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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

02 fevereiro 2014

PR ATRIBUI TÍTULOS HONORÍFICOS A CIDADÃOS NACIONAIS

Cripta dos Heróis, Local da atribuição dos Títulos Honoríficos


O PRESIDENTE da República, Armando Emílio Guebuza, no uso das competências que lhe são conferidas pela alínea j) do artigo 159 da Constituição da República de Moçambique, atribuíu Títulos, Ordens e Medalhas, numa cerimónia que decorreu hoje (03/02/2014), em Maputo, aos seguintes cidadãos nacionais: 
 Para O Título Honorífico “Herói da República de Moçambique” 
 · Eduardo Chivambo Mondlane
· Filipe Samuel Magaia
· Mateus Sansão Muthemba
· Francisco Manyanga
·  Paulo Samuel Kankhomba
· Sebastião Marcos Mabote
· Josina Abiatar Machel
· Bonifácio Gruveta Massamba
· Oswaldo Assahel Tazama
· Fernando Matavele
· Romão Fernando Farinha
· Milagre Mabote
·  José Phahlane Macamo
· Emília Daússe
· John Issa
· Solomone Machaque
·  Francisco Orlando Magumbwa
· Robati Carlos
·  Luís Joaquim José Marra
· Bernabé Kajika
· Belmiro Obadias Muianga
· Armando Tivane
· Tomás Nduda
· António E.F. Langa
· Justino Sigaulane Chemane
·  José João Craveirinha 
 O Título Honorífico “Herói da República de Moçambique” é concedido com objectivo de valorizar os feitos notáveis de cidadãos nacionais que, enraizados, na tradição da luta heróica  do Povo Moçambicano, contribuiram com raro significado para a Luta de Libertação Nacional, a coesão da Nação, a consolidação da Independência Nacional e a defesa da Pátria. 
PARA A “ORDEM SAMORA MOISÉS MACHEL”  
DO 1º Grau  
 · Manuel Jose António Mucananda
· Jorge Henrique da Costa Khalau 
 DO 2º   Grau 
 ·  Miguel Francisco dos Santos
· Pascoal Pedro João Ronda 
 A “Ordem Samora Moisés Machel” é atribuida com o objectivo de valorizar os actos excepcionais de coragem, sacrifício, solidariedade, empenho pessoal e dinamismo d direcção.
Para a“ORDEM 25 DE JUNHO” 
·  Francisco Valentino Cabo 
 A “Ordem 25 de Junho” é concedida com o bjectivo de valorizar os actos extraordinários de cidadãos nacionais e estrangeiros que tenham contribuído com heroísmo, espírito de sacrifício e de abnegação para a defesa d indepencia nacional. 

Para a “ORDEM MILITAR 25 DE SETEMBRO”  

DO  2º Grau  
 ·  Francisco Camenjoro Mutata 
 A “Ordem de Militar 25 de Setembro” é atribuida com objectivo de valorizar os actos extraordinarios de heroísmo, de abnegação, de valentia e coragem consentidos na Luta de Libertação Nacional e na defesa da Pátria Moçambicana. 
Para a “Ordem 4 de Outubro”                
 DO 1º Grau  
 · Teodato Mundim da Silva Hongwana
· Tobias Joaquim Dai
· Francisco Madeira
· Aguiar Jonasse Reginaldo Real Mazula
·  LagosHenriques Lagos
·  D. Jaime Gonçalves
·  Dinis Singulane
·  Raúl Manuel Domingos

DO 2º Grau  
 ·  Mateus Ngonhamo
· Fidelis de Sousa
· Aleixo Malunga
· Lourenço Jossias
·  Tomás Vieira Mário 
 Esta ordem é concedida com objectivo de reconhecer e valorizar actos extraordinários na luta pela preservação da paz da concórdia na promção dos valores da paz, inclusão sóciopolítica e cidadania na República d Moçambique. 
 Para a“Medalha Bagamoyo” 
 · Universidade Lúrio
·  Centro de Investigação em Saúde da Manhiça 
 A ordem acima referida é  concedida com o objectivo de consagrar e valorizar o papel essencial da educação na edificação e desenvolvimento da Pátria. 
 Para a “Medalha Veterano da Luta de Libertação de Moçambique” 
 · António Bande Chava
· Catarina Amélia Cote Nionga
·  Crescência Chitale Figueira
· Ernesto Ferrão Paunde Pofo
· Felisberto Canivete Gimo
·  João Luís Khumiodzi
·  Lenia Lucas
· Lino Ndacada
· Lucas MbumaMujuju
· Lúcia Chigaia Mahoque
·  Madalena Samuel Duela
·  Maria Helena Niquissi
·Mário Gento Mulinganiza
· Salgério Wilson Chamboco. 
 Esta medalha é atribuída com o objectivo de valorizar a participação consequente na luta de libertação nacional e no engajamento patriótico na edificação, consolidação e desenvolvimento da República de Moçambique.  
 Para a “Medalha de Mérito de Polícia”  
 · Alfredo Januário Matsinhe
· Adelino Andissene Silvério
· Alberto Acone
·  Alfiado Julai Sitoe
· Armando Amade Milico Gove
· Armando Mário Correia
· Benedito Rui Monjane
·  Cesário Ramazani Mkwemba
· Feliciano António Chongo
· Ferando Binda
· Filipe Gonçalves Alberto Muchanga
· Joaquim Avassamania Nido Likwaha
· José Weng San
· Luís Manuel General
·  Miguel dos Santos Alberto Chissano
· Simão João Machava 

A “Medalha de Mérito de Polícia”é concedida aos membros da Polícia da república de Moçambique, aos cidadãos, com o objectivo de valorizar e estimular actos de coragem e de abnegação na defesa da ordem, segurança e tranquilidade públicas. 

Para a “Medalha de Mérito Académico” 

· Orlando António Quilambo
· Rogério José Uthui
· Fernando Francisco Tsucane 

A medalha acima referida é concedida com o objectivo de reconhecer e valorizar o trabalho de professores e docentes em prol do desenvolvimento da educação.  

Para a “Medalha de Mérito da Ciência e Tecnologia” 

· Anabela Zacarias
· Albino Manuel Nuvunga
Esta medalha é atribuída com o objectivo de reconhecer e valorizar o trabalho de investigadores, inovadores e criadores do conhecimento nos diferentes domínios do saber. 



Para a “Medalha de Mérito Combate à Pobreza” 

· Aníbal Filipe Macamo
· Munduguei Albano Rendição
· Safrina Madzocoro 

A referida Medalha é  atribuida a cidadãos e instituições nacionais e estrangeiras com o objectivo de reconhecer a contribuição significativa nas actividades concorrentes à melhoria das condições de vida dos moçambicanos. 

Para a “Medalha de Mérito Artes e Letras” 

·  Luís Bernardo Honwana
· Alberto Viegas
·  Bacar Ali Cuine
 Domingos Matiana Honwana
· Francisco António da Conceição
· Gabriel Chiau
· Gil Pinto
· Grupo Cultural Polivalente Kwaedza
·  José Alberto Basto Pereira Forjaz
·  José António Cardoso
·  Lindo Lhongo
·  Mafende Mandio Mentiroso
·  MankeuValente Mahumane
·  Maria Manuel Lobão Soeiro
·  Matias Ntundo
·  Noel Langa
·  Raúl Álves Calane da Silva
·  Reinata Sadimba
·  Tobias Sixpence
·  Venâncio da C. Dilon Djinge
· Venâncio Notiço Mbande
·  Zena Bacar Cadre
A “Medalha de Mérito Artes e Letras” é atribuída para recompensar os moçambicanos que, pelo seu trabalho criativo no domínio artístico ou literário, tenham contribuído no crescimento das artes e letras. 
 Para a “Medalha de Mérito Económico”  
 ·  Artur Ham Hoi 
 A Medalha em referência é  atribuída com objectivo de reconhecer o trabalho desenvolvido pelos cidadãos no domínio económico, contribuindo para gerar riqueza e desenvolvimento económico e social do país. 
 Para a “Medalha d Mérito do Trabalho”  
 ·  Organização dos X jogos Africanos (COJA), Maputo 2011)
·  Abdul Alimo Ibrahimo
·  António Xavier
·  Armando Fietines
·  Delfina José Manjate
·  Gilberto Francisco Manjate
·  Luís Cassimo Coffe
·  Mária de Fátima


N:B: Samora Moisés Machel, não foi condecorado desta vez, pelo facto de este ter sido agraciado com a insígnia de “Herói da República Popular de Moçambique”, em 1983.

Para mais informações sobre Títulos Honoríficos e Condecorações consulta:
Diploma legal :
Diploma Ministerial nº 2/2014 de 03 de Janeiro de 2014
Publicado em :
BR nº 002, I Série, de 03 de Janeiro de 2014, pág. 13
Sumário :
Aprova o Quadro de Pessoal do Secretariado da Comissão Nacional de Títulos Honoríficos e Condecorações
Entidade emissora :
Ministério da Função Pública
Data e local de assinatura :
15 de Julho de 2013, Maputo
Entrada em vigor :
Na data da sua publicação
Em vigor :
Sim
Entidades abrangidas :
Ver também :
Lei n§ 10/2011 - Estabeleceu o Sistema de Títulos Honoríficos e Condecorações da República de Moçambique e cria a Comissão Nacional de Títulos Honoríficos e Condecorações


 Clica aqui para ler o BR em pdf : <http://www.atneia.com/atneia/fac/1020019F.pdf?tipo_link=1>>

30 janeiro 2014

A FESTA DO CANHU!



A FESTA do canhu (ukanyi) já começou. Produzida a partir do fruto do canhoeiro, esta bebida mítica e secular é bastante apreciada e consumida pelas comunidades da região sul do país, com particular para os distritos de Boane, Moamba, Marracuene e Manhiça, na província de Maputo, onde mais se faz a festa.
Mas para além destes pontos, o canhu, que já começou a jorrar, é consumido na província de Gaza – e um pouco em Inhambane - por estas alturas do ano.
E porque nunca será redundante falarmos sobre o assunto, aqui recuperamos excertos retirados de um estudo intitulado “Ritual das Primícias de Ukanyi”, realizado e publicado Instituto de Investigação Sócio-Cultural (ARPAC).
Diz o estudo que ukanyi é um tipo de vinho tradicional de baixo teor alcoólico bastante apreciado, não somente pelo valor sócio-cultural que encerram as sessões de consumo, mas também pela sua conotação afrodisíaca. De facto, ao longo de gerações, o ukanyi tem sido objecto de muitos debates com relação à sua conotação afrodisíaca. Algumas pessoas se esforçam em consumi-lo, supostamente para o aumento da sua virilidade. Outras especulam negativamente em relação as tais propriedades.
O facto é que até agora não há confirmação científica. As conotações afrodisíacas são do domínio de crenças, essas propriedades têm sido atribuídas somente a uma parte de ukanyi, nomeadamente o hongwe que é a parte densa da bebida que fica no fundo do recipiente.
Tradicionalmente o hongwe era servido aos jovens de ambos sexos, como forma de dota-los de capacidades para uma melhor actividade sexual.
O suposto efeito afrodisíaco de ukanyi tem levado à tomada de medidas cautelares, durante os convívios, com a separação e distanciamento dos locais de dejecção, por sexo. Por outro lado, tem-se assistido à exposição de cordas para serem usadas contra os que perturbam a ordem e tranquilidade da festa de ukanyi.

A FESTA DA FAMÍLIA

Nos tempos idos a frutificação, fabrico e posterior consumo de ukanyi marcava a transição do ano no seio das comunidades. Uma outra importância associada ao ukanyi está relacionada, por um lado, com o fortalecimento das relações sociais e, por outro, com a criação de novos laços de solidariedade. É durante a época de ukanyi que se registam com maior frequência visitas entre indivíduos pertencentes a uma mesma família, incluindo membros de diferentes comunidades.
Durante o ano muitos membros das famílias ficam dispersos, cada um nos seus afazeres, mas chegada a época de ukanyi, as pessoas concentram-se, aproximam-se para conviver e discutir vários assuntos ligados à sua vida e a da sua comunidade. É também nesta ocasião que se fazem novas amizades.
O ritual de ukanyi cria e fortifica as redes de solidariedade entre habitantes de diferentes ecossistemas, o que por sua vez se revela importante na resposta às crises provocadas por calamidades naturais, no âmbito da segurança alimentar ou ruptura de reservas de sementes para a agricultura.
No que se refere à dimensão espiritual, o ukanyi reveste-se de uma importância crucial na manutenção do equilíbrio social. A época de ukanyi é vista com a fase de maior aproximação das populações locais aos espíritos dos seus antepassados, para fazer preces de vária ordem, tendo como finalidade a busca de um equilíbrio cosmológico, o que levou a sacralização da bebida e transformou-a num produto de venda proibida.
Para as comunidades do sul de Moçambique, o fabrico de ukanyi tornou-se numa das actividades que acompanham alguns momentos da sua vida. Com efeito, o ukanyi é indispensável nos eventos sócio-culturais, quer no seio da família, quer das comunidades.

