O TRATAMENTO DA
INFORMAÇÃO SOBRE ÁFRICA PELOS MEDIA
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Mapa atualizado de África (2012) |
No
tratamento da informação sobre África pelos media tende a predominar uma visão
de ’história única‘, de que nos fala a nigeriana Chimamanda Adichie. A 3ª
edição do Observatório de África e da América Latina, organizada em colaboração
com a ACEP, procurou ser um espaço de uma multiplicidade de histórias,
questionando velhos estereótipos, pondo em contacto diferentes abordagens e
novos projetos: sinais de relacionamentos novos?
Richard
Kapuscinski: “em campo e no terreno”, por António Pinto Ribeiro
Richard Kapuscinski, jornalista polaco, foi
pioneiro na tentativa de produzir outra informação sobre os países africanos. A
partir de 1957, começou a viajar para África utilizando percursos e rotas pouco
oficiais e, durante 40 anos, escreveu dezenas de textos sobre as pessoas, os
países, a flora, a fauna, as guerras, os militares, as fronteiras… e acompanhou
a evolução de muitos destes países na solidificação das suas independências e
das múltiplas deceções que as mesmas também geraram para muitos povos. Fê-lo,
às vezes, com enorme fantasia, como recentemente a sua biografia veio confirmar
e, contudo, a sua produção textual não deixa de ser ambivalente. Por um lado é
um jornalista ‘em campo’, um jornalista ‘no terreno’ e, por isso ou apesar
disso, o seu legado é também o de um olhar europeu a descrever um continente a
arruinar-se no final do século passado. Mas uma frase como «Acima de tudo salta
à vista a luminosidade. Luz por toda a parte. Claridade por toda a parte. Sol
por toda a parte», com que inicia a sua obra Ébano, é um modo único de
afirmar África.
A ilusão
da África conhecida, por Elísio Macamo
A ideia será sugerir que a imagem de
África, que é veiculada pelos meios de comunicação de massas, mas também por
uma boa parte da comunidade académica e da ’indústria do desenvolvimento‘, tem
todos os traços de uma ilusão. A veracidade do que se diz sobre África assenta
mais na plausibilidade (que se alimenta do senso comum, estereótipos e
argumentos de autoridade não verificados) do que num conhecimento factual
sólido. É fácil, por exemplo, obter a aprovação duma afirmação que explica o
insucesso de um projeto de desenvolvimento com recurso à corrupção (porque toda
a gente sabe que em África há muita corrupção) do que suscitar o interesse na
discussão dos limites dessa ’explicação‘. O meu interesse por esta temática vem
da constatação das limitações metodológicas da pesquisa em estudos africanos
que, nos últimos anos, tem dependido muito da plausibilidade.
África não
é um país, por Lola Huete Machado
A
África é um chavão nos órgãos de comunicação e entre a população em geral. O
leitor médio procura estereótipos. E nós oferecemos-lhos de mão beijada. O
continente africano, o nosso vizinho, é um lugar imaginário onde só colocamos
catástrofes, pobreza, ditadores sádicos, homens obscuros que chegam em frágeis
embarcações à nossa costa para nos roubar, mulheres exóticas e, de vez em
quando, uns músicos cheios de ritmo que põem toda a gente a dançar. A África ou
é um safari ou é uma guerra. Ou nos mete dó e medo ou a ignoramos. Um
reducionismo lamentável, no qual nós, os jornalistas, também temos a nossa
quota-parte – e que o escritor Binyavanga Wainaina evocou no
seu famoso artigo ‘Como escrever sobre África’ – dificilmente
superável nas próximas décadas. Porque, como é óbvio, África é tudo isto e
muito mais.O Ocidente, de modo geral, nunca esteve interessado em tratar de
igual para igual um continente de mil milhões de habitantes que ainda ontem
eram colónia. E, na Europa, continuamos a encará-los e tratá-los dessa forma.
Até agora, além disso, os africanos careciam de meios ou canais de comunicação
de massas que lhes permitissem contar a sua própria história e negar ou matizar
a de outros. Mas as coisas mudaram na última década: a Internet, os telemóveis
e as redes sociais arrasam. As novas tecnologias permitem uma comunicação mais
fácil e rápida, mais horizontal e igualitária. Os africanos querem contar a sua
própria história. Ter voz num mundo global. E lançaram-se a este caminho
apaixonadamente. De repente, a marca África está a mudar de visual.
De que
áfricas nos falam as imagens?, por Fátima Proença
Se «na maneira moderna de saber, tem que
haver imagens para que uma coisa se torne ´real`» (Sontag), o inverso – ou seja
- tudo o que nos chega em imagens pode adquirir automaticamente o
estatuto de ´real`. E por analogia, ou mero senso comum, passa à categoria
de ´verdade`.
