sonâmbulo.
E é ele que outra vez nos diz: “A todos, grandes e pequenos senhores da nação, faltou-lhes o grande chão da cultura, o cimento que faz respeitar as instituições e admirar os mitos de uma nação. Foi-lhes cortado, à nascença do país, o encontro com o seu passado, o convívio com as práticas antigas. Eles andavam à deriva. Esse é o drama das personagens. Jovens que eram, não conseguiam descortinar que o grande laço da moçambicanidade está para além da política, do discurso único, de pertencer a esta ou oura cor política”.
Ele outra vez volta a clamar e fala do conceito da lacto do ser moçambicano, da moçambicanidade e que, na sua visão, está para lá dos detalhes marginais e fúteis, pois, segundo ele, a moçambicanidade está em aceitarmos a nossa condição de branco, preto, indiano, mulato, china, changana, nyungué, macua, chuabo, maconde, nyanja, e tudo o que nos diferencia e une neste vasto território.
Na sua viagem, Ungulani recorda a cultura oriental que, tendo marcado profundamente os laços moçambicanos, hoje tende a apagar-se entre nós. Os sabores e saberes orientais estão cada vez mais distantes, os seus incensos continuam a queimar, mas já ninguém os sente.
“Olhando de viés para a narrativa, ocorre-me a não integração duma componente importante desta nossa diversidade: os sabores do oriente. Sinto que essa componente se arredou da história. E de facto, ao tempo, esse grupo que trouxe cores e aromas e sabores, fechou-se na sua concha bivalve. Os sabores que emprestavam nos bairros de Chamanculo, com os seus achares, nas palafitas da Catembe, com os frutos do mar, foram-se tornando uma raridade. A sociologia deste tempo explicará as razões do afastamento desta secular comunidade ao nosso convívio”.
E os personagens do “Entre as memórias silenciadas”, como reagem? Eis que do escritor vem a resposta vem: “Os meus personagens estão presos a um tempo histórico que pouco lhes permite descortinar outros espaços que não a política. Eles não sabem que o que lhes liberta é a cultura. É por isso que Pedro que terá que fazer a grande viagem aos tempos da sua ancestralidade. É isso que Ngodo lhe pede: “O Mutsitso Final. António ficar-se-á pela amargura, pelo desencanto.
Olhando agora para o livro, diria que os personagens pedem uma outra viagem. Uma viagem a estes tempos de também recusa ao grande denominador da nossa existência: a cultura. Mas não é tarefa da minha lavra, porque as mulheres do Ngungunhane pedem o seu regresso a Moçambique”.
Nataniel Ngomane: uma provocação

O académico moçambicano Nataniel Ngomane ateve-se a três aspectos do livro de Ungulani para, segundo ele mesmo disse, tentar estimular curiosidades, instigar à leitura e fazer algumas provocações. E estas são o título da obra, imagem da capa e a nota do autor. Eis, então:
Entre as memórias silenciadas. A palavra “entre”, segundo alguns dicionários, significa “no meio de”, “no intervalo de”, “no número de”, “dentro de”. Olhando atentamente para esses significados, lembrando que olhar, além de “fitar os olhos em”, também significa “observar”, “notar” – entre outros - , percebe-se que as expressões “no meio de”, “no intervalo de” e “dentro de” são bastante próximas entre elas, ao sugerirem a localização de alguma coisa, um fenómeno, inserida(o) num determinado domínio ou universo de coisas ou coisa. Parece a explicação mais óbvia dessa palavrinha que nos empurra para, entre outras questões possíveis, as seguintes: “o que será que Ungulani Ba Ka Khosa inseriu n’ “as memórias silenciadas”? E que memórias são essas? Ainda por cima, silenciadas!? (Silenciadas é uma palavra forte!) Muita coisa, por certo, quando consideradas as 226 páginas que totalizam o livro.
A imagem da capa: Rostos anónimos com olhares desconfiados, alguns; olhares sombrios, tristes, outros; olhares cheios de ódio e certa raiva contida, outros ainda. Mas também olhares submissos, cabisbaixos. Pela mancha verde que se destaca entre esses multifacetados rostos, junto com árvores gigantescas, parece que esses rostos se erguem de uma densa floresta. Erguem-se? Ou habitam? Haverá bichos, nessa floresta? Mas também se nota que nos separa desses rostos uma vedação de arame farpado. Arame farpado…lembram-se? E um garboso soldado de camuflado, nome que se dá a um tipo de vestimenta militar, em posição de sentinela. E outra pergunta se levanta: “o que será que Ungulani inseriu neste seu livro, com essas imagens tão…tão...? e o título aponta para “memórias silenciadas”? Esta expressão é forte: memórias silenciadas!
Nota do autor: Cito: “O que encanta nas noites africanas são os pirilampos, animais de brilho intermitente, descontínuo, fugaz. Por entre as árvores deslustradas, eles adquirem a plenitude do brilho por segundos. A luz ténue dá outra cor à savana. São momentos fascinantes as noites, segundos que ficam nas retinas da memória. Depois, ao de súbito, vem a escuridão, as trevas. Momentos de incerteza, de receio. E de repente a luz, a vida. Inconstância. O viver intermitente entre a graça e a aflição.
Quantos de nós não assistimos, apavorados, ao acender e apagar de luzes das nossas independências?”
Está feita a provocação. Agora, reajam!
  • Francisco Manjate

