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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

30 janeiro 2014

A FESTA DO CANHU!



A FESTA do canhu (ukanyi) já começou. Produzida a partir do fruto do canhoeiro, esta bebida mítica e secular é bastante apreciada e consumida pelas comunidades da região sul do país, com particular para os distritos de Boane, Moamba, Marracuene e Manhiça, na província de Maputo, onde mais se faz a festa.
Mas para além destes pontos, o canhu, que já começou a jorrar, é consumido na província de Gaza – e um pouco em Inhambane - por estas alturas do ano.
E porque nunca será redundante falarmos sobre o assunto, aqui recuperamos excertos retirados de um estudo intitulado “Ritual das Primícias de Ukanyi”, realizado e publicado Instituto de Investigação Sócio-Cultural (ARPAC).
Diz o estudo que ukanyi é um tipo de vinho tradicional de baixo teor alcoólico bastante apreciado, não somente pelo valor sócio-cultural que encerram as sessões de consumo, mas também pela sua conotação afrodisíaca. De facto, ao longo de gerações, o ukanyi tem sido objecto de muitos debates com relação à sua conotação afrodisíaca. Algumas pessoas se esforçam em consumi-lo, supostamente para o aumento da sua virilidade. Outras especulam negativamente em relação as tais propriedades.
O facto é que até agora não há confirmação científica. As conotações afrodisíacas são do domínio de crenças, essas propriedades têm sido atribuídas somente a uma parte de ukanyi, nomeadamente o hongwe que é a parte densa da bebida que fica no fundo do recipiente.
Tradicionalmente o hongwe era servido aos jovens de ambos sexos, como forma de dota-los de capacidades para uma melhor actividade sexual.
O suposto efeito afrodisíaco de ukanyi tem levado à tomada de medidas cautelares, durante os convívios, com a separação e distanciamento dos locais de dejecção, por sexo. Por outro lado, tem-se assistido à exposição de cordas para serem usadas contra os que perturbam a ordem e tranquilidade da festa de ukanyi.

A FESTA DA FAMÍLIA

Nos tempos idos a frutificação, fabrico e posterior consumo de ukanyi marcava a transição do ano no seio das comunidades. Uma outra importância associada ao ukanyi está relacionada, por um lado, com o fortalecimento das relações sociais e, por outro, com a criação de novos laços de solidariedade. É durante a época de ukanyi que se registam com maior frequência visitas entre indivíduos pertencentes a uma mesma família, incluindo membros de diferentes comunidades.
Durante o ano muitos membros das famílias ficam dispersos, cada um nos seus afazeres, mas chegada a época de ukanyi, as pessoas concentram-se, aproximam-se para conviver e discutir vários assuntos ligados à sua vida e a da sua comunidade. É também nesta ocasião que se fazem novas amizades.
O ritual de ukanyi cria e fortifica as redes de solidariedade entre habitantes de diferentes ecossistemas, o que por sua vez se revela importante na resposta às crises provocadas por calamidades naturais, no âmbito da segurança alimentar ou ruptura de reservas de sementes para a agricultura.
No que se refere à dimensão espiritual, o ukanyi reveste-se de uma importância crucial na manutenção do equilíbrio social. A época de ukanyi é vista com a fase de maior aproximação das populações locais aos espíritos dos seus antepassados, para fazer preces de vária ordem, tendo como finalidade a busca de um equilíbrio cosmológico, o que levou a sacralização da bebida e transformou-a num produto de venda proibida.
Para as comunidades do sul de Moçambique, o fabrico de ukanyi tornou-se numa das actividades que acompanham alguns momentos da sua vida. Com efeito, o ukanyi é indispensável nos eventos sócio-culturais, quer no seio da família, quer das comunidades.

RITUAIS ASSOCIADOS
Nas celebrações relacionadas com ukanyi, o seu consumo segue algumas regras costumeiras, nomeadamente três rituais fundamentais (kuphahla ukanyi, xikuwha e kuhayeka mindzeko), ou seja, as fases de abertura, festa e encerramento, respectivamente.
Estes rituais condicionam, na visão comunitária, o sucesso de toda a época de ukanyi, pois, supõe-se que esta bebida também alimenta os antepassados.
Todas as comunidades, independentemente do contexto social, realizam acções de modo a atingirem certa finalidade, seja política, económica ou cultural. Grosso modo, os ritos praticados testemunham a grande necessidade que o Homem tem de estar em harmonia com o cosmos.
Do ponto de vista mais pragmático, o ritual consiste na operacionalização de uma crença ou mais crenças, trazendo à superfície determinadas normas, valores e tradições comunitárias.
É neste contexto que o consumo de algumas bebidas tradicionais no seio das comunidades toma em consideração uma conjugação de factores sócio-culturais inerentes a cada grupo social. O ukanyi não é excepção. O seu consumo observa alguns rituais e mitos transmitidos de geração em geração, na base da oralidade.
Com efeito, para se proceder com o consumo de ukanyi, existem algumas regras a serem respeitadas: é preciso que o chefe de cada comunidade comece, em presença dos seus súbditos, o kuluma (ritual da abertura da época e o seu sentido ritual é tirar por certas cerimónias o carácter nocivo de um certo alimento) e só depois é que estes podem beber livremente nas suas povoações.
Tal acontece até hoje, o consumo liberalizado de ukanyi é antecedido por um ritual de abertura, conduzido por líderes comunitários, onde são evocados os espíritos dos antepassados. Este ritual é designado, de forma genérica por Kuphaha ukanyi.

IMPORTÂNCIA DO CANHOEIRO
O canhoeiro possui uma grande importância para as comunidades. Nalgumas, reveste-se de valores associados à sacralidade, noutras a aspectos políticos utilitários. Estas qualidades, por um lado, tornam esta árvore mítica e especial, no contexto da preservação cultural e, por outro lado, inserem-na na vivência política e quotidiana das comunidades.
A respeito da sacralidade, esta surge como uma tentativa de interpretação do mundo e, sobretudo de busca de tranquilidade espiritual. Trata-se de um fenómeno antigo, adoptado numa primeira fase para o estabelecimento de uma feliz convivência entre o mundo animal e o humano e depois, como uma resposta às dinâmicas societárias.
Com efeito, o canhoeiro acabou fazendo parte da cosmovisão e do modus vivendi das comunidades da África Austral, em geral, e de Moçambique, em particular.
Em suma, embora não seja de carácter obrigatório, variando de comunidade para comunidade, o canhoeiro é usado para as cerimónias de veneração ou evocação de espíritos dos antepassados (localmente, ou melhor, na região sul do país, apelidados por “gandzelo”).
No concernente aos aspectos políticos, o canhoeiro está associado a aspectos como a lealdade às tradições e o respeito aos símbolos comunitários. É neste contexto, que se estabelece a relação entre o canhoeiro e os aspectos políticos, pois, no seio das comunidades, esta árvore simboliza o poder do chefe tradicional.
O canhoeiro é das árvores que os líderes comunitários e seus súbditos se sentam à sua sombra, discutem e resolvem os vários problemas que afectam a comunidade.
Os frutos do canhoeiro em Moçambique caem somente de Janeiro a Março. Nas suas múltiplas utilidades figura também o processamento e fabrico de jam de fruta, doces variados, vinagre e xarope anti-tússico. Entretanto, as comunidades usam mais para o fabrico de sumo.
Refere-se igualmente, que na província da Zambézia, centro do país, os frutos do canhoeiro são colocados ao redor das machambas para afugentar algumas pragas, especialmente os ratos.

APLICAÇÃO MEDICINAL
O fruto, já maduro, pronto para ser esprimido e fermentado
No âmbito da medicina tradicional, as aplicações do canhoeiro se inserem no domínio do conhecimento tradicional ou local.
As comunidades usam a casca interna para o tratamento da malária, tosse, aftas, hemorróides, bem como no alívio às picadas de escorpiões e cobras. A raiz é usada como antidiarreico. As folhas são fervidas, produzindo-se um chá, usado no tratamento de má-digestão e na cura de dores de ouvido.
A casca do tronco é usada para variados fins medicinais.

TIMONGO
A semente do canhoeiro, localmente designado por “fula” é usada, após o processo do fabrico do sumo (ukanyi) para extrair a amêndoa (timongo) que as comunidades usam como tempero na confecção de diversos alimentos.
A amêndoa, melhor o timongo, é também iguaria, servida para acompanhar o consumo de bebidas alcoólicas ou ara servir a pessoas de importância especial, como o chefe da família, o filho ou o neto mais amado.
O consumo do timongo é um indicador social da posição hierárquica reservada à alguém e, em geral, de admiração ou respeito no quadro das relações de parentesco. Assim, o consumo do timongo permite evidenciar o status social do individuo, distinguindo-o dos demais.

 MARRABENTA E SUA HISTÓRIA UNINDO GERAÇÕES



A CIDADE de Maputo acolhe na sexta-feira a abertura da edição do Festival Marrabenta que será marcada por um mega-espectáculo no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), reunindo as velhas glórias da marrabenta e do cancioneiro popular moçambicano com músicos da nova geração, fazedores do estilo pandza/dzukuta.
Músicos como Dilon Djindji, Orquestra Djambo 70, Xidiminguana, Wazimbo, Mingas, Neyma, Stewart Sukuma, Mr. Bow, MC Roger, DJ Ardiles, entre outros da nova geração vão subir a palco do CCFM para um “show” que certamente ficará gravado na mente dos espectadores.  
Na cerimónia de lançamento do festival realizada na semana passada, na capital do país em Maputo, os músicos afirmaram estar devidamente preparados para fazer um grande “show”, e prometeram dar o melhor de si para a valorização da cultura moçambicana, ao mesmo tempo que apelaram ao público para se fazer em massa aos locais dos espectáculos. 
Na ocasião foi também anunciado que o evento vai pela primeira vez abranger as províncias de Maputo, Gaza e Inhambane. Desta forma, na província de Maputo o festival irá para além do CCFM abarcar o distrito de Marracuene (na vila-sede, onde se realiza o Gwaza Muthini, e em Matalane).
Em Gaza serão abrangidas as cidades de Xai-Xai e Chókwè e na província de Inhambane o evento terá lugar na cidade da Maxixe.
Num programa paralelo, será apresentado também amanhã no CCFM, o projecto “Marrabenta: Origem e Evolução”, desenvolvido pelo Arquivo do Património Cultural (ARPAC) desde Agosto de 2011 e que deverá posteriormente ser transformado em livro.
O projecto procura trazer elementos que contribuíam para o debate sobre este género musical. Trata-se de uma abordagem que procura situar a marrabenta no contexto sócio-cultural que lhe deu origem, desde o xitikini e xingobela xa ussiku das zonas rurais do Sul de Moçambique, passando pelas influencias adquiridas ao longo da história, como do trabalho nas minas da África do Sul e do sistema colonial. De um modo geral, a pesquisa descreve o percurso destas populações até a sua convergência nas zonas suburbanas de Lourenço Marques (actual Maputo), onde surgiu a marrabenta.
Na mesma senda, no dia 31 de Janeiro, haverá no Café Bar Gil Vicente, em Maputo, um intercâmbio musical entre os músicos Carlitos Gove e Jorge Domingos.
Entre os dias 6 e 8 de Fevereiro realiza-se na cidade de Maxixe, província de Inhambane, um Workshop de capacitação técnica e produção cultural orientado pela equipa do Festival Marrabenta aos organizadores do Festival Nacional da Cultura que terá lugar este ano naquela província. 