Temos,
por adquirido, o direito à informação de qualidade, como elemento indispensável
da relação que estabelecemos com o mundo desconhecido. Esses fragmentos de
´real` e de ´verdade` passam, assim, a fazer parte do que ´sabemos` dos outros
– pessoas, sítios, culturas, países. Neste contexto, a proposta de reflexão
consiste em que o debate sobre a função social dos media - na era do mercado da informação e do
espetáculo das imagens - seja uma outra forma de olhar o debate sobre serviço
público e a cidadania global.
Influências
governamentais e empresariais na produção de notícias em África,
por José Gonçalves
A produção de notícias num grande número de
países africanos permanece marcada pelas regras impostas durante os períodos de
partido único, facto reforçado nos casos de grandes desequilíbrios entre forças
político-sociais. Tais regras não se aplicavam via comissões de censura como em
ditaduras europeias ou latino-americanas, mas pela limitação do número de
órgãos de comunicação social e pela seleção dos jornalistas, segundo critérios
de fidelidade ao poder. As aberturas políticas verificadas, desde a década de
1990, alteraram diversos perfis, permanecendo um clima de pressão em países
onde mencionar corrupção nas ’altas esferas‘ ou apresentar notícias desfavoráveis
a Chefes de Estado, ainda constitui um risco, seja pela intimidação ou ameaça
financeira.O número de casos fora deste contexto, porém alarga-se. Países como
a África do Sul, Namíbia, Senegal, Benim, Ghana, são exemplo de liberdade de
expressão com reflexos diretos na produção de notícias segundo critérios
universalmente aceites.
Outra
componente importante da produção de notícias em África - como em outros
continentes - está relacionada com o grande tema de inserção: política interna,
política internacional, economia ou guerra, quer exista internamente ou em
países vizinhos. O primeiro destes temas é o mais sensível e, o último, dá
lugar a precauções para evitar a acusação de incitamento. No caso do Mali, a
eclosão de guerra introduziu um poderoso elemento de intimidação nos media de todo o país.
Edições
Barzakh, por Sofiane Hadjadj
No
dia-a-dia, o meu trabalho consiste em dar conta do mundo, do real, editando em
Argel ensaios e romances. Num contexto político, económico e social conturbado
– desde a célebre ’Primavera árabe‘ aos diversos conflitos que grassam por
África – onde escasseiam as liberdades. E não deixo nunca de me interrogar
acerca do sentido da minha profissão. Sou constantemente compelido a justificar
os meus atos: qual a utilidade de publicar livros? E que livros? Escrever e
editar constituem para mim duas formas de resistência perante as desordens do
mundo: resistir às proibições, resistir às instrumentalizações, resistir ao
desespero.Mas, em meu entender, a questão essencial é saber que ideias
almejamos promover, que histórias pretendemos contar aqui na Argélia, ou seja
no Norte de África, que pertence ao mundo árabe. Se é não só aquilo que
‘pretendemos’ mas ainda aquilo que ‘podemos’.O pensamento ou a ficção não são
neutrais. As ideias, as histórias, são testemunhos daquilo que somos, daquilo
que vivemos, do nosso imaginário, isto é da nossa capacidade para nos
libertarmos de cangas ideológicas e de nos projetarmos para horizontes
abertos.Atualmente, dadas as recentes reviravoltas, procuro pensar naquelas que
poderiam ser as ‘novas’ ideias, as ‘novas’ narrativas que, de outra maneira,
contariam África, o mundo árabe, distanciando-se tanto quanto possível
dos clichés sobre o terrorismo, a pobreza ou as
mulheres; estando nós no cruzamento de tantas influências (Mediterrâneo, Saara,
Europa, Islão…), como será possível inventar novos sonhos.
AtWork,
por Katia Anguelova
O incipit do AtWork é a expressão da vontade, por
parte da fundação sem fins lucrativos lettera27, de criar um projeto sobre
África que reflita a nossa relação, quer com o território, quer com o Outro, ao
abrir espaços de pensamento que contribuam para a evocação de uma diferente
imagética daquele continente. Não existindo aqui uma lógica centralizada, mas
sim uma série de micrológicas, cujo conjunto constitui o seu tecido social, as
atividades promovidas pelo AtWork obedecem a uma trajetória semelhante.
Partindo de um conjunto de art notebooks,
vários artistas criam obras de arte únicas em cadernos Moleskine. O projeto
AtWork visa desenvolver-se em diferentes capítulos escritos no continente
africano, seguindo uma experiência in vivo que
evolui segundo o narrador e que a cada instante se constrói sobre os objetivos
já alcançados. Trata-se de um processo em permanente mutação, moldado pelas
experiências das pessoas que o escrevem, e que resulta num instrumento que não
tem por intenção a definição de uma história, mas a de propor sistemas
dinâmicos de interação com o público.