In: Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 7 de Agosto de 2013:: 

02 agosto 2013

O MOMENTO FUNDACIONAL DA FRELIMO EM ACCRA



A linha oficial da Frelimo desde sempre foi a seguinte: “A Frelimo foi fundada em Dar-es-Salaam, Tanzânia, em 25 de Junho de 1962.”
A partir da sua casa aqui na internet, Fernando Gil ontem deu mais um passo no sentido de esclarecer um pequeno detalhe relativo à história da organização que mais tarde combateu e recebeu o poder em Moçambique das autoridades coloniais.
Das figuras presentes na fotografia, apenas Marcelino dos Santos participou na fundação da FRELIMO em ACCRA

Segundo o testemunho do Sr. Dr. Jaime Maurício Khamba, que mais tarde consubstancia apresentando o documento fundacional que se reproduz em baixo, e de cujo original não sei bem quem tem posse, a Frente de Libertação de Moçambique terá sido, na génese, criada por moçambicanos de quem quase ninguém ouviu falar, na cidade de Accra, no Ghana, no dia 2 de Fevereiro de 1962.
Documento fundacional da FRELIMO em Accra com a respectiva data de 2/02/1962 


Quatro meses e meio antes e do outro lado de África em relação à Tânzania.
Alguém sabe quem foram os Srs. Mateus Michinji Mole, Lourenço Milinga, Hlomulo Chitofo Gwambe e Calvino Zeque Mahayeye?
Pois é. Muito poucos.
Para que conste.
A confirmar-se, louros para Fernando Gil e o Dr. Khamba, que ajudou assim a desvendar a história mais mal contada da história recente de Moçambique.

Do Reino ao Sul, João Cabrita pondera diferentemente e, com sua autorização, que agradeço reconhecidamente, reproduzo o seu comentário, que também foi encaminhado para o Sr. Fernando Gil:
Mateus Mmole e Lourenço Milinga eram dirigentes da MANU.
Hlomulo Chitofo Gwambe (mais conhecido por Adelino Gwambe) era o presidente da Udenamo. Calvino Mahayeye era membro deste movimento.
Uma leitura atenta do documento reproduzido hoje [...] deixa transparecer que a 2 de Fevereiro de 1962 houve o desejo dos moçambicanos filiados na UDENAMO e na MANU de formar a Frente de Libertação de Moçambique. Entre o desejo de se formar uma frente e a decisão de se criar essa mesma frente vai uma certa distância, de meses neste caso.
Efectivamente, o anúncio formal da criação da Frelimo foi feito em Acra (para grande irritação do governo do Tanganyika), mas em Junho de 1962, durante a African Freedom Fighters Conference, segundo o depoimento que obtive de Fanuel Mahluza, vice-presidente da Udenamo, e que ele próprio reitera no manuscrito que me entregou para publicação antes de morrer.
O título de capa do “Evening News”, diário publicado em Acra, de 6 de Junho de 1962, pp 1 e 2, é suficientemente elucidativo: “Mozambique parties answer Osagyefo’s close ranks call”.
Antes da partida das delegações da Udenamo e da MANU para Acra, estes dois movimentos estiveram reunidos em Dar es Salam sob os auspícios do governo tanzaniano (Tanganyika) tendo “finalmente decidido unir todas as forças patrióticas de Moçambique por meio da formação de uma frente comum”, segundo reza uma declaração emitida em Dar es Salam a 25 de Maio de 1962.
Segundo me relatou Mahluza, foi Marcelino dos Santos quem deu o nome à Frente de Libertação de Moçambique. Mahluza escolheu o acrónimo, Frelimo.
[...]
De facto, a ideia de se unir os dois movimentos surgiu em Dar es Salam face à política do governo tanzaniano em favorecer mais a MANU (essencialmente maconde e com fortes raízes no Tanganyika e que até advogava uma grande região maconde independente, integrada neste país) do que a Udenamo, por este movimento estar mais identificado com o Gana de Nkrumah, rival de Nyerere em questões nacionalistas. (A África Austral era como que zona exclusiva do Nyerere e que chocava com o pan-africanismo de Nkrumah). 
O Marcelino dos Santos apoiava a ideia da unificação, pois sem ela não era possível funcionar a partir do território tanzaniano. Portanto, da fotografia que reproduziu no seu blog [ver em cima] o Marcelino era o único da Frelimo à altura da independência que participou nesse processo. O Chissano estava em Paris, o Machel ainda não havia chegado (saiu de LM em Março de 1963).

In: http://delagoabayword.wordpress.com/category/historia-mocambique/fundacao-da-frelimo/


Nota do blog: Leia o relatório sobre a fundação da FRELIMO bastando clicar em http://macua.blogs.com/files/frelimo_fundacao_relatorio.pdf



Para mais informações sobre os documentos da FRELIMO consulte o site da biblioteca digital da University of Southern California. E só clicar: