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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

06 novembro 2012

LIVRO “ESTÓRIAS DE ESPIRITUALIDADE”, DE ALDINO MUIANGA: ESTÓRIAS DA NOSSA ESPIRITUALIDADE OU AS ESTÓRIAS QUE SE QUEREM PRESENTES


LIVRO “ESTÓRIAS DE ESPIRITUALIDADE”, DE ALDINO MUIANGA: ESTÓRIAS DA NOSSA ESPIRITUALIDADE OU AS ESTÓRIAS QUE SE QUEREM PRESENTES

Capa do novo livro de Aldino Muianga

Aldino Muianga, autor já incensado pela crítica mais rigorosa, aplaudido pela geração de escritores de que este prefaciador é parte e pregoeiro da limpidez dos seus textos, dispensa apresentações.

O seu nome é capital suficiente para se atestar a elegância das frases, a sonoridade dos parágrafos e, o que é profundo e lapidar, encontrar valores que resumam de histórias enraizadas num passado sem cidadania nestes tempos de construção de identidades sobre palafitas, longe do som das maracas nas pernas em delírio dos dançarinos macondes, do inconfundível coro das trombetas de cabaças dos tocadores nyanjas, das espantosas vibrações das palhetas de metal das mbiras, kalimbas ou njari, lamelofones largamente espalhados pela zona central dos país, dos cantares islamizados das mulheres macuas, ou do coro de flautas, chamadas chimvekas, dos jovens chopes. Em Aldino, e particularmente nestas estórias da nossa espiritualidade, encontramos esse secular lastro de vozes e cantares, de mitos e lendas, que em metamorfoses contínuas vão ocupando o periférico espaço das cidades dominadas por valores de outras racionalidades.
Os arrabaldes de Lourenço Marques, ontem, Maputo, hoje, são os cenários privilegiados das histórias de Aldino. Nado e crescido no bairro indígena da Munhuana, o autor é, ao lado de outros notáveis escritores de vivência suburbana, como Marcelo Panguana e Juvenal Bucuane e, mais distante, a roçar o campo, o Suleimane Cassamo, o grande paladino de temáticas da tradição em alteridade, de encontros conflituantes, de um modo de ser característico dos subúrbios. Mundo de histórias fantásticas, de enredos maravi-lhosos, os subúrbios de ontem são os intermináveis filões de estórias do Aldino, os alfobres de que não dispensa o interior da sua casa espiritual, pois a elas se socorre insistentemente, ora carregado de angústias, ora querendo deleitar-se, encantando-nos com as histórias que perduram ao tempo.
Nesta colectânea, Mitos – estórias da nossa espiritualidade, Aldino Muianga, médico de formação, resolveu trazer ao de cima o confronto entre a racionalidade materializada nos compêndios da medicina de que o autor/narrador é praticante e as fantásticas estórias que remontam da infância, num enredo em crescendo de conflitualidade, de exasperação: A Gina com Jota. Texto curto, aparentemente vulgar pela tecla já usada, a de contar a história de uma paixão da adolescência, aqui expressa, como era prática, numa carta sofrida: Minha querida e amada Jina/ O meu coração ficou em pedaços, quando ti descobri amor. O senhor é o senhor e só ele é que sabe e vê o meu sofrimento por você, amor. Quando passas pela rua ti vejo e sento o meu coração a bater. Os meus olhos ti vem e gostam de ti ver passar, mesmo assim quando já passaste fico com muitas dores de saudade. Mas o texto, tal como ciclone Claude que se abateu sobre a cidade de Lourenço Marques, nos finais de Dezembro de 65 e princípios de 66, muda completamente, ganha contornos inesperados, densidade imprevista.
O ciclone afasta famílias, aloja e desaloja, dispersa amigos e amores. O narrador da estória A Gina com Jota torna-se médico, aspira os ares da revolução, vive os primeiros anos da independência na nortenha província do Niassa e, de forma inesperada e sem pedir licença, aparece na consulta a Jina da adolescência, agora mulher marcada pelo sofrimento. A estória ganha outros ângulos no médico narrador. A Jina existe, esteve na consulta, o médico encaminhou-a à enfermaria; mas na pauta dos doentes consultados e internados, a Jina nunca existiu:Ontem não tivemos nenhuma  paciente com esse nome, nem me recordo de ter acompanhado alguém às  enfermarias.
É o ponto da história. O nó entre culturas, saberes que se cruzam, do cá e do além, tal como no Diálogo à beira da sepultura, onde o personagem, com flores murchas, pobres e baratas, rejeição das próprias sobras das vendas do negociante, se posta diante de uma campa, tendo, em redor, como cenário, a atroz paisagem de sepulturas em ruínas, mausoléus decadentes, desmoronados abrigos de almas, casas de foragidos, e aqui e ali, sofridos penitentes vergando as costas e dando punhadas no chão em orações. Nas lápides os epitáfios são desafios gramático-poéticos esculpidos no mármore, mensagens gravadas com tintas de lágrimas cristalinas. O personagem, neste cemitério de vivos e mortos, está em diálogo com um defunto que presume ser o pai, mas que no fim da curta e intensa história, apercebe-se que não se tratava do pai e, a consolar-se, diz para si: prestar tributo a um defunto é o mesmo que prestá-lo a outros. Mas uma voz, à saída, se fez ouvir.
Ao ler estas estórias que Aldino as confeccionou com ingredientes que só ele sabe dosear, senti-me em casa. Fui tocado pela curiosidade, pois longe estava eu de pensar na galinha como personagem de referência no mundo efabulatório, na Fala das Galinhas; e o requinte de malvadez que a Casa das Mambas faz emergir? E a triste estória do jovem que transpôs o afamado mundo dos prostíbulos da cidade de Lourenço Marques, em Uma Visita ao Prostíbulo? E a honra na Dama da Honor? E a velha sage Khissane que atraía à sua cabana A cabra do Soba com vagens partidas de matsimbe, cujo feijão emite essências que são um chamariz para determinados herbívoros?
Enfim, ler estas estórias é ir de encontro aos referenciais que o tempo presente tende a esbater, mais por nossa própria culpa, pois ao erguermos as nossas balizas não nos preocupamos com o material que compõe os postes dos nossos limites. É provável que a Alma Peregrina diga respeito a todos nós, desatentos ao mundo aos nossos pés, como a Selane, «sentenciada a regressar à terra para espiar o castigo pelas minhas faltas. (…) Sem morada ou piedade de alguém caridoso, eu espírito de Selane, vagueei por muitos caminhos, atravessei rios e florestas, colhi abrigo na serração dos matos, acoitei-me nas concavidades das rochas, em busca do meu eu verdadeiro, da reconciliação comigo mesma e com os meus defuntos. Sou uma alma penada, uma vagabunda à procura de um caminho para uma eternidade tranquila.»
Estou em crer que Aldino Muianga, nestas estórias da nossa espiritualidade, mais do que em outras obras suas de valor inquestionável, diga-se, encontrou-se com o seu mundo, não para exorcizá-lo, mas para o trazer à perenidade das letras de modo a que todos o partilhem sem espartilhos de qualquer espécie.
Leiam o livro com prazer, encontrem-se nos textos, e reergam as vossas próprias estórias.
  • Ungulani Ba Ka Khosa

Maputo, Quarta-Feira, 7 de Novembro de 2012:: Notícias


ANA: A DIVA DE FANY PFUMU QUE AINDA VIVE


ANA: A DIVA DE FANY PFUMU QUE AINDA VIVE
Ana ladeada por Luis Loforte, a direita e Edmundo Galiza Matos, a esquerda

Estamos em finais dos anos 40 do século XX. O Jive e o boogie-woogie são as novas designações para o blues, um blues que, no lugar do lamento, melancolia e resignação que até aí o caracterizavam, acabava de enveredar pelo ritmo, dança e folia.
Entretanto, a União Sul-Africana proclama o Apartheid, opondo não só politicamente negros e brancos, como também traçando caminhos de cultura divergentes entre eles. Enquanto a classe dominante se fechava no seu folclore para desenvolver uma base política e cultural segregacionista, a maioria negra absorve, em doses maciças, os ritmos provenientes de outros desafortunados, os afro-americanos levados à força para o chamado novo mundo, a América do Norte. Os inóspitos bairros negros de Joanesburgo são pequenos reflexos de Chicago e Menfis. Estavam assim criadas as condições para o nascimento de novos sons na África Austral, tendo como epicentro a África do Sul. E a síntese do jive, boogie-woogie e as múltiplas manifestações musicais de toda uma região resultou naquilo que rapidamente exigiu uma designação autónoma. E teve-a: kwela!
Kwela que significa sobe, sobe para o carro celular da polícia sul-africana depois da captura dos recalcitrantes nos bares clandestinos, os shibines, nostownships das dark cities, as cidades sem luz reservadas a negros na grande metrópole de Joanesburgo.
Qual bola de neve, o kwela induziu outras sínteses, não só na África do Sul, como também nos territórios compondo a África Austral. Aliás, não falta quem diga que o kwela, propriamente dito, terá tido a sua origem no Malawi, ou entre malawianos nas minas do rand. Mas isso, agora, pouco importa, realçando-se apenas o facto de toda a região se ter deixado enredar pela dinâmica do kwela.
As bandas do novo estilo nasciam como que cogumelos depois da chuva, a maior parte das quais com designações à imagem das jag bands de Menfis:The four yanksAfrican Jazz PioneersHotshotsOrlando Six, Jazz Danzzlers,The King Kong Cast. E os títulos dos temas musicais não podiam ser mais sugestivos: jive township USA special (iú ess ei spechial), kwela blues.

OS PRIMÓRDIOS

kwela começou por ser uma música de rua e tendo como instrumento principal a flauta, daí a designação, em inglês, de pennywhistle song.Perguntarão porquê a flauta em vez de outros instrumentos? O que sabemos é que terá sido a flauta pela simples razão de que é um instrumento barato, portátil e susceptível de ser tocado a solo ou por um conjunto de executantes. E talvez também porque a flauta pode ser fabricada com relativa facilidade e usando materiais rústicos, como o prova o facto de qualquer pastor de gado a possuir. Mas a flauta transportava consigo algum simbolismo para o homem negro sul-africano. Serviu igualmente para avisar o aproximar das forças policiais repressivas, fosse para fugir ou mesmo para se desfazer de qualquer objecto proibido, como a navalha. Mas o kwela não se ficou apenas pela flauta e pelo seu parente mais próximo, a harmónica, assim como também se não confinou nas fronteiras sul-africanas. Internacionalizou-se e estendeu-se aos mais variados instrumentos musicais, como as violas eléctricas e, principalmente, o saxofone, o trompete, trombone e mesmo o clarinete. Curiosamente, por estas alturas o kwela já incorporara outras componentes musicais que, por desejo de autonomia, ou talvez até por estratégias publicitárias, exigiram designações diferenciadas. É assim que surgiram obump, o bump jivebhaqanga, entre várias outras. Em todas elas, porém, reconhece-se facilmente que o kwela está sempre presente, sendo até elemento dominante. Afinal, tudo quanto é ainda hoje a estrutura musical da África do Sul.