RITUAIS ASSOCIADOS
Nas celebrações relacionadas com ukanyi, o seu consumo segue algumas regras costumeiras, nomeadamente três rituais fundamentais (kuphahla ukanyi, xikuwha e kuhayeka mindzeko), ou seja, as fases de abertura, festa e encerramento, respectivamente.
Estes rituais condicionam, na visão comunitária, o sucesso de toda a época de ukanyi, pois, supõe-se que esta bebida também alimenta os antepassados.
Todas as comunidades, independentemente do contexto social, realizam acções de modo a atingirem certa finalidade, seja política, económica ou cultural. Grosso modo, os ritos praticados testemunham a grande necessidade que o Homem tem de estar em harmonia com o cosmos.
Do ponto de vista mais pragmático, o ritual consiste na operacionalização de uma crença ou mais crenças, trazendo à superfície determinadas normas, valores e tradições comunitárias.
É neste contexto que o consumo de algumas bebidas tradicionais no seio das comunidades toma em consideração uma conjugação de factores sócio-culturais inerentes a cada grupo social. O ukanyi não é excepção. O seu consumo observa alguns rituais e mitos transmitidos de geração em geração, na base da oralidade.
Com efeito, para se proceder com o consumo de ukanyi, existem algumas regras a serem respeitadas: é preciso que o chefe de cada comunidade comece, em presença dos seus súbditos, o kuluma (ritual da abertura da época e o seu sentido ritual é tirar por certas cerimónias o carácter nocivo de um certo alimento) e só depois é que estes podem beber livremente nas suas povoações.
Tal acontece até hoje, o consumo liberalizado de ukanyi é antecedido por um ritual de abertura, conduzido por líderes comunitários, onde são evocados os espíritos dos antepassados. Este ritual é designado, de forma genérica por Kuphaha ukanyi.

IMPORTÂNCIA DO CANHOEIRO
O canhoeiro possui uma grande importância para as comunidades. Nalgumas, reveste-se de valores associados à sacralidade, noutras a aspectos políticos utilitários. Estas qualidades, por um lado, tornam esta árvore mítica e especial, no contexto da preservação cultural e, por outro lado, inserem-na na vivência política e quotidiana das comunidades.
A respeito da sacralidade, esta surge como uma tentativa de interpretação do mundo e, sobretudo de busca de tranquilidade espiritual. Trata-se de um fenómeno antigo, adoptado numa primeira fase para o estabelecimento de uma feliz convivência entre o mundo animal e o humano e depois, como uma resposta às dinâmicas societárias.
Com efeito, o canhoeiro acabou fazendo parte da cosmovisão e do modus vivendi das comunidades da África Austral, em geral, e de Moçambique, em particular.
Em suma, embora não seja de carácter obrigatório, variando de comunidade para comunidade, o canhoeiro é usado para as cerimónias de veneração ou evocação de espíritos dos antepassados (localmente, ou melhor, na região sul do país, apelidados por “gandzelo”).
No concernente aos aspectos políticos, o canhoeiro está associado a aspectos como a lealdade às tradições e o respeito aos símbolos comunitários. É neste contexto, que se estabelece a relação entre o canhoeiro e os aspectos políticos, pois, no seio das comunidades, esta árvore simboliza o poder do chefe tradicional.
O canhoeiro é das árvores que os líderes comunitários e seus súbditos se sentam à sua sombra, discutem e resolvem os vários problemas que afectam a comunidade.
Os frutos do canhoeiro em Moçambique caem somente de Janeiro a Março. Nas suas múltiplas utilidades figura também o processamento e fabrico de jam de fruta, doces variados, vinagre e xarope anti-tússico. Entretanto, as comunidades usam mais para o fabrico de sumo.
Refere-se igualmente, que na província da Zambézia, centro do país, os frutos do canhoeiro são colocados ao redor das machambas para afugentar algumas pragas, especialmente os ratos.

APLICAÇÃO MEDICINAL
O fruto, já maduro, pronto para ser esprimido e fermentado
No âmbito da medicina tradicional, as aplicações do canhoeiro se inserem no domínio do conhecimento tradicional ou local.
As comunidades usam a casca interna para o tratamento da malária, tosse, aftas, hemorróides, bem como no alívio às picadas de escorpiões e cobras. A raiz é usada como antidiarreico. As folhas são fervidas, produzindo-se um chá, usado no tratamento de má-digestão e na cura de dores de ouvido.
A casca do tronco é usada para variados fins medicinais.

TIMONGO
A semente do canhoeiro, localmente designado por “fula” é usada, após o processo do fabrico do sumo (ukanyi) para extrair a amêndoa (timongo) que as comunidades usam como tempero na confecção de diversos alimentos.
A amêndoa, melhor o timongo, é também iguaria, servida para acompanhar o consumo de bebidas alcoólicas ou ara servir a pessoas de importância especial, como o chefe da família, o filho ou o neto mais amado.
O consumo do timongo é um indicador social da posição hierárquica reservada à alguém e, em geral, de admiração ou respeito no quadro das relações de parentesco. Assim, o consumo do timongo permite evidenciar o status social do individuo, distinguindo-o dos demais.

