NO LIVRO "A
CONFISSÃO DA LEOA", MIA COUTO RETRATA O DRAMA DAS MULHERES RURAIS DE
MOÇAMBIQUE
Por Letícia Mendes, Do
UOL, em São Paulo
A capa do livro "A confissão da Leoa" |
O moçambicano Mia Couto
está no Brasil para lançar seu 12º livro pela editora Companhia das Letras, “A
Confissão da Leoa”. Vencedor do prêmio Vergílio Ferreira em 1999 pelo conjunto
de sua obra e, em 2007, do prêmio União Latina de Literaturas Românicas, o
escritor escolheu, desta vez, transformar a experiência real que teve durante
uma expedição para estudos ambientais em romance. Ao viajar para o norte de
Moçambique em 2008, Mia presenciou ataques violentos de leões a pessoas,
principalmente mulheres.
Em
"A Confissão da Leoa”, após a morte de sua irmã Silência, Mariamar tem
suas próprias teorias sobre a origem e a natureza dos ataques das feras. Ao
UOL, o escritor conta que quis retratar no livro a condição histórica e social
das mulheres rurais de Moçambique. “Há muito que estão sendo devoradas por um
sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável
submissão”, afirma.
UOL - O
que o inspirou a escrever o livro “A Confissão da Leoa” foram mesmo os ataques
de leões em Moçambique? Você chegou a presenciar algum desses ataques?
Mia Couto - Sim, foram fatos reais e vividos por mim. Eu estava numa pequena aldeia do litoral norte de Moçambique, quando ainda trabalhava como biólogo, e, certa noite, me chamaram porque havia um homem morto no caminho. Era a primeira vítima dos leões. Nos dias seguintes seguiram-se outros ataques, sempre mortais. E as vítimas eram sempre mulheres. Vinte e cinco mulheres foram devoradas num espaço de quatro meses. A violência dessa experiência marcou-me para sempre. Mas eu quero fazer aqui um aviso sobre o livro: não se trata de um relato que procura verossimilhança, uma história de bichos e caçadas. O que quis foi incorporar uma dessas mulheres e contar a história da sua condição histórica e social. As mulheres rurais de Moçambique há muito que estão sendo devoradas por um sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável submissão.
UOL - Qual a relação de “A Confissão da Leoa” com suas obras anteriores, além de Moçambique como cenário?
Mia Couto - Os livros não pretendem ter relações com outros livros. Querem ser únicos, mesmo que não sejam capazes dessa autonomia. Eu acredito que adotei, nesta obra, um estilo mais liberto da recriação de linguagem. Mantenho a poesia como o meu caminho. Mas pretendo uma fluência narrativa mais solta. Creio que continuo escrevendo sobre aqueles a quem a vida atirou para a margem. No caso de Moçambique as mulheres rurais são vistas como entidades marginais, sem voz, sem outra história senão aquela a quem os homens lhes emprestam
Mia Couto - Sim, foram fatos reais e vividos por mim. Eu estava numa pequena aldeia do litoral norte de Moçambique, quando ainda trabalhava como biólogo, e, certa noite, me chamaram porque havia um homem morto no caminho. Era a primeira vítima dos leões. Nos dias seguintes seguiram-se outros ataques, sempre mortais. E as vítimas eram sempre mulheres. Vinte e cinco mulheres foram devoradas num espaço de quatro meses. A violência dessa experiência marcou-me para sempre. Mas eu quero fazer aqui um aviso sobre o livro: não se trata de um relato que procura verossimilhança, uma história de bichos e caçadas. O que quis foi incorporar uma dessas mulheres e contar a história da sua condição histórica e social. As mulheres rurais de Moçambique há muito que estão sendo devoradas por um sistema de patriarcado que as condena a uma situação marginal e de insuportável submissão.
UOL - Qual a relação de “A Confissão da Leoa” com suas obras anteriores, além de Moçambique como cenário?
Mia Couto - Os livros não pretendem ter relações com outros livros. Querem ser únicos, mesmo que não sejam capazes dessa autonomia. Eu acredito que adotei, nesta obra, um estilo mais liberto da recriação de linguagem. Mantenho a poesia como o meu caminho. Mas pretendo uma fluência narrativa mais solta. Creio que continuo escrevendo sobre aqueles a quem a vida atirou para a margem. No caso de Moçambique as mulheres rurais são vistas como entidades marginais, sem voz, sem outra história senão aquela a quem os homens lhes emprestam
UOL - Como
é o seu processo criativo? Como nascem seus personagens?
Mia Couto - De forma caótica, como a própria vida. Eu acho que a criação não é nunca um método, mas uma sintonia, um modo de nos acertarmos com a intimidade dos outros seres. As minhas personagens surgem porque escuto nos outros não a história que eles contam mas aquele que eu imagino que esses relatos ocultam. Talvez seja pretensão minha.
UOL - Qual é a importância das lendas e dos mitos na sua literatura?
Mia Couto - Pode existir a ideia que sendo da África estarei mais propenso a beber dessas lendas. Eu acho que não sou mais ou menos permeável a um imaginário que percorre todos os países do mundo, todas as culturas e civilizações. O que pode suceder é que a África assume mais essa outra racionalidade, não sente que a deve esconder. Mas todos os outros continentes produzem e reproduzem mitos, tradições e expressões da oralidade que alimentam a literatura porque nos sugerem que podem haver leituras diversas de um mundo que, apesar da aparência, é bem plural.
UOL - O que você gosta de ler? Há escritores brasileiros que você sente ter influenciado sua obra?
Mia Couto - Sou um leitor pouco disciplinado. Leio compulsivamente poesia. Há escritores brasileiros que me marcaram imensamente. Quase todos, do lado da poesia. Se tenho que nomear: Drummond, João Cabral, Manoel de Barros, Adélia Prado, Hilda Hilst. E é claro, mais do que todos, João Guimarães Rosa, sobretudo pela poesia que mora na sua prosa. Veja a entrevista de Mia Couto no programa Roda Viva.
Mia Couto - De forma caótica, como a própria vida. Eu acho que a criação não é nunca um método, mas uma sintonia, um modo de nos acertarmos com a intimidade dos outros seres. As minhas personagens surgem porque escuto nos outros não a história que eles contam mas aquele que eu imagino que esses relatos ocultam. Talvez seja pretensão minha.
UOL - Qual é a importância das lendas e dos mitos na sua literatura?
Mia Couto - Pode existir a ideia que sendo da África estarei mais propenso a beber dessas lendas. Eu acho que não sou mais ou menos permeável a um imaginário que percorre todos os países do mundo, todas as culturas e civilizações. O que pode suceder é que a África assume mais essa outra racionalidade, não sente que a deve esconder. Mas todos os outros continentes produzem e reproduzem mitos, tradições e expressões da oralidade que alimentam a literatura porque nos sugerem que podem haver leituras diversas de um mundo que, apesar da aparência, é bem plural.
UOL - O que você gosta de ler? Há escritores brasileiros que você sente ter influenciado sua obra?
Mia Couto - Sou um leitor pouco disciplinado. Leio compulsivamente poesia. Há escritores brasileiros que me marcaram imensamente. Quase todos, do lado da poesia. Se tenho que nomear: Drummond, João Cabral, Manoel de Barros, Adélia Prado, Hilda Hilst. E é claro, mais do que todos, João Guimarães Rosa, sobretudo pela poesia que mora na sua prosa. Veja a entrevista de Mia Couto no programa Roda Viva.
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