A MARRABENTA E FANY PFUMU
Fany Pfumo em palco


Dissemos logo a abrir este texto que toda a região da África Austral se deixou enredar pela dinâmica do kwela. E que o kwela, por sua vez, se solidificara a partir de uma conhecida ramificação do blues, o jive. Só que ficar-se pela afirmação de que o kwela evoluiu do jive pode ser redutor, uma meia verdade. Em rigor, o kwela surge a partir de um estilo bem mais antigo e criado a partir de uma dança desenvolvida nas minas sul-africanas, a marabi, e que só mais tarde incorporaria o jive, a tal ramificação do blues muito em voga nos 40.
É significativo afirmar que foram as minas do rand que desenvolveram amarabi, uma vez que se mata logo à nascença qualquer veleidade em dizer-se que o kwela ou outros estilos musicais que evoluíram a partir dele são de matriz exclusivamente sul-africana, e até pelo facto de Joanesburgo ter sido e continuar a ser uma convergência de nações vizinhas e, por consequência, de línguas e de culturas. Mas a-propósito do que nos leva a escrever este texto, a  questão que colocamos é como é que a nossa canção, a canção moçambicana, se deixou influenciar pela envolvente kwela?
Foram muitos, alguns dos quais anónimos ou diluídos em bandas sul-africanas, os músicos moçambicanos que se deixaram enredar pelo movimento kwela e seus derivados. Pode servir de exemplo de anonimato voluntário o facto de Alexandre Langa ter evoluído na África do Sul sob o nome de Kid Mnhamana, o tal da famosa canção Asha number two, muito dançada nos 60 e 70 na então Lourenço Marques e na cidade da Beira. Em rigor, e ainda que tenham mais tarde incorporado muitos dos seus elementos, os músicos moçambicanos que evoluíram na África do Sul não foram muito de tocar o kwela propriamente dito, antes preferindo caldeirar os seus próprios ritmos com a marabi. Tudo isto serve de base para dizermos que aquilo a que hoje chamamos de marrabenta, tal como o ritmo kwela e, já agora, amakwayela, evoluíram a partir da marabi. Por isso, contam os que trabalharam nas minas por aqueles anos, dançar marrabenta e makwayela, naquelas circunstâncias, era um factor de identidade e de orgulho. Contam ainda que eram fortemente recriminados os dançarinos que eventualmente deixassem escapar qualquer gesto da dança marabi quando se executassem amarrabenta e a makwayela, o que prova que estas eram danças de auto-afirmação. E quem foram, então, os nomes mais sonantes da marrabenta?
De todos eles, destaque maior terá de ser dado a Alexandre Jafete, Ben Massinga, Francisco Balói, Alfiado Vilanculos, Moniz Nothiço, Francisco Mahecuane e, sobretudo, Fany Pfumu, cuja passagem dos 25 anos da sua morte assinalamos amanhã, dia 8 de Novembro.

FANY PFUMU

No meio familiar, como na maior parte das famílias africanas de então, ele respondia pelo nome que os pais lhe fizeram herdar do seu avô paterno,Mubangu. Foi para Joanesburgo no início da década de 1950 e sob contrato da companhia mineira Village Mine Reef Limited. Por qualquer razão que desconhecemos, alíás que nem ele próprio alguma vez explicou, Mubangu não chegaria a descer às profundezas das minas, embora permanecesse nas instalações da Village Mine. Podemos no entanto especular que a sua extrema juventude, quase a roçar a adolescência, aliada às suas já reveladas habilidades musicais, terão provavelmente contribuído para que lá vivesse para divertir os mineiros ou por cumplicidade com os chefes dos compounds, que o tratavam, carinhosamente, por miúdomufana ou fanhana, o que mais tarde derivaria para Fany, Fany Pfumu, nome pelo qual o mundo da música o trataria até à sua morte, em 3 de Novembro de 1987.
Village Mine, um refúgio, mas também antro de todos os comportamentos contranaturais, aliás expressos numa das mais importantes canções de Fany Pfumu, Avasati valomu Village, claramente uma referência à homossexualidade praticada nos compounds mineiros sul-africanos.
ANA, A DIVA

Depois de abominar a homossexualidade nas minas de ouro sul-africanas, Fany Pfumu compôs-nos temas que falam de mulheres reais, GeorginaLídiaAna. Se de Georgina e Lídia Fany Pfumu fala com saudade dos prazeres vividos, recordando-lhes com enlevo e arroubo as partes pudendas, sobre aAna a coisa parece mudar um pouco de figura. Foi sua primeira companheira, mas o espírito galdério, algo comum, aliás, entre a maior parte dos artistas, fez com que fosse rejeitado, liminarmente. E, conforme testemunho da própria Ana, por causa da Georgina. Conseguimos um depoimento vivo desta Ana que Fany Pfumu perpetuou numa das suas obras musicais mais emblemáticas. A idade, exacerbada por uma trombose que lhe vai mitigando, paulatinamente, as faculdades, não impediu que as palavras, ditas em ronga vernacular, traduzissem todo o sentido do raciocínio. Vive à beira das salinas, na cidade da Matola, em cuja residência entrámos pela mão de um homem muito conhecido naquelas bandas, o Paulo N’Tchembene, nosso amigo de longa data, a quem endereçamos, desde já, os nossos mais sinceros agradecimentos. Encontrámos a Ana sentada e envolta em capulanase  mukumes garridos, expectativa fortemente expressa em feições delicadas, apesar da avançada idade, deixando-nos uma forte convicção de que foi mulher lindíssima.
Diz chamar-se Ana Joaquim N’Kuna. Não se lembra do ano em que conheceu Fany Pfumu, mas identifica-nos as circunstâncias:

- Conheci-o no Umbelúzi, o meu pai trabalhava nos SMAE (Serviços Municipalizados de Água e Electricidade), o pai dele também, é lá onde nos conhecemos.
Tiveram filhos?
Não, Deus assim não quis;
A meio da entrevista, ocorre-nos perguntar que sentimento lhe assalta quando escuta a canção que Fany Pfumu lhe dedicou. A pergunta parece trazer-lhe algum gozo interior, daí o sarcasmo com que nos responde:
 - Até parece que estou a vê-lo!
 À pergunta sobre quais as canções que mais gosta de escutar do reportório de Fany Pfumu, Ana diz que são muitas, mas não deixa de particularizar uma, sem, porém, lhe conhecer o título, optando por nos recitar uma porção do refrão. Depois, a conversa começou a ser fluída, com o Paulo Tchembene a assumir, também, um papel preponderante na entrevista, fazendo jus a sua fluência em ronga.
 Em que circunstâncias começou a gostar de Fany Pfumu?
 - Bem, agora parece-me que a conversa começa a ser séria. Na verdade, tudo começou por uma simples brincadeira. Brincámos, brincámos, e depois um grande amor entrou em nós.
E como é que esse amor acabou se vocês se amavam assim tanto.
Ana recua no tempo e deixa escapar algum sentimento de frustração, de revolta, mesmo:
- Apanhámos o comboio juntos, na Matola-Gare, onde havíamos ido para visitar os avós dele, mas ele depois decidiu abandonar-me, deixando-me sozinha no interior do comboio e atraído por uma rapariga que apareceu na estação...
- Não será a Georgina, a Georgina Nwamba da conhecida canção de Fany Pfumu?
- Era a Georgina Nwamba, sim, soube depois...
Fizemos ver à Ana que também ela não fora suficientemente prudente, ao acreditar que uma pessoa com tantas pretendentes, por causa da fama, se pudesse prender, exclusivamente, a si. Ana recorre a Deus para nos responder:
- Foi Deus que fez com que nos amássemos!
E qual foi, então, a sua reacção quando viu a Georgina arrancar-lhe o companheiro que tanto amava?
- Procurei logo esquecer o que aconteceuDisse para mim que Deus certamente me indicará um outro homem para amar.
Escutando a canção que Fany Pfumu dedica à Ana, facilmente se entende que ele tentou a reconciliação, sem sucesso. É que no-lo confirma:
- Ele tentou a reconciliação, sim, mas eu recusei. Imaginei que ele pudesse vir a fazer coisa ainda pior do que havia feito, abandonando-me, sozinha, na comboio. Clica no link para ouvir as musicas http://www.antoniorita-ferreira.com/pt/para-ouvir
  • Luís Loforte e Edmundo Galiza Matos

Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 7 de Novembro de 2012



05 novembro 2012

UP REALIZA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA


UP REALIZA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA

A UNIVERSIDADE Pedagógica realiza hoje e amanhã (6 e 7 de Novembro de 2012), em Maputo, uma conferência internacional de História subordinada ao tema “Pesquisa e Ensino de História nas Universidades: Passado e Presente”.

O objectivo é partilhar e recolher experiências desenvolvidas no processo de produção e difusão do conhecimento em História, desvendando como esse domínio é corporizado nas práticas investigativa e lectiva em ambientes universitários.

In: Jornal Noticias, 6 de Novembro de 2012

CONGO: REI BRANCO, BORRACHA VERMELHA , PESTE NEGRA


CONGO: REI BRANCO, BORRACHA VERMELHA , PESTE NEGRA

documentário Congo: Rei Branco, Borracha Vermelha , Peste Negra descreve como o rei Leopoldo II da Bélgica transformou o Congo em sua colônia privada entre 1885 e 1908.
Sob seu controle, Congo tornou-se um campo de trabalho “gulag” de brutalidade chocante. Leopold posou como o protetor dos africanos que fugiam dos comerciantes árabes de escravos, mas, na realidade, ele esculpiu um império baseado no terror para extrair borracha.
As famílias foram eram mantidas como reféns, morrendo de fome, caso os homens não conseguissem produzir suficiente borracha selvagem . As mãos das crianças eram cortadas como punição por atrasos nas entregas.
O governo belga tem denunciado este documentário como um "diatribe tendenciosa" por descrever o rei Leopoldo II como o antepassado moral de Adolf Hitler, responsável pela morte de 10 milhões de pessoas em sua exploração voraz do Congo.
No entanto, é consenso hoje que o primeiro movimento de direitos humanos foi estimulado pelo que aconteceu no Congo.
O que os belgas fizeram no Congo foi esquecido por mais de 50 anos. É uma história chocante e surpreendente. De certa forma, é um prelúdio horrível na história da Europa ao Holocausto.
Entre 1870 e 1900, o Congo foi saqueado - era valiosa como uma fonte de borracha. Rei Leopoldo criou sua própria colônia no Congo sobre a qual ele governou de forma desmarcada.
Filme de Peter Bate é uma reconstrução maravilhosamente elaborada desses dias - ele apresenta imagens de aldeias congolesas e explica com atores exatamente o que aconteceu.
É realmente um filme memorável - a penosidade do que é descrito é contrabalançado pela grande habilidade na narrativa.
Assista o documentário completo agora clicando em: http://topdocumentaryfilms.com/congo-white-king-red-rubber-black-death/
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Leia também o livro de Adam Hochschild cujo título é “fantasma do rei Leopoldo” para compreender as brutalidades cometidas pelo Rei Leopoldo II da Bélgica.

NO LIVRO "A CONFISSÃO DA LEOA", MIA COUTO RETRATA O DRAMA DAS MULHERES RURAIS DE MOÇAMBIQUE


NO LIVRO "A CONFISSÃO DA LEOA", MIA COUTO RETRATA O DRAMA DAS MULHERES RURAIS DE MOÇAMBIQUE

Por Letícia Mendes, Do UOL, em São Paulo

A capa do livro "A confissão da Leoa"


O moçambicano Mia Couto está no Brasil para lançar seu 12º livro pela editora Companhia das Letras, “A Confissão da Leoa”. Vencedor do prêmio Vergílio Ferreira em 1999 pelo conjunto de sua obra e, em 2007, do prêmio União Latina de Literaturas Românicas, o escritor escolheu, desta vez, transformar a experiência real que teve durante uma expedição para estudos ambientais em romance. Ao viajar para o norte de Moçambique em 2008, Mia presenciou ataques violentos de leões a pessoas, principalmente mulheres.
Em "A Confissão da Leoa”, após a morte de sua irmã Silência, Mariamar tem suas próprias teorias sobre a origem e a natureza dos ataques das feras. Ao UOL, o escritor conta que quis retratar no livro a condição histórica e social das mulheres rurais de Moçambique. “Há muito que estão sendo devoradas por um sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável submissão”, afirma.
UOL - O que o inspirou a escrever o livro “A Confissão da Leoa” foram mesmo os ataques de leões em Moçambique? Você chegou a presenciar algum desses ataques?

Mia Couto - Sim, foram fatos reais e vividos por mim. Eu estava numa pequena aldeia do litoral norte de Moçambique, quando ainda trabalhava como biólogo, e, certa noite, me chamaram porque havia um homem morto no caminho. Era a primeira vítima dos leões. Nos dias seguintes seguiram-se outros ataques, sempre mortais. E as vítimas eram sempre mulheres. Vinte e cinco mulheres foram devoradas num espaço de quatro meses. A violência dessa experiência marcou-me para sempre. Mas eu quero fazer aqui um aviso sobre o livro: não se trata de um relato que procura verossimilhança, uma história de bichos e caçadas. O que quis foi incorporar uma dessas mulheres e contar a história da sua condição histórica e social. As mulheres rurais de Moçambique há muito que estão sendo devoradas por um sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável submissão.

UOL - Qual a relação de “A Confissão da Leoa” com suas obras anteriores, além de Moçambique como cenário?

Mia Couto - Os livros não pretendem ter relações com outros livros. Querem ser únicos, mesmo que não sejam capazes dessa autonomia. Eu acredito que adotei, nesta obra, um estilo mais liberto da recriação de linguagem. Mantenho a poesia como o meu caminho. Mas pretendo uma fluência narrativa mais solta. Creio que continuo escrevendo sobre aqueles a quem a vida atirou para a margem. No caso de Moçambique as mulheres rurais são vistas como entidades marginais, sem voz, sem outra história senão aquela a quem os homens lhes emprestam

UOL - Como é o seu processo criativo? Como nascem seus personagens?

Mia Couto - De forma caótica, como a própria vida. Eu acho que a criação não é nunca um método, mas uma sintonia, um modo de nos acertarmos com a intimidade dos outros seres. As minhas personagens surgem porque escuto nos outros não a história que eles contam mas aquele que eu imagino que esses relatos ocultam. Talvez seja pretensão minha.

UOL - Qual é a importância das lendas e dos mitos na sua literatura?

Mia Couto - Pode existir a ideia que sendo da África estarei mais propenso a beber dessas lendas. Eu acho que não sou mais ou menos permeável a um imaginário que percorre todos os países do mundo, todas as culturas e civilizações. O que pode suceder é que a África assume mais essa outra racionalidade, não sente que a deve esconder. Mas todos os outros continentes produzem e reproduzem mitos, tradições e expressões da oralidade que alimentam a literatura porque nos sugerem que podem haver leituras diversas de um mundo que, apesar da aparência, é bem plural.

UOL - O que você gosta de ler? Há escritores brasileiros que você sente ter influenciado sua obra?

Mia Couto - Sou um leitor pouco disciplinado. Leio compulsivamente poesia. Há escritores brasileiros que me marcaram imensamente. Quase todos, do lado da poesia. Se tenho que nomear: Drummond, João Cabral, Manoel de Barros, Adélia Prado, Hilda Hilst. E é claro, mais do que todos, João Guimarães Rosa, sobretudo pela poesia que mora na sua prosa. Veja a entrevista de Mia Couto no programa Roda Viva.