 MARRABENTA E SUA HISTÓRIA UNINDO GERAÇÕES



A CIDADE de Maputo acolhe na sexta-feira a abertura da edição do Festival Marrabenta que será marcada por um mega-espectáculo no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), reunindo as velhas glórias da marrabenta e do cancioneiro popular moçambicano com músicos da nova geração, fazedores do estilo pandza/dzukuta.
Músicos como Dilon Djindji, Orquestra Djambo 70, Xidiminguana, Wazimbo, Mingas, Neyma, Stewart Sukuma, Mr. Bow, MC Roger, DJ Ardiles, entre outros da nova geração vão subir a palco do CCFM para um “show” que certamente ficará gravado na mente dos espectadores.  
Na cerimónia de lançamento do festival realizada na semana passada, na capital do país em Maputo, os músicos afirmaram estar devidamente preparados para fazer um grande “show”, e prometeram dar o melhor de si para a valorização da cultura moçambicana, ao mesmo tempo que apelaram ao público para se fazer em massa aos locais dos espectáculos. 
Na ocasião foi também anunciado que o evento vai pela primeira vez abranger as províncias de Maputo, Gaza e Inhambane. Desta forma, na província de Maputo o festival irá para além do CCFM abarcar o distrito de Marracuene (na vila-sede, onde se realiza o Gwaza Muthini, e em Matalane).
Em Gaza serão abrangidas as cidades de Xai-Xai e Chókwè e na província de Inhambane o evento terá lugar na cidade da Maxixe.
Num programa paralelo, será apresentado também amanhã no CCFM, o projecto “Marrabenta: Origem e Evolução”, desenvolvido pelo Arquivo do Património Cultural (ARPAC) desde Agosto de 2011 e que deverá posteriormente ser transformado em livro.
O projecto procura trazer elementos que contribuíam para o debate sobre este género musical. Trata-se de uma abordagem que procura situar a marrabenta no contexto sócio-cultural que lhe deu origem, desde o xitikini e xingobela xa ussiku das zonas rurais do Sul de Moçambique, passando pelas influencias adquiridas ao longo da história, como do trabalho nas minas da África do Sul e do sistema colonial. De um modo geral, a pesquisa descreve o percurso destas populações até a sua convergência nas zonas suburbanas de Lourenço Marques (actual Maputo), onde surgiu a marrabenta.
Na mesma senda, no dia 31 de Janeiro, haverá no Café Bar Gil Vicente, em Maputo, um intercâmbio musical entre os músicos Carlitos Gove e Jorge Domingos.
Entre os dias 6 e 8 de Fevereiro realiza-se na cidade de Maxixe, província de Inhambane, um Workshop de capacitação técnica e produção cultural orientado pela equipa do Festival Marrabenta aos organizadores do Festival Nacional da Cultura que terá lugar este ano naquela província. 

Marracuene dança marrabenta 

Como tem sido hábito, no domingo (2 de Fevereiro) espera-se que o “Comboio da Marrabenta” escale o distrito de Marracuene, integrado nas cerimónias oficiais do Massacre de Marracuene (Gwaza Muthini), onde terá lugar um concerto denominado “Festival Marrabenta Gwaza Muthini”.
O comboio vai apitar às 14:00 horas da Estação Central dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) com destino ao distrito de Marracuene transportando parte dos artistas que actuam no evento em interacção com os passageiros num ambiente de festa e descontracção.
Este comboio tornou-se um ícone do turismo cultural em Moçambique que surgiu por intermédio de uma parceria entre os organizadores do festival e os CFM.
O Festival Marrabenta tem desde a sua criação sido associado ao Gwaza Muthini que este ano celebra o seu 119º aniversário, uma data em que se evoca a resistência anti-colonial que opôs guerreiros comandados por Nwamatibyana, Zihlahla, Mahazule, Mulungu e Mavzaya ao Exército colonial português em 1895.
As cerimónias centrais desta efeméride têm lugar no distrito de Marracuene, onde é realizado o habitual “kuphahla” (evocação dos espíritos dos antepassados), seguido de uma deposição de flores junto ao monumento que lembra os guerreiros e a entoação do Hino Nacional e dos discursos de praxe.
Estão também agendadas várias actividades culturais para este dia, com principal destaque para o espectáculo musical, feiras de gastronomia e artesanato. Outra não mesmos importante atracção é o “ukanyi”, bebida feita com base no canhú (fruta do canhoeiro), bastante apreciada na zona Sul do país e consumida durante o mês de Fevereiro. Ela é preparada na véspera das festividades para que esteja disponível em quantidades suficientes para todos. 
O Gwaza Muthini foi um de uma série de combates que se deram no local, no âmbito da conquista portuguesa para a ocupação efectiva. Do ponto de vista português, essas batalhas eram conhecidas por Campanhas de Pacificação. Para os locais era resistência à ocupação portuguesa.
Entretanto, a celebração desta data não é de todo original do Estado moçambicano. Um ano após a batalha de Marracuene, em 1896, as autoridades coloniais portuguesas celebraram o Gwaza Muthini em memória dos soldados portugueses mortos na batalha.
A celebração por parte de Moçambique teve início em 1974, tendo havido na época apenas três celebrações, em 1974, 1975 e 1976.
A mesma voltou a ser reactivada pelo empresário moçambicano António Yok Chan em 1994. 
Para encerrar as actividades programadas para a VII edição do Festival Marrabenta na província de Maputo, no dia 3 de Fevereiro, o Centro Cultural de Matalane vai acolher o “Acústico Marrabenta”, uma sessão de música acústica concebida pelo falecido artista plástico Malangatana Velente Ngwenha, em 2009.
O Festival Marrabenta foi concebido pelo Laboratório de Ideias em 2008 e tem como objectivos valorizar e promover a cultura moçambicana, em particular a marrabenta, sem se dissociar das questões sociais bem como a promoção da cidadania, entretenimento e promoção de intercâmbio e diálogo entre a velha e nova geração.