Marracuene dança marrabenta 

Como tem sido hábito, no domingo (2 de Fevereiro) espera-se que o “Comboio da Marrabenta” escale o distrito de Marracuene, integrado nas cerimónias oficiais do Massacre de Marracuene (Gwaza Muthini), onde terá lugar um concerto denominado “Festival Marrabenta Gwaza Muthini”.
O comboio vai apitar às 14:00 horas da Estação Central dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) com destino ao distrito de Marracuene transportando parte dos artistas que actuam no evento em interacção com os passageiros num ambiente de festa e descontracção.
Este comboio tornou-se um ícone do turismo cultural em Moçambique que surgiu por intermédio de uma parceria entre os organizadores do festival e os CFM.
O Festival Marrabenta tem desde a sua criação sido associado ao Gwaza Muthini que este ano celebra o seu 119º aniversário, uma data em que se evoca a resistência anti-colonial que opôs guerreiros comandados por Nwamatibyana, Zihlahla, Mahazule, Mulungu e Mavzaya ao Exército colonial português em 1895.
As cerimónias centrais desta efeméride têm lugar no distrito de Marracuene, onde é realizado o habitual “kuphahla” (evocação dos espíritos dos antepassados), seguido de uma deposição de flores junto ao monumento que lembra os guerreiros e a entoação do Hino Nacional e dos discursos de praxe.
Estão também agendadas várias actividades culturais para este dia, com principal destaque para o espectáculo musical, feiras de gastronomia e artesanato. Outra não mesmos importante atracção é o “ukanyi”, bebida feita com base no canhú (fruta do canhoeiro), bastante apreciada na zona Sul do país e consumida durante o mês de Fevereiro. Ela é preparada na véspera das festividades para que esteja disponível em quantidades suficientes para todos. 
O Gwaza Muthini foi um de uma série de combates que se deram no local, no âmbito da conquista portuguesa para a ocupação efectiva. Do ponto de vista português, essas batalhas eram conhecidas por Campanhas de Pacificação. Para os locais era resistência à ocupação portuguesa.
Entretanto, a celebração desta data não é de todo original do Estado moçambicano. Um ano após a batalha de Marracuene, em 1896, as autoridades coloniais portuguesas celebraram o Gwaza Muthini em memória dos soldados portugueses mortos na batalha.
A celebração por parte de Moçambique teve início em 1974, tendo havido na época apenas três celebrações, em 1974, 1975 e 1976.
A mesma voltou a ser reactivada pelo empresário moçambicano António Yok Chan em 1994. 
Para encerrar as actividades programadas para a VII edição do Festival Marrabenta na província de Maputo, no dia 3 de Fevereiro, o Centro Cultural de Matalane vai acolher o “Acústico Marrabenta”, uma sessão de música acústica concebida pelo falecido artista plástico Malangatana Velente Ngwenha, em 2009.
O Festival Marrabenta foi concebido pelo Laboratório de Ideias em 2008 e tem como objectivos valorizar e promover a cultura moçambicana, em particular a marrabenta, sem se dissociar das questões sociais bem como a promoção da cidadania, entretenimento e promoção de intercâmbio e diálogo entre a velha e nova geração.

Durante os sete anos do festival foram vários os artistas contribuíram para sucesso deste evento, alguns dos quais já não fazem parte do mundo dos vivos como são os casos de Augusto Rodrigues, Tony Django, Sox, Victor Bernardo e Frascisco Mahecuane.

3 comentários:

MATEMÁTICA AFRICANA disse...

Muito bom o seu post. Gostaria de entrevistá-lo. Sou brasileiro, estive em Nampula fazendo uma pesquisa sobre o jogo M'pale e lá fiquei sabendo que o jogo é jogado com as sementes do canhoeiro. Fiquei sabendo também sobre a festa do vinho do canhu e deste então, qualquer informação sobre o canhoeiro é de suma importância par minha tese. Estas informações aqui postadas no seu post, gostaria de acrescentar a minha tese, tendo em vista a importância de resgatar valores históricos africanos para nós brasileiros é resgatar nossa identidade afro-brasileira.
Meu contato: Rinaldo Pevidor Pereira

MATEMÁTICA AFRICANA disse...

Meu contato: rinaldopevidor@gmail.com

LUCRECIO SITHOLE disse...

BOM CONTEUDO TOMARA QUE SEJA APROVEITADO PARA O ENGRANDECIMENTO DA NOSSA HISTORIA. UM PEQUENO REPARO: O NOME DE UM DOS CHEFES TRIBAIS ESCREVE SE MABJAIA OU MAIS APORTUGUESADO MAGAIA.