04 novembro 2012

Poderoso Colégio Eleitoral decidirá sorte de Obama e Romney


Poderoso Colégio Eleitoral decidirá sorte de Obama e Romney

Barack Obama e Mitt Romney sabem onde concentrar os esforços


Eleição presidencial de 6 de Novembro.
Obama e Romney estão de olho em pouco mais de 49 milhões de pessoas com idade para votar em nove Estados – ou 21% dos quase 230 milhões com direito a voto nos EUA, segundo o censo de 2010.
De eleição em eleição presidencial emerge sempre um elemento importante nos Estados Unidos: o Colégio Eleitoral, que é o elemento que decide o inquilino da Casa Branca. Mas afinal qual é a sua importância e porquê?
O Colégio Eleitoral
O Colégio Eleitoral, que definirá quem será o novo presidente dos EUA esta terça, 6 de Novembro, foi criado por meio de um acordo político no século XVIII, com o objectivo de equilibrar o poder dos Estados americanos perante o governo federal. Por meio desse sistema, a eleição do presidente e do vice não é determinada pela votação popular nacional, mas por disputas separadas nos 50 Estados e pelos respectivos votos a que cada um tem direito no órgão. Quem conseguir 270 dos 538 votos do Colégio Eleitoral vence a disputa.
Composição do Colégio
A eleição presidencial americana é determinada por disputas Estado por Estado e pelo número de votos a que cada um deles tem direito no Colégio Eleitoral. Ou, como resumiu ao iG Edward Grefe, professor da Faculdade de Gerenciamento Político da Universidade George Washington: “Não é uma eleição só. São 50 eleições.”
A representação de cada Estado refere-se ao número de seus legisladores no Congresso. Assim, cada um tem votos relativos aos deputados na Câmara de Representantes, cujos 435 assentos são alocados com base na população e mais dois votos relativos aos senadores. Independentemente da sua população, cada Estado tem dois senadores na Casa de 100 membros. A capital Washington, apesar de não ter representação no Congresso, tem três votos – o mínimo a que cada Estado tem direito.
O sistema foi escrito na Constituição americana após preocupações dos Estados menores de que teriam menor poder de decisão a nível nacional em comparação aos maiores. A solução foi um meio termo entre os que queriam que o presidente fosse escolhido pelo Congresso e outros que pressionavam pela votação popular nacional.
“Os Estados menores temiam que, com o voto popular, a maior parte dos investimentos federais e a agenda de campanha dos candidatos teriam como base apenas os interesses dos Estados maiores, como Califórnia, Nova Iorque e Flórida”, disse ao iG Tim Hagle, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade do Iowa.
Dessa forma, explicou Hagle, vários interesses agrícolas poderiam ser ignorados quando os candidatos presidenciais planeassem a sua plataforma, porque não estariam tão preocupados em conseguir votos nos Estados menores do meio-oeste, como Dakota do Norte, Dakota do Sul, Iowa, Montana, Wyoming etc.
Outra justificativa dos fundadores dos EUA para a criação do Colégio Eleitoral é impedir que um ideal político específico de alguns Estados direccionasse a votação. “A divisão proporcional de poder entre os Estados assegura que uma ideia teria de ter um apelo amplo em todo o país, e não apenas num Estado altamente povoado, para determinar o rumo de uma eleição”, afirmou Hagle.
Um exemplo
Em quase todos os casos, o candidato que vence um Estado leva todos os seus votos eleitorais. As excepções são Maine e Nebraska. Em Nebraska, que conta com cinco votos no Colégio Eleitoral, existem três distritos eleitorais. Cada distrito dá seu voto ao candidato mais votado localmente, enquanto o vencedor na votação estadual leva os dois votos finais. Com direito a quatro votos, o Estado do Maine adopta a mesma distribuição em relação aos seus dois distritos eleitorais.
A primeira vez que Nebraska dividiu o seu voto foi em 2008, quando o hoje presidente dos EUA, Barack Obama, conseguiu vencer no distrito de Omaha. “O republicano John McCain teve 64% do voto popular em Nebraska, mas Omaha é um distrito mais progressista, que fica numa área universitária. Por isso Obama conseguiu esse voto num Estado tradicionalmente republicano”, disse Steven Hatting, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de St. Thomas, em Minnesota.
Os indecisos
Quando as urnas abrirem esta terça-feira, Obama, e o seu rival republicano, o ex-governador de Massachusetts, Mitt Romney, não estarão preocupados em vencer a eleição conquistando a maioria dos votos a nível nacional. Em vez disso, a atenção dos dois rivais estará centrada na escolha de 5% a 8% de eleitores em nove dos 50 Estados americanos, que se declaravam indecisos nas pesquisas de intenção de voto.

In: O Pais, 5 de Novembro de 2012

NOVOS TEMPOS , REVISTA DA RENAMO- 1993


NOVOS TEMPOS , REVISTA DA RENAMO- 1993

Veja ALGUNS EXCERTOS  bastando clicar em:





CARLOS CARDOSO, CORAÇÃO INDEPENDENTE


CARLOS CARDOSO, CORAÇÃO INDEPENDENTE

Por  João Ribeiro
Jornalista Carlos Cardoso

Carlos Cardoso, jornalista, proprietário do Mediafax, brutalmente assinado em plena luz do dia numa das principais artérias da Cidade de Maputo, capital de Moçambique em 22 de Novembro de 2000, era um acérrimo defensor da Liberdade e um dos símbolos do Jornalismo Investigativo em África. Foi morto na sequência de uma série de trabalhos publicados por ele no Mediafax sobre uma enorme fraude ao maior banco moçambicano. Este documentário aborda a sua história e o período imediatamente após a sua morte. Realização de Rehad Desai e produção de João Ribeiro.
Assista o documentário clicando em   http://vimeo.com/43253334#.
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BIOGRAFIA DE CARLOS CARDOSO
Carlos Cardoso nasceu na Beira no ano de 1951. Estudou primeiro em Moçambique e depois a nível secundário e universitário na África do Sul, na universidade de Witwatersrand, onde foi expulso e deportado para Portugal pelas suas posições anti-apartheid. 
Após a independência de Moçambique, em 1975, ao contrário da família e da grande maioria dos elementos da comunidade branca, Cardoso resolve ficar e engaja-se profundamente nos ideais da Frelimo, revendo-se sobretudo nas posições do primeiro presidente Samora Machel. Em 1980, é nomeado editor da AIM (Agência de Informação de Moçambique). Anos depois, torna-se conselheiro de imprensa de Samora Machel e prevê que algo de muito grave está para se passar com o presidente, sendo um dos que desaconselha a viagem do presidente para a viagem fatídica, em Outubro de 1986. 
A morte de Samora marca-o profundamente e inicia nesta altura o seu afastamento em relação à Frelimo. Em 1989, desencantado, abandona o jornalismo e dedica-se à pintura. 
Porém, em 1993, está de volta à escrita, estando na origem da criação da Mediacoop, uma cooperativa independente de jornalistas que lança os jornais Mediafax e, pouco tempo depois, o Savana. 
Por divergências com outros jornalistas, abandona a Mediacoop e funda, em 1997, o ‘Metical’, diário electrónico versado sobre temas económicos. Aqui, os seus editoriais começam a incomodar as altas esferas do poder com constantes denúncias de casos de corrupção. 
À data do seu assassinato, investigava o maior escândalo financeiro do país desde a independência: o desvio de uma soma aproximada a 14 milhões de USD do Banco Comercial de Moçambique (BCM), entretanto extinto. Nos seus artigos, tinha citado Momade Abdul Satar, conhecido por Nini Satar, e Vicente Ramaya, dois homens de negócios muito influentes em Moçambique. 
Após a morte do jornalista, Nini Satar acusou o filho do ex-Presidente da República de Moçambique Joaquim Chissano de estar envolvido no caso. O empresário apontou ainda Aníbal dos Santos Júnior (Anibalzinho), como o chefe da quadrilha que executou Carlos Cardoso.
Em 2003, seis pessoas foram condenadas a penas entre os 23 e os 28 anos de prisão pela morte do director do jornal "O Metical". Anibalzinho nunca prestou declarações em tribunal, porque durante o julgamento fugiu da cadeia, pelo que foi condenado à revelia. 
O tribunal aplicou-lhe uma pena quase 30 anos de prisão por ter chefiado a quadrilha que assassinou Carlos Cardoso. 
Anibalzinho tem no seu currículo três fugas da cadeia. Entre os anos 2002 e 2004, o prisioneiro mais famoso do país chegou à África do Sul e ao Canadá, países de onde foi extraditado para Moçambique. Depois de mais duas fugas, está hoje encarcerado numa cela do Comando da Polícia na cidade de Maputo.
Durante o processo, Momade Abdul Satar acusou ainda o filho de Joaquim Chissano de ser o responsável pela fuga de Anibalzinho, para o impedir de dar o seu testemunho no caso Cardoso. 
Mas não foi só Nympine Chissano quem viu o seu nome envolvido no escândalo. A empresária moçambicana Cândida Cossa viu-se envolvida no caso, o que forçou as autoridades da justiça a instaurarem um processo autónomo.
Devido à lentidão da justiça, ambos perderam a vida sem ser ouvidos: Nympine morreu em Novembro de 2007 e Cândida Cossa em Novembro de 2010. O processo autónomo foi arquivado.
Em declarações ao semanário Savana, o jornalista Marcelo Mosse, colega de Cardoso no ‘Metical’ e co-autor do livro biográfico sobre Cardoso ‘É proibido pôr Algemas nas palavras’ (veja a capa do livro no fim do texto) afirmou: “Hoje continuamos a ter os problemas que tínhamos há 10 anos. Mas com outras roupagens. As elites já não pilham na banca ou no Tesouro”, disse Marcelo Mosse, indicando que o assassinato de Cardoso, e depois de Siba Siba, chamou a atenção para reformas drásticas nesses sectores, com muita pressão dos doadores que alimentam o Orçamento do Estado.
Hoje, critica, as elites refastelam-se nas preferências noutro tipo de património público, como no sector de concessões minerais, na manipulação do procurement, fingindo-se transparência e integridade. 

Livro sobre Carlos Cardoso, escrito por dois amigos pessoais e profissionais de Carlos


03 novembro 2012

Extremistas da África têm um novo inimigo: a música


Extremistas da África têm um novo inimigo: a música



Islamistas ligados à Al-Qaeda proíbem o trabalho de músicos do Mali, entre eles alguns dos maiores artistas da atualidade
POR ROGÉRIO SIMÕES

A paisagem em transformação, da terra rosada do Sahel para o dourado das areias do Saara, sugeria que o deserto estava perto. A placa mostrava a distância: 33 quilômetros até Essakane, base do Festival do Deserto, evento musical organizado por tuaregues no norte do Mali desde 2001. O ano era 2007. A guerra civil entre tuaregues e o governo central fora formalmente encerrada em 1996, com a queima de mais de 3 mil armas na mítica cidade de Timbuktu. O clima era de paz, e a música celebrava o presente e o futuro do país. O Festival do Deserto de 2007 emocionou as centenas de estrangeiros que, como eu, viveram a experiência única de três dias de shows ao vivo sobre um palco montado nas areias do Saara. Cinco anos depois, a triste notícia: as armas voltaram a calar os acordes africanos. Dessa vez, carregadas por fundamentalistas islâmicos ligados à Al-Qaeda no Magreb, que tomaram o controle de mais uma rebelião tuaregue por independência. Após aplicar elementos da lei islâmica no norte do Mali, entre eles a punição física de criminosos em público, os fanáticos da Al-Qaeda acabam de fazer o impensável: proibiram a música.