Durante os sete anos do festival foram vários os artistas contribuíram para sucesso deste evento, alguns dos quais já não fazem parte do mundo dos vivos como são os casos de Augusto Rodrigues, Tony Django, Sox, Victor Bernardo e Frascisco Mahecuane.

09 janeiro 2014

O lugar de Eusébio no Estado Novo

Por NUNO DOMINGOS 

O discurso do Estado Novo sobre o negro mudou nos anos 60 e Eusébio ajustava-se bem a esta imagem.


No Portugal dos anos 60, abundavam as imagens de Eusébio da Silva Ferreira. Ele aí estava, espalhado por jornais e revistas, mas também em programas e serviços noticiosos da Radiotelevisão Portuguesa. Atleta do Benfica e da selecção nacional, sempre na sua função de jogador de futebol, era aclamado pelo seu inegável talento. No Portugal metropolitano de então, onde rareavam ainda os naturais de África, nunca um negro merecera tanto destaque e fora objecto de tamanha glória. Uma representação destas distinguia-se da imagem do africano, que proliferara na cultura popular. Como demonstrou Isabel Castro Henriques (A Herança Africana em Portugal, ed. CTT), o negro era quase sempre  ridicularizado com evidente crueldade, em livros, imagens, jornais, bandas desenhadas, campanhas publicitárias e anedotas. A construção de um outro tipo de africano, fundada numa distância que permitia as maiores efabulações, só tomou um sentido mais concreto durante a guerra colonial, onde o africano era o inimigo, o "turra".
Desde os seus primórdios, o Estado Novo contribuíra decisivamente para a disseminação de um racismo generalizado, garantindo-lhe até um carácter científico. Em exposições e congressos, nos trabalhos de diversas ciências coloniais, e em muitas publicações oficiais, expunha-se um outro africano culturalmente diferente, que fazia parte integrante do império português, mas que era colocado à parte, como se se tratasse de um todo racial e cultural discrepante. O império afirmara o atraso civilizacional das populações africanas, legitimando assim uma conquista colonial anunciada como uma missão de desenvolvimento destas regiões e dos seus povos. Justificou-se, desta forma, que Portugal atribuísse uma cidadania específica à maioria dos povos que governava, enquadrada pelo chamado sistema de indigenato, que cessou em 1961, precisamente no ano em que Eusébio começou a jogar no Benfica, depois de chegar a Portugal em Dezembro de 1960.
É evidente que as retóricas integracionistas do Estado Novo na década de 60 obrigavam a outras representações do africano, nomeadamente a de um sujeito colonial assimilado à sociedade portuguesa. Eusébio ajustava-se bem a esta imagem. A sua autobiografia, publicada em 1966 em Portugal e redigida por Fernando G. Garcia a partir de um conjunto de entrevistas (traduzida em inglês no ano seguinte), conta a história de um "bom rapaz", narrativa mestra e memória oficial a partir daí repetida em jornais, biografias e bandas desenhadas.
A "verdadeira" história de Eusébio apresenta um conjunto de etapas, do Bairro da Mafalala na Lourenço Marques colonial, onde vivia com a mãe Elisa num contexto de pobreza honrada, os jogos de bairro e a equipa dos "brasileiros", as idas à escola, o deslumbramento com o centro da cidade colonial, que pouco conhecia, a entrada no futebol local, a transferência atribulada para o Benfica e os diversos passos da brilhante carreira profissional.
Nesta história, a lista impressionante de feitos desportivos é intervalada pelo relato do casamento com Flora e pela incorporação de Eusébio, em 1963, no Exército português, profusamente fotografada e utilizada como propaganda. A incorporação militar, o casamento e a vida familiar contribuíam para a construção quase perfeita da biografia de um indivíduo assimilado, preocupado com o trabalho e com a família e plenamente integrado no Portugal de Salazar, um jovem de origens desfavorecidas que, apesar da sua notoriedade, continuava a perceber o seu lugar social.
