AMEAÇA À PAZ DE IMPROVÁVEL MATERIALIZAÇÃO
Pesquisa
e análise
1
. As autoridades moçambicanas, em geral,
adoptaram uma atitude cautelosa na “gestão” da situação criada
pela decisão do líder da Renamo, Afonso Dhlakama de
reactivar na Gorongosa, Sofala, meados de Out (AM
703), uma das mais simbólicas bases do movimento, enquanto força de guerrilha,
para a qual o próprio se transferiu.
A
prudência das autoridades, que supostamente também compreende discretas
iniciativas destinadas a demover A Dhlakama do seu propalado propósito de
reabrir a antiga base e se fixar na mesma, é remetida para 2 factores
em especial:
-
Não dar azo a uma deterioração da situação – o que poderia acontecer por efeito
de acções tendentes a exacerbar correntes internas mais radicais da própria
Renamo, capazes de se sobrepor a A Dhlakama
-
Preservar a boa imagem de Moçambique no plano da estabilidade
interna, social e política – e por via disso garantir apoios e simpatias
externas fundamentais.
A
decisão de A Dhlakama, vista como uma ameaça à paz, constituiu uma escalada nas
manifestações de protesto que o mesmo vem fazendo nos últimos anos contra
alegadas iniquidades/desigualdades com que a Renamo tem sido
tratada pelo regime da Frelimo na aplicação do AGP de 1992 e
também como partido da oposição.
A
prudência das autoridades (silêncio, é o principal afloramento), também é
devida ao facto de o líder da Renamo ter granjeado, interna e
externamente, a reputação de parceiro cooperante e fiável da Frelimo no
processo de paz e de ter razão nas suas críticas a aspectos da realidade
política que considera lesivos do seu partido. Acusações sistemáticas daRenamo segundo
as quais o Estado está partidarizado pela Frelimo e a riqueza
concentrada numa elite político-económica do “establishment”, são
amplamente partilhadas em meios internos e externos. A lei eleitoral, cuja
revisão A Dhlakama veemente reclama, também é considerada desequilibrada. Uma
crise séria entre o Governo e a Renamotambém seria particularmente
danosa para o Presidente Armando Emílio Guebuza (AEG), que
reforçou os seus poderes (AM 699) no recente congresso da Frelimo.
A Dhlakama diz em público que manteve com o ex-Presidente, Joaquim
Chissano, um diálogo mais salutar do que com AEG. 2 . A
atitude de A Dhlakama, que o próprio e outros dirigentes daRenamo têm
até agora enfaticamente desligado de qualquer intenção de retorno à guerra, tem
sido objecto de apreciações consideradas benevolentes da parte de
personalidades e meios próximos da Frelimo, que,
simultaneamente sugerem sensatez ao regime. O fenómeno é aparentemente impelido
pela ideia generalizada de que a Renamo e A Dhlakama têm sido
objecto de tratamento considerado parcial e discriminatório por parte da
Frelimo e do regime – em desarmonia com aquilo que o senso comum julga ter sido
ter sido a sua contribuição positiva para o processo de paz. Lourenço
do Rosário, reitor da Universidade Politécnica, presentemente
considerado “afecto” ao regime (antes passava por ser um
intelectual politicamente independente), foi uma das personalidades que denotou
(entrevista ao Savana), compreensão face à atitude de A Dhlakama
(apesar de parcialmente emendada a posteriori). Salomão
Moyana e Tomás Vieira Mário, analistas da STV,
ambos igualmente conotados com o regime, fizeram apelos a favor de um “tratamento
condigno”para A Dhlakama e seus seguidores, como parceiros para a
manutenção da paz, reconhecendo haver o risco de“extremistas militares da
Renamo se sobreporem” ao líder. Entre as discriminações de que a Renamo se
considera vítima (em comparação com a Frelimo, ambas como parte do
AGP), a mais concludente é a da assistência prestada aos desmobilizados das FADM erguidas
na esteira do acordo. Os efectivos oriundos da Renamo estão ao
abandono, alguns dos quais em situação considerada deplorável. 3.
Entre os predicados que A Dhlakama revelou como parceiro do regime no processo
de paz e reconciliação, considerando-se que deve por isso ser cativado e não
marginalizado, é valorizada a sua moderação e equilíbrio, bem como o facto de,
apesar de cíclicos episódios de contestação interna, manter intacta a sua aura
de líder. O prestígio e a autoridade que A Dhlakama é particularmente notório
entre os antigos comandantes militares da Renamo, muitos dos quais
são mais contundentes na apreciação que fazem da situação em que se encontram e
menos propensos a uma convivência com a Frelimo – motivo de
veladas críticas a A Dhlakama. 4 . Sãoverificadas informações
no sentido de um reforço militar e policial governamental no Inchope, a
meio caminho do local onde se supõe que A Dhlakama se tenha internado com os
seus apaniguados, embora haja indicações de que o núcleo inicial já se
desdobrou para outras zonas.
O
séquito inicial de A Dhlakama, ca 800 h, já se terá elevado para 3.000
h; muitos passaram a envergar uniformes novos e todos estão ocupados com
treino/apuro militar. O “pressentimento” de uma aventura
militar próxima exerce atracção em vastos meios descritos como política e
socialmente “descontentes” da população.
Nos
últimos dias missões militares de Moçambique e do Zimbabué trocaram
visitas mútuas. O T/Gen Valerio Sibanda, comandante do Exército do
Zimbabué, esteve na última semana em Moçambique. Imediatamente antes, o
comandante do Exército de Moçambique, M/Gen Eugénio Mussa, tinha
estado no Zimbabué.
Apesar
de se tratar de visitas marcadas antes da manifestação da crise actual e de se
situarem no campo da cooperação bilateral, que contempla áreas sensíveis como a
troca de informações e realização de exercícios conjuntos, ocorreram em
momentos em que o assunto terá concitado atenções dominantes.
É
improvável, porém, que uma deterioração da actual crise ou o seu arrastamento,
venham a levar o Governo a recorrer à força para “restabelecer a
soberania” na zona “usurpada”. As movimentações em curso,
incluindo rumores como o concurso de especialistas sul-africanos, parecem fazer
parte de uma manobra de persuasão activa.
À
atitude da Renamo é aplicado um princípio equivalente. Por
falta de condições gerais, militares e outras, não tem planos para se lançar
numa aventura militar – que também sacrificaria o seu capital político. A
ilação corrente é a de que agita tal cenário como um instrumento superior de
pressão sobre o regime.
AFRICA MONITOR –
3O.10.2012