É difícil imaginar uma tragédia cultural de maior proporção em outra parte do mundo. O Mali, de maioria muçulmana e presença constante na lista das nações mais pobres do planeta, com 15 milhões de habitantes e um PIB per capita de US$ 1.100 (um décimo do brasileiro), respira música. Os sons de instrumentos como ngoni (uma minúscula guitarra de madeira), kora (semelhante à harpa) ou djembe (percussão feita com pele de bode) dão vida ao país e identidade à população. Nos últimos 20 anos, transformaram o Mali em um grande exportador de música de qualidade. O bluesman Ali Farka Touré, morto em 2006; seu filho Vieux Farka Touré; os grupos tuaregues Tinariwen e Tartit; o casal de cegos Amadou & Mariam, que há anos põe a Europa para dançar; o gênio do ngoni Bassekou Kouyaté; a cativante voz de Salif Keita; a diva Oumou Sangaré, dona de uma das mais belas vozes do planeta; o rei do balanço Habib Koité; o mago da kora Toumani Diabaté. A lista de artistas do Mali que conquistaram admiradores além de suas fronteiras é interminável. Para o mundo todo, eles têm sido um presente dos berços da humanidade. Para a Al-Qaeda, são agora criminosos em seu próprio país.

Os organizadores do maior evento musical do Mali sabem que não poderão produzir uma nova festa musical nas areias de Essakane enquanto a Al-Qaeda controlar a região. Sabem também que sua música pode ser a maior arma contra os fundamentalistas e decidiram não se render. Nos meses de fevereiro e março de 2013, o Festival do Deserto, que já atraiu astros ocidentais como Robert Plant (Led Zeppelin) e Damon Albern (Blur), do Blur, será realizado fora da região e em outros países, numa caravana típica da tradição nômade dos tuaregues. Será a vez do Festival do Deserto no Exílio. Shows serão realizados em outras cidades do Mali, como Segou e a capital, Bamako, ainda controladas pelo governo central. Três dias de espetáculos no vizinho Burkina Faso e turnês na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia levarão ao exterior o apelo dos músicos do Mali: que sua música não seja calada pelo extremismo religioso.
A vibrante diversidade musical do Mali tem origem na mistura de etnias e línguas do país. Bamako, onde se fala a principal língua malinesa, o bambara, é uma capital tipicamente subsaariana, com mulheres exibindo suas belas roupas coloridas pelos mercados da cidade. Na região do Sahel, uma espécie de zona intermediária entre as savanas do sul e o deserto do norte, muitos falam songhai . O povo Dogon, que habita montanhas na região, tem sua própria língua e cultura, enquanto os tuaregues do deserto comunicam-se – e cantam – em tamasheq. Em comum entre eles, além da extraordinária riqueza cultural, está a pobreza material, visível na falta de saneamento básico e infraestrutura por todo o país.
A perspectiva de um Mali sem música assusta seus mais célebres embaixadores culturais. Toumani Diabaté, que gravou o disco “A Curva da Cintura” com Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra, teme pelo futuro do Mali. Diabaté disse ao jornal britânico The Guardian que a música é “a riqueza mineral” do seu país. “Música é o nosso combustível.” A banda Tinariwen, que se apresentou com suas túnicas e guitarras no Brasil em 2011, sempre fez questão de manter a sua própria região como base. Mais precisamente, a cidade de Kidal, no meio do deserto. Nas últimas semanas, Kidal tem sido palco do avanço dos fundamentalistas sobre a música, com apreensão e queima de instrumentos. Artistas locais receberam a ameaça: se voltaram a tocar, seus dedos serão cortados.
Alguns integrantes do Tinariwen conhecem bem quem os ameaça. Nos anos 1990, estiveram ao lado de Iyad Ag Ghaly em combates contra tropas do governo do Mali, no levante por mais direitos ao povo tuaregue. Os artistas-combatentes do Tinariwen, que sobre seus camelos carregavam rifles junto às suas guitarras, deixaram a luta armada de lado em favor da música. Ghaly não apenas manteve sua crença no confronto militar como se radicalizou. Tornou-se um islâmico fundamentalista e hoje lidera o grupo Ansar Dine. Depois de vencer as tropas do governo na revolta do início deste ano e declarar a independência da região desértica do Azawad, o Ansar Dine deseja agora impor a sharia (lei islâmica) em todo o Mali. Para isso, aliou-se à Al-Qaeda do Magreb no norte do país. As aspirações de autonomia ou independência do povo nômade do deserto foram sequestradas por aqueles que desejam transformar o Mali em uma espécie de reino talebã. Em agosto, um decreto dos islamistas proibiu a execução de música ocidental na cidade de Gao. “Não queremos a música de Satã”, diz o decreto, segundo oGuardian. “Ela deve ser substituída pelos versos do Corão.”

Enquanto organizam apresentações fora do Mali, os artistas tentam garantir sua segurança pessoal. Em Niafunké, tomada pelos radicais, nenhum músico sente-se seguro. Nascido na cidade, Vieux Farka Touré, estrela em muitos festivais de música pelo mundo afora, em que carrega a chama criativa do seu pai Ali Farka, foi obrigado a deixar a cidade e se abrigar em Bamako. A própria capital, cuja cena musical é uma das mais ricas da África, foi abalada. Depois do golpe militar do início do ano, realizado com a justificativa de reforçar as Forças Armadas para enfrentar a rebelião no norte, o clima é tenso. Bares que antes reuniam moradores e músicos para longas noites de shows informais, estão fechados. As esperanças dos músicos malineses está depositada na comunidade internacional. O Conselho de Segurança das Nações Unidias avalia a possibilidade de formar uma força internacional para colocar um fim ao conflito interno e impedir que o Mali torne-se uma nova base do radicalismo islâmico, como o Afeganistão ou a Somália. Em jogo, está o futuro de uma admirável nação, sempre disposta a compartilhar com o mundo o seu maior patrimônio.