A apropriação oficial da imagem de Eusébio não anulava os efeitos produzidos pelo facto de um negro se ter tornado uma figura dominante da cultura popular portuguesa. Eusébio entrou, tal como a fadista Amália, num universo de glorificação cultural até aí constituído por indivíduos com origens e percursos muito distintos, consagrados em actividades oficialmente legitimadas e de onde o futebol e o fado se encontravam afastados.
Apesar do reconhecimento do seu mérito, a apreciação entusiástica que mereceu não resultava de uma inusitada consciência de igualdade racial, tão-pouco poderia servir de prova de que a sociedade portuguesa estava preparada, devido a uma característica cultural adquirida, a aceitar a diferença. A relevância de Eusébio dependia do seu valor enquanto elemento de uma economia particular, no contexto de uma troca muito específica, proporcionada pelo processo de profissionalização do futebol. O jogador moçambicano oferecia quase todas as semanas capitais preciosos à representação nacional mas sobretudo clubista, a uma específica cidadania exercida diariamente por muitos indivíduos, quase todos homens, durante incontáveis encontros, conversas e imensas retóricas, nos quais se manifestava uma identificação, uma forma de apresentação na vida de todos os dias. Os que no campo representavam com o seu génio desportivo esta pertença (ser do Benfica, do Sporting, do Porto, ou da selecção) mereciam quase todas as recompensas, independentemente da sua origem ou da cor da sua pele. O valor de Eusébio nesta economia particular dependia da manutenção de um nível performativo constante, de um ritmo laboral intenso, com consequências físicas conhecidas, como asseveram as inúmeras cirurgias ao seu martirizado joelho.
As exibições no Mundial de 1966 ampliaram a reputação de Eusébio, oferecendo-lhe uma dimensão global. Este enorme atleta, personagem principal de uma cultura de consumo em expansão que gerava novas identificações, juntou-se à memória visual colectiva de uma geração, ao lado de outros ícones da cultura popular dos anos 60. Em Inglaterra, país que na altura já abdicara da grande parte das suas colónias, governada em 1966 por um governo trabalhista, os negros eram uma enorme raridade nos campeonatos desportivos e nenhum chegara à selecção nacional.
O efeito do poder mediático de vedetas populares como Eusébio foi alvo de escrutínio, as suas posições interpretadas, os resultados políticos dos seus actos avaliados. Se o Estado Novo sempre desconfiara da espectacularização do desporto assente no movimento associativo, veio depois a perceber que esta lhe podia ser útil. Para as oposições ao regime, menos preocupadas em reconhecer o efeito propriamente político da invulgar notoriedade social de um negro em Portugal, importava denunciar a utilização de Eusébio na defesa da "situação", enquanto elemento da narcotização do povo - ao lado do fado, do chamado nacional-cançonetismo e de Fátima - e especificamente da propaganda imperial, fundada na mitologia do pluri-racialismo, num período em que Portugal lutava pelos seus territórios numa guerra travada em três frentes.
É interessante verificar que nas últimas décadas Eusébio veio a tornar-se objecto de interesse para os estudiosos do continente africano, entendido como um pioneiro do futebol em África, um exemplo de talento extraordinário e, simultaneamente, ao lado de outros grandes nomes negros da história do desporto internacional, nomeadamente norte-americanos, desde Joe Louis a Jesse Owens, alguém que vingara num mundo fortemente discriminatório. O desejo de alguns académicos e jornalistas estrangeiros em encontrar no discurso de Eusébio posições emancipadoras e politizadas esbarrou quase sempre em respostas evasivas e no habitual refúgio no mundo do futebol. Na verdade, o universo que ele, desde pequeno nos espaços livres da Mafalala, aprendera a dominar. Para aquele que foi considerado, depois do Mundial de 1966, como "o melhor da Europa", e de quem se falava estar a disputar com Pelé o título de "rei do futebol mundial", África e a política africana estavam muito longe.

De regresso a África
O Estado Novo tratou de voltar a lembrar que Eusébio era africano, parte de um Portugal enorme que se prolongava para sul. Se é evidente que o impacto de Eusébio na sociedade portuguesa não pode ser avaliado apenas à luz de uma história política, sendo essencial investigar o efeito simbólico da notabilidade de um jogador negro, é também certo que na década de 60 a sua glória serviu a defesa de uma excepcionalidade colonial. Foi esta que serviu de justificação à soberania sobre os territórios africanos e a sua história, contada e recontada até aos nossos dias, contribuiu para lançar um manto sobre o passado, ajudando a reproduzir mitos sobre a tolerância racial dos portugueses.
Um ano antes do Mundial de 1966, o embaixador português Franco Nogueira, numa conferência na embaixada portuguesa em Londres (em Maio de 1965), falou sobre os princípios orientadores da política portuguesa em África: "O nosso primeiro princípio orientador é a igualdade racial - uma pequena noção que trouxemos para África há mais ou menos 500 anos". Portugal orgulhava-se do seu império se constituir como um "espaço multirracial", uma "democracia racial real" onde todos "trabalham harmoniosamente para os mesmos fins".
Falso e mitificador, o olhar de Franco Nogueira, ao incluir o império dentro da sociedade portuguesa, acabava por realçar o facto de que o mundo governado pelos portugueses na década de 60 era maioritariamente negro e africano, realidade por vezes esquecida nas análises historiográficas sobre Portugal. E qual era o lugar que a gestão colonial portuguesa atribuíra a esta grande maioria da população? Segundo a história mediatizada da vida de Eusébio existia em Moçambique um contexto de igualdade de oportunidades e uma ausência de preconceito racial, bem ilustrados por um percurso de mobilidade social, desde o Bairro da Mafalala até à metrópole e aos grandes estádios europeus.
Poderá um caso excepcional ilustrar a excepcionalidade de um regime colonial? É que o lugar da população africana, na grande sociedade portuguesa de 60, era bem diferente do representado pelo caso de Eusébio. A sua integração estava longe de estabelecer qualquer padrão que pudesse explicar os 500 anos de colonialismo de que falava Franco Nogueira.
Mais fiável parecia ser a história da cidade onde o jogador moçambicano cresceu. Desde a sua fase moderna, iniciada no final do século XIX e projectada pela industrialização da África do Sul, que Lourenço Marques se dividira entre um centro colono, predominantemente branco, e um subúrbio precário, predominantemente negro. Pela força, afastaram-se as populações locais para a periferia. Separada fisicamente, a mão-de-obra africana que se acumulava nos subúrbios, essencial para o funcionamento do sistema colonial, foi enquadrada por leis e normas. Estas regulavam uma discriminação racial, a qual era evidente não apenas na lógica do indigenato, mas que se traduzia no quotidiano, nos espaços públicos, nas escolas, nos transportes e nos locais de trabalho, onde sofreram durante muito tempo o flagelo do trabalho forçado. O historiador Valdemir Zamparoni explicou bem este mesmo processo, na sua tese sobre a capital de Moçambique.
Já depois do fim do indigenato persistia o que, num artigo publicado em 1963 no jornal A Tribuna, o arquitecto Pancho Guedes chamava de "cinto do caniço" que separava o centro urbano da "cidade dos pobres, dos serventes e dos criados", isto é a cidade dos africanos. Lourenço Marques carecia então, segundo o arquitecto, de "uma genuína integração social - ou serão os "pretos" só para estar nas cozinhas e nas recepções?"
Os habitantes dos bairros periféricos da cidade, onde nasceu Eusébio em 1942, trabalhavam nas indústrias locais, nos portos e nos caminhos-de-ferro, nos serviços domésticos, em actividades ditas informais, dependendo de pequenas lavras, ou faziam parte da forte emigração para o país vizinho, controlada e taxada pelo estado colonial. Esta estrutura laboral era fortemente racializada, pertencia a um sistema onde a cor da pele mostrava os contornos da organização social. Na grande sociedade portuguesa de 60, o lugar dessa maioria africana, mesmo depois do fim do indigenato, continuava a revelar a herança de um colonialismo predador e racista, não muito diferente dos outros colonialismos nos seus propósitos e objectivos, nos meios e nas estratégias, e absolutamente nada excepcional.
Explicada pela conjugação única entre a profissionalização do futebol e a procura de talentos, a força da cultura popular mediática e um regime que necessitava de defender por todas as formas o mito do pluri-racialismo lusófono, a carreira extraordinária de Eusébio não belisca a imagem pérfida do sistema colonial português. Tão-pouco deve servir de modelo para descrever, hoje, as relações raciais em Portugal.
Investigador do ICS-UL